sexta-feira, 15 de março de 2013

FORMAÇÃO CARMELITA



VIVER EM OBSÉQUIO DE JESUS CRISTO

OTC de Faro (Portugal)

1. A Pessoa de Jesus Cristo, centro da vida carmelita

A adesão a Deus, único Absoluto, como o Tudo da nossa vida (roteiro nº 5), traduz- se, para todo e qualquer carmelita, na adesão total, livre, pessoal e amiga a Jesus Cristo.  A esmagadora maioria dos artigos da ROTC gira em volta de Cristo, como vimos: seguimento e união a Cristo (art. 18- 19), mediante a conversão, purificação e transformação em Cristo, por ação do Espírito Santo (art. 21- 23), a fim de participar na missão de Jesus (art. 24 -27), animando as realidades temporais com o Espírito de Cristo (art. 28 - 29).

Toda a espiritualidade carmelita centra-se, pois, na pessoa de Jesus Cristo.  Porque o cristianismo, mais do que uma doutrina, é adesão a uma pessoa viva, a Jesus Cristo. O «vem e segue-me» Inicial (Mt 19,21 par), acompanha o discípulo de Cristo ao longo de toda a vida até à conclusão da sua caminhada sobre esta terra para celebrar o encontro definitivo com o Mestre (cf. Jo 21,19.22), tal como S. Teresa de Ávila o exprimiu, de forma tão bela, na véspera de expirar, a Jesus que vinha a ela no Santíssimo Sacramento: «Meu Senhor e meu Esposo.  Finalmente chegou a hora tão desejada. Chegou, por fim, o momento de nos vermos, ó meu Amado e Senhor meu. Já é a hora de caminhar.  Partamos, pois, em tão feliz ocasião. Seja feita a Vossa vontade. Eis que chegou a hora de eu sair deste desterro e de a minha alma Vos poder gozar plenamente, a Vós, a Quem tanto desejei» (3.10.1582).

A adesão a Jesus Cristo exprime-se logo no início da Regra carmelita numa fórmula lapidar: «Muitas vezes e de muitos modos os Santos Padres estabeleceram que, seja qualquer for o estado de vida a que se pertence ou o modo de vida religiosa que tiver escolhido, cada um deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente de coração puro e boa consciência» (R 2). O carmelita entende a sua adesão, seguimento e união ao Senhor como um «viver em obséquio de Jesus Cristo». Que quer isto dizer?

S. Alberto de Jerusalém, nosso Legislador, escreve a «Fórmula de vida» carmelita entre 1206 e 1214, dentro do contexto sociocultural do feudalismo. Neste contexto o servo entregava-se ao seu senhor, para viver no seu obséquio, ou seja, num compromisso solene de servi-lo, pondo a própria vida à sua disposição, para tudo o que ele quisesse, devendo o senhor, por sua vez, dar-lhe trabalho, defendê-lo nos perigos e dele cuidar nas necessidades. Para os primeiros carmelitas a expressão tinha um significado muito concerto, pois morando na Terra Santa, a poucos quilômetros da linha da frente, sabiam que se expunham à morte por causa da sua opção de vida por Cristo. Assim queriam «servi-lo fielmente», com fé viva e amor dedicado. «De coração puro», esquecendo-se de si mesmos, não interpondo obstáculos ou reservas, desculpas, limites ou condições, insistindo em seguir o Senhor à sua maneira, segundo o seu gosto, inclinação e modos de ver pessoais, mas antes seguindo o Senhor como Ele quer, segundo a Sua vontade, guiado por Ele, deixando «Deus ser Deus» em toda a sua vida e ser.  E «de boa consciência», procurando agradar-lhe em tudo, de coração dócil e pacífico, casto e reconciliado com Deus e os irmãos (cf. Mt 5,21-30).

2. Pôr Jesus no centro, como único Senhor da própria vida

Por isso a ROTC 17 diz: «O caminho do Terceiro começa com o ato de fé que o faz acolher Jesus e o acontecimento pascal como o sentido da sua vida, para se deixar conduzir por Ele, pondo-o no centro da sua própria vida». O Terceiro só caminha, então, quando Jesus, «Caminho, Verdade e Vida» (Jo 14,6) é o centro, a fonte e o objetivo da própria vida.

Muitos batizados pensam que para ser cristão basta ter a Cristo na própria vida. No centro estão as suas preocupações pessoais; são o “Ego” (o “Eu”), com tudo o que afetivamente faz parte dele: a família, o trabalho, a carreira ou mesmo escravidões físicas ou sentimentais. Neste quadro Cristo aparece na vida, mas não como o seu fundamento; Ele “funciona” antes como uma espécie de alavanca ou pronto-socorro que se põe a um canto, sempre disponível para resolver os problemas que entrem em conflito com os próprios interesses e necessidades pessoais. Em vez disso, aceitar Jesus Cristo como o único Senhor de toda a vida e pessoa significa entregar-se completamente a Ele, pondo-o no centro da própria vida, que deixa de ser sua para ser toda dele.

Neste caso, deixamos que fosse Jesus a conduzir a nossa vida, pondo-nos à sua disposição, para que o Senhor se sirva de nós conforme o beneplácito do Pai. Viver em obséquio de Jesus Cristo é, pois, ser todo de Jesus, para segui-lo, amar e obedecer, não à nossa maneira, mas em tudo conforme a sua vontade, segundo o Evangelho.

Trata-se de uma resposta livre de amor, fundada sobre uma verdadeira amizade, que, enquanto tal, assenta na mútua liberdade: «Já não vos chamo servos, mas amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos destinei para irdes e a dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça» (Jo 15,15s). O Terceiro responde livre e amorosamente ao chamamento à amizade e intimidade com o Senhor, porque também se sente gratuita, intima e indivisivelmente amado por Ele (ler Rm 8,28-39).

O Terceiro vive desta forma total, confiada e amorosamente abandonado ao Senhor e atento à Sua voz, para seguir os seus passos, obedecendo-lhe e agradando-lhe em tudo o que Lhe aprouver (cf. Lc1, 38). Como S. Teresinha afirmou: «Meu Deus, eu escolho tudo. Não quero ser uma santa pela metade; não tenho medo de sofrer por Vós; só tenho medo de uma coisa: de conservar a minha vontade. Tomai-a porque eu escolho tudo o que Vós quereis» (MA10v). Uma entrega que se traduziu na oferta incondicional de si mesma ao Senhor: «Há algum tempo tinha-me oferecido ao Menino Jesus para ser o seu brinquedinho. Tinha-lhe dito para não me usar como um brinquedo caro, que as crianças só podem olhar, sem ousar tocar, mas como uma bola sem valor que podia atirar ao chão, dar pontapés, furar, largar num cantinho ou apertar contra seu coração conforme achasse melhor; numa palavra, queria divertir o Menino Jesus, agradar-lhe, queria entregar-me aos seus caprichos infantis. Ele aceitou a minha oferta» (MA 64r).

3. Viver com Jesus para viver como Ele e tê-lo como a própria vida

A resposta ao apelo do Senhor para viver em Seu obséquio, aceitando o convite de entrar na sua amizade, traduz-se na vida do Terceiro carmelita no compromisso de viver sempre com Ele, na Sua presença: «Represente-se a pessoa diante de Cristo e acostume-se a enamorar-se da Sua sagrada Humanidade, trazendo-o sempre consigo, falando com Ele, pedindo-lhe ajuda nas suas necessidades, queixando-se dos seus sofrimentos, alegrando-se com Ele nas suas alegrias, d’Ele não se esquecendo em tais ocasiões, sem procurar orações já feitas, mas preferindo palavras que expressem os seus desejos e necessidades. Este é um excelente meio de progredir com rapidez... útil em todos os estados e um meio seguríssimo para progredir nos graus de oração, bem como ... para caminharmos com segurança, nos últimos graus de oração, livres dos perigos que o diabo possa pôr» (S. Teresa de Jesus, Vida 12,2-3).

O Terceiro carmelita vive com Jesus para ser como Jesus. Isto só é possível se estiver enxertado n’Ele, permanecendo em constante união com Ele e com todos aqueles que n’Ele estão, tal como o ramo na videira (cf. Jo 15,1-17), para que o Espírito Santo dele faça como que uma extensão de Cristo, tal como pediu Isabel da Trindade: «Ó meu Cristo amado, crucificado por amor, quisera ser uma esposa para o vosso coração, quisera cobrir-vos de glória, amar-vos... até morrer de amor! Sinto, porém, a minha impotência e peço-vos para me revestir dês de vós mesmo, identificando a minha alma com todos os movimentos da vossa, submergindo-me, invadindo-me, substituindo-vos a mim, para que minha vida seja uma verdadeira irradiação da vossa. Vinde a mim como Adorador, Reparador e Salvador. Ó Verbo eterno, Palavra do meu Deus, quero passar a minha vida a escutar-vos, quero ser de uma docilidade absoluta para tudo aprender de vós. Depois, através de todas as noites, de todos os vazios, de todas as impotências, quero ter os olhos sempre fixos  em vós e ficar sob vossa grande luz. Ó meu Astro amado, fascinai-me de modo que não me seja possível sair da vossa irradiação. Ó Fogo devorador, Espírito de amor: “vinde a mim”, para que se opere na minha alma como que uma encarnação do Verbo: que eu seja para ele uma humanidade de acréscimo na qual ele renove todo o seu Mistério. E vós, Pai, inclinai-vos sobre esta vossa pobre e pequena criatura e cobri-a com a vossa sombra, nela vendo só o Bem-Amado, no qual puseste todas as vossas complacências».

A nossa vocação é, pois, Jesus Cristo: «O Espírito de Cristo deve imbuir a pessoa do Terceiro a ponto de poder repetir com S.Paulo, “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”, de modo que todo o seu proceder seja feito “sob sua Palavra”» (ROTC 18; cf. Gl 2,20; R15).

Os meios para que isto se torne uma realidade são-nos apontados logo depois: «Jesus deve tornar-se progressivamente a Pessoa mais importante da sua existência. Isto significa ter uma relação pessoal, calorosa, afetuosa, constante com Jesus. Tal relação é nutrida pela Eucaristia, a vida litúrgica, a Sagrada Escritura e pelas várias formas de oração, induzindo o Terceiro a reconhecer Jesus no próximo e nos acontecimentos quotidianos e levando-o a testemunhar, pelas estradas do mundo, a marca indelével de Sua presença» (ROTC 19).

Assim o Terceiro será como a Virgem Maria, cristóforo (“portador de Cristo”), testemunhando gozosamente o Seu amor e anunciando profeticamente a Sua presença no meio dos homens (cf. Lc 1,39-56).

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