quarta-feira, 4 de julho de 2012


Senhora, levai-me ao vosso Santo Monte
e alegrai-me em vossa casa de oração.
Conduzi-me, Virgem Maria,
à Terra do Carmelo, para que eu possa
comer de seus melhores frutos.

NOSSA SENHORA DESCEU DO MONTE

 Fr. Patrício Sciadini (Cairo - Egito) - Julho de 2010

      Em 16 de julho temos uma festa que nós, brasileiros, sentimos muitíssimo, Nossa Senhora do Carmo, do bentinho sagrado  que temos recebido quem sabe quando criança e que tanto fala ao nosso  coração. O bentinho, o escapulário, sinal da bênção de Maria, de sua proteção materna que caminha conosco  e que nos faz sentir que jamais seremos sozinhos para enfrentar as lutas da vida. Há momentos em que  a presença da mãe se faz mais exigente, mais forte e mais urgente, como no mundo contemporâneo. É triste que desapareça um pouco a figura do pai, muito ocupado em tantas coisas, distraído em correr de um lado e de outro e que não tem tempo para parar, para escutar o grito dos filhos, ou contar o conto do velho  que ia no mato procurar lenha e encontrou um pobre, e quando ajudou o pobre,  caiu uma lágrima e a lágrima se transformou em tesouro. Hoje os tesouros não se encontram mais nos bosques mas sim no fundo do mar,  o petróleo tão  precioso que está contaminando as nossas águas, ou no ventre da terra  e a ganância nos faz romper o útero da terra na busca da não vida que é o ouro. É preciso que os pais  recuperem a sua dimensão de ternura como o pai de santa Teresinha,  que chamava a sua filhinha de “minha princesa”, e ela, comovida, chamava o seu pai de “meu rei”.

Mas a pessoa da mãe está sempre mais presente. Agora as mulheres  se deram conta de que babá não pode educar filhos e nem transmitir o amor materno, não podem substituir, que ventre de “aluguel” nunca será verdadeira maternidade. É o momento  tão  grande para o mundo  que só as mulheres, mães, esposas, poderão ajudar a ser diferente. Mas alguém já poderá se perguntar: mas que tem a ver tudo isto com a festa de Nossa Senhora do Carmo?

Maria, mãe de Jesus e nossa, nos ensina novos rumos, novos caminhos para não nos perdermos na floresta dos interesses egoístas  e  nem sermos obcecados pelo dinheiro e pelo bem estar econômico. Ela nos ensina que  o consumismo só tem uma  finalidade, esvaziar o nosso interior e tornar-nos ocos. Maria, mãe de Jesus, nos  toma pela mão e nos indica o rumo para fonte da verdade, da vida e do amor.

Nestes dias fiz um sonho. Era já o amanhecer. Sonhei que estava no monte Carmelo, nunca fui lá e pode ser que nunca irei. Gostei, um monte não  grande. Havia uma capelinha dedicada a Nossa Senhora do Carmo. Entrei e lá estava uma estátua de nossa Senhora, sentada num grande trono com o menino Jesus nos braços, estreitando-o ao coração. Rezei, pensei, cantei uma Salve Regina, me maravilhei de que Maria me sorrisse, porque ninguém pode sorrir ao meu canto a não ser por desprezo, porque sou desentoado, mas o sorriso de Maria era de aprovação e então me animei e cantei outra vez. Quando estava para ir embora Maria me olhou e me disse: “Abuna Patrik, leve-me com você, não quero mais ficar sozinha em cima deste monte, me leve à sua casa, e onde você for eu rei ao seu lado.” Resisti, mas não teve jeito, fui obrigado a levá-la comigo. E  fomos. Este sonho me ensinou tantas coisas.

MARIA ME ENSINOU A PARAR PARA ESCUTAR

Maria me ensinou que não se pode correr de um lado a outro. Devemos ter pressa como ela para levar o alívio a todos os que sofrem, ajudar, não sermos preguiçosos quando alguém nos estende a mão pedindo ajuda. Aliás para quem ama  não é necessário  que o outro peça ajuda. Quem ama ajuda sempre. Mas é necessário parar para escutar, abrir o nosso coração a todos  para que todos possam entrar em nós, sentar, ficar à vontade e contarmos nossos sofrimentos. Maria me ensinou que hoje as pessoas são  cada vez mais “panelas de pressão”, sofrem e sofrem e sofrem e não têm ninguém para desabafar, para derramar as lágrimas, para colocar as próprias mágoas. Maria me levou  por tantos lugares sofridos, eu queria correr, me fazia medo a pobreza, a miséria. Não  conseguia olhar crianças buscando comida nos lixeiros, nem podia  parar para olhar  pessoas enfermas, doentes que não tendo ninguém  se arrastavam  esperando a morte. Maria me pegou pelo braço e me obrigou a parar para escutar. Compreendi que quando se corre é porque temos medo de nós mesmos, dos outros e de Deus. E correndo achamos que tudo se esvaiu como neblina ao surgir do sol. Correr é pura covardia. Maria me ensinou que o seu lugar é o mundo, é ser caminheira e parar  em todos os lugares para escutar de onde vêm as vozes de socorro e correr para ajudar. Silenciosamente, no anonimato, sem os holofotes da imprensa e sem construir nem hospitais, nem igrejas, nem dispensários. Mas só ajudar, sorrir enxugar as lágrimas e ir em frente, sempre em frente, mas sem correr.

MARIA ME ENSINOU A REZAR E CONTEMPLAR

SEMPRE a oração  foi para mim uma meta, um ideal. Pode ser que nunca tenha conseguido rezar direito e como diz Santa Teresa nunca chegue à contemplação, que a minha oração não passe de um “pai nosso e ave Maria”  e nada mais. Maria me ensinou no sonho a rezar, me fez compreender que a oração não é estar horas a fio olhando para o céu,  mas que lembrasse que depois da ascensão ao céu de Jesus  vieram  anjos para dizer as apóstolos e a ela, que voltassem para Jerusalém. Que não ficassem olhando para o céu  somente, mas que olhassem também para a terra. Maria me mostrou claramente que rezar é viver com intensidade, com trabalho, com empenho o que está ao nosso alcance e que nunca nos desanimemos por nada. Me ensinou que rezar é enxergar no rosto desfigurado de tantos nossos irmãos  o rosto  desfigurado de Cristo, a imagem desfigurada do Pai. Não há política que engane. O rosto de Deus não se pode medir pela fome, pela velhice, pela dor, mas se mede pela transparência fulgurante da beleza do amor que se vive.

Maria me ensinou a não ter medo, mas  caminhar corajosamente aonde agora Deus me colocou, num povo novo, numa terra nova, o Egito, numa língua nova que provavelmente a minha língua nunca conseguirá decifrar, mas que posso falar  e me fazer compreender com gestos de simplicidade, de amor, com sorriso sincero e com transparência de agir. Maria me fez compreender que  o lugar de quem quer ser de Cristo não é nem aqui e nem aí, mas em todos os lugares. Onde houver uma  ou duas pessoas, Deus está. Sim,  Maria me ensinou também  a subir de vez em quando o monte Carmelo,  mas não para ficar lá, só  para entrar em comunhão de escuta da voz de Deus e depois sempre descer. Aliás, o subir e descer da transfiguração de Jesus é este movimento entre ação e contemplação. Comecei a repetir alguns versículos da bíblia do Magnificat, comecei a cantarolar palavras bíblicas que me fizeram sentir uma grande paz interior. Parece que era outro, que agora  podia ter a certeza da vitalidade da minha oração, na medida em que sabia servir a todos, sem fazer distinção de pessoas. A minha oração e contemplação se descomplicou... agora continuo a não saber rezar, a não buscar mais coisas grandes,  mas só a dizer a Deus com a palavra simples de uma criança que não quer crescer, que o amo.

MARIA ME ENSINOU A AMAR

MARIA me olhou com um olhar meigo e viu que estava cansado, com olheiras fundas, como diz minha mãe Domênica. Sentei-me numa pedra que me pareceu a poltrona mais confortável de Nova York. Maria me deixou descansar serenamente e cantou para mim uma canção que depois descobri que era o Salmo 130:

- Senhor, meu coração não é orgulhoso,
nem se eleva arrogante o meu olhar;
-não ando à procura de grandezas,
nem tenho pretensões ambiciosas!

-       Fiz calar e sossegar a minha alma;
ela esta em grande paz dentro de mim,
- como a criança bem tranqüila, amamentada
no regaço acolhedor de sua mãe.

-       Confia no Senhor, ó Israel,
desde agora e por toda a eternidade!

      Depois ela me convidou a continuar o caminho. E me perguntou: sabe você o que é o amor? A primeira palavra que veio na minha boca foi dizer que sim, que já tinha experimentado o amor, que sabia de cor algumas passagens da bíblia, mas depois preferi  responder que não sabia e que ela me dissesse.

                      O amor é silêncio, não necessita de palavras;
                       O amor é dar espaço ao outro;
                       O amor é ir aonde ninguém quer ir;
                       O amor é servir a quem ninguém quer servir;
                       O amor é não rejeitar ninguém;
                       O amor é partir sem saber para onde;
                       O amor é dar a vida toda sem reservas;
                       O amor é coragem de dizer não ao mal;
                       O amor é sangue que se derrama;
                       O amor é vida, verdade, caminho;
                       O amor é amor...
                       SABE-SE O QUE É,
                       Mesmo quando se preferiria não saber...
                       Amar é não perguntar, é só amar.

      Acordei-me  e vi que estava sozinho, mas tinha o rosto sereno, com o perfume do beijo de Maria, minha Mãe. Ela tinha voltado para o monte Carmelo, mas voltaria logo ao meu lado e ao lado de todos para caminhar conosco.

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