segunda-feira, 28 de novembro de 2011

2º DOMINGO DO ADVENTO:



JOÃO E A “CONVERSÃO”
Joaquim Manuel Garrido Mendes, scj
          Depois de termos refletido sobre o testemunho profético de João e as interpelações que esse testemunho nos traz, detenhamo-nos agora, um pouco, no convite que João faz aos homens (aos do seu tempo e aos de todos os tempos), no sentido da conversão.
           De fato, o essencial do anúncio do “profeta” João resume-se na palavra “conversão”. “Convertei-vos”,  diz ele, “porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3,2; cf. Mt 3,11; Mc 1,4).

SIGNIFICADO DE “CONVERSÃO”
          Quando falamos, neste contexto, em “conversão”, não estamos a falar de uma penitência externa, feita de exercícios piedosos, ou de qualquer experiência intelectual ou sentimental...
          Estamos a falar de algo mais radical, expresso no texto pela palavra grega “metanoia” (“conversão”, “mudança” – a palavra usada neste contexto por Mateus e por Marcos): uma transformação da vontade, uma mudança radical de consciência, uma nova atitude de base, uma escala de valores onde o egoísmo, o orgulho, a vaidade não ocupam os primeiros lugares.
          Falar de “conversão” é falar de uma mudança radical de pensamento, de uma viragem total do homem, de uma postura vital inteiramente nova.
          No contexto bíblico, a palavra “metanoia” refere-se a um movimento radical, total, que leva o homem a re-orientar a sua vida para Deus. O nosso grande drama é que, com freqüência, deixamos que outros valores (às vezes não tão “valorosos”) sejam a nossa prioridade; e Deus passa para um plano absolutamente secundário na nossa vida
          A “conversão” é, pois, um re-equacionar a vida, de modo a que Deus passe a estar no centro da existência do homem. É uma inflexão do sentido da existência, de forma a que nem o dinheiro, nem o poder, nem o sucesso, nem os amigos, nem a família tenham primazia; é uma inversão das prioridades, de forma a que Deus e os seus valores passem a ocupar o primeiro lugar. É por isso que João assume um estilo de vida pobre e simples, denunciador dos valores materiais.
          No Novo Testamento – e sobretudo nos evangelhos sinópticos – o conceito de “conversão” é entendido em referência a Cristo: converter-se é aderir à pessoa de Cristo, crer n’Ele segui-lo no caminho do amor e do dom da vida, acolher o seu projeto e os seus valores, entrar no “Reino” que Ele anuncia. É aderir a Cristo e à nova proposta de vida que Ele traz. Isso implica, naturalmente, despir-se do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do comodismo, do viver virado para os bens materiais; e implica construir a própria vida de acordo com outros critérios e outros valores – os valores do Reino, os valores de Jesus.
          É por isso que João fala de um “novo batismo” que Jesus traz, o “batismo no Espírito” (cf. Mc 1,8; Mt 3,11): trata-se de uma nova vida que Jesus vai propor aos homens e que se concretizará através desse Espírito de vida que Jesus quer transmitir a todos. Aceitar o “batismo” que Jesus traz é aceitar essa vida nova que Jesus propõe, que transforma o homem e o coloca numa nova atitude diante de Deus e diante dos outros homens.
          João é o “profeta” cuja missão é preparar os corações dos homens para que Deus lá tenha lugar. Propondo – com palavras e com gestos – uma nova atitude, João é aquele que prepara o caminho (cf. Mt 3,3; Mc 1,3; Lc 3,4-5) para que o Senhor possa chegar ao coração e à vida dos homens.

A INTERPELAÇÃO QUE JOÃO NOS FAZ

          Em termos pessoais, falar de conversão significa, em primeiro lugar, expulsar do nosso coração esses esquemas egoístas e esses interesses pessoais que açambarcaram a nossa atenção e que usurparam o lugar que Deus devia ocupar na nossa vida. Significa identificar e banir da nossa vida esses valores que impedem a irrupção do “Reino” no mundo e na vida de cada homem.
          Quais são esses interesses?
          Seguindo o itinerário de João (Lc 3,11-14), pensemos, em primeiro lugar, na escravidão dos bens materiais…
          Constatamos, hoje, que o verdadeiro motor da história é o dinheiro: ele compra consciências, compra poder, compra bem-estar, compra projeção social, compra reconhecimento e até compra amor… Por ele, mata-se, calcam-se aos pés os valores mais fundamentais, renuncia-se à própria dignidade, destrói-se a natureza, envenena-se o ambiente (que interessa o buraco do ozônio, a poluição dos rios, o desaparecimento da floresta amazônica, se isso fizer mais ricos os donos do mundo?), escravizam-se os irmãos... O dinheiro tornou-se o verdadeiro centro de poder no mundo; é a ele que tudo se subordina e submete.
          No entanto, quando a lógica do “ter” domina o coração de alguém, nasce a escravidão que aliena, que causa injustiça, sofrimento e morte. O homem é envolvido numa lógica de “ter sempre mais” que o torna obcecado com os bens… Quando o homem se deixa apanhar por essa lógica, o dinheiro passa a ser o seu deus fundamental e a verdadeira “medida” que define a realização e a felicidade do homem. Ter mais dinheiro (mesmo quando já o temos em excesso) significa obter mais reconhecimento, mais valor, mais posição.
         Entra-se numa viagem que nunca termina e que torna o coração do homem progressivamente  surdo a outros valores. Ele deixa de ter tempo para Deus, para a família e para si próprio. Não acompanha o crescimento dos filhos, não tem tempo para os amigos, não tem tempo para saborear as coisas simples da vida, não tem tempo para o amor; e, algures durante essa cavalgada louca em direção à terra do “ter”, ele deixa pelo caminho todas aquelas coisas pelas quais vale a pena viver e lutar. Torna-se uma máquina de dinheiro, em cujos olhos brilham cifrões, não a felicidade.
          João convida a não deixar que o “ter” nos escravize, nos aliene, nos feche num egoísmo frio e estéril. João convida-nos a descobrir “o outro lado”, o oposto do açambarcamento egoísta dos bens. Ele garante-nos que a salvação do homem não está no egoísmo, mas num coração aberto aos irmãos. Por isso, João avisa que a “conversão” passa pela partilha…
          Os bens que temos à nossa disposição devem ser sempre vistos como um dom de Deus e que, por isso mesmo, pertencem a todos: ninguém tem o direito de se apropriar deles em seu benefício exclusivo.
          A busca desenfreada e obcecada dos bens materiais, a indiferença que nos leva a fechar o coração aos gritos de quem vive abaixo do limiar da dignidade humana, o egoísmo que nos impede de partilhar com quem nada tem, significam que no nosso coração ainda não há lugar para acolher Jesus e a sua proposta. Dessa forma, não podemos celebrar o Natal, a vinda de Jesus à nossa vida e ao nosso mundo.
          Pensemos, em segundo lugar, na proposta que João faz aos publicanos: “não exijais além do que vos foi estabelecido”.
          Os publicanos são, neste contexto, o protótipo daqueles que conduzem a sua vida por caminhos de desonestidade, de corrupção, de roubo, de exploração. Trata-se, infelizmente, de um clube com muitos adeptos, muitas vezes disfarçados e escondidos, mas sempre ativos e em busca de oportunidades de negócios.
          João Batista não fica indiferente nem calado diante de um quadro de desonestidade, de especulação, de exploração. Ele sabe que numa sociedade onde alguns, para salvaguardarem os seus interesses egoístas, prejudicam toda a comunidade, não há lugar para Jesus nem para o “Reino”.
          Pensemos, em terceiro lugar, na questão da violência, da opressão, da injustiça. A pergunta dos soldados (“e nós, que devemos fazer?”) dá a João, a oportunidade para abordar esta questão.
          No séc. I, o Povo de Deus conhecia a dura experiência da opressão. Os mercenários romanos comportavam-se verdadeiramente como senhores absolutos em terra conquistada. Impunham-se pela força, aterrorizando as populações; mal pagos, exigiam com freqüência tributos para deixar as aldeias e as pessoas em paz. É o problema da violência gratuita e injustificada por parte daqueles que detêm o poder das armas, frente aos pobres e débeis.
          Este problema continua a ser de uma atualidade impressionante. Os militantes de qualquer grupinho terrorista fazem explodir aviões cheios de inocentes, destroem prédios onde vivem milhares de pessoas, colocam bombas que matam indiscriminadamente, em nome da luta pela a justiça e pela liberdade; os governos instituídos respondem na mesma moeda, lançam toneladas de bombas sobre “alvos seletivos”, massacram populações inteiras e justificam-se dizendo que são os “danos colaterais” da guerra contra o terrorismo…
         Os estados promulgam leis violentas, que reduzem os direitos dos trabalhadores e que saqueiam os bolsos dos pobres; reprimem os imigrantes clandestinos e repatriam-nos, condenando-os a uma vida sem qualquer perspectiva, de miséria e de morte…
         Nos tribunais, os pobres têm de esperar vários anos, antes que lhes seja feita justiça (e, muitas vezes, não há justiça, porque o crime prescreveu, ou o juiz não tem a coragem de afrontar os direitos dos ricos e dos poderosos); nas repartições públicas, os funcionários gastam o tempo a tomar café ou a conversar sobre assuntos triviais e deixam as pessoas a esperar, durante várias horas, que alguém se digne prestar-lhes atenção; nos hospitais, as pessoas fragilizadas pela doença têm de esperar várias horas nos corredores, antes que alguém se digne atendê-las e tomar conta dos seus padecimentos…
          Nas próprias famílias, acontecem casos de crianças maltratadas, impedidas de viver uma infância normal; e, tantas vezes, a violência familiar derrama-se sobre as pessoas mais frágeis, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista psicológico, quer do ponto de vista econômico…
          É neste contexto que continua a ecoar a palavra de João: “não exerçais violência sobre ninguém”…
          É um apelo a respeitar o outro, a respeitar a sua dignidade e integridade, a respeitar os direitos de todos aqueles que vivem ao nosso lado numa situação de fragilidade e de debilidade. É um apelo a substituir as relações baseadas no poder, na prepotência, por relações baseadas no amor e no serviço.
          O apelo do profeta João é claro: não é possível acolher o Senhor que vem e embarcar na proposta do “Reino”, enquanto houver nos nossos corações sinais de intolerância, de prepotência, de abusos de autoridade, de indiferença pela sorte dos irmãos que sofrem e que dependem de nós; não é possível Jesus nascer no nosso coração e na nossa vida quando ainda não nos livramos da tendência para a injustiça, para a violência e não assumimos uma atitude de humildade, de simplicidade, de amor e de serviço.
PARA UM QUESTIONAMENTO PESSOAL OU EM GRUPO:


• Diante do apelo à “conversão”: estou disposto a pôr em causa os meus esquemas (se chegar à conclusão que eles não se regem pelos critérios de Jesus)?
• Aceito tentar a ruptura com os valores egoístas e comodistas que ainda podem residir em mim?
• O que é que eu teria – prioritariamente – de mudar, a fim de que Jesus encontre um lugar acolhedor no meu coração e na minha vida?
• Tenho lugar para as propostas libertadoras que Ele traz, ou estou demasiado apegado às minhas coisas, aos meus interesses, aos meus pequenos egoísmos?
• Estou disposto a acolher Jesus – sabendo que acolher Jesus é aderir aos seus valores e às suas propostas – e, depois, a anunciá-lo, a dá-lo aos meus irmãos?
• As nossas comunidades e nós próprios damos testemunho desta partilha que é sinal do Reino proposto
por Jesus?

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