segunda-feira, 5 de agosto de 2013

6 de agosto - Transfiguração do Senhor

Evangelho (Mt 17,1-9): Naquele tempo, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João e os fez subir a um lugar retirado, no alto de uma montanha, a sós. Lá, ele foi transfigurado diante deles. Sua roupa ficou muito brilhante, tão branca como nenhuma lavadeira na terra conseguiria torná-la assim. Apareceram-lhes Elias e Moisés, conversando com Jesus. Pedro então tomou a palavra e disse a Jesus: «Rabi, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias». Na realidade, não sabia o que devia falar, pois eles estavam tomados de medo. Desceu, então, uma nuvem, cobrindo-os com sua sombra. E da nuvem saiu uma voz: «Este é o meu Filho amado. Escutai-o!». E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém: só Jesus estava com eles. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos. Eles ficaram pensando nesta palavra e discutiam entre si o que significaria esse «ressuscitar dos mortos».
ou Marcos 9, 2-10 ou Lucas 9, 28b-36

Comentário: + Rev. D. Joan SERRA i Fontanet (Barcelona, Espanha)

Este é o meu Filho amado

Hoje o Evangelho nos fala da Transfiguração de Jesus Cristo no monte Tabor. Jesus, depois da confissão de Pedro, começou a mostrar a necessidade de que o Filho do homem fosse condenado à morte e anunciou também a sua ressurreição ao terceiro dia. É neste contexto que devemos situar o episódio da Transfiguração de Jesus. Anastácio, o Sinaíta escreve que «Ele tinha se revestido com nossa miserável túnica de pele, hoje se colocou a veste divina, e a luz o envolveu como um manto». A mensagem que Jesus transfigurado nos traz são as palavras do Pai: «Este é o meu Filho amado. Escutai-o!».(Mc 9,7). Escutar significa fazer sua vontade, contemplar sua pessoa, imitá-lo, por em prática seus conselhos, tomar nossa cruz e segui-lo.

Com o propósito de evitar equívocos e más interpretações, Jesus «ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos». (Mc 9,9). Os três apóstolos contemplam a Jesus transfigurado, sinal de sua divindade, mas o Salvador não quer que se divulgue até depois de sua Ressurreição, quando se poderá compreender a dimensão deste episódio. Cristo nos fala no Evangelho e em nossa oração; então poderemos repetir as palavras de Pedro: «Rabi, que bem estamos aqui» (Mc 9,5), sobretudo depois de ir a comungar.

O prefácio da Missa de hoje nos oferece um belo resumo da Transfiguração de Jesus. Diz assim: «Porque Cristo, Senhor, tendo anunciado sua morte aos discípulos, revelou sua glória na montanha sagrada e, tendo também a Lei e os profetas como testemunhas, os fez compreender que a paixão é necessária para chegar à gloria da ressurreição». Lição que cristãos não devem esquecer nunca.

Oito dias depois destas palavras.
Mt e Mc falam de «seis dias». São Lucas fala de «oito». E acrescenta «depois destas palavras», ou mais literalmente “depois deste discurso” ou “depois destes acontecimentos”.
Que acontecimentos: Depois da primeira missão e do regresso dos Doze; depois da multiplicação… Depois de que discurso? Oito dias depois de Jesus ter falado sobre a necessidade de o Filho do Homem sofrer, ser entregue e morrer, para ressuscitar (Lc.9,21-22) e depois de ter enunciado umas cinco máximas sobre o seguimento dos discípulos (Lc.9,23-27).
Em todos os evangelhos, a Transfiguração situa-se depois do primeiro anúncio da Paixão. Em Lc., na frase anterior ao relato da transfiguração falava-se de «ver o Reino de Deus», isto é, de reconhecer a realeza do Senhor Ressuscitado. É o que de certo modo vai acontecer por antecipação, em visão.
A expressão «oito dias depois» pode sugerir-nos as aparições do Ressuscitado.

Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago
Repare-se na ordem dos três íntimos de Jesus, que é diversa da de Mt e Mc: Pedro, Tiago e João…

e subiu ao monte, para orar.
Já sabemos do valor simbólico do monte, como lugar de revelação… Lucas precisa a finalidade da subida: «para orar». Aliás é muito comum em São Lucas o acento na Oração. A própria transfiguração acontece, «enquanto orava».

Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente.
Lucas não fala, como Mt e Mc, de «transfiguração» ou de «metamorfose». Diz apenas que o seu “rosto” se tornou outro, se tornou distinto do que tinha. Evoca a experiência de Moisé (Ex.34,29) que, quando saía da tenda, tinha o rosto resplandecente, iluminado pela glória de Deus. O que os discípulos vêem no seu rosto é a «glória de Deus».

Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias.
A referência a Moisés e Elias, que aparecem «em glória», prepara para o acolhimento de Jesus, como Palavra definitiva do Pai. Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas, todo o Antigo Testamento e acenam para Jesus, que deverá agora ser o «escutado». No caminho de Emaús, Jesus retoma os textos da Lei e dos profetas para iluminar o sentido dos acontecimentos da sua morte e ressurreição (Lc. 24,27.32).

que, tendo aparecido em glória, falavam da «partida» de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém.
Lucas é o único que revela o conteúdo da conversa. Literalmente, falam do «êxodo», da «partida», da «passagem» de Jesus para o Pai. Falam afinal da sua morte, ressurreição e ascensão Jerusalém é o lugar para onde tudo se encaminha.

Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que estava a dizer
Temos aqui as reacções dos discípulos, que vão do «sono pesado», ao «despertar» (da morte à vida) até ao desejo de permanecer ali. É uma reação de sentimentos opostos e confusos, mas que denota a experiência real de quem segue Jesus entre o cansaço, a ilusão e o desejo de segui-lo. Só Lucas diz que eles «viram a glória de Jesus», (cf. II Pe 1,17-18) fizeram a experiência da sua Luz. Tratam Jesus não por «Rabi», mas por «Mestre». Como Mc, Lc refere que Pedro não sabia o que estava a dizer. Era impossível deter a beleza da experiência que ali fizeram.

Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».
A cena é muito semelhante à do Batismo (Lc.3,22). Trata-se de uma teofania. Deus manifesta-se. A nuvem, a sombra, aponta, para o cenário das grandes revelações. Até então Jesus perguntara: «Quem dizem os homens que Eu sou» (v.18). Agora é o próprio Pai que, como na Baptismo, o declara Filho seu, mas agora seu “Eleito”. O versículo 35 é o versículo chave desta revelação. Repare-se que não se diz «Filho muito amado» ou «Filho querido», mas «Eleito». E diz-se que é «Este» e não outro. E é a este Filho e não a Moisés ou a Elias que devemos escutar: “A Ele escutai», diz literalmente. O foco de luz, de certo modo, passa de Moisés e Elias para se fixar unicamente em Jesus.

Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho.
Jesus fica «isolado», só sobre Ele é que a luz «deste cenário» incide. Ele é a Palavra definitiva do Pai. Moisés e Elias ficam em contra-luz.

Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.
O «segredo» é típico do Evangelho de Marcos e aparece aqui, de novo, «naqueles dias» ou mais literalmente «por

O MISTÉRIO DA TRANSFIGURAÇÃO

Raniero Cantalamessa

No mistério da Transfiguração, a Igreja não celebra apenas a transfiguração de Cristo, mas também a sua própria. São Paulo usa duas vezes o verbo transfigurar-se (em grego, transfigurar-se e transformar-se são termos equivalentes) com referência aos cristãos, e nas duas vezes indica algo que tem lugar aqui e agora: “transformai-vos pela renovação de vosso espírito” (Rm 12, 2).

O verbo, que é traduzido por “refletir como em um espelho”, pode ter por si mesmo dois significados. O primeiro, adotado pelos antigos, é “contemplar como em um espelho”; o segundo, preferido pelos modernos, é “refletir como um espelho”. No primeiro caso, Cristo é o espelho no qual contemplamos a glória divina, no segundo, nós somos o espelho que, contemplando Cristo refletimos a glória divina.

A interpretação antiga é às vezes criticada pelo fato de levar a pensar que, desse modo, Cristo seria equiparado ao restante do mundo criado, o qual é também definido como espelho (cf. 1 Cor 13,12), mas nada obriga a pensar que o Apóstolo use o termo no mesmo sentido nos dois textos.

Também o homem é imagem de Deus, e, no entanto, isso não impede o Apóstolo de definir também Cristo como "Imagem de Deus", em um sentido diferente e mais forte. Ambas as nuances mantêm-se, portanto, unidas, como procede uma autorizada tradução moderna da Bíblia que sugere entender a expressão no sentido de que "nós contemplamos e refletimos", isto é, "refletimos o que contemplamos".

Segundo o Apóstolo, é preciso ir além. O homem não só reflete o que contempla, mas transforma-se naquilo que contempla. Con­templando, somos transfigurados na imagem que contemplamos. Trata-se de um pensamento cuja profunda verdade talvez tenhamos hoje melhor aptidão para apreender.

Se em determinada época, nos inícios do materialismo científico, afirmava-se: "O homem é aquilo que come", hoje, numa civilização totalmente dominada pela ima­gem e pela comunicação visual, deve-se dizer: "O homem é aquilo que vê".

A imagem tem o poder de penetrar não só no corpo, mas na própria alma por meio da fantasia. O olho é "a lâmpada da alma" (cf. Mt 6,22); e é também a porta da alma. Contemplando Cristo, diz, portanto, o Apóstolo, nós nos tornamos semelhantes a ele, conformamo-nos a ele, consentimos que seu mun­do, seus propósitos e seus sentimentos se imprimam em nós, que substituam nossos pensamentos, propósitos e sentimentos, que nos façam semelhantes a ele.

 Ocorre na contemplação o mesmo que na fotografia, e é curioso descobrir que o próprio termo "fotografar" aparece pela primeira vez em um autor bizantino do século XII, precisamente para indicar o que acontece quando a alma contempla o Cristo. "Preservemos" - afirma ele - "com toda a atenção o espelho da alma, no qual usualmente imprime-se e fotografa-se (photeinographein) Jesus Cristo, sabedoria e potência de Deus." Mas não é exatamente o que constatamos por nós mesmos? Certas ima­gens têm o poder de ficar gravadas em nossa mente e nela permane­cer como grafites em muros de cimento.

O Tabor foi o alicerce instituidor e continua a ser o apelo mais forte a essa contemplação de Cristo que transforma. Ele é, por exce­lência, o mistério da contemplação de Jesus. No "monte santo", como o chama São Pedro, os apóstolos foram contempladores, espectadores, testemunhas oculares da grandeza de Jesus (cf. 2Pd 1,16-18). Em outros mistérios, prevalece a atualização sacramen­tal ou litúrgica; na Transfiguração, prevalece a direção intencional que é a contemplação.

Com efeito, não existe um sacramento para celebrar a Transfiguração, como há para o batismo de Cristo e pa­ra a sua morte e Ressurreição.Todavia, não pretendemos contentar-nos em fazer uma simples reflexão sobre o tema da contemplação de Cristo, mas também, tan­to quanto possível por meio das páginas de um livro, uma experiên­cia de contemplação. Nesse caso, queremos igualmente chegar ao "âmago do assunto", sem nos limitar à idéia do fato.

Assim, as meditações que reunimos neste livro foram concebidas como outras tantas subidas matutinas ao monte Tabor, com o propósito de pas­sar meia hora "de olhos fitos naquele que é o iniciador da fé e a conduz à realização" (Hb 12,1), retornando depois, revigorados, ao trabalho quotidiano. O propósito da contemplação consiste precisa­mente em ir além da letra e reviver dentro de si os sentimentos e os estados de espírito: de Jesus, dos apóstolos, do próprio Pai celeste quando proclama: "Este é o meu Filho bem-amado".

Os pintores do ícone, representando Moisés e Elias curvados quase como um arco diante de Jesus, convidam-nos a nos identificar com eles, fazendo nossa a sua atitude de adoração ilimitada. Todo ícone deve refletir em si a mesma luz que brilhou no Tabor. Todo ícone de Cristo deve levar a entrever o invisível através da imagem do visível, exatamente como a divindade de Cristo transpareceu no Tabor por entre o véu de sua carne. 

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