quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Capítulo Geral

3 a 20 de setembro
Ícone e reflexão feita pela Ir. Miriam Tamiano, O.Carm.
Ícone de Maria, Mãe da Evangelização.


Cada ícone mariano carmelita recorda e busca tornar visível a relação de Maria com o Filho. Desde o séc. IV se fixam os tipos de imagem que refletem os principais aspectos da teologia mariana: o aspecto teológico segundo o qual Maria é fundamentalmente a Theotokos, título que indica seu papel na história da salvação, e o aspecto espiritual que evoca seu papel de intercessora[1].

Neste ícone, Maria apresenta-se também como Virgo Puríssima: sinal autêntico de estar cheia de graça é a sua virgindade, a beleza de sua alma[2]. Ela indica o caminho: Jesus, o Verbo de Deus, e neste gesto evangeliza. Como Mãe da Evangelização, toca o íntimo do coração do homem com o ornamento incorruptível dum espírito doce e sereno (1Pd 3,4); o verdadeiro ornamento do ser humano que transparece através de toda a pessoa e resplandece no olhar expressa-se no sorriso, reflete-se na gesticulação. A posição dos quatro santos é harmônica e frontal; estão circundados, como Maria e Jesus, de um nimbo[3] luminoso definido por um contorno externo branco.

Neste ícone, encontramos representados homens transfigurados: os santos. As imagens que conformam os espaços, símbolo de uma presença luminosa, não estão, como de costume, postas abaixo, aos pés de Maria, sob seu manto. As figuras inteiras se estendem simetricamente nos quatro ângulos e estão situadas dentro de nichos extraídos com um efeito de diferente brilhantura do ouro; o mesmo está presente ao redor de Maria, irradiação de uma luminosa presença. A colocação de Santo Alberto de Jerusalém, de Santa Teresa de Ávila, do Beato Tito Brandsma e de Santa Madalena de Pazzi em torno de Maria está fora de um espaço e de um tempo preciso. Podemos contemplar sua presença entre nós, aqui mesmo. Não são atemporais, mais “trans-temporais”, ou seja, atravessam toda a história estando dentro de nosso tempo.

Os contornos nítidos, irradiantes e elevados, símbolo de verdade e transparência, estão sustentados por uma luz que surge no fundo do ouro e parece projetar os santos dentro da realidade luminosa na que Deus, sol de justiça, doa sua presença. Os perfis do Beato Tito e de Santa Madalena apresentam-se leves e tocam apenas a base, enquanto Santo Alberto e Santa Teresa estão quase suspensos, mesmo que a estilização que transfigura o corpo humano o respeite sempre em sua concreção. Certa sobriedade das figuras evidenciando de algum modo o impulso do homem para o eterno, como chama silenciosa que resplandece no olhar, evidencia-se pelo deslizamento do plano no qual se ressalta a figura de Maria, mas régia nas pregas das vestiduras, que se tornam alteradas nos pontos de luz branca do manto. Em Maria se conservam as cores próprias do hábito carmelita, se bem que na túnica e no manto encontramos sugeridos, nas linhas de grafia e nas sombras, o azul e a púrpura respectivamente, em fidelidade ao cânon que a tradição expressa para as vestes da Hodighitria. A linguagem é simples e universal.

A figura humana, transfigurada e estilizada, expressa a experiência de uma luz interior que atravessa também fisicamente a pessoa. O homem iluminado, de seu rosto emana a luz [4].

Somente Santa Teresa fixa o olhar na Mãe de Deus; os outros olhares se dirigem em direção ao observador, o orante, a nós. O ícone permite o encontro dos olhares em outros níveis. Já não somos nós que observamos a imagem, mas, como frente a qualquer outro ícone, podemos experimentar que também somos observados. Seus olhos fixam-se em nós; porém, diferentemente de outros quadros nos quais as pupilas seguem todos os movimentos do ambiente em que estão colocados, no ícone o olhar deixa-nos sempre livres para voltar a olhá-lo e responder àquele olhar dirigido ao observador. O ícone nos obriga a voltar a observar. Eles estão presentes aqui, diante de nós, e não em qualquer parte no espaço, senão frontalmente.

As silhuetas dos carmelitas são sombrias na estilização da capa, e as vestes possuem relevos que se deslizam para a tonalidade cor terra do manto de Santo Alberto, para serem iluminadas, acesas, vivificadas e recolhidas na transparência das vestes da Mãe de Deus. É nela que também reverberam as cores do céu e da profundidade dos abismos, ao passo que, na candura da capa, na transparência do branco, emerge o fogo do vermelho do manto, que como nuvem reveste aquele que olha, envolvendo-o num abraço de esperança e salvação.

Como em cada ícone em que a Mãe de Deus conduz ao caminho que é Cristo (Hodighitria), aparecem duas fontes de luz dentro da representação: o rosto de Maria com as pálpebras veladas de escuro em tensão com os relevos da fronte e do nariz, que fazem a figura mais melancólica, porém sempre alargada; e a figura do menino sentado no braço esquerdo, em posição régia, apenas voltado para a Mãe: é Ele a fonte da divindade e da luz, é Ele, ao mesmo tempo, o evangelizador por excelência e a Boa Notícia. Apresentado por Maria, é por Ele iluminada, convertendo-se, por sua vez, em fonte de luz e esperança. A Cristo se dirige o gesto adorador de Santa Madalena e do Beato Tito.

A posição da mão direita da Virgem indica a intercessão ante o Filho. Ainda que estático, o jogo das mãos sobre o fundo branco assinala a centralidade da atenção visual ligeiramente deslocada ao alto em relação à centralidade do campo visual, e convida à escuta orante da escritura cujo rolo branco é segurado pela mão esquerda do Filho.

A ausência de horizonte situa a Mãe de Deus no centro, e as Testemunhas, numa dimensão de circularidade em relação a ela. Na iconografia não existe um verdadeiro e próprio horizonte, mas sim planos de atenção sobrepostos que posicionam a cena deixando-a suspensa no espaço, visto que o lugar e o tempo do evento é o presente. Maria está agora entre nós e acompanha nossa caminhada de carmelitas.

O sentido de circularidade sublinha o que é central no ícone: o ventre de Maria e o menino ligeiramente deslocado à sua esquerda. É Ele o Senhor da vida, nosso Oriente ao qual deve dirigir-se nosso olhar. No conjunto dos rostos, é Ele o lugar do encontro.

Na tradição da igreja antiga, Orígenes fala de um Deus que se encarna através de seu ícone, através do visível, do limitado. Ele é o Invisível, o Ilimitado. Nessa perspectiva, cada ícone mariano também deve remeter ao verdadeiro ícone que é o ser humano, cujo protótipo é Jesus Cristo, esplendor do Pai. Contemplar a teofania de Jesus, ou seja, vê-lo vivo, é aquela experiência que nossos pais experimentaram no Monte Carmelo, junto à fonte, e impulsionaram outros a seguir seu exemplo até nossos dias para que aprendam a arte do “olhar interior”, fonte reflexa de verdadeira luz[5].  Hoje, também nós, na imagem de sua Mãe, no gesto benévolo com o qual evangeliza, indicando a Jesus como caminho, somos convidados a escrever, no encontro e na amizade, nosso ícone de carmelitas transfigurados no resplendor de uma luz imaterial que tudo envolve, porque nosso olhar pode fazer novo o habitual e o ordinário[6].

[1] Estes aspectos dos ícones marianos assemelham-se ao desenrolar da presença de Maria na vida do Carmelo. Contemplá-la como Mãe de Deus (aspecto teológico) é a base de qualquer aproximação a ela, de senti-la como irmã e Mãe: por sua aproximação ao Filho e ao homem, sua intercessão é garantia de segura esperança (aspecto espiritual), como também o seu fazer-se modelo de vida realizada o projeto de santidade pessoal (aspecto antropológico). Suas representações estão vinculadas ao papel que realiza (aspecto epifânico), manifestando a essencialidade do vínculo com Cristo.

[2] As três cruzes de luz – só duas são visíveis – se explicam habitualmente como símbolo da virgindade antes, durante e depois do parto; é interessante também a aproximação à Trindade, da qual se convertem em símbolo. Maria é lugar da presença trinitária, Arca do Deus Uno e Trino durante nove meses.

[3] Nimbo provém de nimbus : nuvem da glória de Deus, particularmente evidente na pessoa santa. Diferencia-se da auréola, de aures, que remete à coroa da vitória que o santo recebe ao concluir o bom combate. Em conclusão, o nimbo sublinha o aspecto do dom, da graça, enquanto que a auréola sublinha o mérito. Graficamente, o nimbo é tridimensional, vê-se sempre igual mesmo que o santo se mova circularmente; a auréola converte-se logo num diadema (oval quando o santo dá voltas e, às vezes, um disco plano).

[4] A luz interior manifesta-se pelo rosto. Recorda Qoelet:” A sabedoria do homem faz brilhar o seu rosto” (8,1)

[5] Cf. M.G. MUZJ, Visione e presenza Iconografia e teofania nel pensiero di André Gabar (Ed. La Casa di Matriona; Milano 1995) 214.


[6] A finalidade do ícone não é provocar nem exaltar um sentimento humano natural. Sem suprimir nada de nossa humanidade, nos orienta a uma “transfiguração” de todos os nossos sentimentos. Cada manifestação da natureza humana se reflete, adquire seu verdadeiro sentido na harmonia da vida que progressivamente se abre à visão do limite de sua habitabilidade e beleza, no Mistério de uma humanidade transfigurada.

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