quarta-feira, 25 de outubro de 2023

28 de outubro: São Simão e São Judas, apóstolos

1ª Leitura (Ef 2,19-22):
Irmãos: Já não sois estrangeiros nem hóspedes, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, que tem Cristo como pedra angular. Em Cristo, toda a construção, bem ajustada, cresce para formar um templo santo do Senhor; e em união com Ele, também vós sois integrados na construção, para vos tornardes, no Espírito Santo, morada de Deus.
 
Salmo Responsorial: 18
R. A sua mensagem ressoou por toda a terra.
 
Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos. O dia transmite ao outro esta mensagem e a noite a dá a conhecer à outra noite.
 
Não são palavras nem linguagem cujo sentido se não perceba. O seu eco ressoou por toda a terra e a sua notícia até aos confins do mundo.
 
Aleluia. Nós Vos louvamos, ó Deus; nós Vos bendizemos, Senhor. O coro glorioso dos Apóstolos canta os vossos louvores. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 6,12-19): Naqueles dias, Jesus foi à montanha para orar. Passou a noite toda em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou os discípulos e escolheu doze entre eles, aos quais deu o nome de apóstolos: Simão, a quem chamou Pedro, e seu irmão André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado zelote; Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, que se tornou o traidor. Jesus desceu com eles da montanha e parou num lugar plano. Ali estavam muitos dos seus discípulos e uma grande multidão de gente de toda a Judéia e de Jerusalém, e do litoral de Tiro e Sidônia. Vieram para ouvi-lo e serem curados de suas doenças. Também os atormentados por espíritos impuros eram curados. A multidão toda tentava tocar nele, porque dele saía uma força que curava a todos
 
«Jesus foi à montanha para orar»
 
Rev. D. Albert TAULÉ i Viñas (Barcelona, Espanha)
 
Hoje contemplamos um dia inteiro da vida de Jesus. Uma vida que tem duas vertentes claras: a oração e a ação. Se a vida do cristão há de imitar a vida de Jesus, não podemos prescindir de ambas as dimensões. Todos os cristãos, inclusive aqueles que têm se consagrado à vida contemplativa, temos de dedicar uns momentos à oração e outros à ação, ainda que varie o tempo que dediquemos a cada uma. Até os monges e as freiras de clausura dedicam bastante tempo de sua jornada a um trabalho. Em contrapartida, os que somos mais seculares, se desejamos imitar Jesus, não deveríamos nos mover numa ação desenfreada sem ungi-la com a oração. Ensina-nos São Jerónimo: «Embora o Apóstolo mandou-nos que orássemos sempre, (...) convém que destinemos umas horas determinadas a esse exercício».
 
É que Jesus precisava de longos momentos de oração em solitário quando todos dormiam? Os teólogos estudam qual era a psicologia de Jesus homem: até que ponto tinha acesso direto à divindade e até que ponto era «homem semelhante em tudo a nós, menos no pecado» (He 4,5). Na medida que o consideremos mais cercano, sua prática de oração será um exemplo evidente para nós.
 
Assegurada já a oração, só nos fica imitá-lo na ação. No fragmento de hoje, vemo-lo organizando a Igreja, quer dizer, escolhendo os que serão os futuros evangelizadores, chamados a continuar sua missão no mundo. «Ao amanhecer, chamou os discípulos e escolheu doze entre eles, aos quais deu o nome de apóstolos» (Lc 6,13). Depois encontramo-lo curando todo tipo de doença. «A multidão toda tentava tocar nele porque dele saía uma força que curava a todos» (Lc 6,19), diz-nos o evangelista. Para que nossa identificação com Ele seja total, unicamente nos falta que também saia de nós uma força que cure a todos, o que só será possível se estamos inseridos Nele, para que demos muitos frutos (cf. Jo 15,4)
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Cada alma humana é um templo de Deus: isto abre-nos uma perspectiva ampla e inteiramente nova. A vida de oração de Jesus é a chave para compreender a oração da Igreja» (Santa Teresa Benedita da Cruz)
 
«Tanto Simão, o cananeu, como Judas Tadeu, ajudem-nos a sempre redescobrir e viver incansavelmente a beleza da fé cristã, sabendo testemunhá-la com coragem e ao mesmo tempo com serenidade» (Bento XVI)
 
«(…) [Jesus] ora perante os momentos decisivos que vão comprometer a missão dos seus Apóstolos: antes de escolher e chamar os Doze (cf. Lc 6,12), antes de Pedro O confessar como o ‘Cristo de Deus’ (Lc 9,18-20) e para que a fé do chefe dos Apóstolos não desfaleça na tentação (cf. Lc 22,32) (…)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.600)
 
Reflexão de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* O evangelho de hoje traz dois assuntos: (1) descreve a escolha dos doze apóstolos (Lc 6,12-16) e (2) informa que uma multidão imensa de gente queria encontrar-se com Jesus para ouvi-lo, tocar nele e ser curada (Lc 6,17-19).
 
* Lucas 6,12-13: Jesus passa noite em oração e escolhe os doze apóstolos. Antes de fazer a escolha definitiva dos doze apóstolos, Jesus subiu a uma montanha e passou uma noite inteira em oração. Rezou para saber a quem escolher e escolheu os Doze, cujos nomes estão registrados nos evangelhos. A eles deu o título de apóstolo. Apóstolo significa enviado, missionário. Eles foram chamados para realizar uma missão, a mesma que Jesus recebeu do Pai (Jo 20,21). Marcos concretiza mais a missão e diz que Jesus os chamou para estar com ele e enviá-los em missão (Mc 3,14).
 
* Lucas 6,14-16: Os nomes dos doze apóstolos. Com pequenas diferenças os nomes dos Doze são iguais nos evangelhos de Mateus (Mt 10,2-4), Marcos (Mc 3,16-19) e Lucas (Lc 6,14-16). Grande parte destes nomes vem do Antigo Testamento: Simeão é o nome de um dos filhos do patriarca Jacó (Gn 29,33). Tiago é o mesmo que o nome de Jacó (Gn 25,26). Judas é o nome de outro filho de Jacó (Gn 35,23). Mateus também se chamava Levi (Mc 2,14), que foi outro filho de Jacó (Gn 35,23). Dos doze apóstolos sete tem nome que vem do tempo dos patriarcas: duas vezes Simão, duas vezes Tiago, duas vezes Judas, e uma vez Levi! Isto revela a sabedoria do povo. Através dos nomes dos patriarcas e das matriarcas, dados aos filhos e filhas, eles mantinham viva a tradição dos antigos e ajudavam seus filhos a não perderem a identidade. Quais os nomes que nós damos hoje para os nossos filhos e filhas?
 
* Lucas 6,17-19: Jesus desce da montanha e a multidão o procura. Ao descer da montanha com os doze, Jesus encontrou uma multidão imensa de gente que o procurava para ouvir sua palavra e tocá-lo, porque dele saía uma força de vida. Nesta multidão havia judeus e estrangeiros, pois vinham da Judéia e também lá de Tiro e Sidônia. É o povo abandonado, desorientado. Jesus acolhe a todos que o procuram. Judeus e pagãos! Aqui transparece o ecumenismo, a abertura universal da missão, tema preferido de Lucas que escreve para pagãos convertidos.
 
* As pessoas chamadas por Jesus, consolo para nós. Os primeiros cristãos lembraram e registraram os nomes dos Doze apóstolos e de outros homens e mulheres que seguiram Jesus de perto. Os Doze, chamados por Jesus para formar com ele a primeira comunidade, não eram santos. Eram pessoas comuns, como todos nós, com suas virtudes e seus defeitos. Os evangelhos informam muito pouco sobre o jeito e o caráter de cada um deles. Mas o pouco que informam é motivo de consolo para nós.
* Pedro era uma pessoa generosa e entusiasta (Mc 14,29.31; Mt 14,28-29), mas na hora do perigo e da decisão, o coração dele encolhia e voltava atrás (Mt 14,30; Mc 14,66-72). Chegou a ser satanás (Mc 8,33) e pedra de tropeço (Mt 16,23). Negou Jesus na hora do perigo (Lc 22,56-62). Jesus deu a ele o apelido de Pedra . Pedro, ele por si mesmo, não era Pedra. Tornou-se pedra (rocha), porque Jesus rezou por ele (Lc 22,31-32).
* Tiago e João estavam dispostos a sofrer com e por Jesus (Mc 10,39), mas eram muito violentos (Lc 9, 54). Jesus os chamou “filhos do trovão” (Mc 3,17). João parecia ter um certo ciúme, pois queria Jesus só para o grupo dele e proibiu os outros usar o nome de Jesus para expulsar demônios (Mc 9,38).
* Filipe tinha um jeito acolhedor. Sabia colocar os outros em contato com Jesus (Jo 1,45-46), mas não era muito prático em resolver os problemas (Jo 12,20-22; 6,7). Às vezes, era meio ingênuo. Teve hora em que Jesus perdeu a paciência com ele: “Mas Filipe, tanto tempo que estou com vocês, e ainda não me conhece?” (Jo 14,8-9)
* André, irmão de Pedro e amigo de Filipe, era mais prático. Filipe recorre a ele para resolver os problemas (Jo 12,21-22). Foi André que chamou Pedro (Jo 1,40-41), e foi André que encontrou o menino com cinco pãezinhos e dois peixes (Jo 6,8-9).
* Bartolomeu parece ter sido o mesmo que Natanael. Este era bairrista e não podia admitir que algo de bom pudesse vir de Nazaré (Jo 1,46).
* Tomé foi capaz de sustentar sua opinião, uma semana inteira, contra o testemunho de todos os outros (Jo 20,24-25). Mas quando viu que estava equivocado, não teve medo de reconhecer seu erro (Jo 20,26-28). Era generoso, disposto a morrer com Jesus (Jo 11,16).
* Mateus ou Levi era publicano, cobrador de impostos, como Zaqueu (Mt 9,9; Lc 19,2). Os publicanos eram pessoas comprometidas com o sistema opressor da época.
Simão, ao contrário, parece ter sido do movimento que se opunha radicalmente ao sistema que o império romano impunha ao povo judeu. Por isso tinha o apelido de Zelota (Lc 6,15). O grupo dos Zelotas chegou a provocar uma revolta armada contra os romanos.
* Judas era o que tomava conta do dinheiro do grupo (Jo 13,29). Ele chegou a trair Jesus.
* Tiago de Alfeu e Judas Tadeu, destes dois os evangelhos nada informam a não ser o nome.
 
Para um confronto pessoal
1) Jesus passou a noite inteira em oração para saber a quem escolher, e escolheu estes doze! Qual a lição que você tira deste gesto de Jesus?
2) Os primeiros cristãos lembravam os nomes dos doze apóstolos que estavam na origem das suas comunidades. Você lembra dos nomes das pessoas que estão na origem da comunidade a que você pertence? Você lembra o nome de alguma catequista ou professora que foi significativa para a sua formação cristã. O que mais lembra delas: o conteúdo que lhe ensinaram ou o testemunho que deram?

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Quinta-feira da 29ª semana do Tempo Comum

Bto José Gregório Hernàndez, leigo

1ª Leitura (Rom 6,19-23):
Irmãos: Falo com linguagem humana, por causa da vossa fraqueza: Assim como entregastes os vossos membros como escravos ao serviço da impureza e da desordem, que conduz à revolta contra Deus, colocai agora os vossos membros ao serviço da justiça, que conduz à santidade. Na verdade, quando éreis escravos do pecado, éreis livres em relação à justiça. Mas que fruto colhestes então dessas obras de que atualmente vos envergonhais? De facto, o seu fim é a morte. Mas agora, libertos do pecado e tornados servos de Deus, produzis o fruto que conduz à santificação, cujo fim é a vida eterna. Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, em Jesus Cristo, nosso Senhor.
 
Salmo Responsorial: 1
R. Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor.
 
Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, mas antes se compraz na lei do Senhor, e nela medita dia e noite.
 
É como árvore plantada à beira das águas: dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha. Tudo quanto fizer será bem-sucedido.
 
Bem diferente é a sorte dos ímpios: são como palha que o vento leva. O Senhor vela pelo caminho dos justos, mas o caminho dos pecadores leva à perdição.
 
Aleluia. Considero todas as coisas como prejuízo, para ganhar a Cristo e n’Ele me encontrar. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 12,49-53): Naquele tempo, o Senhor disse aos seus discípulos: «Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso! Um batismo eu devo receber, e como estou ansioso até que isto se cumpra! Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. Pois daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe contra filha e filha contra mãe; sogra conta nora e nora contra sogra».
 
«Fogo eu vim lançar sobre a terra»
 
Rev. D. Joan MARQUÉS i Suriñach (Vilamarí, Girona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho apresenta-nos Jesus como uma pessoa de grandes desejos: Fogo eu vim lançar sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso! (Lc 12,49). Jesus já queria ver o mundo a arder em caridade e em virtude. Nada menos! Tem que passar pela prova de um batismo, quer dizer, da cruz, e já queria tê-la passado. Naturalmente! Jesus tem planos e tem pressa em vê-los realizados. Poderíamos dizer que é pressa de uma santa impaciência. Também nós temos ideias e projetos, e queríamos vê-los realizados rapidamente. O tempo estorva-nos. Como estou ansioso até que isto se cumpra! (Lc 12,50), disse Jesus.
 
É a pressão da vida, a inquietude experimentada pelas pessoas que têm grandes projetos. Por outro lado, quem não tenha desejos é um covarde, um morto, um freio. E, além disso, é um triste, um amargurado que costuma desabafar criticando os que trabalham. São as pessoas com desejos que se mexem e originam movimento à sua volta, as que avançam e fazem avançar.
 
Tem grandes desejos! Aponta bem para o alto! Busca a perfeição pessoal, a da tua família, a do teu trabalho, a das tuas obras, a dos cargos que te confiem. Os santos aspiraram ao máximo. Não se assustaram diante do esforço e da pressão. Mexeram-se. Mexe-te tu também! Lembra-te das palavras de Santo Agostinho: Se dizes já chega, estás perdido. Acrescenta sempre, caminha sempre. Avança sempre; não pares no caminho, não retrocedas, não te desvies. O que não avança, pára; retrocede o que volta a pensar no ponto de partida, desvia-se o que deserta. É melhor o coxo que anda no caminho que o que corre fora do caminho. E acrescenta: Examina-te e não te contentes com o que és se queres chegar ao que não és. Porque no instante em que te deleites contigo mesmo, terás parado. Mexes-te ou estás parado? Pede ajuda à Santíssima Virgem, Mãe da Esperança.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A oração nada mais é do que a união com Deus. Qualquer pessoa de coração puro e unido a Deus experimenta em si próprio uma suavidade e doçura que o embriaga, sente-se como se estivesse envolvido por uma luz admirável» (São João Maria Vianney)
 
«No “sim” ao abandonar-se inclui-se a coragem de se deixar queimar pelo fogo da paixão de Jesus Cristo» (Benedito XVI)
 
«Da parte de Jesus, o seu baptismo é a aceitação e a inauguração da sua missão de Servo sofredor. Deixa-se contar entre o número dos pecadores. É já o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo´ (Jo 1, 29); e antecipa já o «baptismo» da sua morte sangrenta. Vem, desde já, para cumprir toda a justiça´ (Mt 3,15). Quer dizer que Se submete inteiramente à vontade do Pai e aceita por amor o baptismo da morte para a remissão dos nossos pecados (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 536)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* O evangelho de hoje traz algumas frases soltas de Jesus.
A primeira sobre o fogo na terra só ocorre em Lucas. As outras têm frases mais ou menos paralelas em Mateus. Isto nos remete para o problema da origem da composição destes dois evangelhos que já fez correr muita tinta ao longo dos últimos dois séculos e só será resolvido plenamente quando pudermos conversar com Mateus e Lucas, depois da nossa ressurreição.
 
* Lucas 12,49-50: Jesus veio trazer fogo sobre a terra. "Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso! Devo ser batizado com um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra!” A imagem do fogo ocorre muito na Bíblia e não tem um sentido único. Pode ser imagem de devastação e castigo e também pode ser imagem de purificação e iluminação (Is 1,25; Zc 13,9). Pode até evocar proteção como transparece em Isaías: “Se passar pelo fogo, estarei contigo” (Is 43,2). João Batista batizava com água, mas depois dele Jesus haveria de batizar pelo fogo (Lc 3,16). Aqui, a imagem do fogo é associada à ação do Espírito Santo que desceu no dia de Pentecostes sob a imagem de línguas de fogo (At 2,2-4). Imagens e símbolos nunca têm um sentido obrigatório, totalmente definido, que não permitiria divergência. Nesse caso já não seria imagem nem símbolo. É da natureza do símbolo provocar a imaginação dos ouvintes e expectadores. Deixando liberdade aos ouvintes, a imagem do fogo combinado com a imagem do batismo indica a direção na qual Jesus quer que a gente dirija a imaginação. Batismo é associado com água e é sempre expressão de um compromisso. Em outro lugar o batismo aparece como símbolo do compromisso de Jesus com a sua paixão: “Vocês podem ser batizados com o batismo com que serei batizado?”. (Mc 10,38-39).
 
* Lucas 12,51-53: Jesus veio trazer a divisão. Jesus sempre fala em paz (Mt 5,9; Mc 9,50; Lc 1,79; 10,5; 19,38; 24,36; Jo 14,27; 16,33; 20,21.26). Então, como entender a frase do evangelho de hoje que parece dizer o contrário: “Vocês pensam que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu lhes digo, vim trazer divisão”. Esta afirmação não significa que Jesus estivesse a favor da divisão. Não! Jesus não quer a divisão. Mas o anúncio da verdade de que ele, Jesus de Nazaré, era o Messias tornou-se motivo de muita divisão entre os judeus. Dentro da mesma família ou comunidade, uns eram a favor e outros radicalmente contra. Neste sentido a Boa Nova de Jesus era realmente uma fonte de divisão, um “sinal de contradição” (Lc 2,34) ou, como dizia Jesus: “Ficarão divididos: o pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra”. Era o que estava acontecendo, de fato, nas famílias e nas comunidades: muita divisão, muita discussão, como consequência do anúncio da Boa Nova entre os judeus daquela época, uns aceitando, outros negando. O mesmo vale para o anúncio da fraternidade como o valor supremo da convivência humana. Nem todos concordavam com este anúncio, pois preferiam manter seus privilégios. Por isso, não tinham medo de perseguir os que anunciavam a fraternidade e a partilha. Esta é a divisão que surgia e que está na origem da paixão e morte de Jesus. Era o que estava acontecendo. Era o julgamento em andamento. Jesus quer é a união de todos na verdade (cf. Jo 17,17-23). Até hoje é assim. Muitas vezes, lá onde a Igreja se renova, o apelo da Boa Nova se torna um “sinal de contradição” e de divisão. Pessoas que durante anos viveram acomodadas na rotina da sua vida cristã, já não querem ser incomodadas pelas “inovações” do Vaticano II. Incomodadas pelas mudanças, elas usam toda a sua inteligência para encontrar argumentos em defesa de suas opiniões e para condenar as mudanças como contrárias ao que elas pensam ser a verdadeira fé.
 
Para um confronto pessoal
1) Buscando a união, Jesus era causa de divisão. Isto já aconteceu com você?
2) Diante das mudanças na Igreja, como me situo?

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Quarta-feira da 29ª semana do Tempo Comum

Sto. Antônio de Sant’Ana Galvão, presbítero
 
1ª Leitura (Rom 6,12-18):
Irmãos: Não reine o pecado no vosso corpo mortal, obedecendo aos seus desejos. Não ofereçais os vossos membros como arma da injustiça ao serviço do pecado; mas oferecei-vos a Deus, como homens que revivem de entre os mortos, e oferecei os vossos membros como armas da justiça ao serviço de Deus. E o pecado não vos dominará, porque não estais sob o regime da Lei, mas sob o regime da graça. Como, então? Havemos de pecar, porque não estamos sob o regime da Lei, mas sob o regime da graça? De modo nenhum. Não sabeis que, se vos ofereceis como escravos a alguém, para lhe obedecerdes, vos tornais escravos daquele a quem obedeceis, quer seja do pecado, que leva à morte, quer da obediência, que vos leva à justiça? Mas dêmos graças a Deus, porque, se éreis escravos do pecado, agora vos submetestes de todo o coração à norma de doutrina que vos foi transmitida. E assim, libertos do pecado, vos tornastes servos da justiça.
 
Salmo Responsorial: 123
R. A nossa proteção está no nome do Senhor.
 
Se o Senhor não estivesse conosco, que o diga Israel, se o Senhor não estivesse conosco, os homens que se levantaram contra nós ter-nos-iam devorado vivos, no furor da sua ira.
 
As águas ter-nos-iam afogado, a torrente teria passado sobre nós; sobre nós teriam passado as águas impetuosas. Bendito seja o Senhor, que não nos abandonou como presa dos seus dentes.
 
A nossa vida escapou como pássaro do laço dos caçadores: quebrou-se a armadilha e nós ficámos livres. A nossa proteção está no nome do Senhor, que fez o céu e a terra.
 
Aleluia. Vigiai e estai preparados, porque na hora em que não pensais virá o Filho do homem. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 12,39-48): Naquele tempo, o Senhor disse aos seus discípulos: Ficai certos: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, não deixaria que fosse arrombada sua casa. Vós também ficai preparados! Pois na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem. Então Pedro disse: Senhor, é para nós ou para todos que contas esta parábola? O Senhor respondeu: Quem é o administrador fiel e atento, que o senhor encarregará de dar à criadagem a ração de trigo na hora certa? Feliz aquele servo que o senhor, ao chegar, encontrar agindo assim! Em verdade, vos digo: ele lhe confiará a administração de todos os seus bens. Ora, se um outro servo pensar: Meu senhor está demorando e começar a bater nos criados e nas criadas, a comer, beber e embriagar-se, o senhor daquele servo chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o excluirá e lhe imporá a sorte dos infiéis. O servo que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes. O servo, porém, que não conhecendo essa vontade fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas vezes. Portanto, todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido; a quem muito foi confiado, dele será exigido muito mais!
 
«Vós também ficai preparados! Pois na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem»
 
Rev. D. Josep Lluís SOCÍAS i Bruguera (Badalona, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, com a leitura deste fragmento do Evangelho, podemos ver que cada pessoa é um administrador: quando nascemos, nos é dada uma herança nos genes e algumas capacidades para nos realizarmos na vida. Descobrimos que estas potencialidades e a própria vida são dons de Deus, pois nós nada fizemos para consegui-las. É um presente pessoal, único e intransferível e, é isso o que nos confere a nossa personalidade. São os talentos de que o próprio Jesus nos fala (cf. Mt 25,15), as qualidades que devemos fazer crescer durante a nossa existência.
 
«Pois na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem» (Lc 12,40), Termina dizendo Jesus no primeiro parágrafo. A nossa esperança está na vinda do Senhor Jesus no fim dos tempos; mas agora e aqui também Jesus se faz presente na nossa vida, na simplicidade e na complexidade de cada momento. É hoje quando, com a força do Senhor, podemos viver o seu Reino. Santo Agostinho nos o lembra com as palavras do Salmo 32,12: «Ditosa a nação cujo Deus é o Senhor, para que podamos ser conscientes disso, formando parte desta nação».
 
«Vós também ficai preparados!» (Lc 12,40), esta exortação representa uma chamada à fidelidade, a qual está subordinada ao egoísmo. Temos a responsabilidade de saber "dar resposta" aos bens que recebemos juntos com a nossa vida. «Conhecendo a vontade do senhor» (Lc 12,47), é aquilo a que chamamos a nossa "consciência" e, é o que nos torna dignamente responsáveis pelos nossos atos. A resposta generosa pela nossa parte à face da humanidade, à face de cada um dos seres vivos, é algo justo e cheio de amor.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Tomara o Senhor se dignasse a me despertar do sono de minha desídia, eu, que ainda sendo vil, sou seu servo! Tomara me inflamasse no desejo de seu amor incomensurável e me acendesse com o fogo de sua divina caridade» (São Columbano, abade)
 
«A sonolência dos discípulos segui sendo ao longo dos séculos uma ocasião favorável para o poder do mal. Essa falta de sensibilidade das almas confere um poder no mundo ao maligno» (Bento XVI)
 
«Em Jesus, “o Reino de Deus está perto”. Ele apela à conversão e à fé, mas também à vigilância. Na oração, o discípulo vela, atento Aquele que é e que vem(...). Em comunhão com o Mestre, a oração dos discípulos é um combate; é vigiando na oração que não se cai na tentação» (Catecismo da Igreja Católica, n° 2612).
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje traz novamente uma exortação à vigilância com outras duas parábolas. Ontem, a parábola era de patrão e empregado (Lc 12,36-38). Hoje, a primeira parábola é do dono de casa e do ladrão (Lc 12,39-40) e a outra fala do proprietário e do administrador (Lc 12,41-47).
 
* Lucas 12,39-40: A parábola do dono da casa e do ladrão. “Fiquem certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que lhe arrombasse a casa. Vocês também estejam preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que vocês menos esperarem”. Assim como o dono da casa não sabe a que hora chega o ladrão, assim ninguém sabe a hora da chegada do Filho do Homem. Jesus deixa bem claro: "Quanto a esse dia e essa hora, ninguém sabe nada, nem os anjos, nem o Filho, mas somente o Pai!" (Mc 13,32). Hoje, muita gente vive preocupada com o fim do mundo. Nas ruas das cidades, se vê escrito nas paredes: Jesus voltará! Teve até gente que, angustiada com a proximidade do fim do mundo, chegou a cometer suicídio. Mas o tempo passa e o fim não chega! Muitas vezes, a afirmação “Jesus voltará” é usada para meter medo nas pessoas e obrigá-las a frequentar uma determinada igreja! De tanto esperar e especular em torno da vinda de Jesus, muita gente já nem percebe mais a presença dele no meio de nós, nas coisas mais comuns da vida, nos fatos do dia a dia. Pois o que importa mesmo não é saber a hora do fim deste mundo, mas sim ter um olhar capaz de perceber a vinda de Jesus já presente no meio de nós na pessoa do pobre (cf Mt 25,40) e em tantos outros modos e acontecimentos da vida de cada dia.
 
* Lucas 12,41: A pergunta de Pedro. “Então Pedro disse a Jesus: "Senhor, estás contando essa parábola só para nós, ou para todos?" Não se vê bem o porquê desta pergunta de Pedro. Ela evoca um outro episódio, no qual Jesus respondeu a uma pergunta semelhante dizendo: “A vocês é dado conhecer o mistério do Reino de Deus, mas aos outros tudo é dado a conhecer em parábolas”  (Mt 13,10-11; Lc 8,9-10).
 
* Lucas 12,42-48ª: A parábola do proprietário e do administrador. Na resposta à pergunta de Pedro Jesus formula uma outra pergunta em forma de parábola: "Quem é o administrador fiel e prudente, que o senhor coloca à frente do pessoal de sua casa, para dar a comida a todos na hora certa?” Logo em seguida, o Jesus mesmo, na própria parábola, já dá a resposta: bom administrador é aquele que cumpre sua missão de servidor, nunca usa os bens recebidos em proveito próprio, e está sempre vigilante e atento. Talvez seja uma resposta indireta à pergunta de Pedro, como se dissesse: “Pedro, a parábola é realmente para você! É para você saber administrar bem a missão que Deus lhe deu como coordenador das comunidades. Neste sentido, a resposta vale também para cada um de nós. E aí toma muito sentido a advertência final: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido”.
 
* A chegada do Filho do Homem e o fim deste mundo. A mesma problemática havia nas comunidades cristãs dos primeiros séculos. Muita gente das comunidades dizia que o fim deste mundo estava perto e que Jesus voltaria logo. Alguns da comunidade de Tessalônica na Grécia, apoiando-se na pregação de Paulo, diziam: “Jesus vai voltar logo!” (1Tes 4,13-18; 2Tes 2,2). Por isso, havia até pessoas que já não trabalhavam, porque achavam que a vinda fosse coisa de poucos dias ou semanas. Trabalhar para que, se Jesus ia voltar logo? (cf 2Ts 3,11). Paulo responde que não era tão simples como eles imaginavam. E aos que já não trabalhavam avisava: “Quem não quiser trabalhar não tem direito de comer!” Outros ficavam só olhando o céu, aguardando o retorno de Jesus sobre as nuvens (cf At 1,11). Outros reclamavam da demora (2Pd 3,4-9). Em geral, os cristãos viviam na expectativa da vinda iminente de Jesus. Jesus viria realizar o Juízo Final para encerrar a história injusta deste mundo cá de baixo e inaugurar a nova fase da história, a fase definitiva do Novo Céu e da Nova Terra. Achavam que isto aconteceria dentro de uma ou duas gerações. Muita gente ainda estaria viva quando Jesus fosse aparecer glorioso no céu (1Ts 4,16-17; Mc 9,1). Outros, cansados de esperar, diziam: “Ele não vai voltar nunca! (2Pd 3,4). Até hoje, a vinda final de Jesus ainda não aconteceu! Como entender esta demora? É que já não percebemos que Jesus já voltou, já está no nosso meio: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo." (Mt 28,20). Ele já está do nosso lado na luta pela justiça, pela paz, pela vida. A plenitude ainda não chegou, mas uma amostra ou garantia do Reino já está no meio de nós. Por isso, aguardamos com firme esperança a libertação plena da humanidade e da natureza (Rm 8,22-25). E enquanto esperamos e lutamos, dizemos acertadamente: “Ele já está no meio de nós!” (Mt 25,40).
 
Para um confronto pessoal
1) A resposta de Jesus a Pedro serve também para nós, para mim. Será que sou um bom administrador, uma boa administradora da missão que recebi?
2) Como faço para estar vigilante sempre?

domingo, 22 de outubro de 2023

Terça-feira da 29ª semana do Tempo Comum

Santo Antônio Maria Claret, Bispo
Bta Benigna Cardoso da Silva, virgem e mártir
 
1ª Leitura (Rom 5,12.15b.17-19.20b-21):
Irmãos: Assim como por um só homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte, assim também a morte atingiu todos os homens, porque todos pecaram. Se pelo pecado de um só pereceram todos, com muito mais razão a graça de Deus, dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a todos os homens. Se a morte reinou pelo pecado de um só homem, com muito mais razão, aqueles que recebem com abundância a graça e o dom da justiça, reinarão na vida por meio de um só, Jesus Cristo. Porque, assim como pelo pecado de um só, veio para todos os homens a condenação, assim também, pela obra de justiça de um só, virá para todos a justificação que dá a vida. De fato, como pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, todos se tornarão justos. Onde abundou o pecado superabundou a graça, para que, assim como o pecado reinou pela morte, também a graça reine pela justiça, para nos dar a vida eterna, por Jesus Cristo, nosso Senhor.
 
Salmo Responsorial: 39
R. Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.
 
Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações, mas abristes-me os ouvidos; não pedistes holocaustos nem expiações, então clamei: «Aqui estou».
 
«De mim está escrito no livro da Lei que faça a vossa vontade. Assim o quero, ó meu Deus, a vossa lei está no meu coração».
 
Proclamarei a justiça na grande assembleia, não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
 
Alegrem-se e exultem em Vós todos os que Vos procuram. Digam sempre: «Grande é o Senhor» os que desejam a vossa salvação.
 
Aleluia. Vigiai e orai em todo o tempo, para vos apresentardes sem temor diante do Filho do homem. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 12,35-38): Naquele tempo, o Senhor disse aos seus discípulos: Ficai de prontidão, com o cinto amarrado e as lâmpadas acesas. Sede como pessoas que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os servos que o Senhor encontrar acordados quando chegar. Em verdade, vos digo: ele mesmo vai arregaçar sua veste, os fará sentar à mesa e passará para servi-los. E caso ele chegue pela meia-noite ou já perto da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar!
 
«Sede como pessoas que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento»
 
Rev. D. Miquel VENQUE i To (Solsona, Lleida, Espanha)
 
Hoje é necessário reparar nessas palavras de Jesus: Sede como pessoas que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir a porta, logo que ele chegar e bater (Lc 12,36) Que alegria descobrir que, apesar de ser pecador e pequeno, eu próprio abrirei a porta ao Senhor quando ele chegar! Sim, no momento da minha morte serei eu quem abra a porta ou a feche, ninguém o poderá fazer por mim. Persuadamo-nos que Deus nos pedirá contas não apenas pelas nossas ações e palavras, mas também pela forma como utilizamos o tempo (S. Gregório Nazianzeno).
 
Estar à porta e com os olhos abertos é uma orientação-chave e, ao meu alcance. Não me posso distrair. Estar distraído é esquecer o objetivo, querer ir para o céu, mas sem uma vontade operativa; é fazer bolas de sabão sem um desejo comprometido e avaliável. Ter posto um avental significa estar na cozinha, preparado até ao último detalhe. O meu pai, que era agricultor, dizia que não se pode semear se a terra não está no momento; para fazer uma boa semeadura é necessário passear pelo campo e tocar nas sementes com atenção.
 
O cristão não é um náufrago sem bússola, ele sabe de onde vem, para onde vai e como chegar; conhece o objetivo os meios para ir e as dificuldades. Ter isto em conta nos ajudará a vigiar e a abrir a porta quando o Senhor nos avise. A exortação à vigilância e à responsabilidade repetem-se com frequência na predicação de Jesus por duas razões óbvias: porque Jesus nos ama e nos vela; o que ama não adormece. E, porque o inimigo, o diabo, não para de nos tentar. O pensamento do céu e do inferno não nos poderá distrair nunca das nossas obrigações da vida presente, mas é um pensamento saudável e encarnado, e merece a felicitação do Senhor: E caso ele chegue pela meia-noite ou já perto da madrugada, felizes serão, se assim os encontrar!(Lc 12,38). Jesus, ajuda-me a viver atento e vigilante cada dia, amando-te sempre.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Feliz, pois, aquele a cuja porta chama Cristo. Nossa porta é a fé, a qual, si for resistente, defende a casa toda» (Santo Ambrósio)
 
«Jesus quer que nossa existência seja trabalhosa, que nunca baixemos a guarda, para acolher com gratidão e estupor cada novo dia que Deus nos obsequia» (Francisco)
 
«(...) A vigilância é a “guarda do coração” e Jesus pede ao Pai que nos guarde em seu Nome. O Espírito Santo procura incessantemente despertar-nos para esta vigilância (...)» (Catecismo da Igreja Católica, n° 2849)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.

*
 Por meio da parábola o evangelho de hoje traz uma exortação à vigilância.
 
* Lucas 12,35: Exortação à vigilância. "Estejam com os rins cingidos e com as lâmpadas acesas”. Cingir-se significava amarrar um pano ou uma corda ao redor da veste talar, para que ela não atrapalhasse os movimentos do corpo. Estar cingido significava estar preparado, pronto para ação imediata. Na véspera da saída do Egito, na hora de celebrar a páscoa, os israelitas deviam estar cingidos, isto é, preparados, prontos para poder partir imediatamente (Ex 12,11). Quando alguém ia trabalhar, lutar ou executar uma tarefa ele se cingia (Ct 3,8). Na carta aos Efésios, Paulo descreve a armadura de Deus e diz que os rins devem estar cingidos com o cíngulo da verdade (Ef 6,14). As lâmpadas deviam estar acesas, pois a vigilância é tarefa tanto para o dia como para a noite. Sem luz não se anda na escuridão da noite.
 
* Lucas 12,36: A parábola. Para explicar o que significa de estar cingido, Jesus conta uma pequena parábola. “Sejam como homens que estão esperando o seu senhor voltar da festa de casamento: tão logo ele chega e bate, eles imediatamente vão abrir a porta”. A tarefa de aguardar a chegada do patrão exige uma vigilância constante e permanente, sobretudo quando é de noite, pois, o patrão não tem hora marcada. Ele pode voltar a qualquer momento. O empregado deve estar atento, vigilante sempre!
 
* Lucas 12,37: Promessa de felicidade. “Felizes dos empregados que o senhor encontra acordados quando chega. Eu garanto a vocês: ele mesmo se cingirá, os fará sentar à mesa, e, passando, os servirá”. Aqui, nesta promessa de felicidade, os papéis se invertem. O patrão se torna empregado e começa a servir ao empregado que virou patrão. Evoca Jesus na última ceia que, mesmo sendo senhor e mestre, se fez servidor e empregado de todos (Jo 13,4-17). A felicidade prometida tem a ver com o futuro, com a felicidade no fim dos tempos, e é o oposto daquilo que Jesus prometeu numa outra parábola que dizia: “Se alguém de vocês tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: Venha depressa para a mesa? Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: 'Prepare-me o jantar, cinja-se e sirva-me, enquanto eu como e bebo; depois disso você vai comer e beber'? Será que vai agradecer ao empregado, por que este fez o que lhe havia mandado? Assim também vocês: quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: Somos empregados inúteis; fizemos o que devíamos fazer" (Lc 17,7-10).
 
* Lucas 12,38: Repete a promessa de felicidade. “E caso ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada, felizes serão se assim os encontra!” Repete a promessa de felicidade que exige vigilância total. O patrão pode voltar meia noite, três da madrugada, ou qualquer outra hora. O empregado deve estar acordado, cingido, pronto para poder entrar em ação.
 
Para um confronto pessoal
1) Somos empregados de Deus. Devemos estar cingidos, de prontidão, atentos e vigilantes, vinte e quatro horas por dia. Você está conseguindo? Como faz?
2) A promessa de felicidade futura é a inversão do presente. O que isto nos revela sobre a bondade de Deus para conosco, para comigo?

sábado, 21 de outubro de 2023

Segunda-feira da 29ª semana do Tempo Comum

São João de Capistrano, presbítero
Beato João Ângelo Porro, presbítero
 
1ª Leitura (Rom 4,20-25):
Irmãos: Perante a promessa de Deus, Abraão não se deixou abalar pela desconfiança, antes se fortaleceu na fé, dando glória a Deus, plenamente convencido de que Deus era capaz de cumprir o que tinha prometido. Por este motivo é que isto «lhe foi atribuído como justiça». Não é só por causa dele que está escrito «Isto foi-lhe atribuído», mas também por causa de nós, que acreditamos n’Aquele que ressuscitou dos mortos, Jesus, Nosso Senhor, que foi entregue à morte por causa das nossas faltas e ressuscitou para nossa justificação.
 
Salmo Responsorial: Lc 1
R. Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, que visitou e redimiu o seu povo.
 
O Senhor nos deu um Salvador poderoso, na casa de David, seu servo, como prometeu pela boca dos seus santos, os profetas dos tempos antigos;
 
Para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos daqueles que nos odeiam; para mostrar a sua misericórdia a favor dos nossos pais, recordando a sua sagrada aliança:
 
O juramento que fizera a Abraão, nosso pai, que nos havia de conceder esta graça: de O servirmos um dia, sem temor, livres das mãos dos nossos inimigos, em santidade e justiça na sua presença, todos os dias da nossa vida.
 
Aleluia. Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 12,13-21): Alguém do meio da multidão disse a Jesus: Mestre, diz ao meu irmão que reparta a herança comigo. Ele respondeu: Homem, quem me encarregou de ser juiz ou árbitro entre vós?. E disse-lhes: Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens. E contou-lhes uma parábola: A terra de um homem rico deu uma grande colheita. Ele pensava consigo mesmo: Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita. Então resolveu: Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida! Mas Deus lhe diz: Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será retirada. E para quem ficará o que acumulaste? Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus.
 
«A vida não consiste na abundância de bens»
 
Frei Lluc TORCAL Monge do Mosteiro de Sta. Mª de Poblet (Sta Maria de Poblet, Tarragona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho, se não nos tapamos os ouvidos e não fechamos os olhos, provocará em nós uma grande comoção pela sua clareza: E disse então ao povo: Guardai-vos escrupulosamente de toda a avareza, porque a vida de um homem, ainda que ele esteja na abundância, não depende de suas riquezas (Lc 12,15). Que é o que garante a vida do homem?
 
Sabemos muito bem em que está garantida a vida de Jesus, porque Ele mesmo disse: Pois como o Pai tem a vida em si mesmo, assim também deu ao Filho o ter a vida em si mesmo (Jn 5,26). Sabemos que a vida de Jesus não somente procede do Pai, mas que consiste em fazer sua vontade, já que este é seu alimento, e a vontade do Pai equivale a realizar sua grande obra de salvação entre os homens, dando a vida por seus amigos, signo do mais sublime amor. A vida de Jesus é, pois, uma vida recebida totalmente do Pai e entregada totalmente ao mesmo Pai e, por amor ao Padre, aos homens. A vida humana poderá ser então suficiente em si mesma? Poderá negar-se que nossa vida é um dom, que a recebemos e que, somente por isso, já devemos agradecer? Que ninguém pense que é dono de sua própria vida (São Jerônimo).
 
Seguindo esta lógica, só falta perguntar-nos: Que sentido pode ter nossa vida se se encerra em si mesma, se tem prazer ao dizer: E direi à minha alma: ó minha alma, tens muitos bens em depósito para muitíssimos anos; descansa, come, bebe e regala-te (Lc 12,19) Se a vida de Jesus é um dom recebido e entregue sempre em amor, nossa vida; que não podemos negar ter recebido; deve converter-se, seguindo à de Jesus, em uma doação total a Deus e aos irmãos, porque, Quem ama a sua vida, perdê-la-á; mas quem odeia a sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna (Jn 12,25).
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Minha presunção exagerada me decepcionou, meu Cristo: caí muito baixo das alturas. Mas levanta-me de novo agora, pois vejo que me enganei a mim proprio» (São Gregório de Nazianzo)
 
«As realidades da verdade e do amor —nosso autêntico caminho— não se encontram no mundo das quantidades» (Bento XVI)
 
«A economia da Lei e da Graça desvia o coração dos homens da cobiça e da inveja (…). O Deus das promessas desde sempre pôs o homem em sentinela contra a sedução daquilo que, desde as origens, aparece como ‘bom para comer, de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência’ (Gn 3, 6)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.541)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
 O episódio narrado no evangelho de hoje só se encontra no Evangelho de Lucas e não tem paralelo nos outros evangelhos. Ele faz parte da longa descrição da viagem de Jesus, desde a Galileia até Jerusalém (Lc 9,51 a 19,28), na qual Lucas colocou a maior parte das informações que ele conseguiu coletar a respeito de Jesus e que não se encontram nos outros três evangelhos (cf. Lc 1,2-3). O evangelho de hoje traz a resposta de Jesus à pessoa que lhe pediu para ser mediador na repartição de uma herança.
 
* Lucas 12,13: Um pedido para repartir herança. “Do meio da multidão, alguém disse a Jesus: "Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo". Até hoje, a distribuição da herança entre os familiares sobreviventes é sempre uma questão delicada e, muitas vezes, ocasião de brigas e tensões sem fim. Naquele tempo, a herança tinha a ver também com a identidade das pessoas (1Rs 21,1-3) e com a sua sobrevivência (Nm 27,1-11; 36,1-12). O problema maior era a distribuição das terras entre os filhos do falecido pai. Sendo a família grande, havia o perigo de a herança se esfacelar em pequenos pedaços de terra que já não poderiam garantir a sobrevivência de todos. Por isso, para evitar o esfacelamento ou desintegração da herança e manter vivo o nome da família, o mais velho recebia o dobro dos outros filhos (Dt 21,17; cf. 2Rs 2,11).
 
* Lucas 12,14-15: Resposta de Jesus: cuidado com a ganância. “Jesus respondeu: "Homem, quem foi que me encarregou de julgar ou dividir os bens entre vocês?" Na resposta de Jesus transparece a consciência que ele tinha da sua missão. Jesus não se sente enviado por Deus para atender ao pedido de arbitrar entre os parentes que brigam entre si por causa da repartição da herança. Mas o pedido do homem despertou nele a missão de orientar as pessoas, pois “ele falou a todos: Atenção! Tenham cuidado com qualquer tipo de ganância. Porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a sua vida não depende de seus bens". Fazia parte da sua missão esclarecer as pessoas a respeito do sentido da vida. O valor de uma vida não consiste em ter muitas coisas, mas sim em ser rico para Deus (Lc 12,21). Pois, quando a ganância toma conta do coração, não há como repartir a herança com equidade e paz.
 
* Lucas 12,16-19: Parábola que faz pensar no sentido da vida. Em seguida, Jesus conta uma parábola para ajudar as pessoas a refletir sobre o sentido da vida: "A terra de um homem rico deu uma grande colheita. E o homem pensou: O que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita”. O homem rico está totalmente fechado dentro da preocupação com os seus bens que aumentaram de repente por causa de uma colheita abundante. Ele só pensa em acumular para garantir-se uma vida despreocupada. Ele diz: “Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir outros maiores; e neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: meu caro, você possui um bom estoque, uma reserva para muitos anos; descanse, coma e beba, alegre-se!”
 
* Lucas 12,20: Primeira conclusão da parábola. “Mas Deus lhe disse: Louco! Nesta mesma noite você vai ter que devolver a sua vida. E as coisas que você preparou, para quem vão ficar?” A morte é uma chave importante para redescobrir o sentido verdadeiro da vida. Ela relativiza tudo, pois mostra o que perece e o que permanece. Quem só busca o ter e esquece o ser perde tudo na hora da morte. Aqui transparece um pensamento muito frequente nos livros sapienciais: para que acumular bens nesta vida, se você não sabe para quem vão ficar os bens que você acumulou, nem sabe o que vai fazer o herdeiro com aquilo que você deixou para ele (Ecle 2,12.18-19.21).
 
* Lucas 12,21: Segunda conclusão da parábola. “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico para Deus”. Como tornar-se rico para Deus? Jesus deu várias sugestões e conselhos: quem quer ser o primeiro, seja o último (Mt 20,27; Mc 9,35; 10,44); é melhor dar que receber (At 20,35); o maior é o menor (Mt 18,4; 23,11; Lc 9,48) preserva vida quem perde a vida (Mt 10,39; 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24).
 
Para um confronto pessoal
1) O homem pediu a Jesus para ajudar na repartição da herança. E você, o que você pede a Deus nas suas orações?
2) O consumismo cria necessidades e desperta em nós a ganância. Como você faz para não ser vítima da ganância provocado pelo consumismo?

22 de outubro

 S. João Paulo II
Papa, da Fraternidade do Escapulário.
 

Carlos José Wojtyła nasceu em 1920 na localidade de Wadowice na Polônia. Ordenado sacerdote, continuou os seus estudos teológicos em Roma, depois dos quais regressou ao seu país, onde exerceu diversos cargos pastorais e universitários. Foi nomeado bispo auxiliar de Cracóvia e em 1964 Arcebispo do mesmo lugar. Tomou parte no II Concílio Ecuménico do Vaticano. Eleito Papa a 16 de outubro de 1978, com o nome de João Paulo II, distinguiu-se pela extraordinária solicitude apostólica, em particular para com as famílias, os jovens e os doentes, o que o levou a realizar numerosas visitas pastorais a todo o mundo. Entre os frutos mais significativos deixados em herança à Igreja, destaca-se o seu riquíssimo Magistério e a promulgação do Catecismo da Igreja Católica e do Código de Direito Canônico para a Igreja Latina e Oriental. Morreu piedosamente em Roma a 2 de abril de 2005, na Vigília do II Domingo de Páscoa ou da Divina Misericórdia.
 
Do Comum dos pastores da Igreja: para um Papa.
 
Oração
Ó Deus, rico de misericórdia, que escolhestes São João Paulo II para governar a Vossa Igreja como papa, concedei-nos que, instruídos pelos seus ensinamentos, possamos abrir confiadamente os nossos corações à graça salvífica de Cristo, único Redentor do homem. Ele que convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos.
 

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

XXIX Domingo do Tempo Comum

São João Paulo II, Papa
 
1ª Leitura (Is 45,1.4-6):
Assim fala o Senhor a Ciro, seu ungido, a quem tomou pela mão direita, para subjugar diante dele as nações e fazer cair as armas da cintura dos reis, para abrir as portas à sua frente, sem que nenhuma lhe seja fechada: «Por causa de Jacob, meu servo, e de Israel, meu eleito, Eu te chamei pelo teu nome e te dei um título glorioso, quando ainda não Me conhecias. Eu sou o Senhor e não há outro; fora de Mim não há Deus. Eu te cingi, quando ainda não Me conhecias, para que se saiba, do Oriente ao Ocidente, que fora de Mim não há outro. Eu sou o Senhor e mais ninguém».
 
Salmo Responsorial: 95
R. Aclamai a glória e o poder do Senhor.
 
Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, terra inteira. Publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas.
 
O Senhor é grande e digno de louvor, mais temível que todos os deuses. Os deuses dos gentios não passam de ídolos, foi o Senhor quem fez os céus.
 
Dai ao Senhor, ó família dos povos, dai ao Senhor glória e poder. Dai ao Senhor a glória do seu nome, levai-Lhe oferendas e entrai nos seus átrios.
 
Adorai o Senhor com ornamentos sagrados, trema diante d’Ele a terra inteira. Dizei entre as nações: «O Senhor é Rei», governa os povos com equidade.
 
2ª Leitura (1Tes 1,1-5b): Paulo, Silvano e Timóteo à Igreja dos Tessalonicenses, que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo: A graça e a paz estejam convosco. Damos continuamente graças a Deus por todos vós, ao fazermos menção de vós nas nossas orações. Recordamos a atividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em Nosso Senhor Jesus Cristo, na presença de Deus, nosso Pai. Nós sabemos, irmãos amados por Deus, como fostes escolhidos. O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras, mas também com obras poderosas, com a acção do Espírito Santo.
 
Aleluia. Vós brilhais como estrelas no mundo, ostentando a palavra da vida. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 22,15-21): Os fariseus saíram e fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. Mandaram os seus discípulos, junto com alguns partidários de Herodes, para perguntar: «Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade. Não te deixas influenciar por ninguém, pois não olhas a aparência das pessoas. Dize-nos o que pensas: é permitido, ou não, pagar imposto a César?». Jesus percebeu-lhes a maldade e disse: «Hipócritas! Por que me armais uma cilada? Mostrai-me a moeda do imposto!». Apresentaram-lhe a moeda. «De quem é esta figura e a inscrição?», perguntou ele. «De César», responderam. Ele então lhes disse: «Devolvei, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus»
 
«Devolvei, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus»
 
P. Antoni POU OSB Monje de Montserrat (Montserrat, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, apresenta-se nos para nossa consideração uma “famosa” afirmação de Jesus Cristo: «A César o que é de César e a Deus, o que é de Deus» (Mt 22,21).
 
Não entenderíamos bem esta frase sem levar em conta o contexto no qual Jesus a pronuncia: «Os fariseus saíram e fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra» (Mt 22,15), e Jesus advertiu a sua maldade (cf. v. 18). Assim, pois a resposta de Jesus está calculada. Ao ouvi-la, os fariseus ficaram surpreendidos, não a esperavam. Se claramente, tivesse ido em contra do César, lhe teriam podido denunciar; se tivesse ido claramente a favor de pagar o tributo ao César, teriam marchado satisfeitos de sua astúcia. Mas Jesus Cristo, sem falar em contra do César, o tem relativizado: tem que dar a Deus o que é de Deus, e Deus é Senhor inclusive dos poderes deste mundo.
 
O César, como todo governante, não pode exercer um poder arbitrário, porque seu poder lhe é dado como “prenda” ou garantia; como os servos da parábola dos talentos, que têm que responder ante o Senhor pelo uso dos talentos. No Evangelho de São João, Jesus diz a Pilatos: «Tu não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto» (Jo 19,11). Jesus não quer apresentar-se como um agitador político. Simplesmente, põe as coisas em seu lugar.
 
A interpretação que se tem feito às vezes de Mt 22,21 é que a Igreja não deveria “imiscuir-se em política”, senão somente ocupar-se do culto. Mas esta interpretação é totalmente falsa, porque ocupar-se de Deus não é só ocupar-se do culto, senão preocupar-se pela justiça, e pelos homens, que são os filhos de Deus. Pretender que a Igreja permaneça nas sacristias, que se faça de surda, cega e muda ante os problemas morais e humanos de nosso tempo, é tirar de Deus o que é de Deus. «A tolerância que só admite Deus como opinião privada, mas que lhe nega o domínio público (...) não é tolerância, senão hipocrisia» (Bento XVI).
 
Deus está acima de qualquer César.
 
Do site da Ordem do Carmo em Portugal.
 
Jesus chega a Jerusalém vindo da Galileia para a festa anual da Páscoa. Quando entra na cidade é aclamado pelo povo (Mt 21, 1-11). Em seguida, entra no Templo de onde expulsa os vendedores (Mt 21, 12-16). Residindo em Jerusalém, contudo, passa as noites fora da cidade e retorna logo pela manhã (Mt 21, 17). A situação é muito tensa. Em Jerusalém, discutindo com as autoridades (chefes dos sacerdotes, anciãos e fariseus), Jesus expõe o seu pensamento através de parábolas (Mt 21, 23-22,14). Querem prendê-lo, mas têm medo (Mt 21, 45-46). O Evangelho deste Domingo sobre o tributo a César (Mt 22, 15-21) está inserido neste conjunto de conflitos entre Jesus e as autoridades.
 
Mateus 22, 15-17: Uma pergunta feita pelos fariseus e herodianos. Os fariseus e herodianos eram líderes locais não apoiados pelo povo da Galileia. Tinham já desde há muito decidido matar Jesus (Mt 12, 14; Mc 3, 6). Agora, por ordem dos sacerdotes e anciãos, querem saber de Jesus se está a favor ou contra o pagamento do tributo a Roma. Pergunta cheia de malícia. Sob a aparência da fidelidade à lei de Deus, procuram motivos para o acusar. Se Jesus tivesse dito: “Deve-se pagar!”, podiam acusá-lo diante do povo de ser amigo dos romanos. Se respondesse: “Não se deve pagar!”, podiam também acusá-lo perante as autoridades romanas de ser um subversivo. Um beco sem saída!
 
Mateus 22, 18-21a: A resposta de Jesus. Jesus deu-se conta da hipocrisia. Na resposta que dá não perde tempo com discussões inúteis e vai diretamente ao núcleo da questão: “De quem é esta imagem e esta inscrição?”. Eles respondem: “De César!”.
 
Mateus, 22, 21b: Conclusão de Jesus. Jesus leva-os à conclusão: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Na verdade, eles reconheciam já a autoridade de César. Já estavam a dar a César o que era de César, porque usavam as suas moedas para comprar ou vender e até para pagar o tributo ao Templo. Por conseguinte, a pergunta não fazia sentido. Por que perguntar por algo cuja resposta é já evidente na prática? Eles que pela pergunta fingiam ser servos de Deus, esqueciam o mais importante: esqueciam-se de dar a Deus o que é de Deus! A Jesus interessa que “deem a Deus o que é de Deus”, ou seja, que recuperem o povo que pela culpa deles se tinha afastado de Deus. Com o seu ensino fechavam ao povo a entrada no Reino (Mt 23, 13). Outros dizem: “Dai a Deus o que é de Deus”, ou seja, praticai a justiça e a honestidade segundo as exigências da lei de Deus, porque por causa da vossa hipocrisia negais a Deus o que lhe é devido. Os discípulos devem dar-se conta disto! Era precisamente a hipocrisia dos fariseus e herodianos que cegava os seus olhos (Mc 8, 15).
 
As palavras de Jesus lembram-nos que nenhum cristão pode compactuar com qualquer sistema - seja político, económico ou religioso - que atribui a si o que pertence a Deus. O texto de forma alguma justifica um dualismo entre o espiritual (de Deus) e o material (de César). Pelo contrário, mostra que o poder político, económico e religioso deve estar ao serviço do bem comum, pois, se assim não acontecer, está a roubar o que é de Deus: o seu povo. Não se pode entregar às garras de um poder opressor o que pertence ao Pai. O poder é legítimo quando está ao serviço da vida e do bem-estar comum, e não de uns poucos privilegiados. “Dar a Deus o que é de Deus” implica que trabalhemos para que todos possam “ter a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10) e assim, estamos a dar “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
 
Para Jesus, César e Deus não são duas autoridades de grau semelhante que entre si devem repartir a submissão dos homens. Deus está acima de qualquer César, e este nunca pode exigir o que pertence a Deus.