domingo, 28 de dezembro de 2025

Oitava do Natal: 30 de dezembro

Sta. Anísia de Tessalônica, virgem e mártir
 
1ª Leitura (1Jo 2,12-17):
Escrevo-vos, meus filhos, porque os vossos pecados foram perdoados, pelo nome de Jesus. Escrevo-vos, pais, porque conheceis Aquele que existe desde o princípio. Escrevo-vos, jovens, porque vencestes o Maligno. Escrevo-vos, meus filhos, porque conheceis o Pai. Escrevo-vos, pais, porque conheceis Aquele que existe desde o princípio. Escrevo-vos, jovens, porque sois fortes e a palavra de Deus permanece em vós e vencestes o Maligno. Não ameis o mundo nem o que existe no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo – concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e orgulho da riqueza – não vem do Pai, mas do mundo. Ora o mundo passa com as suas concupiscências, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece eternamente.
 
Salmo Responsorial: 95
R. Alegrem-se os céus, exulte a terra.
 
Dai ao Senhor, ó família dos povos, dai ao Senhor glória e poder, dai ao Senhor a glória do seu nome.
 
Levai-Lhe oferendas e entrai nos seus átrios, adorai o Senhor com ornamentos sagrados, trema diante d’Ele a terra inteira.
 
Dizei entre as nações: «O Senhor é Rei», sustenta o mundo e ele não vacila, governa os povos com equidade.
 
Aleluia. Santo é o dia que nos trouxe a luz. Vinde adorar o Senhor. Hoje, uma grande luz desceu sobre a terra. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 2,36-40): Havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Ela era de idade avançada. Quando jovem, tinha sido casada e vivera sete anos com o marido. Depois ficara viúva e agora já estava com oitenta e quatro anos. Não saía do templo; dia e noite servia a Deus com jejuns e orações. Naquela hora, Ana chegou e se pôs a louvar Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Depois de cumprirem tudo conforme a Lei do Senhor, eles voltaram para Nazaré, sua cidade, na Galileia. O menino foi crescendo, ficando forte e cheio de sabedoria. A graça de Deus estava com ele.
 
«Se pôs a louvar Deus e a falar do menino a todos »
 
Rev. D. Joaquim FLURIACH i Domínguez (St. Esteve de P., Barcelona, Espanha)
 
Hoje, José e Maria acabam de celebrar o rito da apresentação do primogênito, Jesus, no Templo de Jerusalém. Maria e José não se poupam para cumprir detalhadamente tudo o que a Lei prescreve, porque cumprir aquilo que Deus quer é sinal de fidelidade, de amor a Deus.
 
Desde que nasceu o seu filho —e filho de Deus —, José e Maria experimentam maravilha atrás de maravilha: os pastores, os magos do Oriente, anjos… Não somente acontecimentos exteriores extraordinários, mas também interiores, no coração das pessoas que têm algum contato com este Menino.
 
Hoje, aparece Ana, uma senhora de idade, viúva, que num determinado momento tomou a decisão de dedicar toda a sua vida ao Senhor, com jejuns e oração. Não nos equivocamos se dissermos que esta mulher era uma das “virgens prudentes” da parábola do Senhor (cf. Mt 25,1-13): zelando sempre fielmente por tudo o que lhe parece ser a vontade de Deus. E, é claro: quando chega o momento, o Senhor encontra-a preparada. Todo o tempo que dedicou ao Senhor é recompensado com juros por aquele Menino. — Perguntai-lhe, perguntai a Ana se valeu a pena tanta oração e tanto jejum, tanta generosidade!
 
Diz o texto que «louvava Deus e falava do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém» (Lc 2,38). A alegria transforma-se em apostolado determinado: ela é o motivo e a raiz. O Senhor é imensamente generoso com os que são generosos com Ele.
 
Jesus, Deus Encarnado, vive a vida de Família em Nazaré, como todas as famílias: crescer, trabalhar, aprender, rezar, brincar… “Santa normalidade”, bendita rotina onde crescem e se fortalecem, quase sem dar por isso, as almas dos homens de Deus! Como são importantes as coisas pequenas de cada dia!
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Acorda: Deus se fez homem por ti. Acorda, tu que dormes, levanta-te de entre os mortos, e Cristo será a tua luz. Foi por ti precisamente, que Deus se fez homem» (Santo Agostinho)
 
«Ana é “profetisa”, mulher sabia e piedosa. Sua larga viuvez, dedicada ao culto no Templo e a sua participação na espera do resgate de Israel concluem no encontro com o Menino Jesus» (Bento XVI)
 
«Com Simeão e Ana, é toda a expectativa de Israel que vem ao encontro do seu Salvador (a tradição bizantina designa por encontro este acontecimento). Jesus é reconhecido como o Messias tão longamente esperado» (Catecismo da Igreja Católica, nº 529)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* Nos primeiros dois capítulos de Lucas, tudo gira em torno do nascimento de duas crianças: João e Jesus.
Os dois capítulos nos fazem sentir o perfume do Evangelho de Lucas. Neles, o ambiente é de ternura e de louvor. Do começo ao fim, se louva e se canta a misericórdia de Deus: os cânticos de Maria (Lc 1,46-55), de Zacarias (Lc 1,68-79), dos anjos (Lc 2,14), de Simeão (Lc 2,29-32). Finalmente, Deus chegou para cumprir suas promessas, e Ele as cumpre em favor dos pobres, dos anawim, dos que souberam perseverar e esperar pela sua vinda: Isabel, Zacarias, Maria, José, Simeão, Ana, os pastores.
 
* Os capítulos 1 e 2 do Evangelho de Lucas são muito conhecidos, mas pouco aprofundados. Lucas escreve imitando os escritos do AT. É como se os primeiros dois capítulos do seu evangelho fossem o último capítulo do AT que abre a porta para a chegada do Novo. Estes dois capítulos são a dobradiça entre o AT e o NT. Lucas quer mostrar como as profecias estão se realizando. João e Jesus cumprem o Antigo e iniciam o Novo.
 
* Lucas 2,36-37: A vida da profetisa Ana. “Havia também uma profetisa chamada Ana, de idade muito avançada. Ela era filha de Fanuel, da tribo de Aser. Tinha-se casado bem jovem, e vivera sete anos com o marido. Depois ficou viúva, e viveu assim até os oitenta e quatro anos. Nunca deixava o Templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações”. Como Judite (Jd 8,1-6), Ana é viúva. Como Débora (Jz 4,4), ela é profetisa. Isto é, pessoa que comunica algo de Deus e que tem uma abertura especial para as coisas da fé a ponto de poder comunicá-las aos outros. Ana se casou jovem, viveu em casamento durante sete anos, ficou viúva e continuou dedicada a Deus até oitenta e quatro anos. Hoje, em quase todas as nossas comunidades, no mundo inteiro, você encontra um grupo de senhoras de idade, muitas delas viúvas, cuja vida se resume em rezar e marcar presença nas celebrações e em servir ao próximo.
 
* Lucas 2,38: Ana e o menino Jesus. “Ela chegou nesse instante, louvava a Deus, e falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”. Chegou ao templo no momento em que Simeão abraçava o menino e conversava com Maria sobre o futuro do menino (Lc 2,25-35). Lucas sugere que Ana participou neste gesto. O olhar de Ana é um olhar de fé. Ela vê um menino nos braços de sua mãe, e descobre nele o Salvador do mundo.
 
* Lucas 2,39-40: A vida de Jesus em Nazaré. ”Quando acabaram de cumprir todas as coisas, conforme a Lei do Senhor, voltaram para Nazaré, sua cidade, que ficava na Galileia. O menino crescia e ficava forte, cheio de sabedoria. E a graça de Deus estava com ele”. Nestas poucas palavras, Lucas comunica algo do mistério da encarnação. “A Palavra de fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14). O Filho de Deus tornou-se igual a nós em tudo e assumiu a condição de servo (Filp 2,7). Foi obediente até a morte e morte de cruz (Filp 2,8). Dos trinta e três anos que viveu entre nós, trinta foram vividos em Nazaré. Se você quiser saber como foi a vida do Filho de Deus durante os anos que ele viveu em Nazaré, procure conhecer a vida de qualquer nazareno daquele época, mude o nome, coloque Jesus e você terá a vida do Filho de Deus durante trinta dos trinta e três anos da sua vida, igual a nós em tudo, menos no pecado (Hb 4,15). Nestes trinta anos da sua vida, “o menino crescia e ficava forte, cheio de sabedoria. E a graça de Deus estava com ele”. Em outro lugar Lucas afirma a mesma coisa com outras palavras. Ele diz que o menino “crescia em sabedoria, idade e tamanho diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). Crescer em Sabedoria significa assimilar os conhecimentos, a experiência humana acumulada ao longo dos séculos: os tempos, as festas, os remédios, as plantas, as orações, os costumes etc. Isto se aprende vivendo e convivendo na comunidade natural do povoado. Crescer em Tamanho significa nascer pequeno, crescer aos poucos e ficar adulto. É o processo de cada ser humano com suas alegrias e tristezas, descobertas e frustrações, raivas e amores. Isto se aprende vivendo e convivendo na família com os pais, os irmãos e irmãs, os tios, os parentes. Crescer em Graça significa: descobrir a presença de Deus na vida, a sua ação em tudo que acontece, a vocação, o chamado dele. A carta aos hebreus diz que: “Embora fosse filho de Deus, Jesus teve que aprender a ser obediente através dos seus sofrimentos” (Hb 4,8).
 
Para um confronto pessoal
1. Conhece pessoas como Ana, que tem um olhar de fé sobre as coisas da vida?
2. Crescer em sabedoria, tamanho e graça: como isto acontece em minha vida?

sábado, 27 de dezembro de 2025

Oitava do Natal: 29 de dezembro

São Tomás Becket, bispo e mártir
São David, rei e profeta
 
1ª Leitura (1Jo 2,3-11):
Caríssimos: Nós sabemos que conhecemos Jesus Cristo, se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz conhecê-lo mas não guarda os seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele. Mas se alguém guarda a sua palavra, nesse o amor de Deus é perfeito. Nisto reconhecemos que estamos n’Ele. Quem diz que permanece n’Ele deve também proceder como Ele procedeu. Caríssimos, não vos escrevo um mandamento novo, mas um mandamento antigo, que recebestes desde o princípio. Este mandamento antigo é a palavra que ouvistes. No entanto, é um mandamento novo que vos escrevo – o que é verdadeiro n’Ele e em vós –, porque as trevas estão a passar e já brilha a luz verdadeira. Quem diz que está na luz e odeia o seu irmão ainda se encontra nas trevas. Quem ama o seu irmão permanece na luz e não há nele ocasião de pecado. Mas quem odeia o seu irmão encontra-se nas trevas, caminha nas trevas e não sabe para onde vai, porque as trevas lhe cegaram os olhos.
 
Salmo Responsorial: 95
R. Alegrem-se os céus, exulte a terra.
 
Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, terra inteira, cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.
 
Anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas.
 
Foi o Senhor quem fez os céus: diante d’Ele a honra e a majestade, no seu templo o poder e o esplendor.
 
Aleluia. Luz para se revelar às nações e glória do vosso povo Israel. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 2,22-35): E quando se completaram os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, levaram o menino a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor”. Para tanto, deviam oferecer em sacrifício um par de rolas ou dois pombinhos, como está escrito na Lei do Senhor. Ora, em Jerusalém vivia um homem piedoso e justo, chamado Simeão, que esperava a consolação de Israel. O Espírito do Senhor estava com ele. Pelo próprio Espírito Santo, ele teve uma revelação divina de que não morreria sem ver o Ungido do Senhor. Movido pelo Espírito, foi ao templo. Quando os pais levaram o menino Jesus ao templo para cumprirem as disposições da Lei, Simeão tomou-o nos braços e louvou a Deus, dizendo: «Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo». O pai e a mãe ficavam admirados com aquilo que diziam do menino. Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe: «Este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição — e a ti, uma espada traspassará tua alma! — e assim serão revelados os pensamentos de muitos corações».
 
«Agora, Senhor, deixas (...) teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação»
 
Chanoine Dr. Daniel MEYNEN (Saint Aubain, Namur, Bélgica)
 
Hoje, 29 de dezembro, celebramos o santo Rei Davi. Mas, é a toda a família de Davi que a Igreja quer honrar e especialmente ao mais ilustre de todos eles: a Jesus, o Filho de Deus, Filho de Davi! Hoje, nesse eterno “hoje” do Filho de Deus, a Antiga Aliança do tempo do Rei Davi realiza-se e cumpre-se em toda sua plenitude. Pois, como relata o Evangelho de hoje, o Menino Jesus é apresentado ao Templo por seus pais para cumprir com a Antiga Lei: «E quando se completaram os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, levaram o menino a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor (Lc 2,22-23).
 
Hoje, eclipsa-se a velha profecia para dar passo à nova: Aquele, a quem o Rei Davi tinha anunciado ao entonar seus salmos messiânicos, entrou por fim no Templo de Deus! Hoje é o grande dia em que aquele que São Lucas chama Simeão logo abandonará este mundo de obscuridade para entrar na visão da Luz eterna: «Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo» (Lc 2,29-32).
 
Também nós, que somos o Santuário de Deus em que seu Espírito habita (cf. 1Cor 3,16), devemos ficar atentos para receber a Jesus no nosso interior. Se hoje temos a fortuna de comungar, peçamos a Maria, a Mãe de Deus que interceda por nós ante seu Filho: que morra o homem velho e que novo homem (cf. Col 3,10) nasça em todo nosso ser, a fim de converter-nos nos novos profetas, os que anunciem ao mundo inteiro a presença de Deus três vezes, Pai, Filho e Espírito Santo!
 
Como Simão, sejamos profetas pela morte do “homem velho”! Como disse o Papa João Paulo II «a plenitude do Espírito de Deus vem acompanhada (...) antes que nada pela disponibilidade interior que provém da fé. Disso, o ancião Simeão “homem justo e piedoso”, teve a intuição no momento da apresentação de Jesus no Templo».
 
«Meus olhos viram a tua salvação»
 
Rev. D. Joaquim MONRÓS i Guitart (Tarragona, Espanha)
 
Hoje, contemplamos a Apresentação do Menino Jesus no Templo, cumprindo a prescrição da Lei de Moisés: purificação da mãe e apresentação e resgate do primogénito.
 
São Josemaria descreve esta situação no quarto mistério gozoso do seu livro O Santo Rosário, convidando-nos a fazer parte da cena: «E desta vez, meu amigo, hás de ser tu a levar a gaiola das rolas. – Estás a ver? Ela – a Imaculada! – submete-se à Lei como se estivesse imunda. Aprenderás com este exemplo, menino tonto, a cumprir a Santa Lei de Deus, apesar de todos os sacrifícios pessoais?
 
«Purificação! Tu e eu, sim, que realmente precisamos de purificação! – Expiação e, além da expiação, o Amor. – Um amor que seja cautério: que abrase a sujidade da nossa alma, que incendeie, com chamas divinas, a miséria do nosso coração».
 
Vale a pena aproveitar o exemplo de Maria para “limpar” a nossa alma neste tempo do Natal, fazendo uma confissão sacramental sincera, para poder receber o Senhor com as melhores disposições. Assim, José apresenta a oferenda de um par de rolas, mas oferece principalmente a sua capacidade de realizar, com o seu trabalho e com o seu amor castíssimo, o plano de Deus para a Sagrada Família, modelo de todas as famílias.
 
Simeão recebeu do Espírito Santo a revelação de que não morreria sem ver Cristo. Vai ao Templo e, ao receber o Messias nos seus braços, cheio de alegria, diz-lhe: «Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação» (Lc 2,29-30). Neste Natal, contemplemos, com olhos de fé, Jesus que vem salvar-nos com o seu nascimento. Assim como Simeão entoou um cântico de ação de graças, alegremo-nos cantando diante do presépio, em família, e no nosso coração, pois sabemo-nos salvos pelo Menino Jesus.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Terias morrido para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Comemoremos com alegria o advento de nossa salvação e redenção» (Santo Agostinho)
 
«Simeão reconhece naquele Menino ao Salvador, mas intui –graças ao Espírito- que em torno a Ele girará o destino da humanidade... Tendo “tocado” a salvação, o entusiasmo de Simeão é tão grande, que para ele viver e morrer são o mesmo» (Bento XVI)
 
«A apresentação de Jesus no Templo o mostra como o Primogênito pertencente ao Senhor. Com Simeão e Ana (...) Jesus é reconhecido como o Messias tão esperado, “luz das nações” e glória de Israel”, mas é também “sinal de contradição”. A espada de dor predita a Maria anuncia esta outra oblação, perfeita e única, da cruz, que dará a salvação que Deus “preparou diante de todos os povos”» (Catecismo da Igreja Católica, n° 529)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* Os primeiros dois capítulos do Evangelho de Lucas, escrito na metade dos anos 80, não são história no sentido em que nós hoje entendemos a história.
Funcionam muito mais como espelho, onde os cristãos convertidos do paganismo descobriam que Jesus tinha vindo realizar as profecias do Antigo Testamento e atender às mais profundas aspirações do coração humano. São também símbolo e espelho do que estava acontecendo entre os cristãos do tempo de Lucas. As comunidades vindas do paganismo tinham nascido das comunidades dos judeus convertidos, mas eram diferentes. O Novo não correspondia ao que o Antigo imaginava e esperava. Era "sinal de contradição" (Lc 2,34), causava tensões e era fonte de muita dor. Na atitude de Maria, imagem do Povo de Deus, Lucas apresenta um modelo de como perseverar no Novo, sem ser infiel ao Antigo.
 
* Nestes dois primeiros capítulos do evangelho de Lucas tudo gira em torno do nascimento de duas crianças: João e Jesus. Os dois capítulos nos fazem sentir o perfume do Evangelho de Lucas. Neles, o ambiente é de ternura e de louvor. Do começo ao fim, se louva e se canta, pois, finalmente, a misericórdia de Deus se revelou e, em Jesus, ele cumpriu as promessas feitas aos pais. E Deus as cumpriu em favor dos pobres, dos anawin, como Isabel e Zacarias, Maria e José, Ana e Simeão, os pastores. Estes souberam esperar pela sua vinda.
 
* A insistência de Lucas em dizer que Maria e José cumpriram tudo aquilo que a Lei prescreve evoca o que Paulo escreveu na carta aos Gálatas: “Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho. Ele nasceu de uma mulher, submetido à Lei para resgatar aqueles que estavam submetidos à Lei, a fim de que fôssemos adotados como filhos” (Gal 4,4-5).
 
* A história do velho Simeão ensina que a esperança, mesmo demorada, um dia se realiza. Ela não se frustra nem se desfaz. Mas a forma de ela realizar-se nem sempre corresponde à maneira como a imaginamos. Simeão esperava o Messias glorioso de Israel. Chegando ao templo, no meio de tantos casais que trazem seus meninos ao templo, ele vê um casal pobre lá de Nazaré. É neste casal pobre com seu menino ele vê a realização da sua esperança e da esperança do povo: “Meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel."
 
* No texto do evangelho deste dia, aparecem os temas preferidos de Lucas, a saber, uma grande insistência na ação do Espírito Santo, na oração e no ambiente orante, uma atenção contínua à ação e à participação das mulheres, e uma preocupação constante com os pobres e com a mensagem a ser dada aos pobres.
 
Para um confronto pessoal
1. Você seria capaz de perceber numa criança pobre a luz para iluminar as nações?
2. Você seria capaz de aguentar uma vida inteira esperando a realização da sua esperança?
 

sexta-feira, 26 de dezembro de 2025

Mensagem do Prior Geral da Ordem do Carmo

 


Estimados irmãos e irmãs da Família Carmelita:
desejo-vos um Santo Natal e um Próspero Ano Novo de 2026!
Que o Menino Jesus vos encha de bênçãos e vos dê a paz.
 
1. Há alguns anos, o Papa emérito Bento XVI explicou o significado desta Noite Santa, que vamos celebrar, lembrando-nos que quem pretende entrar na Igreja da Natividade de Jesus, em Belém, descobre que o portão de entrada foi em grande parte muralhado. Só ficou uma pequena abertura de um metro e meio. Como observou, “a intenção era provavelmente a de proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos, mas, sobretudo, para impedir que se entrasse a cavalo na casa de Deus”. É providencial, porque “quem quiser entrar no lugar do nascimento de Jesus tem que se inclinar... se queremos encontrar o Deus que nos apareceu como Menino, temos que desmontar do cavalo da nossa razão ‘iluminada’. Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que às vezes nos impede de perceber a proximidade de Deus”. O que é a humildade senão abaixar-se para entrar pela porta da fé e encontrar a Deus? Que o Deus-Menino nos ensine a inclinar-nos perante o mistério de Deus. Peçamos também, neste Natal por todos aqueles que têm que viver na pobreza, na dor, na doença e no abandono, para que também a eles chegue, através das nossas mãos, a bondade que Deus, com o nascimento do seu Filho, quis trazer ao mundo.

2. A música do silêncio. Entrar no espaço sagrado, de David Steindl-Rast e Sharon Lebell, é um livro que uma amiga me ofereceu. Os autores deste livro lembram-nos que os relatos bíblicos do Natal estão repletas de ‘anjos? De facto, eles são omnipresentes nas nossas vidas. Voltaire, bastante incrédulo, chegou a escrever em tom irónico que “não se sabia exatamente onde viviam os anjos”. A nossa época, felizmente liberta de interpretações literais da realidade, já não se preocupa com a envergadura das asas dos anjos, com o seu sexo ou com quantos deles cabem na cabeça de um alfinete. Nós concentramo-nos no significado do seu nome: anjo, que originalmente significa, como sabemos,  ‘mensageiro, arauto’. ‘Seres de luz’, ‘totalmente dedicados ao serviço de Deus’ e definidos, acima de tudo, pela missão que desempenham. Maria e José, por meio de um anjo, puderam encontrar-se com o Senhor. Também nas nossas comunidades há muitos ‘anjos’. Para os descobrir, é preciso parar, entrar em contacto com Deus e olhar à nossa volta. Aqueles que acompanham os nossos irmãos doentes ao médico; aqueles que silenciosamente fecham ou abrem as portas todos os dias; aqueles que levam o lixo para ser recolhido; aqueles que trazem o correio...; aqueles que sorriem gentilmente cada manhã... Todos eles são inspirados por um anjo. O que Voltaire talvez ignorava é que a morada dos anjos está na comunidade. É aí que eles vivem!

Que o Menino Jesus nos abençoe, ampare as nossas famílias e todos aqueles que são obrigados a esta longe dos seus entes queridos, dos seus amigos e da sua terra. Que Ele fortaleça os nossos governantes no seu compromisso de defender a vida e os mais vulneráveis. Que as nossas comunidades sejam a nova morada dos anjos.

Fraternalmente no Carmelo
Desiderio García Martínez, O.Carm.
Prior Geral

A Sagrada Família

Santos Inocentes, mártires
 
1ª Leitura (Si 3,2-6.12-14):
Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe. Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração. Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe. Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida. Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados.
 
Salmo Responsorial: 127
R. Felizes os que esperam no Senhor e seguem os seus caminhos.
 
Feliz de ti, que temes o Senhor e andas nos seus caminhos. Comerás do trabalho das tuas mãos, serás feliz e tudo te correrá bem.
 
Tua esposa será como videira fecunda, no íntimo do teu lar; teus filhos serão como ramos de oliveira, ao redor da tua mesa.
 
Assim será abençoado o homem que teme o Senhor. De Sião te abençoe o Senhor: vejas a prosperidade de Jerusalém, todos os dias da tua vida.
 
2ª Leitura (Col 3,12-21): Irmãos: Como eleitos de Deus, santos e prediletos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também. Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados para formar um só corpo. E vivei em ação de graças. Habite em vós com abundância a palavra de Cristo, para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros com toda a sabedoria; e com salmos, hinos e cânticos inspirados, cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão. E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai. Esposas, sede submissas aos vossos maridos, como convém no Senhor. Maridos, amai as vossas esposas e não as trateis com aspereza. Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, porque isto agrada ao Senhor. Pais, não exaspereis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo.
 
Aleluia. Reine em vossos corações a paz de Cristo, habite em vós a sua palavra. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 2,13-15.19-23): Depois que os magos se retiraram, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo». José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para o Egito; e lá ficou até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: «Do Egito chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e lhe disse: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e volta para a terra de Israel; pois já morreram aqueles que queriam matar o menino». Ele levantou-se, com o menino e a mãe, e entrou na terra de Israel. Mas quando soube que Arquelau reinava na Judéia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Depois de receber em sonho um aviso, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: «Ele será chamado nazareno».
 
«Levanta-te, toma o menino e sua mãe, e volta para a terra de Israel»
 
Rev. D. Joan Ant. MATEO i García (Tremp, Lleida, Espanha)
 
Hoje contemplamos o mistério da Sagrada Família. O Filho de Deus inicia sua andança entre os homens no seio de uma família. São os desígnios do Pai. A família será sempre o habitat humano insubstituível. Jesus tem um pai legal que o “leva” e uma Mãe que não se separa Dele. Deus se serviu em todo momento de São José, homem justo, esposo fiel e pai responsável para defender à Família de Nazaré: «Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo.» (Mt 2,13).
 
Hoje, mais que nunca, a Igreja está chamada a proclamar a boa nova do Evangelho da Família e a vida. Hoje más que nunca, uma cultura profundamente inumana tenta impor um anti-evangelho de confusão e de morte. João Paulo II nos lembrava em sua exortação Ecclesia in Europa: «A Igreja deve propor com fidelidade a verdade sobre o matrimonio e a família. É uma necessidade que sente de maneira urgente, porque sabe que esta tarefa lhe compete pela missão evangelizadora que seu Esposo e Senhor lhe confiou e que hoje se expressa com especial urgência. O valor da indissolubilidade matrimonial se corrompe cada vez mais; se reclamam formas de reconhecimento legal das convivências de fato, equiparando-as ao matrimonio legítimo...».
 
«Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo.» (Mt 2,13). Herodes ataca novamente, mas não temamos, porque a ajuda de Deus não nos faltará. Vamos a Nazaré! Redescubramos a verdade da família e da vida. Vivamos gozosamente e anunciemos aos nossos irmãos sedentos de luz e esperança. O Papa nos convoca a isso: «É preciso reafirmar tais instituições [o matrimonio e a família] como provenientes da vontade de Deus. Além disso, é necessário servir ao Evangelho da vida».
 
Novamente, «Com a morte de Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a José, no Egito, e disse: Levanta-te, toma o menino e sua mãe e retorna à terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino.» (Mt 2,19-20). O retorno de Egito é iminente!
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Quando os magos anunciam a Herodes que há nascido um Rei, ele se turba, e, para não perder seu reino, lhe quer matar. Se tivesse crido em Ele, estaria seguro aqui na terra e reinaria sem fim na outra vida» (São Quodvultdeus)
 
«Que importante é que cada criança, ao vir ao mundo, seja acolhido pelo calor duma família! Não importam as comodidades exteriores: Jesus nasceu num celeiro e como primeiro berço teve uma manjedoura, mas o amor de Maria e de Jose lhe fez sentir a ternura e a beleza de ser amados» (Bento XVI)
 
«A fuga para o Egito e o massacre dos Inocentes manifestam a oposição das trevas à luz: “Ele veio para o que era seu e os seus não O receberam” (Jo 1,11)» (Catecismo da Igreja Católica, n° 530)
 
A Sagrada Família peregrina na esperança
 
Do site da Ordem do Carmo em Portugal.
 
* O Evangelho de Mateus foi chamado o “Evangelho do Reino”.
Mateus convida-nos a refletir acerca da vinda do Reino dos Céus. Na estrutura do seu relato evangélico alguns viram um drama em sete atos, que trata da realidade da vinda deste Reino. O drama começa com a preparação para esta vinda do Reino na pessoa do Messias menino e termina com a vinda do Reino no sofrimento e no triunfo com a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, Filho de Deus.
 
* A passagem do Evangelho proposta para nossa reflexão, faz parte, por assim dizer, do primeiro ato, no qual Mateus nos apresenta a pessoa de Jesus que cumpre as Escrituras. Mateus é o evangelista que cita mais vezes o Antigo Testamento para demonstrar que em Cristo se cumprem a Lei e os Profetas. Jesus, a realização e a perfeição das Escrituras, veio ao mundo para restabelecer o Reino dos Céus, já anunciado na aliança de Deus com o seu povo. Com a vinda de Cristo, esta aliança não se limita unicamente ao povo hebreu mas alarga-se a todos os povos. Mateus orienta uma comunidade de hebreus cristãos, perseguida pela sinagoga, e convida-a a abrir-se aos gentios. Ele é o escriba sábio que sabe tirar do seu tesouro o que é antigo e o que é novo. O Evangelho foi escrito originariamente em arameu e depois redigido em grego.
 
* Mateus 2, 13-23 faz parte da secção que trata do nascimento e da infância de “Jesus Cristo filho de David, filho de Abraão” (Mt 1, 1). Jesus é filho do seu povo mas também é filho de toda a humanidade. Na sua genealogia encontram-se influências estrangeiras (Mt 1, 3-6). Os primeiros a serem chamados para homenagearem o recém-nascido, além de Maria sua Mãe (Mt 2, 11), são os Magos. O Messias atrai os sábios com a sua luz oferecendo-lhes a salvação (Mt 2, 1-12). Os Magos recebem esta salvação em contraste com Herodes e uma Jerusalém perturbada (Mt 2, 3). Desde o seu nascimento, Jesus é perseguido pelos chefes do seu povo e ao mesmo tempo revive as experiências dolorosas desse mesmo povo.
 
* Já desde o seu nascimento revive as várias experiências de exílio e de humilhação do seu povo. O Evangelho mostra-nos isto com o relato da fuga para o Egipto e a matança dos inocentes. O drama destes acontecimentos desenrola-se diante de nós nestas secções:
- O anjo que aparece em sonhos a José depois da partida dos Magos e a fuga para o Egipto (Mt 2, 13-15).
- Herodes dá-se conta de que foi enganado pelos Magos e mata todos os meninos de Belém (Mt 2, 16-18).
- A morte de Herodes e o regresso “clandestino” da Sagrada Família, não a Belém mas à Galileia (Mt 2, 19-23).
 
* O tema do rei que mata os temidos adversários é comum na história de toda a dinastia real. Na literatura bíblica, além desta cena de Herodes que procura o Menino Jesus para o matar, encontramos no Antigo Testamento alguns relatos parecidos. No primeiro livro de Samuel, Saul rejeitado pelo Senhor, tem medo de David e procura matá-lo (1Sam 15; 18; 19; 20). Mical e Jónatas  ajudam-no a escapar (1Sam 19, 20). No primeiro livro dos Reis, o rei Salomão, na sua velhice, infiel a Deus e aos seus pais, com o coração pervertido, cometeu o que é mal aos olhos do Senhor (1Re 11, 3-13). Por isso o Senhor suscita um adversário, Hadad, contra ele (1Re 11, 14), que durante o reinado de David foge e refugia-se no Egipto (1Re 11, 17). Outro adversário de Salomão é Jeroboão, que também se refugia no Egipto para se livrar do rei que o quer matar (1Re 11, 40). Este era o período da decadência do reino. No segundo livro dos Reis, desta vez no contexto do assalto a Jerusalém, que acontece “no ano nono do seu reinado (Nabucodonosor), no dia dez do décimo mês” (2Re 25, 1) do ano 589, encontramos o saque de Jerusalém e a segunda deportação do povo no ano 587 (2Re 25, 8-21). O povo “que permaneceu no país de Judá” (2Re 25, 22) submete-se a Godolias colocado como governador por Nabucodonosor. “Ismael (…) com dez homens (…) deram a morte a Godolias, aos Judeus e aos Caldeus que estavam com ele”. Imediatamente, com medo dos Caldeus fugiram para o Egipto (2Re 25-26). No livro do profeta Jeremias encontramos também o relato de Urias “um homem que profetizava em nome do Senhor” (Jer 26, 20). Este foge para o Egipto porque o rei Joaquim procurava matá-lo. O rei conseguiu encontrá-lo no Egipto e matou-o (Jer 25, 20-24).
 
* Mateus, através destes acontecimentos que aclaram a fuga da Sagrada Família para o Egito, faz-nos ver que Jesus logo desde criança participa da sorte do seu povo. O Egipto converte-se para Jesus um refúgio como o tinha sido para os patriarcas:
- Abraão “desceu ao Egipto para aí viver porque a fome pairava sobre o país” (Gen 12, 1).
- José ameaçado pelos irmãos que procuram matá-lo por inveja e é depois vendido aos mercadores que o levam para o Egipto e o entregam a Putifar (Gen 37, 12-36).
- Israel (Jacob) que vai para o Egipto chamado pelo seu filho José (Gen 46, 1-7).
- A família de Israel (Jacob) que vai para o Egipto e estabelece-se aí (Gen 46-50; Ex 1, 1-6).
 
* Mateus altera o sentido da citação tomada de Oseias 11, 1: “Do Egipto chamei o meu filho” e interpreta-a como se Deus chamasse o seu Filho Jesus para fugir para o Egipto (Mt 2, 15). O sentido original de Oseias era que o Senhor chamou o seu filho Israel para fugir para o Egipto para formar um povo. A fuga de Jesus para o Egipto e o extermínio dos inocentes de Belém recorda-nos a opressão de Israel no país do Egipto e o extermínio dos recém-nascidos masculinos (Ex 1, 8-22). A profecia aplicada à matança dos inocentes é tomada do livro da consolação composto pelos capítulos 30 e 31 do livro do profeta Jeremias. A lamentação está relacionada com a promessa do Senhor que consola Raquel, a mulher de Jacob (Israel), mãe de José, que foi sepultada, segundo a tradição, perto de Belém, e que lhe promete que ela será recompensada pela sua tristeza, pelos seus filhos que nunca mais voltarão (Jer 31, 15-18).
 
* Voltando do Egipto depois da morte de Herodes, José decide estabelecer-se na Galileia numa cidade chamada Nazaré. Jesus será chamado Nazareno. Mais tarde, também os seus discípulos serão reconhecidos como Nazarenos (Act 24, 5).

quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

27 de dezembro: São João, apóstolo e evangelista

1ª Leitura (1Jo 1,1-4):
Caríssimos: O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos, o que tocámos com as nossas mãos acerca do Verbo da Vida, é o que nós vos anunciamos. Porque a Vida manifestou-Se e nós vimos e damos testemunho dela. Nós vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. E vos escrevemos tudo isto, para que a vossa alegria seja completa.
 
Salmo Responsorial: 96
R. Alegrai-vos, justos, no Senhor.
 
O Senhor é Rei: exulte a terra, rejubile a multidão das ilhas. Ao seu redor, nuvens e trevas; a justiça e o direito são a base do seu trono.
 
Derretem-se os montes como cera, diante do Senhor de toda a terra. Os céus proclamam a sua justiça e todos os povos contemplam a sua glória.
 
A luz resplandece para o justo e a alegria para os corações retos. Alegrai-vos, ó justos, no Senhor, e louvai o seu nome santo.
 
Aleluia. Nós Vos louvamos, ó Deus; nós Vos bendizemos, Senhor. O coro glorioso dos Apóstolos canta os vossos louvores. Aleluia.
 
Evangelho (Jo 20,2-8): Maria Madalena saiu correndo e foi se encontrar com Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele que Jesus mais amava. Disse-lhes: «Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram». Pedro e o outro discípulo saíram e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, e o outro discípulo correu mais depressa, chegando primeiro ao túmulo. Inclinando-se, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. Simão Pedro, que vinha seguindo, chegou também e entrou no túmulo. Ele observou as faixas de linho no chão, e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus: este pano não estava com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. O outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também, viu e creu.
 
«Viu e creu»
 
Rev. D. Manel VALLS i Serra (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, a liturgia celebra a solenidade de são João, apóstolo e evangelista. Ao dia seguinte de Natal, a Igreja celebra a festa do primeiro mártir da fé cristã: são Estevão. E ao dia seguinte, a festa de são João, aquele que melhor e mais profundamente penetra no mistério do Verbo encarnado, o primeiro "teólogo" e modelo de tudo verdadeiro “teólogo”. A passagem do seu Evangelho que hoje se propõe ajuda-nos a contemplar o Natal desde a perspectiva da Ressurreição do Senhor. Por isso, João, ao chegar até o túmulo vazio, «viu e creu» (Jo 20,8). Confiados na testemunha dos Apóstolos, nos vemos movidos em cada Natal a "ver" e "crer".
 
Cada um pode reviver esses "ver" e "crer" a propósito do nascimento de Jesus, o Verbo encarnado. João movido pela intuição do seu coração —e, deveríamos acrescentar pela "graça"— "vê mais além do que seus olhos naquele momento podem contemplar. Na realidade, se ele crê, vê sem "ter visto" ainda a Cristo, com o qual já tem implícita a louvação para aqueles que «não viram, e creram!» (Jo 20,29), com o qual acaba o capítulo do seu Evangelho.
 
Pedro e João "correm" juntos até o túmulo, mais o texto nos diz que João «o outro discípulo correu mais depressa, chegando primeiro ao túmulo» (Jo 20,4). Parece como se João desejasse mais estar ao lado de Aquele que amava —Cristo— do que estar fisicamente ao lado de Pedro, ante o qual, porém —com um gesto de esperá-lo e que seja ele quem entre primeiro ao túmulo— demonstra que é Pedro quem tem a primazia no Colégio Apostólico. Com tudo, o coração ardente, cheio de zelo, fervoroso de amor por João, é o que o leva a "correr" e "avançar", convidando-nos a viver igualmente a nossa fé com este desejo ardente de encontrar ao Ressuscitado.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«João, junto da manjedoura, diz-nos: vede o que se concede a quem se entrega a Deus de coração puro. Eles participarão da total e inesgotável plenitude da vida humano-divina de Cristo como recompensa real» (Santa Teresa Benedita da Cruz)
 
«Que melhor comentário sobre o `mandamento novo´, do que aquele de que nos fala São João? Peçamos ao Pai que o vivamos, mesmo que seja sempre de forma imperfeita, de modo tão intenso que contagie aqueles que encontramos no nosso caminho» (Bento XVI)
 
«Retomando a expressão de São João («o Verbo fez-Se carne»: Jo 1, 14), a Igreja chama “Encarnação” ao facto de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana, para nela levar a efeito a nossa salvação (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº461)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* O evangelho de hoje traz o trecho do Evangelho de João, que fala do Discípulo Amado.
Provavelmente, escolheram este texto para ser lido e meditado no dia de hoje, festa de São João Evangelista, por causa da identificação espontânea que todos fazemos do discípulo amado com o apóstolo João. O curioso é que, em canto algum do evangelho de João, se diz que o discípulo amado é João. Mas desde o mais remoto início da Igreja sempre se insistiu na identificação dos dois. Porém, insistindo demais na semelhança entre os dois corremos o risco de perder um aspecto muito importante da mensagem do Evangelho a respeito do discípulo amado.
 
* No evangelho de João o discípulo amado representa a nova comunidade que nasce ao redor de Jesus. O Discípulo Amado está ao pé da Cruz junto com Maria, a mãe de Jesus (Jo 19,26). Maria representa o Povo da antiga aliança. No fim do primeiro século, época em que foi feita a redação final do Evangelho de João, havia o conflito crescente entre a sinagoga e a igreja. Alguns cristãos queriam abandonar o Antigo Testamento e ficar só com o Novo Testamento. Ao pé da Cruz Jesus diz: “Mulher, eis aí teu filho!” e ao discípulo amado: “Filho, eis aí tua mãe!” Os dois devem permanecer unidos, como mãe e filho. Separar o Antigo Testamento do Novo Testamento era naquele tempo o mesmo que hoje chamamos de separação entre fé (NT) e vida (AT).
 
* No evangelho de hoje, Pedro e o Discípulo Amado, alertados pelo testemunho de Maria Madalena, correm juntos para o Santo Sepulcro. O jovem é mais veloz que o velho e chega primeiro. Ele olha para dentro do sepulcro, observa tudo, mas não entra. Ele deixa Pedro entrar primeiro. Pedro entrou. É sugestiva a maneira como o evangelho descreve a reação dos dois homens diante do que ambos viram: “Então Pedro, que vinha correndo atrás, chegou também e entrou no túmulo. Viu os panos de linho estendidos no chão e o sudário que tinha sido usado para cobrir a cabeça de Jesus. Mas o sudário não estava com os panos de linho no chão; estava enrolado num lugar à parte. Então o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também. Ele viu e acreditou”. Ambos viram a mesma coisa, mas só se diz do Discípulo Amado que ele acreditou: “Depois entrou o discípulo: olhou e acreditou!” Por quê? Será que Pedro não acreditou?
 
* O discípulo amado tem um olhar diferente que percebe mais que os outros. Tem um olhar amoroso que percebe a presença da novidade de Deus. Na madrugada depois daquela noite de pescaria e depois da pesca milagrosa, é ele, o discípulo amado, que percebe a presença de Jesus e diz: “É o Senhor!” (Jo 21,7). Naquela ocasião, Pedro, alertado pela afirmação do discípulo amado também reconheceu e começou a enxergar. Pedro aprendeu do discípulo amado. Em seguida, Jesus perguntou três vezes; “Pedro, você me ama?” (Jo 21,15.16.17). Por três vezes, Pedro respondeu: “Tu sabes que eu te amo!” Depois da terceira vez, Jesus confiou as ovelhas aos cuidados de Pedro, pois neste momento também Pedro se tornou “Discípulo Amado”.
 
Para um confronto pessoal
1. Todos que acreditamos em Jesus somos hoje o Discípulo Amado. Será que tenho o mesmo olhar amoroso para perceber a presença de Deus e crer na sua ressurreição?
2. Separar o Antigo do Novo Testamento é o mesmo que separar Vida e Fé. Como faço e vivo isto?

26 de dezembro: São Estevão, protomártir

1ª Leitura (At 6,8-10; 7,54-60):
Naqueles dias, Estêvão, cheio de graça e fortaleza, fazia grandes prodígios e milagres entre o povo. Entretanto, alguns membros da sinagoga chamada dos Libertos, oriundos de Cirene, de Alexandria, da Cilícia e da Ásia, vieram discutir com Estêvão, mas não eram capazes de resistir à sabedoria e ao Espírito Santo com que ele falava. Ao ouvirem as suas palavras, estremeciam de raiva em seu coração e rangiam os dentes contra Estêvão. Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, de olhos fitos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé à sua direita e exclamou: «Vejo o Céu aberto e o Filho do homem de pé à direita de Deus». Então levantaram um grande clamor e taparam os ouvidos; depois atiraram-se todos contra ele, empurraram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas colocaram os mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. Enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito». Palavra do Senhor.
 
Salmo Responsorial: 30
R. Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito.
 
Sede a rocha do meu refúgio e a fortaleza da minha salvação. Porque Vós sois a minha força e o meu refúgio, por amor do Vosso nome guiai-me e conduzi-me.
 
Em vossas mãos entrego o meu espírito, Senhor, Deus fiel, salvai-me. Hei de exultar e alegrar-me com a vossa misericórdia, porque conhecestes as angústias da minha alma.
 
Livrai-me das mãos dos meus inimigos e de quantos me perseguem. Fazei brilhar sobre mim a vossa face, salvai-me pela vossa bondade.
 
Aleluia. Bendito O que vem em nome do Senhor; o Senhor é Deus e fez brilhar sobre nós a sua luz. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 10,17-22): Naquele tempo, Jesus disse aos Apóstolos: «Cuidado com as pessoas, pois vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. Por minha causa, sereis levados diante de governadores e reis, de modo que dareis testemunho diante deles e diante dos pagãos. Quando vos entregarem, não vos preocupeis em como ou o que falar. Naquele momento vos será dado o que falar, pois não sereis vós que falareis, mas o Espírito do vosso Pai falará em vós. O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra seus pais e os matarão. Sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo».
 
«Eles vos levarão aos seus tribunais e açoitar-vos-ão»
 
Frei Josep Mª MASSANA i Mola OFM (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, mal acabámos de saborear a profunda experiência do Nascimento do Menino Jesus, muda o panorama litúrgico. Podíamos pensar que celebrar um mártir não combina com o encanto do Natal… O martírio de Sto. Estevão, que veneramos como protomártir do cristianismo, entra plenamente na teologia da Encarnação do Filho de Deus. Jesus veio ao mundo para derramar o seu Sangue por nós. Estevão foi o primeiro a derramar o seu sangue por Jesus. Lemos neste Evangelho como o próprio Jesus o anuncia: «Eles vos levarão aos seus tribunais e (…) sereis levados diante dos governadores e dos reis: servireis de testemunha» (Mt 10,17.18). Precisamente, “mártir” significa exatamente isto: testemunha.
 
Este testemunho de palavras e de obras dá-se graças à força do Espírito Santo: «O Espírito do vosso Pai (…) falará em vós» (Mt 10,19). Tal como lemos nos “Atos dos Apóstolos”, capítulo 7, Estevão, levado aos tribunais, deu uma lição magistral, percorrendo o Antigo Testamento, demonstrando que todo ele converge no Novo, na Pessoa de Jesus. N’Ele se cumpre tudo o que tinha sido anunciado pelos profetas e ensinado pelos patriarcas.
 
Na narrativa do seu martírio encontramos uma belíssima alusão trinitária: «Estevão, cheio do Espírito Santo, fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus» (At 7,55). A sua experiência foi como uma antecipação da Glória do Céu. E Estevão morreu como Jesus, perdoando aos que o imolavam: «Senhor, não lhes leves em conta este pecado» (At 7,60); rezou as palavras do Mestre: «Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
 
Peçamos a este mártir que saibamos viver como ele, cheios do Espírito Santo, a fim de que, fixando o olhar no céu, vejamos Jesus à direita de Deus. Esta experiência fará que gozemos já do céu, enquanto estamos na terra.
 
«Vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão »
 
Pe. Joan BUSQUETS i Masana (Sabadell, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, a Igreja celebra a festa do seu primeiro mártir, o diácono São Estevão. O Evangelho, às vezes, parece desconcertante. Ontem transmitia-nos sentimentos de gozo e de alegria pelo Nascimento do Menino Jesus: «Os pastores retiraram-se, louvando e glorificando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, de acordo com o que lhes tinha sido dito»(Lc 2,20). Hoje parece como se quisera-nos pôr sob aviso perante os perigos: «Cuidado com as pessoas, pois vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas» (Mt 10, 17). É que aqueles que queiram ser testemunhos, como os pastores na alegria do Nascimento, devem ser valentes como Estevão no momento de proclamar a Morte e Ressurreição de aquele Menino que tinha nele a Vida.
 
O mesmo Espírito que cobriu com sua sombra a Maria, a Mãe virgem, para que fosse possível a realização do plano de Deus de salvar aos homens; o mesmo Espírito que posou sob os Apóstolos para que saíssem do seu esconderijo e difundiram a Boa Nova —o Evangelho— pelo mundo todo, é o que dá forças àquele menino que discutia com os da sinagoga e perante o que «não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que falava» (At 6,10).
 
Era um mártir na vida. Mártir significa “testemunho”. E foi também mártir por sua morte. Em vida teve em consideração as palavras do Mestre: «Quando vos entregarem, não vos preocupeis em como ou o que falar. Naquele momento vos será dado o que falar» (Mt 10,19). «Cheio do Espírito Santo, Estêvão olhou para o céu e viu a glória de Deus; e viu também Jesus, de pé, à direita de Deus».(Ats.7,55). Estevão o viu e disse. Se o cristão hoje é um testemunho de Jesus Cristo, o que viu com os olhos da fé o vai dizer sem medo com as palavras mais compreensíveis, quer dizer, com fatos, com obras.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Esteban, confiando na força da caridade, superou a amarga crueldade de Saul, e mereceu ter no céu como companheiro quem conheceu na terra como um perseguidor» (São Fulgêncio de Ruspe)
 
«Embora nem todos sejam chamados, como santo Estêvão, a derramar o próprio sangue, contudo a cada cristão é pedido que seja coerente em todas as circunstâncias com a fé que ele professa» (Francisco)
 
«Interceder, pedir a favor de outrem, é próprio, desde Abraão, dum coração conforme com a misericórdia de Deus. (...). Na intercessão, aquele que ora não «olha aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros», e chega até a rezar pelos que lhe fazem mal (Cf. Santo Estêvão rezando pelos que o supliciavam, como Jesus: cf. At 7, 60)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.635)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* O contraste é grande.
Ontem, dia de Natal, foi o presépio do recém-nascido com o canto dos anjos e a visita dos pastores. Hoje é o sangue derramado de Estevão, apedrejado até a morte, porque teve a coragem de crer na promessa expressa na simplicidade do presépio. Estevão criticou a interpretação fundamentalista da Lei de Deus e o monopólio do Templo. Por isso foi morto por eles (At 6,13-14).
 
* Hoje, na festa de Estevão, primeiro mártir, a liturgia traz um trecho do evangelho de Mateus (Mt 10,17-22), tirado do assim chamado Sermão da Missão (Mt 10,5-42). Nele Jesus adverte os seus discípulos dizendo que a fidelidade ao evangelho traz dificuldades e perseguição: “eles entregarão vocês aos tribunais e açoitarão vocês nas sinagogas deles”. Mas para Jesus o que importa na perseguição não é o lado doloroso do sofrimento, mas sim o lado positivo do testemunho: “Vocês vão ser levados diante de governadores e reis, por minha causa, a fim de serem testemunhas para eles e para as nações”. A perseguição é uma oportunidade para dar testemunho da Boa Nova de Deus que Jesus nos trouxe.
 
* Foi o que aconteceu com Estevão. Ele deu testemunho da sua fé em Jesus até o último momento da sua vida. Na hora de morrer ele disse: “Vejo os céus abertos, e o Filho do Homem em pé à direita de Deus” (At 7,56). E ao cair morto debaixo das pedradas imitou Jesus gritando: “Senhor, não lhes leve em conta este pecado!” (At 7,60; Lc 23,34).
 
* Jesus tinha dito: “Quando entregarem vocês, não fiquem preocupados como ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido a vocês o que vocês devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irão falar, e sim o Espírito do Pai de vocês é quem falará através de vocês”. Esta profecia de Jesus também se realizou em Estevão. Os seus adversários “não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com o qual ele falava” (At 6,10). “Os membros do sinédrio tiveram a impressão de ver em seu rosto o rosto de um anjo” (At 6,15). Estevão falava “repleto do Espírito Santo” (At 7,55). Por isso, a raiva dos outros era maior e o lincharam na hora.
 
* Até hoje acontece o mesmo. Em muitos lugares muita gente é arrastada diante dos tribunais e sabe dar respostas que superam em sabedoria aos sábios e entendidos (Lc 10,21).
 
Para um confronto pessoal
1. Colocando-se na posição de Estevão: você já sofreu alguma vez por causa da sua fidelidade ao Evangelho?
2. A simplicidade do presépio e a dureza do martírio vão de par em par na vida dos Santos e Santas e na vida de tantas pessoas que hoje são perseguidas até a morte por causa da sua fidelidade ao evangelho. Você conheceu de perto pessoas assim?

quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

A Natividade do Senhor (Missa do dia)

Sta Anastácia, viúva e mártir
 
Primeira Leitura (Is 52,7-10):
Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de  quem anuncia o bem e prega a salvação, e  diz a Sião: “Reina teu Deus!” Ouve-se a voz  de teus vigias, eles levantam a voz, estão  exultantes de alegria, sabem que verão com  os próprios olhos o Senhor voltar a Sião. Alegrai-vos e exultai ao mesmo tempo, ó ruínas de Jerusalém, o Senhor consolou seu povo e resgatou Jerusalém. O Senhor desnudou seu santo braço aos olhos de todas as nações; todos os confins da terra
hão de ver a salvação que vem do nosso Deus.
 
Salmo Responsorial: 97(98),1.2-3ab.3cd-4.5-6 (R. 3cd)
R: Os confins do universo contemplaram a salvação do nosso Deus.
 
1. Cantai ao Senhor Deus um canto novo, * porque ele fez prodígios! Sua mão e o seu braço forte e santo * alcançaram-lhe a vitória.
 
2. O Senhor fez conhecer a salvação, * e às nações, sua justiça; recordou o seu amor sempre fiel * pela casa de Israel.
 
3. Os confins do universo contemplaram * a salvação do nosso Deus. Aclamai
o Senhor Deus, ó terra inteira, * alegrai-vos e exultai!
 
4. Cantai salmos ao Senhor ao som da harpa * e da cítara suave! Aclamai, com os clarins e as trombetas, * ao Senhor, o nosso Rei!
 
Segunda Leitura (Hb 1,1-6): Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o universo. Este é o esplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser. Ele sustenta o universo com o poder de sua palavra. Tendo feito a purificação dos pecados, ele sentou-se à direita da majestade divina, nas alturas. Ele foi colocado tanto acima dos anjos quanto o nome que ele herdou supera o nome deles. De fato, a qual dos anjos Deus disse alguma vez: “Tu és o meu Filho,  eu hoje te gerei?” Ou ainda: “Eu serei para ele um Pai e ele será para mim um filho?”  Mas, quando faz entrar o Primogênito no mundo, Deus diz: “Todos os anjos devem adorá-lo!”
 
Aleluia. Despontou o santo dia para nós: Ó nações, vinde adorar o Senhor Deus, porque hoje grande luz brilhou na terra! Aleluia.
 
Evangelho (Jo 1,1-18): No princípio era a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a Palavra era Deus. Ela existia, no princípio, junto de Deus. Tudo foi feito por meio dela, e sem ela nada foi feito de tudo o que existe. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la. Veio um homem, enviado por Deus; seu nome era João. Ele veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz, para que todos pudessem crer, por meio dele. Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Esta era a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina. Ela estava no mundo, e o mundo foi feito por meio dela, mas o mundo não a reconheceu. Ela veio para o que era seu, mas os seus não a acolheram. A quantos, porém, a acolheram, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus: são os que creem no seu nome. Estes foram gerados não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós. Nós vimos a sua glória, glória que recebe do seu Pai como filho único, cheio de graça e de verdade. João dá testemunho dele e proclama: «Foi dele que eu disse: ‘Aquele que vem depois de mim passou à minha frente, porque antes de mim ele já existia». De sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça. Pois a Lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que é Deus e está na intimidade do Pai, foi quem o deu a conhecer».
 
«E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós»
 
Mons. Jaume PUJOL i Balcells, Arcebispo Emérito de Tarragona (Tarragona, Espanha)
 
Hoje, com a simplicidade das crianças, consideramos o grande mistério de nossa fé. O nascimento de Jesus marca a chegada da “plenitude dos tempos”. Desde o pecado de nossos primeiros pais, a linhagem humana se havia afastado do Criador. Mas Deus, compadecido de nossa triste situação, enviou o seu Filho eterno, nascido da Virgem Maria, para resgatar-nos da escravidão do pecado.
 
O apóstolo João o explica usando expressões de grande profundidade teológica: «No principio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus.» (Jo 1,1). João chama “Palavra” ao Filho de Deus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. E Complementa: «E o verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o filho único recebe do seu pai, cheio de graça e de verdade» (Jo 1,14).
 
Isto é o que celebramos hoje, por isso fazemos festa. Maravilhados, contemplamos Jesus acabado de nascer. É um recém-nascido… E, ao mesmo tempo, Deus onipotente; sem deixar de ser Deus, agora é também um de nós.
 
Veio à terra para devolver-nos a condição de filhos de Deus. Mas é necessário que cada um acolha em seu interior a salvação que Ele nos oferece. Tal como explica São João, «Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1,12). Filhos de Deus! Ficamos admirados ante este mistério inefável: «O Filho de Deus se fez filho do homem para fazer aos homens filhos de Deus» (São João Crisóstomo).
 
Acolhamos Jesus, busquemos: somente Nele encontraremos a salvação, a verdadeira solução para nossos problemas; só Ele dá o último sentido da vida e das contrariedades e da dor. Por isto, hoje lhes proponho: vamos ler mais o Evangelho, vamos meditá-lo; vamos procurar viver verdadeiramente de acordo com os ensinamentos de Jesus, ele Filho de Deus que veio a nós. E então veremos como será verdade que, entre todos, faremos um mundo melhor.
 
“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”
 
Quique Martínez de la Lama-Noriega, cmf
 
* A liturgia do Natal, especialmente na Missa do Dia, ressoa como um cântico luminoso ao amor gratuito e ousado de Deus.
Não se trata de um amor abstrato ou distante, mas de um amor que toma iniciativa, que atravessa o silêncio do céu e se deixa tocar pela fragilidade humana. “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”: nessa afirmação central da fé cristã, Deus arma a sua tenda no meio da história, entra nas casas simples, nas alegrias breves e nas dores prolongadas da humanidade. Em Jesus, o menino de Belém, Deus não apenas se aproxima; Ele se compromete com a vida humana até as últimas consequências.
 
* “Mundo, eu te amo”. Celebrar o Natal do Senhor é entrar no centro mais luminoso da nossa fé. Não estamos diante de uma ideia bonita, de um símbolo poético ou de uma lembrança distante. Estamos diante de um acontecimento que mudou para sempre o curso da história: Deus falou… e falou definitivamente. Não com discursos ruidosos, não com imposição ou espetáculo, mas com a fragilidade de uma criança. Como afirma Karl Rahner, proclamar que é Natal significa reconhecer que Deus disse sua última e mais bela palavra ao mundo, uma palavra irrevogável, inscrita na carne da história: “Mundo, eu te amo”.
 
* Ele mesmo se faz mensagem, faz-se Palavra Viva no meio de nós. O profeta Isaías já anunciava a beleza dessa notícia que corre pelos caminhos da humanidade: “Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, que proclama boas-novas” (Is 52,7). Natal é exatamente isso: a Boa-Nova que chega aos pés cansados da humanidade, aos caminhos marcados por guerras, injustiças e desalentos. Deus não envia apenas uma mensagem; Ele mesmo se faz Mensagem, faz-se Palavra viva no meio de nós.
 
O Salmo ecoa como um canto de alegria universal: “Os confins da terra contemplaram a salvação do nosso Deus” (Sl 97[98],3cd). Não se trata de uma salvação reservada a poucos, nem confinada aos espaços sagrados. Ela é oferecida a todos, alcança os confins, toca a vida concreta, as dores escondidas, os medos não ditos e também as esperanças silenciosas que habitam o coração humano.
 
* Ele se entrega. A Carta aos Hebreus nos ajuda a compreender a profundidade deste mistério: “Muitas vezes e de muitos modos Deus falou outrora aos nossos pais pelos profetas; nestes dias, falou-nos pelo Filho” (Hb 1,1-2). Em Jesus, Deus não apenas fala sobre si mesmo; Ele se entrega. Não nos oferece apenas orientações morais, mas a própria vida. O Filho é a Palavra plena, definitiva, que revela o rosto do Pai e o sentido mais profundo da nossa existência.
 
* Ele não grita para ser ouvido; pede silêncio para ser acolhido. E o Evangelho de João nos conduz ao cume desta celebração: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1,1)… “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Aqui está o escândalo e a beleza do Natal: a Palavra eterna entra no tempo, o Infinito aceita os limites, Deus escolhe morar no chão da nossa história. Ele não grita para ser ouvido; pede silêncio para ser acolhido.
 
* IRMÃOS E IRMÃS, VIVEMOS NA ERA DAS COMUNICAÇÕES. Nunca se falou tanto, nunca se escreveu tanto, nunca se produziu tanta informação. E, paradoxalmente, nunca foi tão difícil ouvir. Estamos imersos numa verdadeira “infodemia”, um excesso de palavras que nos confunde, nos cansa e, muitas vezes, nos afasta do essencial. Notícias falsas, fofocas disfarçadas de entretenimento, discursos agressivos, promessas vazias, palavras usadas como armas… Tudo isso vai criando um ruído constante que ocupa a mente e endurece o coração.
 
* O Natal surge como um convite radical à desintoxicação. Para ouvir a Palavra que salva, precisamos silenciar tantas outras palavras que nos dominam: as da publicidade que nos fazem acreditar que somos aquilo que consumimos; as palavras superficiais que empobrecem nossos relacionamentos; as palavras feridas, carregadas de preconceito, suspeita e julgamento. Em meio a esse emaranhado, Deus fala baixo, como quem respeita nossa liberdade, mas fala com uma profundidade que pode recriar a vida.
 
* Quem acolhe essa Palavra começa a existir de outra maneira, começa a viver de outro modo. A Palavra que nasce em Belém não vem para nos informar, mas para nos transformar. Como uma mãe que ensina seu filho a falar, Deus nos educa para uma nova linguagem. Ele nos ensina palavras que geram vida: amor, misericórdia, perdão, acolhimento, escuta, fraternidade, solidariedade, comunhão. Este é o vocabulário do Reino. Quem acolhe essa Palavra começa a existir de outra maneira, começa a viver de outro modo.
 
* O Evangelho nos recorda: “A todos os que a receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,12). Acolher a Palavra não é apenas ouvi-la, mas deixá-la habitar em nós, orientar nossas escolhas, curar nossas feridas, iluminar nossas decisões. É permitir que ela transforme nossas famílias, nossas amizades, nossas comunidades e também nosso modo de participar da vida social e política, tornando-nos construtores de diálogo e não de ódio, de verdade e não de manipulação.
 
* “Faça-se”. Maria, a mulher do silêncio fecundo, ensina-nos o caminho. Depois de acolher a Palavra do Anjo, ela pronunciou a palavra que mudou a história: “FAÇA-SE”. Hoje, o Natal nos pede a mesma disponibilidade. Deus continua querendo nascer, mas precisa do nosso “SIM”. Precisa do nosso silêncio atento, do nosso coração aberto, da nossa coragem de viver segundo a lógica do amor.
 
* “Eu te amo”. Irmãs e irmãos, que neste Natal sejamos capazes de criar espaços de silêncio para ouvir a Palavra que se fez carne. Que saibamos escolher palavras que geram vida e abandonar aquelas que ferem e dividem. Que o Verbo encarnado encontre morada em nossas casas, em nossas relações e em nossas comunidades. Então, a luz que brilhou em Belém continuará a iluminar os dias de hoje, e o mundo poderá, através de nós, ouvir novamente a Palavra mais bela que Deus já pronunciou: “EU TE AMO”.