sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

1ª Leitura (2Sam 5,1-3):
Naqueles dias, todas as tribos de Israel foram ter com David a Hebron e disseram-lhe: «Nós somos dos teus ossos e da tua carne. Já antes, quando Saul era o nosso rei, eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel. E o Senhor disse-te: ‘Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel’». Todos os anciãos de Israel foram à presença do rei, a Hebron. O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor e eles ungiram David como rei de Israel.
 
Salmo Responsorial: 121
R. Vamos com alegria para a casa do Senhor.
 
Alegrei-me quando me disseram: «Vamos para a casa do Senhor». Detiveram-se os nossos passos às tuas portas, Jerusalém.
 
Jerusalém, cidade bem edificada, que forma tão belo conjunto! Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor.
 
Para celebrar o nome do Senhor, segundo o costume de Israel; ali estão os tribunais da justiça, os tribunais da casa de David.
 
2ª Leitura (Col 1,12-20): Irmãos: Damos graças a Deus Pai, que nos fez dignos de tomar parte na herança dos santos, na luz divina. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados. Cristo é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; Porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.
 
Aleluia. Bendito O que vem em nome do Senhor! Bendito o reino do nosso pai David! Aleluia.
 
Evangelho (Lc 23,35-43): Naquele tempo, o povo permanecia lá, olhando. E até os chefes zombavam, dizendo: «A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito!» Os soldados também zombavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre e diziam: «Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!». Acima dele havia um letreiro: «Este é o Rei dos Judeus». Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: «Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!». Mas o outro o repreendeu: «Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma pena? Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal». E acrescentou: «Jesus, lembra-te de mim, quando começares a reinar». Ele lhe respondeu: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso».
 
«Este é o Rei dos Judeus»
 
Rev. D. Joan GUITERAS i Vilanova (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho nos faz elevar os olhos à cruz onde Cristo agoniza no Calvário. Vemos ao Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas. «Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus». (Lc 23,38). Este que sofre horrorosamente e que tem o rosto tão desfigurado é o Rei? É possível? O compreende perfeitamente o bom ladrão um dos justiçados de um lado e do outro Jesus, que diz com fé suplicante: «Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!» (Lc 23,42). A resposta de Jesus é consoladora e certa: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso». (Lc 23,43).
 
Sim, confessamos que Jesus é Rei. Rei, com maiúscula. Ninguém estará nunca à altura de sua realeza. O Reino de Jesus não é deste mundo. É um Reino onde se entra pela conversão cristã. Um Reino de verdade e de vida, Reino de santidade e de graça, Reino de justiça, de amor e de paz. Um Reino que sai do Sangue e a água que brotaram do costado de Jesus Cristo.
 
O Reino de Deus foi um tema primordial na predicação do Senhor. Não parava de convidar a todos a entrar nele. Um dia, no Sermão da montanha, proclamou bem-aventurado os pobres no espírito, porque eles são os que possuirão o Reino.
 
Origens, comentando a sentença de Jesus «Nem se dirá: Hei-lo aqui; ou: Hei-lo ali. Pois o Reino de Deus já está no meio de vós» (Lc 17,21), explica que quem suplica para que o Reino de Deus venha, o pede honestamente daquele Reino de Deus que tem dentro dele, para que nasça, frutifique e amadureça. Complementa que «o Reino de Deus que há dentro de nós, se avançamos continuamente, chegará a sua plenitude quando tenha sido cumprido aquilo que diz o Apóstolo: que Cristo, una vez submetidos os seus inimigos, colocará o Reino em mãos de Deus o Padre, e assim Deus será todo em todos». O escritor exorta que digamos sempre «Seja santificado teu nome venha a nós teu Reino».
 
Vivamos agora o Reino com a santidade, e demos testemunho dele com a clareza que autêntica a fé e a esperança.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Entre os homens, a confissão é seguida de castigo; perante Deus, porém, à confissão segue-se a salvação» (S. João Crisóstomo)
 
«A promessa de Jesus ao bom ladrão dá-nos uma grande esperança. O Senhor sempre nos dá mais, é tão generoso, dá sempre mais do que lhe pedimos: pedes-Lhe que se lembre de ti e leva-te para o seu Reino» (Francisco)
 
«(...) A parábola do pobre Lázaro e a palavra de Cristo crucificado ao bom ladrão (cf. Lc 23,43) (...) assim como outros textos do Novo Testamento, falam dum destino final da alma (cf. Mt 16,26), o qual pode ser diferente para umas e para outras» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.021)
 
Jesus, o Senhor e o centro de nossa vida
 
Fr. Pedro Bravo, O.Carm
 
* O texto de hoje tem por tema a realeza messiânica de Jesus (v. 2).
Estamos no Calvário (v. 33; aram. Gólgota: Mc 15,22p), diante de Jesus crucificado, na hora em que Ele está a dar a vida pela salvação dos homens.
 
* v. 35. Os chefes troçavam de Jesus, dizendo: «A outros salvou: salve-se a si mesmo, se este é o Cristo de Deus, o Eleito». (vv. 35-38: Mt 27,39-43.37; Mc 15,29-32.26). Ao invés de Mateus e de Marcos, em Lucas o povo não insulta Jesus na Sua paixão: limita-se a “contemplá-lo” (Sl 22,8), silencioso e perplexo, enquanto os seus chefes “troçam” dele (16,14; Sl 22,8), desafiando-o a “salvar-se a si mesmo” (Sl 22,9), com palavras decalcadas do Sl 22 (o principal salmo da paixão), fazendo desta forma que, sem disso se aperceberem, as Escrituras se cumpram em Jesus (cf. At 3,17-18; 13,27). Ignoravam que, para salvar a humanidade do pecado e da morte, Jesus tinha de entrar neles para, ressuscitando, os vencer e viver para sempre com Deus (cf. Rm 6,10).
 
* “Os chefes” dos judeus ridicularizam a pretensão messiânica de Jesus (22,67-71), requerendo "um sinal" da sua parte que o comprove (v. 8; 11,16.29) – neste caso, o salvar-se a si mesmo, descendo da cruz –, acabando, ironicamente, por proclamar desta forma dois títulos seus:
a) “o Cristo de Deus” (gr.), ou seja, “o Messias” (he.), o Ungido de Deus (Lc, 3x: 9,20; 2,26; só “Cristo”: Lc, 12x: 2,11; 4,41; 20,41; 22,67; 23,2; 23,35.39; 24,26.46), prometido no AT por Deus a David (2Sm 7,11-16).
b) e “o Eleito” (com artigo), título só mencionado por Lucas e por ele aplicado a Jesus nesta ocasião, em todo o NT.
 
* A designação vem do AT, onde não é, em si mesma, um título messiânico, referindo-se a diversas realidades e pessoas. No contexto onde agora é usada, ela designa Jesus, de forma especial, como:
I) o “Servo de Iavé”, “escolhido” por Deus para levar a salvação a todos os povos (Is 42,1; cf. At 3,13.26; 4,27.30, onde Lucas prefere antes o termo grego mais específico, paîs, "servo", de sabor mais vincadamente veterotestamentário, também presente em Is 42,1, para designar Jesus);
II) o justo perseguido (cf. Sb 3,9; 4,15);
III) o Messias, descendente de David (só no Sl 89,4.20 e em Tb [S] 13,13);
IV) e, com o mesmo cariz messiânico da alínea anterior, aquele que foi exaltado sobre todas as criaturas e constituído por Deus juiz universal, referido, por diversas vezes, no Livro de Henoc (1Hen 39,6; 45,3; 49,2; 51,2.4; 52,6.9; 53,6; 55,4; 61,4.5.8.10; 62,1; 91,19), um apócrifo dos sécs. IV-I a.C., bem conhecido no séc. I d.C., não só em território palestinense, mas também nos círculos helenísticos de matriz judaica, como eram muitos daqueles para os quais Lucas e os outros autores do NT que o citam escreveram as suas obras.
 
* O título "o Eleito" cobre em Lucas estas quatro acepções, evocando nesta passagem a revelação da verdadeira identidade de Jesus pelo Pai, feita na Transfiguração, onde a sua forma sinónima e mais lata (gr. eklelegménos, "escolhido") aparece ligada ao título "o Filho" (9,35), designando, por isso, aqui, inequivocamente, Jesus crucificado como Messias, sendo exatamente nesse sentido que as autoridades judaicas o usam nesta passagem, fazendo pouco d'Ele.  Entretanto, precisamente por a designação "o eleito" não ser em si mesma um título messiânico, uma vez que no AT, no plural, ela também se refere, de forma particular, aos membros do povo de Deus (Sl 105,43; 106,5; Is 65,9,22; Br 3,9; 4,15), este título, aqui usado, serve para aludir a Jesus crucificado como o Messias, ao mesmo tempo que o aponta como o protótipo dos seus discípulos, seguidores do (seu) "Caminho" (At 9,2; 19,9.23; 22,4; 24,14.22), ou seja, os cristãos (At 11,26), que, eleitos de Deus como Ele, também como Ele serão odiados, perseguidos, rejeitados e mortos pelos judeus e pelos gentios, servindo assim para os animar à perseverança e exortar à fidelidade com o exemplo do seu Mestre, de modo a, com Jesus e como Ele, poderem participar também da sua vitória (cf. v. 43).
 
* v. 36. Também os soldados escarneciam dele. Aproximando‑se, ofereciam-lhe vinagre Os soldados associam-se à paródia dos chefes judaicos e “escarnecem” de Jesus (v. 11; 18,32; 22,63; cf. 2Cr 36,16). “Oferecem-lhe vinagre” (cf. Jo 19,29) a beber, cumprindo-se assim também em Jesus a Escritura, neste caso, o Sl 69,22 (“na minha sede, deram-me vinagre a beber”: cf. Jo 19,30).
 
* v. 37. ... dizendo: «Se Tu és o Rei dos judeus, salva-te a ti mesmo». Embora Lucas não especifique, estes soldados são romanos, pois insultam Jesus evocando o motivo da sua condenação por parte das autoridades romanas, ou seja, de Pôncio Pilatos (v. 3): ser “o Rei dos judeus” (neste capítulo, 3x: vv. 3.38). Também pedem a Jesus o sinal que, a seu ver, comprovaria que eram verdadeiras as pretensões messiânicas do crucificado: salvar-se a si mesmo (cf. v. 35). O Deus vivo, porém, não é como os deuses pagãos: não precisa, como estes, de lutar contra outros deuses para vencer, de forma a se salvar a si mesmo, triunfando sobre eles, mas, pelo contrário, dá-se a Si mesmo em comunhão de amor para, precisamente através da sua morte, salvar e glorificar o homem.
 
* v. 38. E por cima dele havia um letreiro: «Este é o Rei dos judeus». Tal é, de facto, o motivo da condenação de Jesus pelo poder romano, afixado no titulum crucis: “Este é o Rei dos judeus”. Um letreiro cínico, que visava também ofender os judeus (cf. Jo 19,21s). Jesus, porém, nada tem de um rei temporal: não está sentado num trono, mas pregado numa cruz; não veste roupas sumptuosas, mas está nu; não aparece rodeado de soldados, dispostos a defendê-lo, mas foi abandonado pelos seus; não é aclamado pelo povo, mas entregue pelos seus chefes; não julga, nem mostra a sua autoridade, decidindo sobre a vida ou a morte fr milhares de homens, mas está indefeso, pregado numa cruz, condenado a uma morte infamante (cf. Dt 21,23); não jura vingança, nem inflige castigo, mas tem apenas uma súplica na boca: “Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem” (v. 34).
 
* v. 39. Um dos malfeitores suspensos na cruz insultava-o, dizendo: «Não és Tu o Cristo? Salva-te a Ti mesmo e a nós». O quadro é completado por uma cena exclusiva de Lucas, bem significativa para entender o sentido da realeza de Jesus. Com Jesus estão “suspensos” (Dt 21,22) – ou seja, crucificados (v. 33; At 5,30; 10,39; Gl 3,13), não com cravos, mas com cordas (cf. Jo 19,31s) –, dois “malfeitores” (vv. 32s.39; Mt 27,44; Mc 15,32b; 2Tm 2,9), no meio dos quais Ele se encontra. Cumprem-se assim o Sl 22,17 (“Cercou-me um bando de malfeitores”) e Is 53,12 (“Foi contado entre os transgressores”).
 
Um dos malfeitores insulta também Jesus (Mt 27,44; Mc 15,32), pedindo-lhe o mesmo sinal que os chefes judaicos e os soldados romanos: salvar-se a si mesmo e descer da cruz, salvando-os, neste caso, também a eles. É o terceiro insulto a Jesus na cruz por ser “o Cristo” e o terceiro pedido de um sinal da parte dele que comprove a sua identidade messiânica, tal como três foram as tentações de Jesus pelo diabo, no deserto, por ele ser Filho de Deus, após as quais o diabo, "tendo esgotado toda a espécie de tentação, se retirou de junto dele, até ao momento oportuno (gr. kairós)" (4,1-13), que agora chegou. Em cada um destes três insultos aparece o verbo “salvar” (gr. sôzô, 4x neste texto: 2x no v. 35, e 1x no v. 37 e aqui), pondo de manifesto que o que Deus está a operar através da paixão e morte de Jesus na cruz é a salvação da humanidade (cf. 1,69.77; 2,11.30; 3,6; 19,9s).
 
Este insulto a Jesus como “o Cristo”, repetido duas vezes pelos judeus (vv.35.39) e outras duas pelos romanos, mas agora sob o título de “Rei dos judeus” (vv. 37-38), compendia o falso testemunho levantado contra Jesus no início do seu processo (v. 2), que levou à sua condenação por parte também da autoridade romana. Ele põe a nu a contradição entre, por um lado, a conceção humana do poder por parte dos grandes (cf. 22,25) e do Messias por parte dos judeus, que esperavam um rei triunfalista, que faria grandes prodígios e destruiria todos os seus inimigos, sem nunca morrer; e, por outro, a visão de Deus sobre o Messias, que, como "Servo de Iavé", dá a sua vida pela redenção dos homens (Is 53,10-12).
 
Os insultos dirigidos contra Jesus acabam assim por ser, contra a vontade dos Seus opositores, uma confissão de fé, pronunciada e repetida por duas vezes – como se exigia para um testemunho ser declarado verdadeiro (cf. Dt 17,6; 19,15; Mt 18,16; Jo 8,17; 2Cor 13,1) – pela sua própria boca: ser "Cristo Rei" (v. 2), precisamente o título que damos a Jesus na solenidade que celebramos neste domingo!
 
v. 40. Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o, dizendo: «Não temes ainda a Deus, tu que sofres a mesma condenação? A visão divina de Jesus como o verdadeiro Messias é aceite, porém, pelo outro malfeitor, que repreende o seu companheiro, por ver no insulto deste a Jesus uma blasfémia.
 
v. 41. Quanto a nós fez-se justiça, pois recebemos o que as nossas ações mereciam; mas este não fez nenhum mal». Ao invés do companheiro de crucificação e dos circunstantes, ele confessa, então, publicamente a sua culpa (cf. 18,13), reconhece a justeza da sua condenação (cf. Dn 3,27-39; Js 7,19s.25s) e proclama a inocência de Jesus (cf. v. 47; 12,8; At 13,28!; 3,14; 7,52; 22,14).
 
* v. 42. E dizia: «Jesus, lembra-te de mim quando entrares no Teu reino».
A seguir dirige-se a Jesus, começando por invocar publicamente o Seu nome, “Jesus” (cf. Jl 3,5; At 2,21; Rm 10,13: "E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo"). Depois pede-lhe: “lembra-te de mim”, ou seja, usa de misericórdia para comigo, perdoa-me e salva-me (Gn 40,14; Tb 3,3; Sl 25,7; 106,4). Por último, põe em Jesus toda a sua fé e esperança, acrescentando: “quando entrares no Teu reino”. O malfeitor usa o verbo erchomai que significa “entrar/vir/aparecer”. É uma expressão que retoma as palavras de Jesus na Última Ceia, em 22,18 ("até que venha o Reino de Deus", designando a sua paixão, morte e ressurreição como a verdadeira Páscoa, a da nova e eterna Aliança, que a páscoa judaica prefigurava. Trata-se de um pedido surpreendente que um condenado, um “maldito de Deus” (cf. Dt 21,22s), dirige a outro condenado, maldito como ele (Gl 3,13), em quem, não obstante estar a morrer, reconhece a presença de Deus que vem ao encontro do último dos homens e se faz próximo do mais perdido deles, para dar ao homem, justamente condenado (cf. Rm 5,18), a única, derradeira e verdadeira esperança: a da salvação (cf. 19,10).
Na realidade, é uma verdadeira "confissão de fé" em Jesus (gr. exomológuesis: cf. 10,21; Fl 2,11; Dn 9,4-20), na qual ele confessa Jesus, não como um rei terreno (pois sabe que Ele está a morrer), mas como o Rei-Messias do mundo vindouro, prometido por Deus (cf. Is 9,6; Dn 7,14.22), reconhecido como tal, não à luz da visão terrena e humana, judaica (segundo a qual, como vimos, o Messias não poderia morrer: cf. Mc 8,32s; Mt 16,22s), mas pela primeira vez, de forma inaudita, à luz do autêntico desígnio salvífico de Deus (cf. Mc 8,29; Mt 16,16s). Confissão de fé tão importante, que ainda hoje é cantada pelo povo na liturgia grega, no momento da comunhão.
 
* v. 43. E Ele disse‑lhe: «Amém te digo: hoje estarás comigo no Paraíso». Perante tal fé, Jesus responde: “Amém te digo”. A palavra hebraica amém, já utilizada em ambiente litúrgico (cf. Dt 27,15-26; 1Cr 16,36; Rm 1,25, etc.), significa “é verdadeiro”, “é digno de fé”, “é digno de confiança”. Jesus utiliza-a para vincar a importância do que a seguir vai afirmar, indicando que o que diz é digno de fé e de confiança, podendo cada um contar sobre isso e sobre isso apoiar a sua vida, porque certamente acontecerá (cf. Ap 3,14).
 
* “Hoje” aparece aqui em Lucas como a última das onze vezes que ocorre no seu Evangelho. Não tem apenas o sentido cronológico do “dia presente” (12,28, 22,34.61), mas sobretudo o sentido teológico do “dia da salvação e da graça” (2Cor 6,2), em que, quem acredita em Jesus – como este malfeitor –, recebe a salvação (2,11; 4,21; 5,26; 13,32-33; 19,5.9).
 
* Jesus chama à vida eterna “paraíso”. “Paraíso” é uma palavra persa que significa “parque”, "pomar", "jardim" (Ne 2,8; Qo 2,5; Ct 4,13). Era o nome dado em grego ao Éden (Gn 2,8-9; Ap 2,7), “o jardim de Deus” (Is 51,3; Ez 28,13), que no meio tinha a árvore da vida, onde o homem, criado por Deus, fora colocado, gozando da comunhão com Ele, e donde foi expulso depois de ter pecado (Gn 3,23s). O paraíso era considerado pelo judaísmo palestiniano contemporâneo de Jesus a morada onde as almas dos justos repousavam até à ressurreição final (cf. 16,23s; Apoc Mos 37; 2Hen 8,1-9). No NT, “paraíso” é sinónimo de “céu”, a morada de Deus (cf. 2Cor 12,4), onde Cristo, pela sua morte e ressurreição, nos introduziu (cf. Ef 2,6-7).
 
* É em Cristo que se inaugura o “hoje”, definitivo e eterno, da salvação (cf. At 13,33), em que o homem, redimido dos seus pecados pelo Sangue de Jesus e por Ele conduzido, regressa à comunhão com Deus, tal como fora prometido (cf. Ez 37,27). Tal é o sentido da realeza de Jesus: dar a vida, para, unindo os homens a Si, os associar à Sua realeza, tornando-os participantes, com Ele e n'Ele, da sua vida divina, no Reino de Deus, no eterno "hoje" da salvação, que nunca mais terá fim.
 
MEDITAÇÃO
1. Como é que damos testemunho da realeza de Cristo: através de estruturas de poder ou num serviço de amor e proximidade às pessoas?
2. Que é mais importante para mim: o seguimento de Jesus, a atenção ao próximo ou as minhas pretensões de aplausos e reconhecimento?
3. Sou compreensivo com os outros, mesmo com os que erram? Como é que me relaciono com os que são rejeitados por parte dos outros?

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Sábado XXXIII do Tempo Comum

Santa Cecilia, virgem e mártir
 
1ª Leitura (1Mac 6,1-13):
Naqueles dias, o rei Antíoco atravessava as altas províncias do seu reino, quando ouviu falar em Elimaida, cidade da Pérsia, notável pela suas riquezas, pela sua prata e pelo seu ouro. O templo que nela havia era muito rico e lá se encontravam armaduras de ouro, couraças e armas, que Alexandre, filho de Filipe da Macedónia, o primeiro a reinar sobre os gregos, nele tinha deixado. Antíoco dirigiu-se para lá e tentou apoderar-se da cidade para a saquear. Mas não conseguiu, porque os habitantes da cidade tomaram conhecimento da notícia e opuseram-se lhe à mão armada. Obrigado a fugir, retirou-se dali com enorme desgosto e regressou a Babilónia. Estava ainda na Pérsia, quando lhe vieram anunciar que os exércitos enviados contra a terra de Judá haviam sido destroçados; que Lísias avançara com um poderoso exército, mas tinha sido posto em fuga pelos judeus, os quais se tinham fortalecido com as armas, o equipamento e os consideráveis despojos tomados aos exércitos vencidos. Além disso, tinham demolido a abominação que ele, Antíoco, mandara construir sobre o altar de Jerusalém. Tinham rodeado de muralhas o santuário, como antigamente, e ainda Betsur, uma das cidades do rei. Ao ouvir estas notícias, o rei ficou perturbado e abatido. Caiu de cama e adoeceu de tristeza, porque os projetos não lhe tinham corrido como desejava. Ficou assim muitos dias, constantemente acabrunhado por intenso desgosto, e convenceu-se de que ia morrer. Então mandou chamar todos os amigos e disse-lhes: «O sono afastou-se dos meus olhos e o meu coração está abatido pela inquietação. Disse comigo mesmo: A que estado de angústia cheguei, em que forte agitação agora me encontro, eu que era feliz e estimado quando era poderoso! Mas agora me lembro do mal que fiz a Jerusalém, quando me apoderei de todos os objetos de prata e ouro que lá se encontravam e mandei exterminar sem motivo os habitantes de Judá. Reconheço que por causa disto me aconteceram estas desgraças e vou morrer de profunda angústia em terra estrangeira».
 
Salmo Responsorial: 9
R. Exultarei, Senhor, com a vossa salvação.
 
De todo o coração, Senhor, Vos quero louvar e contar todas as vossas maravilhas. Quero alegrar-me e exultar em Vós, quero cantar o vosso nome, ó Altíssimo.
 
Quando batiam em retirada os meus inimigos, vacilavam e pereciam diante de Vós. Ameaçastes os pagãos, destruístes os ímpios, apagastes o seu nome para sempre.
 
Afundaram-se os pagãos no fosso que abriram, ficaram presos os seus pés na armadilha que prepararam. Mas o pobre jamais será esquecido, não será iludida a esperança dos humildes.
 
Aleluia. Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte e fez brilhar a vida por meio do Evangelho. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 20,27-40): Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, os quais negam a ressurreição, e lhe perguntaram: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: Se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a mulher para dar descendência ao irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. Também o segundo e o terceiro se casaram com a mulher. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de qual deles? Pois os sete a tiveram por esposa». Jesus respondeu-lhes: «Neste mundo, homens e mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos de participar do mundo futuro e da ressurreição dos mortos não se casam; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos; serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. Que os mortos ressuscitam, também foi mostrado por Moisés, na passagem da sarça ardente, quando chama o Senhor de Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó. Ele é Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele».
 
Alguns escribas responderam a Jesus: «Mestre, falaste muito bem». E não mais tinham coragem de lhe perguntar coisa alguma.
 
«Ele é Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele»
 
Rev. D. Ramon CORTS i Blay (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, a Palavra de Deus nos fala do tema capital da ressurreição dos mortos. Curiosamente, como os saduceus, também nós não nos cansamos de formular perguntas inúteis e fora do lugar. Queremos solucionar as coisas do além com os critérios daqui de baixo, quando no mundo que está por vir tudo será diferente: «mas os que serão julgados dignos do século futuro e da ressurreição dos mortos não terão mulher nem marido». (Lc 20,35). Partindo de critérios errados chegamos a conclusões errôneas.
 
Se nos amassemos mais e melhor, não estranharíamos que no céu não houvesse a exclusividade do amor que vivemos na terra, totalmente compreensível devido à nossa limitação, que nos dificulta o poder sair de nossos círculos mais próximos. Mas no céu nos amaremos todos e com um coração puro, sem invejas, nem receios e, não somente ao esposo ou à esposa, aos filhos ou aos do nosso sangue, mas sim a todo o mundo, sem exceções, nem discriminações de língua, nação, raça ou cultura, uma vez que o «amor verdadeiro alcança uma grande força» (São Paulino de Nola).
 
Faz-nos muito bem escutar essas palavras da Escritura que saem dos lábios de Jesus. Faz-nos bem, porque nos poderia suceder que, agitados por tantas coisas que não nos deixam nem tempo para pensar e influenciados por uma cultura ambiental que parece negar a vida eterna, chegássemos a estar tocados pela dúvida com respeito a ressurreição dos mortos. Sim, nos faz um grande bem que o Senhor mesmo seja quem nos diga que existe um futuro além da destruição do nosso corpo e deste mundo que passa: «Por outra parte, que os mortos hão de ressuscitar é o que Moisés revelou na passagem da sarça ardente (Ex 3,6), chamando ao Senhor: Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó» (Lc 20,37-38).
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Se eu ressuscitar num corpo aéreo, já não serei mais eu quem ressuscitará: como poderia haver uma verdadeira ressurreição, se a minha carne não fosse uma verdadeira carne?» (São Gregório Magno)
 
«Já nesta terra, na oração, nos Sacramentos, na fraternidade, encontramos Jesus e o seu amor, e assim podemos antecipar a vida ressuscitada» (Francisco)
 
«O que é ressuscitar?(…). Deus, na sua omnipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível aos nossos corpos, unindo-os às nossas almas pela virtude da ressurreição de Jesus» (Catecismo da Igreja Católica, nº 997)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje traz a discussão dos Saduceus com Jesus sobre a fé na ressurreição.
 
* Lucas 20,27: A ideologia dos Saduceus, O evangelho de hoje começa com esta afirmação: “os saduceus afirmam que não existe ressurreição”. Os saduceus eram uma elite aristocrata de latifundiários e comerciantes. Eram conservadores. Não aceitavam a fé na ressurreição. Naquele tempo, esta fé começava a ser valorizada pelos fariseus e pela piedade popular. Ela animava a resistência do povo contra a dominação tanto dos romanos como dos sacerdotes, dos anciãos e dos próprios saduceus. Para os saduceus, o reino messiânico já estava presente na situação de bem-estar que eles estavam vivendo. Eles seguiam a assim chamada “Teologia da Retribuição” que distorcia a realidade. Segundo esta teologia, Deus retribui com riqueza e bem-estar os que observam a lei de Deus, e castiga com sofrimento e pobreza os que praticam o mal. Assim, se entende por que os saduceus não queriam mudanças. Queriam que a religião permanecesse tal como era, imutável como o próprio Deus. Por isso, para criticar e ridicularizar a fé na ressurreição, contavam casos fictícios para mostrar que a fé na ressurreição levaria a pessoa ao absurdo.
 
* Lucas 20,28-33: O caso fictício da mulher que se casou sete vezes. Conforme a lei da época, se o marido morre sem filhos, o irmão dele deve casar-se com a viúva do falecido. Era para evitar que, caso alguém morresse sem descendência, a propriedade dele passasse para outra família (Dt 25,5-6). Os saduceus inventaram a história de uma mulher que enterrou sete maridos, irmãos um do outro, e ela mesma acabou morrendo sem filho. E eles perguntam a Jesus: “E agora, na ressurreição, de quem a mulher vai ser esposa? Todos os sete se casaram com ela!" Caso inventado para mostrar que a fé na ressurreição cria situações absurdas.
 
* Lucas 20,34-38: A resposta de Jesus que não deixa dúvida.  Na resposta de Jesus transparece a irritação de quem não aguenta fingimento. Jesus não aguenta a hipocrisia da elite que manipula e ridiculariza a fé em Deus para legitimar e defender seus próprios interesses. A sua resposta tem duas partes: 1) vocês não entendem nada de ressurreição: "Nesta vida, os homens e as mulheres se casam, mas os que Deus julgar dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, não se casarão mais, porque não podem mais morrer, pois serão como os anjos. E serão filhos de Deus, porque ressuscitaram” (vv. 34-36). Jesus explica que a condição das pessoas depois da morte será totalmente diferente da condição atual. Depois da morte já não haverá mais casamento, mas todas serão como os anjos no céu. Os saduceus imaginavam a vida no céu igual à vida aqui na terra. 2) vocês não entendem nada de Deus: “E que os mortos ressuscitam, já Moisés indica na passagem da sarça, quando chama o Senhor de 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó'. Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele." No fim, Jesus conclui: “Nosso Deus não é um Deus de mortos, mas sim de vivos! Vocês estão muito errados!” Os discípulos e as discípulas, que estejam de sobreaviso e aprendam! Quem estiver do lado destes saduceus estará do lado oposto de Deus!
 
* Lucas 20,39-40: A reação dos outros frente à resposta de Jesus. “Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: "Foi uma boa resposta, Mestre." E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa nenhuma a Jesus”.  Muito provavelmente, estes doutores da lei eram dos fariseus, pois os fariseus acreditavam na ressurreição (cf Atos 23,6).
 
Para um confronto pessoal
1. Como hoje os grupos de poder imitam os saduceus e armam ciladas para impedir mudanças no mundo e na igreja?
2. Você acredita na ressurreição? Dizendo que crê na ressurreição, você pensa em algo do passado, do presente ou do futuro? Já aconteceu alguma vez uma experiência de ressurreição em sua vida?

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

21 de novembro: Apresentação de Nossa Senhora


1ª Leitura (Zc 2,14-17): Rejubila, alegra-te, cidade de Sião, eis que venho para habitar no meio de ti, diz o Senhor. Muitas nações se aproximarão do Senhor, naquele dia, e serão o seu povo. Habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor dos exércitos me enviou a ti. O Senhor entrará em posse de Judá, como sua porção na terra santa, e escolherá de novo Jerusalém. Emudeça todo mortal diante do Senhor, ele acaba de levantar-se de sua santa habitação.
 
Salmo Responsorial (Lc 1,46-47. 48-49. 50-51. 52-53. 54-55)
R. O Senhor se lembrou de mostrar sua bondade.
 
- A minh’alma engrandece ao Senhor, * e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, R.
 
- Pois, ele viu a pequenez de sua serva, *eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita. O Poderoso fez por mim maravilhas * e Santo é o seu nome! R.
 
- Seu amor, de geração em geração, * chega a todos que o respeitam. Demonstrou o poder de seu braço, * dispersou os orgulhosos. R
 
- Derrubou os poderosos de seus tronos * e os humildes exaltou. De bens saciou os famintos * e despediu, sem nada, os ricos. R.
 
- Acolheu Israel, seu servidor, * fiel ao seu amor, como havia prometido aos nossos pais, * em favor de Abraão e de seus filhos, para sempre. R.
 
Aleluia. Feliz quem ouve e observa a palavra de Deus! Aleluia.
 
Evangelho (Mt 12,46-50): Naquele tempo, Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. Disse-lhe alguém: «Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te». Jesus respondeu-lhe: «Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?» E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: «Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe».
 
«Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe»
 
Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, a Igreja recorda aquele momento em que a jovem Maria entregou totalmente o seu coração ao Altíssimo. A Virgem Santa Maria foi cheia de graça e sem mancha de pecado já desde o primeiro instante da sua concepção no seio de sua mãe, Santa Ana. Evidentemente, Ela não tinha consciência deste situação, porém era plenamente consequente com ela.
 
A tradição cristã está convencida de que Maria - sendo muito nova - decidiu dedicar-se plenamente de alma e corpo a Deus. Na realidade, este foi o motivo pelo qual num dia como hoje, mas no ano 543, em Jerusalém, foi feita a dedicação da igreja de Santa Maria a Nova.
 
O que são os caminhos de Deus! frequentemente discretos e sempre eficazes. Na antiguidade era totalmente impensável que uma rapariga não fosse dada em casamento. Uma rapariga “solteira”, estava sujeita a que dela se suspeitasse o contrário do que Maria pretendia. Porém assim, coisas do Espírito Santo!, a jovem Maria foi desposada por José. Sem dúvida, a Divina Providência tinha preparado um homem santo - também o imaginamos jovem - capaz de cuidar de Maria tal “como Deus manda”.
 
Não sabemos como, mas podemos pensar que Maria e José tinham acordado entregar-se completamente a Deus partilhando um “matrimónio virginal” (algo também impensável). Se não fosse através deste caminho peculiar, como se podia proteger a virgindade de Santa Maria? Seguramente S. José era o único rapaz judeu capaz de aceitar a missão de proteger a virgindade de Maria através de um matrimónio também virginal. Os dois, como irmãos dedicados plenamente ao querer de Deus.
 
Finalmente, aconteceu que esse matrimónio tão característico – virginal – fosse o instrumento necessário que Deus preparou para o seu Filho “entrar” na terra, «nascido de uma mulher, e submetido a uma lei» (Gal 4,4). «Maria concebeu Cristo no seu coração pela fé antes de O conceber fisicamente no seu corpo» (Santo Agostinho). Também nós, imitando a Virgem Santa Maria, podemos conceber Jesus no nosso coração através da fé e da obediência a Deus, uma vez que «Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha mãe» (Mt 12,50).
 
Reflexão
 
• A família de Jesus.
Os parentes chegam à casa onde Jesus está. Provavelmente chegavam de Nazaré. De lá para Cafarnaum são uns 40 km. Sua mãe estava com eles. Não entram, mas enviam um recado: "Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te”. A reação Jesus é firme: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” Para entender bem o significado desta resposta deve-se olhar para a situação da família no tempo de Jesus.
 
No antigo Israel, o clã, ou seja, a grande família (a comunidade) era a base da convivência social. Era a proteção das famílias e das pessoas, a garantia da posse da terra, o fluxo principal da tradição, a defesa da identidade. Era a maneira concreta de que as pessoas da época tinham a encarnar o amor de Deus no amor ao próximo. Defender o clã era o mesmo que defender a Aliança.
 
Na Galileia no tempo de Jesus, por causa do sistema implantado durante o longo governo de Herodes, o Grande (37 aC a 4 aC) e seu filho Herodes Antipas (4 aC a 39 dC), o clã (a comunidade) estava se enfraquecendo. Devia-se pagar impostos tanto para o governo como para o Templo, a dívida pública crescia, dominava a mentalidade individualista da ideologia helenista, havia frequentes ameaças de repressão violenta da parte dos romanos, a obrigação de acolher os soldados e dar-lhes hospitalidade, os problemas cada vez maiores da sobrevivência, tudo isto levava as famílias fecharem-se em suas próprias necessidades. Este fechamento era reforçado pela religião da época. Por exemplo, quem dava a sua herança para o Templo, eles poderiam deixar seus pais sem ajuda. Isso enfraqueceu o quarto mandamento, que era a dobradiça do clã (Mc 7,8-13). Além disso, a observância das normas de pureza era fator de marginalização de muitas pessoas: mulheres, crianças, samaritanos, estrangeiros, leprosos, endemoniados, publicanos, doentes, aleijados, paralíticos.
 
E assim, a preocupação com os problemas da própria família impedia que as pessoas se unissem em comunidade. Então, para que o Reino de Deus pudesse manifestar-se na vida comunitária do povo, as pessoas tinham de ir além dos limites estreitos da pequena família e abrir-se novamente para a grande família, para a Comunidade. Jesus nos dá o exemplo. Quando sua família tentou agarrá-lo, reagiu e alargou o sentido da família: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" E, estendendo a mão para os seus discípulos, disse: "Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe ". Criou comunidade.
 
Jesus pedia o mesmo para todos os que queiram segui-lo. As famílias não poderiam fechar-se em si mesmas. Os excluídos e marginalizados deviam ser recebidos dentro da convivência e, assim, se sentir acolhidos por Deus (cf. Lc 14,12-14). Este era o caminho para alcançar o objetivo da Lei que dizia: "Não deve haver pobres entre vós" (Dt 15,4). Como os grandes profetas do passado, Jesus procurava fortalecer a vida comunitária nas aldeias da Galiléia. Ele retoma o sentido mais profundo do clã, família, da comunidade, como expressão da encarnação do amor de Deus no amor ao próximo.
 
Para um confronto pessoal
• Viver a fé em comunidade. Qual é o lugar e a influência das comunidades em minha maneira de viver a fé?
• Hoje, em grandes cidades, a massificação promove o individualismo que é contrário da vida em comunidade. O que estou fazendo para combater este mal?

Quinta-feira da 33ª semana do Tempo Comum

 S. Felix de Valois, presbítero
Santa Inês de Assis, virgem
 
1ª Leitura (1Mac 2,15-29):
Naqueles dias, os enviados do rei Antíoco, encarregados de impor a apostasia, vieram à cidade de Modin para organizar sacrifícios. Muitos israelitas obedeceram-lhes, mas Matatias e seus filhos ficaram reunidos à parte. Os enviados do rei dirigiram-se a Matatias e disseram-lhe: «Tu és um homem importante e ilustre nesta cidade e tens o apoio dos teus filhos e dos teus irmãos. Sê também o primeiro a cumprir o decreto do rei, como já fizeram todas as nações, os homens de Judá e os que ficaram em Jerusalém. Assim tu e os teus filhos sereis contados entre os amigos do rei e enriquecidos com prata, ouro e muitos presentes». Matatias respondeu em alta voz: «Ainda que todos os povos do império do rei lhe obedeçam, abandonando o culto dos seus pais e cumprindo as vossas ordens, eu, os meus filhos e os meus irmãos seguiremos a aliança dos nossos pais. Deus nos livre de abandonar a Lei e os seus preceitos. Não acataremos as ordens do rei, desviando-nos do nosso culto, quer para a direita quer para a esquerda». Quando ele acabou de falar, aproximou-se um judeu à vista de todos, para oferecer um sacrifício no altar de Modin, segundo o decreto real. À vista dele, Matatias inflamou-se de zelo, estremeceu-lhe o coração e, num impulso de justa ira, lançou- se sobre ele e degolou-o sobre o altar. Em seguida matou o enviado do rei, que obrigava a oferecer sacrifícios, e demoliu o altar. Assim mostrou o seu zelo pela Lei, tal como fizera Fineias a Zambri, filho de Salu. Depois Matatias percorreu a cidade, dizendo em altas vozes: «Todo aquele que sentir zelo pela Lei e quiser manter a aliança siga-me». Então ele e os seus filhos fugiram para os montes, deixando tudo quanto possuíam na cidade. Muitos israelitas, que amavam a justiça e o direito, desceram ao deserto e aí se estabeleceram.
 
Salmo Responsorial: 49
R. A quem segue o caminho reto darei a salvação de Deus.
 
Falou o Senhor, Deus soberano, e convocou a terra, do Oriente ao Ocidente. De Sião, cheia de beleza, Deus refulgiu, o nosso Deus vem e não Se calará.
 
«Reuni os meus fiéis, que selaram a minha aliança com um sacrifício». Os céus proclamam a sua justiça: o próprio Deus vem julgar.
 
Oferece a Deus sacrifícios de louvor e cumpre os votos feitos ao Altíssimo. Invoca-Me no dia da tribulação: Eu te livrarei e tu Me darás glória».
 
Aleluia. Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,41-44): Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, começou a chorar. E disse: «Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, está escondido aos teus olhos!. Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada».
 
«Se (...) tu compreendesses hoje o que te pode trazer a paz!»
 
Rev. D. Blas RUIZ i López (Ascó, Tarragona, Espanha)
 
Hoje, a imagem que nos apresenta o Evangelho é a de um Jesus que «chorou» (Lc 19,41) pela sorte da cidade escolhida, que não reconheceu a presença do seu Salvador. Conhecendo as notícias que se deram nos últimos tempos, seria fácil para nós aplicar essa lamentação à cidade que é —à vez— santa e fonte de divisões.
 
Mas, olhando mais para a frente, podemos identificar esta Jerusalém com o povo escolhido, que é a Igreja, e —por extensão— com o mundo em que esta levará a termo a sua missão. Se assim o fazemos, encontraremos uma comunidade que, ainda que tenha alcançado o topo no campo da tecnologia e da ciência, geme e chora, porque vive rodeada pelo egoísmo dos seus membros, porque levantou ao seu redor os muros da violência e do desordem moral, porque atira no chão os seus filhos, arrastando-os com as cadeias de um individualismo desumanizador. Definitivamente, o que encontraremos é um povo que não soube reconhecer o Deus que o visitava (cf. Lc 19,44).
 
Porém, nós os cristãos, não podemos ficar na pura lamentação, não devemos ser profetas de desventuras, mas homens de esperança. Conhecemos o final da história, sabemos que Cristo fez cair os muros e rompeu as cadeias: as lágrimas que derrama neste Evangelho prefiguram o sangue com o qual nos salvou.
 
De fato, Jesus está presente na sua Igreja, especialmente através daqueles mais necessitados. Temos de advertir esta presença para entender a ternura que Cristo tem por nós: é tão excelso o seu amor, diz-nos Santo Ambrósio, que Ele se fez pequeno e humilde para que cheguemos a ser grandes; Ele deixou-se amarrar entre as fraldas como um menino para que nós sejamos liberados dos laços do pecado; Ele deixou-se cravar na cruz para que nós sejamos contados entre as estrelas do céu... Por isso, temos de dar graças a Deus, e descobrir presente no meio de nós aquele que nos visita e nos redime
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Fico horrorizado ao pensar no perigo de que algum dia, por falta de consideração ou por estar absorvido em coisas vãs, eu esqueça o amor de Deus e seja para Cristo motivo de vergonha e opróbrio» (São Basílio Magno)
 
«O verdadeiro Deus vem ao nosso encontro com a mansidão "desarmante" do amor» (Bento XVI)
 
«(…) Quando [Jesus] já avista Jerusalém, chora sobre ela (324) e exprime, uma vez mais, o desejo do seu coração: ‘Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos’ (Lc 19, 42)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 558)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje informa como Jesus, chegando perto de Jerusalém, ao ver a cidade, começou a chorar e pronunciou palavras que faziam ver um futuro muito sombrio para a cidade, capital do seu povo.
 
* Lucas 19,41-42 Jesus chora sobre Jerusalém. “Jesus se aproximou, e quando viu a cidade, começou a chorar. E disse: "Se também você compreendesse hoje o caminho da paz! Agora, porém, isso está escondido aos seus olhos!”. Jesus chora, pois ama a sua pátria, o seu povo, a capital da sua terra, o Templo. Chora, porque sabe que tudo vai ser destruído por culpa do próprio povo que não soube perceber nem avaliar o apelo de Deus dentro dos fatos. O povo não percebeu o caminho que pudesse levar à Paz, Shalom. Agora, porém, isso está escondido aos seus olhos!  Esta afirmação evoca a crítica de Isaías à pessoa que adorava ídolos: “Esse homem se alimenta de cinza. Sua mente enganada o iludiu, de modo que ele não consegue salvar a própria vida e nem é capaz de dizer: Não será mentira isso que tenho nas mãos?" (Is 44,20). A mentira estava nos olhos deles e, por isso, tornaram-se incapazes de perceber a verdade. Como diz São Paulo: “Eles se revoltam e rejeitam a verdade, para obedecerem à injustiça” (Rm 2,8). A verdade ficou prisioneira da injustiça. Numa outra ocasião, Jesus lamentou que Jerusalém não soube perceber nem acolher a visita de Deus: "Jerusalém, Jerusalém, você que mata os profetas e apedreja os que lhe foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir seus filhos, como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas, mas você não quis! Eis que a casa de vocês ficará abandonada” (Lc 13,34-35).
 
* Lucas 19,43-44 Anúncio da destruição de Jerusalém. “Vão chegar dias em que os inimigos farão trincheiras contra você, a cercarão e apertarão de todos os lados. Eles esmagarão você e seus filhos, e não deixarão em você pedra sobre pedra". Jesus descreve o futuro que vai acontecer com a Jerusalém. Usa as imagens de guerra que eram comuns naquele tempo quando um exército atacava uma cidade: trincheiras, cerco fechado ao redor, matança do povo e destruição total das muralhas e das casas. Assim, no passado, Jerusalém foi destruída por Nabucodonosor. Assim, as legiões romanas costumavam fazer com as cidades rebeldes e assim seria feito novamente, quarenta anos depois, com a própria cidade de Jerusalém. De fato, no ano 70, Jerusalém foi cercada e invadida pelos exércitos romanos. Tudo foi destruído. Diante deste pano de fundo histórico, o gesto de Jesus se torna uma advertência muito séria a todos que pervertem o sentido da Boa Nova de Deus. Eles devem ouvir a advertência final: “Porque você não reconheceu o tempo em que Deus veio para visitá-la”. Nesta advertência, todo o trabalho de Jesus é definido como uma “visita de Deus”
 
Para um confronto pessoal
1) Você chora sobre a situação do mundo? Olhando a situação do mundo, será que Jesus iria chorar? A previsão é sombria. Do ponto de vista da ecologia, já passamos do limite. A previsão é trágica.
2) O trabalho de Jesus é visto como uma visita de Deus. Você já recebeu alguma visita de Deus em sua vida?

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Quarta-feira da 33ª semana do Tempo Comum

S. Rafael de S. José Kalinowski, presbítero de nossa Ordem
Ss. Roque González, Afonso Rodríguez e João del Castillo, presbíteros e mártires
 
1ª Leitura (2Mac 7,1.20-31):
Naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe, e o rei da Síria quis obrigá-los, à força de azorragues e nervos de boi, a comer carne de porco, proibida pela Lei. Eminentemente admirável e digna de memória foi a mãe, que, vendo morrer num só dia os seus sete filhos, tudo suportou com firme serenidade, pela esperança que tinha no Senhor. Exortava cada um deles na sua língua pátria e, cheia de nobres sentimentos, juntava uma coragem varonil à ternura de mulher. Ela dizia-lhes: «Não sei como aparecestes no meu seio, porque não fui eu que vos dei o espírito e a vida, nem fui eu que ordenei os elementos de cada um de vós. Por isso, o Criador do mundo, que é o autor do nascimento e origem de todas as coisas, vos restituirá, pela sua misericórdia, o espírito e a vida, porque vos desprezais agora a vós mesmos por amor das suas leis». Então o rei Antíoco julgou-se insultado e suspeitou que aquelas palavras o ultrajavam. Como o filho mais novo ainda estava vivo, não só começou a exortá-lo com palavras, mas também lhe prometeu com juramento que o tornaria rico e feliz, se ele abandonasse as tradições dos seus antepassados. Faria dele seu amigo, confiando-lhe altas funções. Como o jovem não lhe deu a menor atenção, o rei chamou a mãe à sua presença e exortou-a a aconselhar o jovem para lhe salvar a vida. Depois de muita insistência do rei, ela consentiu em persuadir o filho. Inclinou-se para ele e, ludibriando o tirano, assim lhe falou na língua pátria: «Filho, tem compaixão de mim, que te trouxe nove meses no meu seio, te amamentei durante três anos, te criei e eduquei até esta idade, provendo sempre ao teu sustento. Peço-te, meu filho, olha para o Céu e para a terra, contempla tudo o que neles existe e reconhece que Deus os criou do nada, assim como a todo o género humano. Não temas este carrasco, mas sê digno dos teus irmãos e aceita a morte, para que eu te possa encontrar com eles no dia da misericórdia divina». Apenas ela acabou de falar, o jovem exclamou: «Por que esperais? Eu não obedeço às ordens do rei. Obedeço aos mandamentos da Lei que foi dada por Moisés aos nossos antepassados. E tu, inventor de todos os males contra os hebreus, não escaparás às mãos de Deus».
 
Salmo Responsorial: 16
R. Senhor, ficarei saciado, quando surgir a vossa glória.
 
Ouvi, Senhor, uma causa justa, atendei a minha súplica. Escutai a minha oração, feita com sinceridade.
 
Firmai os meus passos nas vossas veredas, para que não vacilem os meus pés. Eu Vos invoco, ó Deus, respondei-me, ouvi e escutai as minhas palavras.
 
Protegei-me à sombra das vossas asas, longe dos ímpios que me fazem violência. Senhor, mereça eu contemplar a vossa face e ao despertar saciar-me com a vossa imagem.
 
Aleluia. Eu vos escolhi do mundo, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça, diz o Senhor. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,11-28): Naquele tempo, enquanto estavam escutando, Jesus acrescentou uma parábola, porque estava perto de Jerusalém e eles pensavam que o Reino de Deus ia se manifestar logo. Disse: «Um homem nobre partiu para um país distante, a fim de ser coroado rei e depois voltar. Chamou então dez dos seus servos, entregou a cada um uma bolsa de dinheiro e disse: Negociai com isto até que eu volte. Seus concidadãos, porém, tinham aversão a ele e enviaram uma embaixada atrás dele, dizendo: Não queremos que esse homem reine sobre nós. Mas o homem foi nomeado rei e voltou. Mandou chamar os servos, aos quais havia dado o dinheiro, a fim de saber que negócios cada um havia feito. O primeiro chegou e disse: Senhor, a quantia que me deste rendeu dez vezes mais. O homem disse: Parabéns, servo bom. Como te mostraste fiel nesta mínima coisa, recebe o governo de dez cidades. O segundo chegou e disse: Senhor, a quantia que me deste rendeu cinco vezes mais. O homem disse também a este: Tu, recebe o governo de cinco cidades. Chegou o outro servo e disse: Senhor, aqui está a quantia que me deste: eu a guardei num lenço, pois eu tinha medo de ti, porque és um homem severo. Recebes o que não deste e colhes o que não semeaste. O homem disse: Servo mau, eu te julgo pela tua própria boca. Sabias que sou um homem severo, que recebo o que não dei e colho o que não semeei. Então, por que não depositaste meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros. Depois disse aos que estavam aí presentes: Tirai dele sua quantia e dai àquele que fez render dez vezes mais. Os presentes disseram: Senhor, esse já tem dez vezes a quantia! Ele respondeu: Eu vos digo: a todo aquele que tem, será dado, mas àquele que não tem, até mesmo o que tem lhe será tirado. E quanto a esses meus inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente». Depois dessas palavras, Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém.
 
«Negociai com isto até que eu volte»
 
P. Pere SUÑER i Puig SJ (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho propõe-nos a parábola das minas: uma quantidade de dinheiro que aquele nobre repartiu entre seus servos, antes de partir de viagem. Primeiro fixemo-nos na ocasião que provoca a parábola de Jesus. Ele ia subindo para Jerusalém, onde o esperava a paixão e a consequente ressurreição. Os discípulos «pensavam que o Reino de Deus ia se manifestar logo» (Lc 19,11). É nessas circunstâncias que Jesus propõe esta parábola. Com ela, Jesus ensina-nos que temos que fazer render os dons e qualidades que Ele nos deu, isto é, que nos deixou a cada um. Não são nossos de maneira que possamos fazer com eles o que queiramos. Ele deixou-nos esses dons para que os façamos render. Os que fizeram render as minas - mais ou menos - são louvados e premiados pelo seu Senhor. É o servo preguiçoso, que guardou o dinheiro num lenço sem o fazer render, é o que é repreendido e condenado.
 
O cristão, pois, tem que esperar, claro está, o regresso do seu Senhor, Jesus. Mas com duas condições, se quer que o encontro seja amigável. A primeira condição é que afaste a curiosidade doentia de querer saber a hora da solene e vitoriosa volta do Senhor. Virá, diz em outro lugar, quando menos o pensemos. Fora, por tanto, as especulações sobre isto! Esperamos com esperança, mas numa espera confiada sem doentia curiosidade. A segunda condição, é que não percamos o tempo. A esperança do encontro e do final gozoso não pode ser desculpa para não tomarmos a sério o momento presente. Precisamente, porque a alegria e o gozo do encontro final serão tanto melhores quanto maior for a colaboração que cada um tiver dado pela causa do reino na vida presente.
 
Não falta, também aqui, a grave advertência de Jesus aos que se revelam contra Ele: «E quanto a esses meus inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente» (Lc 19,27)
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Quando o cristão mata o seu tempo na terra, põe-se em perigo de matar o seu céu» (São Josemaria)
 
«Qualquer ambiente, mesmo o mais distante e impraticável, pode tornar-se um lugar onde os talentos podem atuar. Não há situações ou lugares excluídos da presença e do testemunho cristão» (Francisco)
 
«(…) Cada homem é constituído 'herdeiro', recebe 'talentos' que enriquecem a sua identidade e cujos frutos deve desenvolver (3). Com toda a razão, cada um é devedor de dedicação às comunidades de que faz parte (…)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.880)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* O evangelho de hoje traz a Parábola dos Talentos, na qual Jesus fala dos dons que as pessoas recebem de Deus.
Toda pessoa tem alguma qualidade, recebe algum dom ou sabe alguma coisa que ela pode ensinar aos outros. Ninguém é só aluno, ninguém é só professor. Aprendemos uns dos outros.
 
* Lucas 19,11: A chave para entender a história da parábola. Para introduzir a parábola Lucas diz o seguinte: “Tendo eles ouvido isso, Jesus acrescentou uma parábola, porque estava perto de Jerusalém, e eles pensavam que o Reino de Deus ia chegar logo”. Nesta informação inicial, Lucas destaca três motivações que levaram Jesus a contar a parábola: (1) A acolhida a ser dada aos excluídos, pois, dizendo “tendo eles ouvido isso”, ele se refere ao episódio de Zaqueu, o excluído, que foi acolhido por Jesus. (2) A proximidade da paixão, morte e ressurreição, pois dizia que Jesus estava perto de Jerusalém  onde seria preso e morto em breve. (3) A chegada iminente do Reino de Deus, pois as pessoas que acompanhavam Jesus pensavam que o Reino de Deus ia chegar logo.
 
* Lucas 19,12-14: O início da Parábola.  “Um homem nobre partiu para um país distante a fim de ser coroado rei, e depois voltar. Chamou então dez dos seus empregados, entregou cem moedas de prata para cada um, e disse: 'Negociem até que eu volte”. Seus concidadãos, porém, o odiavam, e enviaram uma embaixada atrás dele, dizendo: 'Não queremos que esse homem reine sobre nós'. Alguns estudiosos acham que, nesta parábola, Jesus se refere a Herodes que, setenta anos antes (40 aC), tinha ido para Roma a fim de receber o título e o poder de Rei da Palestina. O povo não gostava de Herodes e não queria que ele se tornasse rei, pois a experiência que tiveram com ele como comandante para reprimir as rebeliões na Galileia contra Roma foi trágica e dolorosa. Por isso diziam: “Não queremos que esse homem reine sobre nós”. A este mesmo Herodes se aplicaria a frase final da parábola: “E quanto a esses inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, tragam aqui, e matem na minha frente”.  De fato, Herodes matou muita gente.
 
* Lucas 19,15-19: Prestação de conta dos primeiros empregados que receberam cem moedas de prata. A história informa ainda que Herodes recebeu a realeza e voltou para a Palestina para assumir o poder. Na parábola, o rei chamou os empregados aos quais tinha dado cem moedas de prata, a fim de saber quanto haviam lucrado. O primeiro chegou, e disse: 'Senhor, as cem moedas renderam dez vezes mais'. O homem disse: 'Muito bem, empregado bom. Como você foi fiel em coisas pequenas, receba o governo de dez cidades'. O segundo chegou, e disse: 'Senhor, as cem moedas renderam cinco vezes mais'. O homem disse também a este: 'Receba também você o governo de cinco cidades”. De acordo com a história, tanto Herodes Magno como seu filho Herodes Antipas, ambos sabiam lidar com dinheiro e promover as pessoas que os ajudavam. Na parábola, o rei deu dez cidades ao empregado que multiplicou por dez as cem moedas que tinha recebido, e cinco cidades a quem as multiplicou por cinco.
 
* Lucas 19,20-23: Prestação de conta do empregado que não lucrou nada. O terceiro empregado chegou e disse: 'Senhor, aqui estão as cem moedas que guardei num lenço. Pois eu tinha medo de ti, porque és um homem severo. Tomas o que não deste, e colhes o que não semeaste'. Nesta frase transparece uma ideia errada de Deus que é criticada por Jesus. O empregado vê Deus como um patrão severo. Diante de um Deus assim, o ser humano sente medo e se esconde atrás da observância exata e mesquinha da lei. Ele pensa que, agindo assim, não será castigado pela severidade do legislador. Na realidade, uma pessoa assim já não crê em Deus, mas crê apenas em si mesma, na sua própria observância da lei. Ela se fecha em si, desliga de Deus e já não consegue preocupar-se com os outros. Torna-se incapaz de crescer como pessoa livre. Esta imagem falsa de Deus isola o ser humano, mata a comunidade, acaba com a alegria e empobrece a vida. O rei responde: 'Empregado mau, eu julgo você pela sua própria boca. Você sabia que eu sou um homem severo, que tomo o que não dei, e colho o que não semeei. Então, por que você não depositou meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros'. O empregado não foi coerente com a imagem que tinha de Deus. Se ele imaginava Deus tão severo, deveria ao menos ter colocado o dinheiro no banco. Ele é condenado não por Deus, mas pela ideia errada que tinha de Deus e que o deixou mais medroso e mais imaturo do que devia ser. Uma das coisas que mais influi na vida da gente é a ideia que nós fazemos de Deus. Entre os judeus da linha dos fariseus, alguns imaginavam Deus como um Juiz severo que os tratava de acordo com o mérito conquistado pelas observâncias. Isto produzia medo e impedia as pessoas de crescer. Sobretudo, impedia que elas abrissem um espaço dentro de si para acolher a nova experiência de Deus que Jesus comunicava.
 
* Lucas 19,24-27: Conclusão para todos. “Depois disse aos que estavam aí presentes: Tirem dele as cem moedas, e deem para aquele que tem mil. Os presentes disseram: Senhor, esse já tem mil moedas! Ele respondeu: Eu digo a vocês: a todo aquele que já possui, será dado mais ainda. Mas daquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem”. O senhor mandou tirar dele as cem moedas e dar àquele que já tinha mil, pois “a todo aquele que já possui, será dado mais ainda. Mas daquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem. Nesta frase final está a chave que esclarece a parábola. No simbolismo da parábola, as moedas de prata do rei são os bens do Reino de Deus, isto é, tudo aquilo que faz a pessoa crescer e revela a presença de Deus: amor, serviço, partilha. Quem se fecha em si com medo de perder o pouco que tem, este vai perder até o pouco que tem. A pessoa, porém, que não pensa em si mas se doa aos outros, esta vai crescer e receber de volta, de maneira inesperada, tudo que entregou e muito mais: “cem vezes mais, com perseguições” (Mc 10,30). “Perde a vida quem quer segurá-la, ganha a vida quem tem coragem de perdê-la” (Lc 9,24; 17,33; Mt 10,39;16,25;Mc 8,35). O terceiro empregado teve medo e não fez nada. Não quis perder nada e, por isso, não ganhou nada. Perdeu até o pouco que tinha. O Reino é risco. Quem não quer correr risco, perde o Reino!
 
* Lucas 19,28: Voltando à tríplice chave inicial. No fim, Lucas encerra o assunto com esta informação: Depois de dizer essas coisas, Jesus partiu na frente deles, subindo para Jerusalém. Esta informação final evoca a tríplice chave dada no início: acolhida a ser dada aos excluídos, proximidade da paixão, morte e ressurreição de Jesus em Jerusalém e a ideia da chegada iminente do Reino. Aos que pensavam que o Reino de Deus estivesse para chegar, a parábola manda mudar os olhos. O Reino de Deus chega sim, mas através da morte e ressurreição de Jesus que vai acontecer em breve em Jerusalém. E o motivo da morte foi a acolhida que ele, Jesus, dava aos excluídos como Zaqueu e tantos outros. Incomodou os grandes e eles o eliminaram condenando-o à morte de cruz,
 
Para um confronto pessoal
1. Na nossa comunidade, procuramos conhecer e valorizar os dons de cada pessoa? Às vezes, os dons de uns geram inveja e competição nos outros. Como reagimos?
2. Nossa comunidade é um espaço, onde as pessoas podem desenvolver seus dons?

19 de novembro

 São Rafael de São José (Kalinowski)
Presbítero de nossa Ordem
 
Oriundo de uma família polaca, nasceu em Vilna em 1835. Por ter participado no movimento de libertação da Polônia, foi condenado a dez anos de trabalhos forçados na Sibéria. Em 1877 ingressou nos Carmelitas Descalços, onde se ordenou sacerdote em 1882. Distinguiu-se no zelo pela unidade da Igreja e pela incansável dedicação ao ministério de confessor e diretor espiritual. Restaurou a Ordem na Polônia, desempenhando lá vários cargos de governo. Morreu em Wadovice em 1907. Foi beatificado em 22 de junho de 1983 e canonizado em 17 de novembro de 1991.
 
Salmodia, leitura, responsório breve e preces do dia corrente.

Oração
Senhor, que concedestes a São Rafael o espírito de fortaleza nas adversidades e um extraordinário zelo de caridade em benefício da unidade da Igreja, concedei, por sua intercessão, que, sendo fortes na fé e amando-nos uns aos outros, colaboremos generosamente na unidade de todos os fiéis em Cristo. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
 

domingo, 16 de novembro de 2025

Terça-feira da 33ª semana do Tempo Comum

1ª Leitura (2Mac 6,18-31):
Naqueles dias, Eleazar, um dos principais doutores da Lei, homem de idade avançada e de aspecto muito distinto, era forçado a abrir a boca para comer carne de porco. Mas ele, preferindo a morte gloriosa à vida desonrada, caminhou espontaneamente para o instrumento de suplício, depois de ter cuspido fora a carne, como devem proceder os que têm a coragem de repelir o que não é lícito comer, nem sequer por amor à própria vida. Então os encarregados dessa iníqua refeição ritual, que conheciam aquele homem de velha data, chamaram-no à parte e tentaram persuadi-lo a trazer carne da que lhe fosse lícito servir-se, preparada por ele próprio, e assim fingisse comer a carne prescrita pelo rei, isto é, proveniente do sacrifício. Procedendo assim, escaparia à morte, aproveitando a benevolência com que o tratavam em consideração da amizade entre eles. Mas ele optou por uma nobre decisão, digna da sua idade, do prestígio da sua velhice, dos seus cabelos tão ilustremente embranquecidos, do seu excelente modo de proceder desde a infância e, o que é mais, da santa Lei estabelecida por Deus. Com toda a coerência, respondeu prontamente: «Prefiro que me envieis para a morada dos mortos. Na nossa idade não é conveniente fingir; aliás muitos jovens ficariam persuadidos de que Eleazar, aos noventa anos, se tinha passado para os costumes pagãos; e com esta dissimulação, por causa do pouco tempo de vida que me resta, viriam a transviar-se também por minha culpa e eu ficaria com a minha velhice manchada e desonrada. Além disso, ainda que eu me furtasse de momento à tortura dos homens, não fugiria, contudo, nem vivo nem morto, às mãos do Omnipotente. Por isso, renunciando agora corajosamente a esta vida, mostrar-me-ei digno da minha velhice e deixarei aos jovens o nobre exemplo de morrer com beleza, espontânea e gloriosamente, pelas veneráveis e santas leis». Dito isto, Eleazar dirigiu-se logo para o instrumento de suplício. Aqueles que o conduziam mudaram em aversão a benevolência que pouco antes mostraram para com ele, por causa das palavras que acabava de dizer e que eles consideravam uma loucura. Prestes a morrer sob os golpes, exclamou entre suspiros: «Para o Senhor, que possui a santa ciência, é bem claro que, podendo escapar à morte, estou a sofrer cruéis tormentos no meu corpo; mas na alma suporto-os com alegria, porque temo o Senhor». Foi assim que Eleazar perdeu a vida, deixando, com a sua morte, não só aos jovens, mas também à maioria do seu povo, um exemplo de coragem e um memorial de virtude.
 
Salmo Responsorial: 3
R. O Senhor me sustenta e ampara.
 
Senhor, são tantos os meus inimigos, tão numerosos os que se levantam contra mim! Muitos são os que dizem a meu respeito: «Deus não o vai salvar».
 
Vós, porém, Senhor, sois o meu protetor, a minha glória e Aquele que me sustenta. Em altos brados clamei ao Senhor, Ele respondeu-me da sua montanha sagrada.
 
Deito-me e adormeço, e me levanto: sempre o Senhor me ampara. Não temo a multidão, que de todos os lados me cerca.
 
Aleluia. Deus amou-nos e enviou o seu Filho, como vítima de expiação pelos nossos pecados. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,1-10): Naquele tempo, Jesus tinha entrado em Jericó e estava passando pela cidade. Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e muito rico. Ele procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era baixinho. Então ele correu à frente e subiu numa árvore para ver Jesus, que devia passar por ali. Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: «Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa. Ele desceu depressa, e o recebeu com alegria. Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: «Foi hospedar-se na casa de um pecador!». Zaqueu pôs-se de pé, e disse ao Senhor: «Senhor, a metade dos meus bens darei aos pobres, e se prejudiquei alguém, vou devolver quatro vezes mais». Jesus lhe disse: “Hoje aconteceu a salvação para esta casa, porque também este é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido».
 
«O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido»
 
Rev. D. Enric RIBAS i Baciana (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, Zaqueu sou eu. Esse personagem era rico e chefe dos publicanos; eu tenho mais do que necessito e também muitas vezes atuo como um publicano e esqueço-me de Cristo. Jesus, entre a multidão, procura Zaqueu; hoje, no meio deste mundo, precisamente procura-me a mim: «Desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa»(Lc 19,5).
 
Zaqueu deseja ver a Jesus; não o conseguirá sem esforçar-se e sobe a árvore. Quisera eu ver tantas vezes a ação de Deus! Mas não sei se estou verdadeiramente disposto a fazer o ridículo obrando como Zaqueu. A disposição do chefe de publicanos de Jericó é necessária para que Jesus possa agir; se não se apressa, pode perder a única oportunidade de ser tocado por Deus e assim, ser salvado. Possivelmente, eu tive muitas ocasiões de encontrar-me com Jesus, e talvez vendo que já era hora de ser corajoso, de sair de casa, de encontrar-me com Ele e de convidá-lo a entrar no meu interior, para que Ele possa dizer também de mim: «Hoje aconteceu a salvação para esta casa, porque também este é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19,9-10).
 
Zaqueu deixa entrar a Jesus na sua casa e no seu coração, ainda que não se sente digno dessa visita. Nele a conversão é total: começa pela renúncia à ambição de riquezas, continua com o propósito de partilhar os seus bens e termina com uma vontade firme de fazer justiça, corrigir os pecados que cometeu. Pode que Jesus me este pedindo algo parecido desde faz tempo, mas eu não quero escutar e faço ouvidos surdos; necessito converter-me.
 
Dizia São Máximo: «Nada há mais querido e agradável a Deus como a conversão dos homens a Ele com um arrependimento sincero». Que Ele me ajude hoje a fazê-lo realidade.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«O que se faz com uma disposição de ânimo triste e forcado não merece gratidão nem nobreza. Assim, quando façamos o bem, devemos fazê-lo, não tristes, mas com alegria» (São Gregório de Nissa)
 
«” Vida eterna” tenta de dar um nome a essa “desconhecida realidade conhecida”. Seria o momento de se submergir no oceano do Amor infinito. Podemos unicamente tentar de pensar que este momento é a vida em sentido pleno. Temos que pensar nesta línea se nós quisermos entender o objetivo da esperança Cristiana» (Bento XVI)
 
«A Comunhão afasta-nos do pecado. O corpo de Cristo que recebemos na Comunhão é “entregue por nós” e o sangue que nós bebemos é “derramado pela multidão, para remissão dos pecados”. É por isso que a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem nos purificar, ao mesmo tempo, dos pecados cometidos, e nos preservar dos pecados futuros» (Catecismo da Igreja Católica, n° 1393)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* No evangelho de hoje, estamos chegando ao fim da longa viagem que começou no capítulo 9 (Lc 9,51).
Durante a viagem, não se sabia bem por onde Jesus andava. Só se sabia que ele ia em direção a Jerusalém. Agora, no fim, a geografia fica clara e definida. Jesus chegou em Jericó, a cidade das palmeiras, no vale do Jordão. Última parada dos peregrinos, antes de subir para Jerusalém! Foi em Jericó, que terminou a longa caminhada do êxodo de 40 anos pelo deserto. O êxodo de Jesus também está terminando. Na entrada de Jericó, Jesus encontrou um cego que queria vê-lo (Lc 18,35-43). Agora, na saída da cidade, ele encontra Zaqueu, um publicano, que também queria vê-lo. Um cego e um publicano. Os dois eram excluídos. Os dois incomodavam o povo: o cego com seus gritos, o publicano com seus impostos. Os dois são acolhidos por Jesus, cada um a seu modo.
 
* Lucas 19,1-2: A situação . Jesus entrou em Jericó e atravessava a cidade. "Havia ali um homem, chamado Zaqueu, muito rico, chefe dos publicanos". Publicano era a pessoa que cobrava o imposto público sobre a circulação da mercadoria. Zaqueu era o chefe dos publicanos da cidade. Sujeito rico e muito ligado ao sistema de dominação dos romanos. Os judeus mais religiosos argumentavam assim: “O rei do nosso povo é Deus. Por isso, a dominação romana sobre nós é contra Deus. Quem colabora com os romanos peca contra Deus!” Assim, soldados que serviam no exército romano e cobradores de impostos, como Zaqueu, eram excluídos e evitados como pecadores e impuros.
 
* Lucas 19,3-4: A atitude de Zaqueu. Zaqueu quer ver Jesus. Sendo pequeno, corre na frente, sobe numa árvore e aguarda Jesus passar. É muita vontade de ver Jesus! Anteriormente, na parábola do pobre Lázaro e do rico sem nome (Lc 16,19-31), Jesus mostrava como é difícil um rico se converter e abrir a porta de separação para acolher o pobre Lázaro. Aqui aparece o caso de um rico que não se fecha na sua riqueza. Zaqueu quer algo mais. Quando um adulto, pessoa de destaque na cidade, trepa numa árvore, é porque já nem liga para a opinião dos outros. Algo mais importante o move por dentro. Ele está querendo abrir a porta para o pobre Lázaro.
 
* Lucas 19,5-7: Atitude de Jesus, reação do povo e de Zaqueu. Chegando perto e vendo Zaqueu na árvore, Jesus não pergunta nem exige nada. Apenas responde ao desejo do homem e diz: "Zaqueu, desça depressa! Hoje devo ficar em sua casa!" Zaqueu desceu e recebeu Jesus em sua casa, com muita alegria. Todos murmuravam: "Foi hospedar-se na casa de um pecador!" Lucas diz que todos murmuravam! Isto significa que Jesus estava ficando sozinho na sua atitude de dar acolhida aos excluídos, sobretudo aos colaboradores do sistema. Mas Jesus não se importa com as críticas. Ele vai na casa de Zaqueu e o defende contra as críticas. Em vez de pecador, o chama de “filho de Abraão” (Lc 19,9).
 
* Lucas 19,8: Decisão de Zaqueu. "Dou a metade dos meus bens aos pobres e restituo quatro vezes o que roubei!" Esta é a conversão, produzida em Zaqueu pela acolhida que Jesus lhe deu. Restituir quatro vezes era o que a lei mandava em alguns casos (Ex 21,37; 22,3). Dar a metade dos bens aos pobres era a novidade que o contato com Jesus nele produziu. Era a partilha acontecendo de fato!
 
* Lucas 19,9-10: Palavra final de Jesus. "Hoje, a salvação entrou nesta casa, porque ele também é um filho de Abraão!" A interpretação da Lei pela Tradição antiga excluía os publicanos da raça de Abraão. Jesus diz que veio procurar e salvar o que estava perdido. O Reino é para todos. Ninguém pode ser excluído. A opção de Jesus é clara, seu apelo também: não é possível ser amigo de Jesus e continuar apoiando um sistema que marginaliza e exclui tanta gente. Denunciando as divisões injustas, Jesus abre o espaço para uma nova convivência, regida pelos novos valores da verdade, da justiça e do amor.
 
* Filho de Abraão. "Hoje, a salvação entrou nesta casa, porque ele também é um filho de Abraão!" Através da descendência de Abraão, todas as nações da terra serão benditas (Gn 12,3; 22,18). Para as comunidades de Lucas, formadas por cristãos tanto de origem judaica como de origem pagã, a afirmação de Jesus chamando Zaqueu de “filho de Abraão”, era muito importante. Nela encontravam a confirmação de que, em Jesus, Deus estava cumprindo as promessas feitas a Abraão, dirigidas a todas as nações, tanto judeus como gentios. Estes são também filhos de Abraão e herdeiros das promessas. Jesus acolhe os que não eram acolhidos. Oferece lugar aos que não tinham lugar. Recebe como irmão e irmã as pessoas que a religião e o governo excluíam e rotulavam como:
*  imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11),
*  hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42),
*  impuras: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 17,12-14; Mc 1,25-26),
*  marginalizadas: mulheres, crianças e doentes (Mc 1,32; Mt 8,16;19,13-15; Lc 8,2-3),
*  pelegos: publicanos e soldados (Lc 18,9-14;19,1-10);
*  pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20; Mt 11,25-26).
 
Para um confronto pessoal
1. Como nossa comunidade acolhe as pessoas desprezadas e marginalizadas? Somos capazes, como Jesus, de perceber os problemas das pessoas e dar atenção a elas?
2. Como percebemos a salvação entrando hoje na nossa casa e na nossa comunidade? A ternura acolhedora de Jesus provocou uma mudança total na vida de Zaqueu. A ternura acolhedora da nossa comunidade está provocando alguma mudança no bairro? Qual?