terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Quinta-feira da 2ª semana do Tempo Comum

Santos Esposos: Maria e José
Santo Ildefonso, bispo
 
1ª Leitura (Hb 7,25—8,6):
Irmãos: Jesus pode salvar para sempre aqueles que por seu intermédio se aproximam de Deus, porque vive perpetuamente para interceder por eles. Tal era, na verdade, o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos Céus. Ele não tem necessidade, como os outros sumos sacerdotes, de oferecer cada dia sacrifícios, primeiro pelos seus pecados, depois pelos pecados do povo, porque o fez de uma vez para sempre quando Se ofereceu a Si mesmo. A Lei constitui sumos sacerdotes homens revestidos de fraqueza; mas a palavra do juramento, posterior à Lei, estabeleceu o Filho sumo sacerdote perfeito para sempre. O ponto principal de tudo quanto acabamos de dizer é este: Nós temos um sumo sacerdote que está sentado nos Céus, à direita do trono da divina majestade. Ele é ministro do santuário e do verdadeiro tabernáculo, que foi construído pelo Senhor e não pelo homem. Na verdade, todo o sumo sacerdote é constituído para oferecer oblações e sacrifícios; por isso era necessário que Jesus tivesse também alguma coisa para oferecer. Ora, se Ele estivesse na terra, nem sequer seria sacerdote, porque há outros que oferecem as oblações segundo a Lei. Estes exercem um culto que é apenas imagem e sombra das realidades celestes, conforme foi divinamente revelado a Moisés, quando estava para construir o tabernáculo: «Olha – disse-lhe o Senhor – farás tudo segundo o modelo que te foi mostrado no monte». Mas Jesus obteve um ministério tanto mais elevado, quanto mais perfeita é a aliança de que Ele é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas.
 
Salmo Responsorial: 39
R. Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.
 
Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações, mas abristes-me os ouvidos; não pedistes holocaustos nem expiações, então clamei: «Aqui estou».
 
«De mim está escrito no livro da Lei que faça a vossa vontade. Assim o quero, ó meu Deus, a vossa lei está no meu coração».
 
Proclamarei a justiça na grande assembleia, não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
 
Alegrem-se e exultem em Vós todos os que Vos procuram. Digam sempre: «Grande é o Senhor» os que desejam a vossa salvação.
 
Aleluia. Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte e fez brilhar a vida por meio do Evangelho. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 3,7-12): Jesus, então, com seus discípulos, retirou-se em direção ao lago, e uma grande multidão da Galileia o seguia. Também veio a ele muita gente da Judéia e de Jerusalém, da Idumeia e de além do Jordão, e até da região de Tiro e Sidônia, porque ouviram dizer quanta coisa ele fazia. Ele disse aos discípulos que providenciassem um barquinho para ele, a fim de que a multidão não o apertasse. Pois, como tivesse curado a muitos, aqueles que tinham doenças se atiravam sobre ele para tocá-lo. E os espíritos impuros, ao vê-lo, caíam a seus pés, gritando: «Tu és o Filho de Deus». Mas ele os repreendeu, proibindo que manifestassem quem ele era.
 
«Uma grande multidão da Galileia o seguia. Também veio a ele muita gente da Judéia e de Jerusalém, da Idumeia e de além do Jordão, e até da região de Tiro e Sidônia»
 
Rev. D. Melcior QUEROL i Solà (Ribes de Freser, Girona, Espanha)
 
Hoje, ainda temos recente o batismo de João nas águas do rio Jordão, deveríamos recordar a relevância do nosso próprio batismo. Todos fomos batizados num só Senhor, numa só fé, «num só Espírito para formar um só corpo» (1Cor 12,13). Eis aqui o ideal de unidade: formar um só corpo, ser em Cristo uma só coisa, para que o mundo acredite.
 
No Evangelho de hoje vemos como «uma grande multidão da Galileia» e também muita gente procedente de outros lugares (cf. Mc 3,7-8) se aproximam do Senhor. E Ele acolhe e procura o bem para todos, sem excepção. Devemos ter isso muito presente durante o oitavário de oração pela unidade dos cristãos.
 
Apercebamo-nos como, no decorrer dos séculos, os cristãos nos dividimos em católicos, ortodoxos, anglicanos, luteranos, e um largo etecetera de confissões cristãs. Pecado histórico contra uma das notas essenciais da Igreja: a unidade.
 
Mas aterremos na nossa realidade eclesial de hoje. A da nossa diocese, a da nossa paroquia. A do nosso grupo cristão. Somos realmente uma só coisa? Realmente a nossa relação de unidade é motivo de conversão para os afastados da Igreja? «Que todos sejam um, para que o mundo acredite» (Jo 17,21), pede Jesus ao Pai. Este é o reto. Que os pagãos vejam como se relaciona um grupo de crentes que, congregados pelo Espírito Santo na Igreja de Cristo, têm um só coração e uma só alma (cf. At 4,32-34).
 
Recordemos que, como fruto da Eucaristia —em simultâneo com a união de cada um com Jesus— deve manifestar-se a unidade da Assembleia pois, alimentamo-nos do mesmo Pão para sermos um só corpo. Portanto, o que significam os sacramentos, e a graça que contêm, exige de nós gestos de comunhão para com os outros. A nossa conversão é à unidade trinitária (o qual é um dom que vem do alto) e a nossa tarefa santificadora não pode obviar os gestos de comunhão, de compreensão, de acolhimento e de perdão para com os demais.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Este é o caminho pelo que chegamos à salvação: Jesus Cristo. Por Ele, podemos elevar nossa mirada até o alto dos céus; por Ele, vemos como num espelho a face imaculado e excelso de Deus» (São Clemente Romano)
 
«Sua pessoa [Jesus] não é outra coisa que amor. Os signos que realiza, sobretudo para os pecadores, para as pessoas pobres, excluídas, doentes e sofrentes levam consigo o distintivo da misericórdia» (Francisco)
 
« Ao liberar algumas pessoas de males terrestres -fome, injustiça, doença, morte-, Jesus operou sinais messiânicos. Ele, no entanto, não veio para abolir todos os males da terra, mas para liberar os homens da mais grave das escravidões, a do pecado (Catecismo da Igreja Católica, n°549)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
*
A conclusão a que se chega, no fim destes cinco conflitos (Mc 2,1 a 3,6), é que a Boa Nova de Deus tal como era anunciada por Jesus dizia exatamente o contrário do ensinamento das autoridades religiosas da época. Por isso, no fim do último conflito, se prevê que Jesus não vai ter vida fácil e será combatido. A morte aparece no horizonte. Decidiram matá-lo (Mc 3,6). Sem uma conversão sincera não é possível as pessoas chegarem a uma compreensão correta da Boa Nova.
 
* Um resumo da ação evangelizadora de Jesus. Os versículos do evangelho de hoje (Mc 3,7-12) são um resumo da atividade de Jesus e acentuam um enorme contraste. Um pouco antes, em Mc 2,1 a 3,6, só se falou em conflitos, inclusive em conflito de vida e morte entre Jesus e as autoridades civis e religiosas da Galileia (Mc 3,1-6). E aqui no resumo, aparece o contrário: um movimento popular imenso, maior que o movimento de João Batista, pois veio gente não só da Galileia, mas também da Judéia, de Jerusalém, da Idumeia, da Transjordânia e até da região pagã de Tiro e Sidônia para encontrar-se com Jesus! (Mc 3,7-12). Todos querem vê-lo e tocar nele. É tanta gente, que o próprio Jesus fica preocupado. Ele corre o perigo de ser esmagado pelo povo. Por isso, pediu aos discípulos para manter um barco à disposição a fim de que o povo não o apertasse. E do barco falava à multidão. Eram sobretudo os excluídos e os marginalizados que vinham a ele com seus males: os doentes e os possessos. Estes, que não eram acolhidos na convivência social da sociedade da época, são acolhidos por Jesus. Eis o contraste: de um lado, a liderança religiosa e civil que decide matar Jesus (Mc 3,6); do outro lado, um movimento popular imenso que busca a salvação em Jesus. Quem vai ganhar?
 
* Os espíritos impuros e Jesus. A insistência de Marcos na expulsão dos demônios é muito grande. O primeiro milagre de Jesus é a expulsão de um demônio (Mc 1,25). O primeiro impacto que Jesus causa no povo é por causa da expulsão dos demônios (Mc 1,27). Uma das principais causas da briga de Jesus com os escribas é a expulsão dos demônios (Mc 3,22). O primeiro poder que os apóstolos vão receber quando são enviados em missão é o poder de expulsar os demônios (Mc 6,7). O primeiro sinal que acompanha o anúncio da ressurreição é a expulsão dos demônios (Mc 16,17). O que significa expulsar os demônios no evangelho de Marcos?
 
* No tempo de Marcos, o medo dos demônios estava aumentando. Algumas religiões, em vez de libertar o povo, alimentavam nele o medo e a angústia. Um dos objetivos da Boa Nova de Jesus era ajudar o povo a se libertar deste medo. A chegada do Reino de Deus significou a chegada de um poder mais forte. Jesus é “o homem mais forte” que chegou para amarrar o Satanás, o poder do mal, e roubar dele a humanidade prisioneira do medo (Mc 3,27). Por isso, Marcos insiste tanto, na vitória de Jesus sobre o poder do mal, sobre o demônio, sobre o Satanás, sobre o pecado e sobre a morte. Do começo ao fim, com palavras quase iguais, ele repete a mesma mensagem: “E Jesus expulsava os demônios!” (Mc 1,26.27.34.39; 3,11-12.15.22.30; 5,1-20; 6,7.13; 7,25-29; 9,25-27.38; 16,9.17). Parece até um refrão! Hoje, em vez de usar sempre as mesmas palavras preferimos usar palavras diferentes. Diríamos: “O poder do mal, o Satanás, que mete tanto medo no povo, Jesus o venceu, dominou, amarrou, destronou, derrotou, expulsou, eliminou, exterminou, aniquilou, abateu, destruiu e matou!” O que Marcos nos quer dizer é isto: “Ao cristão é proibido ter medo de Satanás!” Depois que Jesus ressuscitou, já é mania e falta de fé apelar, a toda hora, para Satanás, como se ele ainda tivesse algum poder sobre nós. Insistir no perigo dos demônios para chamar o povo de volta para as igrejas é desconhecer a Boa Nova do Reino. É falta de fé na ressurreição de Jesus!
 
Para um confronto pessoal
1) Como você vive a sua fé na ressurreição de Jesus? Contribui para vencer o medo?
2) Expulsão dos demônios. Como você faz para neutralizar esse poder em sua vida?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Quarta-feira da 2ª semana do Tempo Comum

São Vicente, diácono e mártir
 
1ª Leitura (Hb 7,1-3.15-17):
Irmãos: Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, foi ao encontro de Abraão, quando este regressava vitorioso do combate contra os reis; ele abençoou Abraão e Abraão deu-lhe o dízimo de todos os despojos. O seu nome significa em primeiro lugar «rei de justiça», mas também «rei de Salém», isto é, «rei de paz». Aparece sem pai, nem mãe, nem genealogia, sem princípio de seus dias, nem fim da sua vida; semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre. Assim se torna bem evidente que a perfeição não veio por meio do sacerdócio levítico, uma vez que, à semelhança de Melquisedec, surge outro sacerdote instituído, não em virtude de uma lei humana, mas por força de uma vida imortal. É d’Ele que se dá este testemunho: «Tu és sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec».
 
Salmo Responsorial: 109
R. O Senhor é sacerdote para sempre.
 
Disse o Senhor ao meu Senhor: «Senta-te à minha direita, até que Eu faça de teus inimigos escabelo de teus pés.
 
O Senhor estenderá de Sião o ceptro do teu poder e tu dominarás no meio dos teus inimigos.
 
A ti pertence a realeza desde o dia em que nasceste nos esplendores da santidade, antes da aurora, como orvalho, Eu te gerei».
 
O Senhor jurou e não Se arrependerá: «Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec».
 
Aleluia. Jesus proclamava o Evangelho do reino e curava todas as doenças entre o povo. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 3,1-6): Outra vez, Jesus entrou na sinagoga, e lá estava um homem com a mão seca. Eles observavam se o curaria num dia de sábado, a fim de acusá-lo. Jesus disse ao homem da mão seca: «Levanta-te! Vem para o meio!» E perguntou-lhes: «Em dia de sábado, o que é permitido: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matar?» Eles ficaram calados. Passando sobre eles um olhar irado, e entristecido pela dureza de seus corações, disse ao homem: «Estende a mão!» Ele estendeu a mão, que ficou curada. Saindo daí, imediatamente os fariseus, com os herodianos, tomaram a decisão de eliminar Jesus.
 
«Em dia de sábado, o que é permitido: fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou matar?»
 
Rev. D. Joaquim MESEGUER García (Rubí, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, Jesus ensina-nos que há de obrar o bem o tempo todo: não há um tempo para fazer o bem e outro para descuidar o amor aos demais. O amor que vem de Deus conduz-nos à Lei suprema que nos deixou Jesus no novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei» Jesus não derroga nem critica a Lei de Moisés, já que Ele mesmo cumpre seus preceitos e acode à sinagoga o sábado; o que Jesus critica é a interpretação estreita da Lei que fizeram os mestres e os fariseus, uma interpretação que deixa pouco lugar à misericórdia.
 
Jesus Cristo veio proclamar o Evangelho da salvação, mas seus adversários, longe de deixar-se persuadir, procuram pretextos contra Ele; «Outra vez, Jesus entrou na sinagoga, e lá estava um homem com a mão seca. Eles observavam se o curaria num dia de sábado, a fim de acusá-lo» (Mc 3,1). Ao mesmo tempo que vemos a ação da graça, constatamos a dureza do coração de uns homens orgulhosos que acreditam ter a verdade do seu lado. Experimentaram alegria os fariseus ao ver aquele pobre homem com a saúde restabelecida? Não, pelo contrário, obcecaram-se ainda mais, até o ponto de fazer acordos com o herodianos —seus inimigos naturais— para ver perder a Jesus, curiosa aliança!
 
Com sua ação, Jesus libera também o sábado das cadeias com as que o tinham amarrado os mestres da Lei e os fariseus e, lhe restituem seu verdadeiro sentido: dia de comunhão entre Deus e o homem, dia de liberação da escravidão, dia da salvação das forças do mal. Santo Agostinho disse: «Quem tem a consciência em paz, está tranquilo e, essa mesma tranquilidade é o sábado do coração». Em Jesus Cristo, o sábado abre-se já o dom do domingo.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Porque a verdade é que n´Ele, que tinha verdadeiro corpo e verdadeira alma de homem, essa afeição [entristecido] não era falsa. Por isso diz a verdade quando se afirma que Ele se indignou com ira perante a dureza de coração dos judeus» (Santo Agostinho)
 
«Outro motivo pelo qual se endurece o coração é o fechar-se sobre si mesmo; construir um mundo sobre si próprio. Estes “narcisistas religiosos”, que têm o coração duro, procuram defender-se com os muros que constroem ao seu redor» (Francisco)
 
«O Evangelho relata numerosos incidentes em que Jesus é acusado de violar a lei do sábado. Mas Jesus nunca viola a santidade deste dia (cf. Mc 1,21; Jo 9,16). É com autoridade que Ele dá a sua interpretação autêntica desta lei: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (Mc 2, 27) (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.173)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* No evangelho de hoje vamos meditar o último dos cinco conflitos que Marcos colecionou no início do seu evangelho (Mc 2,1 a 3,6).
Os quatro conflitos anteriores foram provocados pelos adversários de Jesus. Este último é provocado pelo próprio Jesus e revela a gravidade do conflito entre ele e as autoridades religiosas do seu tempo. É um conflito de vida e morte. Importa notar a categoria de adversários que aparece neste último conflito. Trata-se dos fariseus e dos herodianos, ou seja, das autoridades religiosas e civis. Quando Marcos escreve o seu evangelho nos anos 70, muitos traziam na lembrança a terrível perseguição dos anos 60, que Nero moveu contra as comunidades cristãs. Ouvindo agora como o próprio Jesus tinha sido ameaçado de morte e como ele se comportava no meio destes conflitos perigosos, os cristãos encontravam uma fonte de coragem e de orientação para não desanimar na caminhada.
 
* Jesus na sinagoga em dia de sábado. Jesus entra na sinagoga. Ele tinha o costume de participar das celebrações do povo. Havia ali um homem com a mão atrofiada. Um deficiente físico não podia participar plenamente, pois era considerado impuro. Mesmo presente na comunidade, era marginalizado. Devia manter-se afastado.
 
* A preocupação dos adversários de Jesus. Os adversários observam para ver se Jesus faz curas em dia de sábado. Querem acusá-lo. O segundo mandamento da Lei de Deus mandava “santificar o sábado”. Era proibido trabalhar nesse dia (Ex 20,8-11). Os fariseus diziam que curar um doente era o mesmo que trabalhar. Por isso ensinavam: “É proibido curar em dia de sábado!” Colocavam a lei acima do bem-estar das pessoas. Jesus os incomodava, porque ele colocava o bem-estar das pessoas acima das normas e das leis. A preocupação dos fariseus e dos herodianos não era o zelo pela lei, mas sim a vontade de acusar e de eliminar Jesus.
 
* Levanta-te e vem aqui para o meio! Jesus pede duas coisas ao deficiente físico: Levanta-te e vem aqui para o meio! A palavra “levanta-te” é a mesma que as comunidades do tempo de Marcos usavam para dizer “ressuscitar”. O deficiente deve “ressuscitar”, levantar-se, vir para o meio e ocupar o seu lugar no centro da comunidade! Os marginalizados, os excluídos, devem vir para o meio! Não podem ser excluídos. Devem ser incluídos e acolhidos. Devem estar junto com todo mundo! Jesus chamou o excluído para ficar no meio.
 
* A pergunta de Jesus deixa os outros sem resposta. Jesus pergunta: Em dia de sábado é permitido fazer o bem ou fazer o mal? Salvar a vida ou matá-la? Ele podia ter perguntado: ”Em dia de sábado é permitido curar: sim ou não?” Aí, todos teriam respondido: “Não é permitido!” Mas Jesus mudou a pergunta. Para ele, naquele caso concreto, “curar” era o mesmo que “fazer o bem” ou “salvar uma vida”, e “não curar” era o mesmo que “fazer o mal” ou “matar uma vida”! Com a sua pergunta Jesus colocou o dedo na ferida. Denunciou a proibição de curar em dia de sábado como sendo um sistema de morte. Pergunta sábia! Os adversários ficaram sem resposta.
 
* Jesus fica indignado diante do fechamento dos adversários. Jesus reage com indignação e tristeza diante da atitude dos fariseus e herodianos. Ele manda o homem estender a mão, e ela ficou curada. Curando o deficiente, Jesus mostrou que ele não estava de acordo com o sistema que colocava a lei acima da vida. Em resposta à ação de Jesus, os fariseus e os herodianos decidem matá-lo. Com esta decisão eles confirmam que são, de fato, defensores de um sistema de morte! Eles não têm medo de matar para defender o sistema contra Jesus que os ataca e critica em nome da vida.
 
Para um confronto pessoal
1) O deficiente foi chamado para estar no centro da comunidade. Na nossa comunidade, os pobres e os excluídos têm um lugar privilegiado?
2) Você já se confrontou alguma vez com pessoas que, como os herodianos e os fariseus, colocam a lei acima do bem-estar das pessoas? O que você sentiu naquele momento? Deu razão a eles ou os criticou?

domingo, 19 de janeiro de 2025

Terça-feira da 2ª semana do Tempo Comum

Santa Inês, virgem e mártir
 
1ª Leitura (Hb 6,10-20):
Irmãos: Deus não é injusto. Ele não pode esquecer o vosso trabalho e o amor que mostrastes pelo seu nome, colocando-vos ao serviço dos santos, no passado e no presente. Desejamos, porém, que cada um de vós mostre o mesmo zelo, mantendo intacta a sua esperança até ao fim, de modo que não vos torneis tíbios, mas imiteis aqueles que, pela fé e pela esperança, se tornam herdeiros dos bens prometidos. Quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha outro maior por quem jurar, jurou por Si próprio, dizendo: «Eu te cumularei de bênçãos e multiplicarei a tua posteridade». E por ter perseverado pacientemente, Abraão alcançou a realização da promessa. Os homens, de facto, juram por alguém maior que eles e o juramento é uma garantia que põe fim às suas contendas. Por isso Deus, querendo mostrar solenemente aos herdeiros da promessa como era imutável o seu desígnio, comprometeu-Se com juramento. Assim, por dois atos irrevogáveis, nos quais é impossível Deus mentir, nós temos um forte incentivo para nos refugiarmos firmemente na esperança proposta. Nela tem a nossa alma uma âncora inabalável e segura, que penetra para além do véu, onde entrou Jesus como nosso precursor, constituído sumo sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedec.
 
Salmo Responsorial: 110
R. O Senhor jamais esquecerá a sua aliança.
 
Louvarei o Senhor de todo o coração, no conselho dos justos e na assembleia. Grandes são as obras do Senhor, admiráveis para os que nelas meditam.
 
Instituiu um memorial das suas maravilhas: o Senhor é misericordioso e compassivo. Deu sustento àqueles que O temem e jamais esquecerá a sua aliança.
 
Enviou a redenção ao seu povo, firmou com ele uma aliança eterna. Santo e venerável é o seu nome; o louvor do Senhor permanece eternamente.
 
Aleluia. Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, ilumine os olhos do nosso coração, para conhecermos a esperança a que fomos chamados. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 2,23-28): Certo sábado, Jesus estava passando pelas plantações de trigo, e os discípulos começaram a abrir caminho, arrancando espigas. Os fariseus disseram então a Jesus: «Olha! Por que eles fazem no dia de sábado o que não é permitido?». Ele respondeu: «Nunca lestes o que fez Davi quando passou necessidade e teve fome, e seus companheiros também? Ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar era sumo sacerdote, comeu os pães da oferenda, que só os sacerdotes podem comer, e ainda os deu aos seus companheiros!». E acrescentou: «O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Deste modo, o Filho do Homem é Senhor também do sábado».
 
«O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado.»
 
Rev. D. Ignasi FABREGAT i Torrents (Terrassa, Barcelona, Espanha)
 
Hoje como ontem, Jesus deve se enfrentar com os fariseus, que deformaram a Lei de Moisés, ficando-se nas pequenices e esquecendo-se do espírito que a informa. Os fariseus, da fato, acusam, os discípulos de Jesus de violar o sábado (cf. Mc 2,24). Segundo sua casuística agoniante, arrancar espigas, equivale a “segar” e trilhar significa “bater": essas tarefas de campo — e uma quarentena mais que poderíamos acrescentar — estavam proibidas no sábado, dia de descanso. Como já sabemos, os pães da oferenda dos que nos fala o Evangelho, eram doze pães que se colocavam cada semana na mesa do santuário, como homenagem das doze tribos de Israel ao seu Deus e Senhor.
 
A atitude de Abiatar é a mesma que hoje ensina-nos Jesus: os preceitos da Lei que tem menos importância cedem diante dos maiores; um preceito cerimonial deve ceder diante um preceito de lei natural; o preceito do repouso de sábado não está, então, em cima das elementares necessidades de subsistência. O Concílio Vaticano II, inspirando-se na perícope que comentamos e, para recalcar que a pessoa que está por cima das questões econômicas e sociais, diz: «A ordem social e seu progressivo desenvolvimento devem subordinar-se em todo momento ao bem da pessoa, porque a ordem das coisas deve submeter-se à ordem das pessoas e, não ao contrário. O mesmo Senhor o advertiu quando disse que o sábado tinha sido feito para o homem e, não o homem para o sábado (cf. Mc 2,24)».
 
Santo Agostinho disse: «Ama e faz o que queres». O entendemos bem, o ainda a obsessão por aquilo que é secundário afoga o amor que há de pôr em tudo o que fazemos? Trabalhar, perdoar, corrigir, ir a missa os domingos, cuidar os doentes, cumprir os mandamentos..., O fazemos porque devemos ou por amor de Deus? Tomara que essas considerações nos ajudem a vivificar todas nossas obras com o amor que o Senhor pôs nos nossos corações, precisamente para que possamos lhe amar.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Os que viviam segundo a ordem das coisas antigas vieram à nova esperança, já não observam o sábado, mas o dia do Senhor, no qual a nossa vida é abençoada por Ele e pela sua morte» (Santo Inácio de Antioquia)
 
«O repouso do “sábado” procura a nossa participação no descanso e na paz de Deus. Mas, quando o homem se nega ao “ócio por Deus” (isto é, à adoração), então entra na escravidão do “negócio”» (Bento XVI)
 
« O domingo distingue-se expressamente do sábado, ao qual sucede cronologicamente, em cada semana, e cuja prescrição ritual substitui, para os cristãos. O domingo realiza plenamente, na Páscoa de Cristo, a verdade espiritual do sábado judaico e anuncia o descanso eterno do homem, em Deus» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.175)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* A lei existe para o bem das pessoas.
Num dia de sábado, os discípulos passam pelas plantações e abrem caminho arrancando espigas. Em Mateus 12,1 se diz que eles estavam com fome. Invocando a Bíblia, os fariseus criticam a atitude dos discípulos. Seria uma transgressão da lei do Sábado (cf Ex 20,8-11). Jesus responde invocando a mesma Bíblia para mostrar que os argumentos dos outros não tinham fundamento. Ele lembra que o próprio Davi também fez coisa proibida, pois tirou os pães sagrados do templo e os deu de comer aos soldados que estavam com fome (1 Sm 21,2-7). E Jesus termina com duas frases importantes: 1) O sábado é para o ser humano, e não o ser humano para o sábado, 2) O Filho do Homem é dono até do sábado!
 
* O sábado é para o ser humano, e não o ser humano para o sábado. Durante mais de quinhentos anos, desde os tempos do cativeiro na Babilônia até a época de Jesus, os judeus tinham observado a lei do sábado. Esta observância secular tornou-se para eles um forte sinal identidade. O sábado era rigorosamente observado. Na época dos Macabeus, meados do século II antes de Cristo, esta observância rígida chegou a um ponto crítico. Atacados pelos gregos em dia de sábado, os rebeldes Macabeus preferiram deixar-se matar a transgredir o sábado usando as armas para defender sua vida. Por isso, morreram mil pessoas (1Mac 2,32-38). Refletindo sobre este massacre, os líderes Macabeus concluíram que deviam resistir e defender sua vida, mesmo em dia de sábado (1Mac 2,39-41). Jesus teve a mesma atitude de relativizar a lei do sábado em favor da vida, pois a lei existe para o bem da vida humana, e não vice-versa!
 
* O Filho do Homem é dono até do sábado! A nova experiência de Deus como Pai/Mãe fez com que Jesus, o Filho do Homem, dava a Jesus uma chave para descobrir a intenção de Deus que está na origem das leis do Antigo Testamento. Por isso, o Filho do Homem é dono até do Sábado. Convivendo com o povo da Galileia durante trinta anos e sentindo na pele a opressão e a exclusão a que tantos irmãos e irmãs eram condenados em nome da Lei de Deus, Jesus percebeu que isto não podia ser o sentido daquelas leis. Se Deus é Pai, então ele acolhe a todos como filhos e filhas. Se Deus é Pai, então nós temos que ser irmão e irmã uns dos outros. Foi o que Jesus viveu e pregou, desde o começo até o fim. A Lei do Sábado deve estar a serviço da vida e da fraternidade. Foi por causa da sua fidelidade a esta mensagem que Jesus foi preso e condenado à morte. Ele incomodou o sistema, e o sistema se defendeu, usando a força contra Jesus, pois ele queria a Lei a serviço da vida, e não vice-versa.
 
* Jesus e a Bíblia. Os fariseus criticavam Jesus em nome de Bíblia. Jesus responde e critica os fariseus usando a Bíblia. Ele conhecia a Bíblia de memória. Naquele tempo, não havia Bíblias impressas como temos hoje em dia. Em cada comunidade só havia uma única Bíblia, escrita a mão, que ficava na sinagoga. Se Jesus conhecia tão bem a Bíblia, é sinal de que ele, durante aqueles 30 anos da sua vida em Nazaré, deve ter participado intensamente da vida da comunidade, onde todo sábado se liam as Escrituras. Ainda falta muito para nós termos a mesma familiaridade com a Bíblia e a mesma participação na comunidade!
 
Para um confronto pessoal
1) O Sábado é para o ser humano, e não vice versa. Quais os pontos em minha vida que devem mudar?
2) Mesmo sem ter Bíblia em casa, Jesus conhecia a Bíblia de memória. E eu?

sábado, 18 de janeiro de 2025

20 de janeiro

 Beato Angelo Paoli
Presbítero de nossa Ordem
 
Nasceu em 1642, à Argigliano, na Lunigiana (Itália) e desde a infância já deixava de comer parte de seu alimento, para doá-lo aos companheiros necessitados. Aos 18 anos de idade ingressou na Ordem dos Carmelitas e formou-se sacerdote. Passou por vários conventos da Província de Toscana, deixando em todos, marcas de caridade contínua e heroica; servindo aos coirmãos, aos pobres e doentes da melhor forma possível, chegando a doar o próprio leito. Mereceu então o nome de “Pai dos pobres”. Chamado em Roma pelo Prior Geral, lá permaneceu por 32 anos, falecendo em 1720. Era responsável por dois hospitais, era diretor perpétuo do conservatório de Viperesche e fundou um hospital para os pobres. Continuava a visitar os enfermos e encarcerados e a ajudar muitos outros necessitados. Incentivou a participação de alguns membros pertencentes a nobres famílias romanas no cuidado para com os pobres e doentes, superando as barreiras sociais com a caridade cristã, e antecipou aquilo que depois de um século da sua morte seria conhecido como as “Conferências de São Vicente” de F. Ozanam. Seu heroísmo brilhou particularmente durante a carestia de 1716. Era amado por todos, estimado pelos membros da Cúria Romana e muito amigo do Papa Clemente VI. Frei Ângelo Paoli faleceu em 20 de janeiro de 1720, e foi sepultado na igreja de São Martinho
 
 
HINO DE LAUDES E VÉSPERAS
 
Ínclito servo de Deus,
Luzeiro da santidade,
Que levantaste no tempo
Construção de eternidade!
 
Como o discípulo ao Mestre,
Foste seguindo a Jesus:
Assim, por onde passaste,
Ficou um rasto de luz.
 
As glórias vãs deste mundo,
Bem as soubeste deixar,
Para lá cima alto nome
Com letras de ouro gravar.
 
Foste bom e fiel servo,
Pondo a render o talento:
E o Senhor, em boa paga,
Deu-te em prêmio cem por cento.
 
A Deus Pai e a seu Filho
E ao Espírito de amor,
Com os Anjos e os Santos,
Honra, glória e louvor.
 
Salmodia, leitura, responsório breve e preces do dia corrente.
 
LAUDES
Cântico Evangélico
Ant. Nisto reconhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros.
 
Oração
Deus de infinita misericordia, que resumistes todos os mandamentos celestes no vosso amor e no amor do próximo, concedei-nos que, praticando as obras de caridade, a exemplo do Beato Ângelo Paoli, mereçamos ser contados entre os eleitos do vosso reino. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
 
VÉSPERAS
Cântico Evangélico
Ant.
Em verdade vos digo: Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes.  Vinde, benditos de meu Pai, entrai na posse do reino que vos está preparado desde o princípio do mundo.

Segunda-feira da 2ª semana do Tempo Comum

São Fabiano, papa e São Sebastião, mártires
Beato Angelo PaoliPresbítero de nossa Ordem
 
1ª Leitura (Hb 5,1-10):
Todo o sumo sacerdote, escolhido de entre os homens, é constituído em favor dos homens, nas suas relações com Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Ele pode ser compreensivo para com os ignorantes e os transviados, porque também ele está revestido de fraqueza; e, por isso, deve oferecer sacrifícios pelos próprios pecados e pelos do seu povo. Ninguém pode atribuir a si próprio esta honra, senão quem foi chamado por Deus, como Aarão. Assim também, não foi Cristo que tomou para Si a glória de Se tornar sumo sacerdote; deu-lhe Aquele que Lhe disse: «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei», e como disse ainda noutro lugar: «Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec». Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna, Ele que foi proclamado por Deus sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec.
 
Salmo Responsorial: 109
R. O Senhor é sacerdote para sempre.
 
Disse o Senhor ao meu Senhor: «Senta-te à minha direita, até que Eu faça de teus inimigos escabelo de teus pés.
 
O Senhor estenderá de Sião o ceptro do teu poder e tu dominarás no meio dos teus inimigos.
 
A ti pertence a realeza desde o dia em que nasceste nos esplendores da santidade, antes da aurora, como orvalho, Eu te gerei».
 
O Senhor jurou e não Se arrependerá: «Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec».
 
Aleluia. A palavra de Deus é viva e eficaz, pode discernir os pensamentos e intenções do coração. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 2,18-22): Os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando. Vieram então perguntar a Jesus: «Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?» Jesus respondeu: «Acaso os convidados do casamento podem jejuar enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está com eles, os convidados não podem jejuar. Dias virão em que o noivo lhes será tirado. Então, naquele dia jejuarão. Ninguém costura remendo de pano novo em roupa velha; senão, o remendo novo repuxa o pano velho, e o rasgão fica maior ainda. Ninguém põe vinho novo em odres velhos, senão, o vinho arrebenta os odres, e perdem-se o vinho e os odres. Mas, vinho novo em odres novos!»
 
«Acaso os convidados podem jejuar enquanto o noivo está com eles?»
 
Rev. D. Joaquim VILLANUEVA i Poll (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, vemos como os judeus, além do jejum prescrito para o Dia da Expiação (cf. Lev 16,29-34), observavam muitos outros jejuns, tanto públicos como privados. Eram expressão de dor, de penitência, de purificação, de preparação para uma festa ou uma missão, de pedido a Deus de uma graça, etc. Os judeus piedosos consideravam o jejum como um ato próprio da virtude da religião e algo muito grato a Deus: aquele que jejua dirige-se a Deus em atitude de humildade, pede-lhe perdão, privando-se de algo que, causando-lhe satisfação, o iria afastar d’Ele.
 
O facto de Jesus não incutir esta prática nos seus discípulos e naqueles que O escutavam, surpreende os discípulos de João e os fariseus. Pensam que se trata de uma omissão importante nos Seus ensinamentos. E Jesus dá-lhes uma razão fundamental: «Podem por acaso os convidados do casamento jejuar enquanto o noivo está com eles?» (Mc 2,19). Segundo a interpretação dos profetas de Israel, o esposo é o próprio Deus, e é manifestação do amor de Deus pelos homens (Israel é a esposa, nem sempre fiel, objeto do amor fiel do esposo, Yaveh). Ou seja, Jesus equipara-se a Yaveh. Declara aqui a sua divindade: chama aos seus amigos «os amigos do esposo», os que estão com Ele, e então não precisam de jejuar porque não estão separados dele.
 
A Igreja permaneceu fiel a este ensinamento que, vindo dos profetas e sendo até uma prática natural e espontânea em muitas religiões, é confirmado por Jesus Cristo, que lhe dá um sentido novo: jejua no deserto como preparação para a Sua vida pública, diz-nos que a oração se fortalece com o jejum, etc.
 
Entre aqueles que escutavam o Senhor, a maioria seria constituída por pobres, que saberiam de remendos em roupas; haveria vindimadores que saberiam o que acontece quando o vinho novo se deita em odres velhos. Jesus recorda-lhes que têm de receber a Sua mensagem com espírito novo, que rompa o conformismo e a rotina das almas envelhecidas, que o que Ele propõe não é mais uma interpretação da Lei, mas uma vida nova.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A devoção deve ser exercida de várias maneiras. Além disso, a devoção deve ser praticada de maneira adaptada às forças, aos negócios e às ocupações particulares de cada um» (São Francisco de Sales)
 
«A Palavra de Deus é viva, é livre. O Evangelho é novidade. A revelação é novidade. Jesus é muito claro: vinho novo em odres novos. Deus deve ser recebido com esta abertura à novidade. E esta atitude chama-se docilidade» (Francisco)
 
«Para ser autêntico, o sacrifício exterior deve ser expressão do sacrifício espiritual (…). Os profetas da Antiga Aliança denunciaram muitas vezes os sacrifícios feitos sem participação interior ou sem ligação com o amor do próximo. Jesus recorda a palavra do profeta Oseias: ‘Eu quero misericórdia e não sacrifício’ (Mt 9, 13; 12, 7)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.100)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm
 
* Os cinco conflitos entre Jesus e as autoridades religiosas.
Em Mc 2,1-12 vimos o primeiro conflito. Era em torno do perdão dos pecados. Em Mac 2,13-17, o segundo conflito tratava da comunhão de mesa com pecadores. O evangelho de hoje traz o terceiro conflito sobre o jejum. Amanhã, teremos o quarto conflito em torno da observância do sábado (Mc 2,23-28). Depois de amanhã, o último dos cinco conflitos será em torno da cura em dia de sábado (Mc 3,1-6). O conflito sobre o jejum ocupa o lugar central. Por isso, as palavras meio soltas sobre o remendo novo em pano velho e sobre o vinho novo em barril novo (Mc 2,21-22) devem ser entendidas como uma luz que joga sua claridade também sobre os outros quatro conflitos, dois antes e dois depois.
 
* Jesus não insiste na prática do jejum. O jejum é um costume muito antigo, praticado em quase todas as religiões. O próprio Jesus praticou-o durante quarenta dias (Mt 4,2). Mas ele não insiste com os discípulos para que façam o mesmo. Deixa a eles a liberdade. Por isso, os discípulos de João Batista e dos fariseus, que eram obrigados a jejuar, querem saber por que Jesus não insiste no jejum.
 
* Enquanto o noivo está com eles não precisam jejuar. Jesus responde com uma comparação. Enquanto o noivo está com os amigos do noivo, isto é, durante a festa do casamento, estes não precisam jejuar. Jesus se considera o noivo. Os discípulos são os amigos do noivo. Durante o tempo em que ele, Jesus, estiver com os discípulos, é festa de casamento. Chegará o dia em que o noivo vai ser tirado. Aí, se eles quiserem, poderão jejuar. Jesus alude à sua morte. Sabe e sente que, se ele continuar neste caminho de liberdade, as autoridades religiosas vão querer matá-lo.
 
* Remendo novo em roupa velha, vinho novo em barril novo. Estas duas afirmações de Jesus, que Marcos colocou aqui, esclarecem a atitude crítica de Jesus frente às autoridades religiosas. Não se coloca remendo de pano novo em roupa velha. Na hora de lavar, o remendo novo repuxa o vestido velho e o estraga mais ainda. Ninguém coloca vinho novo em barril velho, porque a fermentação do vinho novo faz estourar o barril velho. Vinho novo em barril novo! A religião defendida pelas autoridades religiosas era como roupa velha, como barril velho. Não se deve querer combinar o novo que Jesus trouxe com os costumes antigos. Nem se pode querer reduzir a novidade de Jesus ao tamanho do judaísmo. Ou um, ou outro! O vinho novo que Jesus trouxe faz estourar o barril velho. Tem que saber separar as coisas. Jesus não é contra o que é “velho”. O que ele quer evitar é que o velho se imponha ao novo e, assim, o impeça de manifestar-se. Seria o mesmo que reduzir a mensagem do Concílio Vaticano II ao tamanho do catecismo anterior ao Concílio, como alguns estão querendo.
 
Para um confronto pessoal
1) A partir da experiência profunda de Deus que o animava por dentro, Jesus tinha muita liberdade com relação às normas e práticas religiosas. E hoje, será que temos a mesma liberdade ou será que nos falta a liberdade dos místicos?
2) Remendo novo em roupa velha, vinho novo em barril velho. Existe isto em minha vida?

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

II Domingo do Tempo Comum

Santos Mário, Marta, Audifaz e Ábaco, mártires.
 
1ª Leitura (Is 62,1-5):
Por amor de Sião não me calarei, por amor de Jerusalém não terei repouso, enquanto a sua justiça não despontar como a aurora e a sua salvação não resplandecer como facho ardente. Os povos hão de ver a tua justiça e todos os reis a tua glória. Receberás um nome novo, que a boca do Senhor designará. Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor, diadema real nas mãos do teu Deus. Não mais te chamarão «Abandonada», nem à tua terra «Deserta», mas hão de chamar-te «Predileta» e à tua terra «Desposada», porque serás a predileta do Senhor e a tua terra terá um esposo. Tal como o jovem desposa uma virgem, o teu Construtor te desposará; e como a esposa é a alegria do marido, tu serás a alegria do teu Deus.
 
Salmo Responsorial: 95
R. Anunciai em todos os povos as maravilhas do Senhor.
 
Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, terra inteira, cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.
 
Anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas.
 
Dai ao Senhor, ó família dos povos, dai ao Senhor glória e poder, dai ao Senhor a glória do seu nome.
 
Adorai o Senhor com ornamentos sagrados, trema diante d’Ele a terra inteira; dizei entre as nações: «O Senhor é Rei», governa os povos com equidade.
 
2ª Leitura (1Cor 12,5-11): Irmãos: Há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. A um o Espírito dá a mensagem da sabedoria, a outro a mensagem da ciência, segundo o mesmo Espírito. É um só e o mesmo Espírito que dá a um o dom da fé, a outro o poder de curar; a um dá o poder de fazer milagres, a outro o de falar em nome de Deus; a um dá o discernimento dos espíritos, a outro o de falar diversas línguas, a outro o dom de as interpretar. Mas é um só e o mesmo Espírito que faz tudo isto, distribuindo os dons a cada um conforme Lhe agrada.
 
Aleluia. Deus chamou-nos, por meio do Evangelho, a tomar parte na glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aleluia.
 
Evangelho (Jo 2,1-12): No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia, e a mãe de Jesus estava lá. Também Jesus e seus discípulos foram convidados para o casamento. Faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm vinho!» Jesus lhe respondeu: «Mulher, que é isso, para mim e para ti? A minha hora ainda não chegou». Sua mãe disse aos que estavam servindo: «Fazei tudo o que ele vos disser!». Estavam ali seis talhas de pedra, de quase cem litros cada, destinadas às purificações rituais dos judeus. Jesus disse aos que estavam servindo: «Enchei as talhas de água!». E eles as encheram até à borda. Então disse: «Agora, tirai e levai ao encarregado da festa”. E eles levaram. O encarregado da festa provou da água mudada em vinho, sem saber de onde viesse, embora os serventes que tiraram a água o soubessem. Então chamou o noivo e disse-lhe: «Todo o mundo serve primeiro o vinho bom e, quando os convidados já beberam bastante, serve o menos bom. Tu guardaste o vinho bom até agora». Este início dos sinais, Jesus o realizou em Caná da Galileia. Manifestou sua glória, e os seus discípulos creram nele. Depois disso, Jesus desceu para Cafarnaum, com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos. Lá, permaneceram apenas alguns dias.
 
«A Mãe de Jesus estava lá. Também Jesus e seus discípulos foram convidados para o casamento»
 
Rev. D. Enric PRAT i Jordana (Sort, Lleida, Espanha)
 
Hoje, contemplamos os efeitos salutares da presença de Jesus e de Maria, Sua Mãe, no centro dos acontecimentos humanos, como no episódio que nos ocupa: «Naquele tempo, houve um casamento em Caná da Galileia, e a mãe de Jesus estava lá. Também Jesus e seus discípulos foram convidados para o casamento» (Jo 2,1-2).
 
Jesus e Maria, com intensidade diferente, tornam Deus presente em qualquer lugar onde estejam e, onde está Deus, aí há amor, graça e milagre. Deus é o bem, a verdade, a beleza, a abundância. Quando o sol difunde os seus raios no horizonte, a terra ilumina-se e recebe calor, e toda a vida trabalha para produzir os seus frutos. Quando deixamos que Deus se aproxime, o bem, a paz e a felicidade crescem manifestamente nos corações, até então talvez frios ou adormecidos.
 
A mediação escolhida por Deus para se fazer presente no meio dos homens e se comunicar profundamente com eles, é Jesus Cristo. A obra de Deus chega ao coração do mundo através da humanidade de Jesus e, depois, através da presença de Maria. Os noivos de Caná pouco sabiam sobre aqueles convidados para a sua boda. O convite correspondia provavelmente a alguma relação de amizade ou parentesco. Naquela altura, Jesus ainda não tinha feito nenhum milagre e desconhecia-se a sua importância.
 
Aceitou o convite porque é a favor das relações humanas importantes e sinceras e se sentiu atraído pela honestidade e boa disposição daquela família. Por isso, estava presente naquela celebração familiar. «Este início dos sinais, Jesus o realizou em Caná da Galileia» Jo 2,11) e ali o Messias «abriu o coração dos discípulos à fé graças à intervenção de Maria, a primeira crente» (João Paulo II).
 
Aproximemo-nos também da humanidade de Jesus, tratando de conhecer e amar, mais e de modo progressivo, a Sua trajetória humana, escutando a Sua palavra, crescendo em fé e confiança, até ver nele o rosto do Pai.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«O coração de Maria, que não pode menos do que sentir compaixão do infeliz (…), impeliu-a a assumir ela própria o ofício de intercessora e a pedir ao Filho o milagre. Se esta boa Senhora obrou assim sem que lhe pedissem, o que teria acontecido se lhe implorassem?» (Sto. Afonso Mª de Ligório)
 
«Maria, propriamente, não faz um pedido a Jesus; simplesmente lhe diz: ‘Eles não têm vinho’. Não lhe pede nada em particular, muito menos que Jesus use o seu poder, que faça um milagre produzindo vinho. Ela simplesmente informa a Jesus e deixa ele decidir o que convém fazer» (Bento XVI)
 
«No umbral da sua vida pública, Jesus realiza o seu primeiro sinal –a pedido da sua Mãe – por ocasião duma festa de casamento (cf. Jo 2,1-11). A Igreja atribui uma grande importância à presença de Jesus nas bodas de Caná. Ela vê nesse facto a confirmação da bondade do matrimónio e o anúncio de que, doravante, o matrimónio seria um sinal eficaz da presença de Cristo» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.613)
 
Celebrava-se uma boda em Caná da Galileia e a Mãe de Jesus estava lá.
 
Do site da Ordem do Carmo em Portugal
 
* O Evangelho deste 2º Domingo do Tempo Comum coloca à nossa consideração as bodas de Caná, acontecidas na Galileia.
Tanto naquele tempo como agora, as festas são apreciadas por todos, quer seja um casamento, um batizado, um aniversário, a festa do santo padroeiro ou da padroeira da igreja, fim de ano... festas e mais festas... Há algumas festas que ficam gravadas na nossa memória e que com o passar do tempo adquirem um significado cada vez mais profundo, assim como há outras que caem no mais profundo esquecimento porque perderam o seu significado. A festa das bodas de Caná, tal como é descrita no Evangelho de São João (Jo 2, 1-12), ficou gravada na memória do povo cristão e para alguns revela um sentido profundo.
 
* Para entender esta descoberta progressiva do significado das bodas de Caná, devemos recordar que o Evangelho de João é diferente dos outros Evangelhos. João narra os factos da vida de Jesus de tal modo que os leitores sejam conduzidos a descobrir neles uma dimensão mais profunda que somente a fé pode perceber. João faz, ao mesmo tempo, uma fotografia e um “Raio-X”. Durante a leitura, é bom prestar muita atenção aos pormenores do texto, sobretudo a duas coisas: 1) – as atitudes e comportamentos das pessoas e 2) – a falta e abundância que aparecem na festa das bodas de Caná.
 
* Quando dizemos “fotografia”, indicamos os fatos em si, tal como aparecem diante dos nossos olhos. Quando dizemos “Raio-X”, referimo-nos à dimensão mais profunda, invisível aos olhos, que se encontra nos factos que só a fé nos faz perceber e no-la revela.
 
* É no modo de descrever os factos que João faz os “Raios-X” às palavras e aos gestos de Jesus. Mediante estes pormenores e alusões, o evangelista põe em relevo a dimensão simbólica e, fazendo assim, ajuda-nos a penetrar mais profundamente no mistério da pessoa e da mensagem de Jesus. Nas bodas de Caná, na Galileia, opera-se a transformação da água das purificações dos judeus em vinho para a festa das bodas. Vejamos de perto os pormenores com que João descreve a festa de modo que possamos compreender o significado mais profundo deste belo e tão conhecido episódio.
 
* João 2, 1-2: Festa das bodas. Jesus está convidado. No Antigo Testamento a festa das bodas era símbolo do amor de Deus para com o seu povo. Era o que todos esperavam no futuro (Os 2, 21-22; Is 62, 4-5). E é precisamente numa festa de bodas, junto a uma família e a uma comunidade, que Jesus realiza o seu “primeiro sinal” (Jo 2, 11). A Mãe de Jesus encontra-se também na festa. Jesus e os seus discípulos foram convidados. Ou seja, a Mãe de Jesus fazia parte da festa. Simboliza o Antigo Testamento. Também Jesus está presente mas com veste de convidado. Ele não faz parte do Antigo Testamento. Com os seus discípulos ele é o Novo Testamento que está a chegar. A Mãe de Jesus ajudará a passar do Antigo para o Novo Testamento.
 
* João 2, 3-5: Jesus e sua Mãe perante a falta de vinho. A Mãe de Jesus reconhece os limites do Antigo Testamento e toma a iniciativa para que se manifeste o Novo Testamento. Aproxima-se de Jesus e diz-lhe: “Não têm vinho”. Aqui aparece tanto a foto como o “Raio-X”. A foto representa a Mãe de Jesus como pessoa atenta aos problemas dos outros de tal modo que se dá conta que a falta de vinho arruinaria a festa. E não só constata o problema mas toma a iniciativa para o resolver. O Raio-X revela a dimensão mais profunda da relação entre o Antigo Testamento (a Mãe de Jesus) e o Novo Testamento (Jesus). A frase “não têm vinho!”, procede do Antigo Testamento e desperta em Jesus a ação que fará nascer o Novo. Jesus diz: “Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo?”. Ou seja, qual é o nexo entre o Antigo e o Novo Testamento? “Ainda não chegou a minha hora”. Maria não entende a resposta como uma negação visto que diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Atuando deste modo, Jesus ensina como se passa do Antigo para o Novo Testamento. A hora de Jesus, em que se fará a passagem do Antigo para o Novo Testamento, é a sua paixão, morte e ressurreição. A mudança de água em vinho é a indicação antecipada do Novo, que nascerá a partir da morte e da ressurreição de Jesus.
 
* Pelos fins do século primeiro discutia-se entre os primeiros cristãos acerca da validade do Antigo Testamento. Alguns já não queriam saber nada do Antigo Testamento. Na reunião dos Apóstolos em Jerusalém, São Tiago defendeu a continuidade do uso do Antigo Testamento (At 15, 13-21). Na verdade, nos princípios do século segundo, Marcião rejeitou o Antigo Testamento e ficou somente pelos livros do Novo Testamento. Alguns sustentavam, inclusivamente, que depois da vinda do Espírito Santo não se devia recordar mais Jesus de Nazaré, mas falar unicamente de Jesus Ressuscitado. Em nome do Espírito Santo diziam: “Anátema seja Jesus” (1Cor 12, 3).
 
* João 2, 6: As vasilhas da purificação estão vazias. Trata-se de um pequeno detalhe mas muito significativo. As vasilhas costumavam estar sempre cheias, sobretudo durante uma festa. Aqui estão vazias! Por quê? A observância da lei da pureza, simbolizada pelas seis vasilhas, esgotou todas as suas possibilidades. A antiga lei conseguiu já preparar as pessoas para poder estar em união de graça e de justificação diante de Deus. As vasilhas, a antiga aliança, estão vazias. Já não podem gerar uma vida nova.
 
* João 2, 7-8: Jesus e os serventes. A recomendação da Mãe de Jesus aos serventes é a última grande ordem do Antigo Testamento: “Fazei tudo o que ele vos disser!”. O Antigo Testamento olha já para Jesus. De agora em diante as palavras e os gestos de Jesus marcarão a vida. Jesus chama os serventes e ordena-lhes que encham as seis vasilhas. No total, mais de seiscentos litros! De imediato manda levar ao chefe de mesa. Esta iniciativa de Jesus acontece sem que os donos da festa intervenham. Nem Jesus, nem a Mãe, nem os serventes eram os donos, obviamente. Nenhum deles pediu autorização aos donos. A renovação passa pelas pessoas que não pertencem ao centro do poder.
 
* João 2, 9-10: Descoberta do sinal por parte do dono da casa. O chefe de mesa prova a água transformada em vinho e diz ao esposo: “Toda a gente serve primeiro o vinho melhor e, depois de terem bebido bem, é que serve o pior. Tu, porém, guardaste o melhor vinho até agora!”. O chefe de mesa, o Antigo Testamento, reconhece publicamente que o Novo é melhor! Onde antes estava a água para os ritos de purificação dos judeus, agora há vinho em abundância para a festa. Era muito vinho! Mais de seiscentos litros, e a festa estava quase no fim. Qual é o sentido desta abundância? Que se faz com o vinho que sobra? Estamos a bebê-lo hoje!
 
* João 2,11-12: Comentário do evangelista. Este é o primeiro sinal. No quarto Evangelho, o primeiro sinal acontece para ajudar na reconstrução da família, da comunidade, para sanar as relações de base entre as pessoas. Seguir-se-ão outros sinais. João não utiliza a palavra milagre, mas a palavra sinal. A palavra sinal indica que as ações de Jesus em favor das pessoas têm um valor profundo, que só se descobre com o “Raio-X” da fé. A pequena comunidade que se formou à volta de Jesus naquela semana, vendo o sinal, estava já capacitada para perceber o significado mais profundo e “acreditou n'Ele”.
 
Bodas muito esperadas
 
* No Evangelho de João, o começo da vida pública de Jesus acontece numa festa de bodas, momento de muita alegria e de muita esperança.
Por isso mesmo, as bodas de Caná têm um significado simbólico muito forte. Na Bíblia, o matrimónio é a imagem utilizada para significar a realização da perfeita união entre Deus e o seu povo. Estas bodas entre Deus e o seu povo eram esperadas desde há muito tempo, mais de oitocentos anos!
 
* Foi o profeta Oseias (por volta do ano 750 antes de Cristo) que, pela primeira vez, representou a esperança destas bodas quando narra a parábola da infidelidade do povo perante as propostas de Yahvé. A monarquia de Israel abandonou Yahvé e a sua misericórdia, conduzindo o povo para o culto de falsos deuses. Mas o profeta, seguro do amor de Deus, diz que o povo será de novo conduzido ao deserto para escutar da parte de Deus a seguinte promessa: “Far-te-ei minha esposa para sempre, far-te-ei minha esposa na justiça e no direito, na benevolência e no amor, e desposar-te-ei na fidelidade e tu reconhecerás o Senhor” (Os 2, 21-22). Estes esponsais entre Deus e o povo indica que o ideal do êxodo será alcançado (Os 2, 4-25). Depois de quase cento e cinquenta anos, o profeta Jeremias volta a tomar as palavras de Oseias para denunciar a monarquia de Judá. E diz que Judá terá o mesmo destino de Israel por causa da sua infidelidade (Jer 2, 2-5; 3, 11-13). Mas também Jeremias olha para a esperança de uns desposórios perfeitos com a seguinte novidade: será a mulher que seduzirá o marido (Jer 31, 22). E apesar da crise geral causada pelo desterro na Babilónia, o povo não perde a esperança de que um dia este desposório realizar-se-á. Yahvé terá compaixão da sua esposa abandonada (Is 54, 1-8). Com o regresso dos desterrados, a “Abandonada” voltará a ser a esposa acolhida com muita alegria (Is 62, 4-5).
 
* Olhando para a Novidade que chega, também João Baptista olha para Jesus, o Esposo esperado (Jo 3, 29). No ensinamento e nos diálogos com as pessoas, Jesus retoma a parábola de Oseias, o sonho das bodas perfeitas. Ele apresenta-se como o Esposo esperado (Mc 2, 19). No diálogo com a samaritana, apresenta-se como o verdadeiro Esposo, o sétimo (Jo 4, 16-17). As comunidades cristãs aceitaram Jesus como o Esposo esperado (2Cor 11, 2; Ef 5, 25-31). As bodas de Caná querem demonstrar que Jesus é o verdadeiro Esposo que chega para as tão esperadas bodas, portanto, um vinho gostoso e abundante. Estas bodas definitivas estão descritas com belas imagens no livro do Apocalipse (Ap 19, 7-8; 21, 1; 22, 5).
 
A Mãe de Jesus no Evangelho de João
 
* Ainda que não seja chamada com o nome de Maria, a Mãe de Jesus aparece duas vezes no Evangelho de João: no princípio, nas bodas de Caná (Jo 2, 1-5) e, no final, aos pés da Cruz (Jo 19, 25-27).
Nos dois casos representa o Antigo Testamento que espera a chegada do Novo, e nos dois casos, contribuiu para a chegada do Novo. Maria é o laço entre o que havia antes e o que virá depois. Em Caná, a Mãe de Jesus, símbolo do Antigo Testamento, é aquela que se dá conta dos limites do Antigo Testamento e dá os passos para que possa aparecer o Novo. Aos pés da Cruz, está junto ao “discípulo amado”. O discípulo amado é a comunidade que cresce à volta de Jesus, é o filho que nasce do Antigo Testamento. À petição de Jesus, o filho, o Novo Testamento, recebe a Mãe, o Antigo Testamento, em sua casa. Os dois devem caminhar juntos. Na verdade, o Novo não se entende sem o Antigo. O Novo não terá base, fundamento. E o Antigo sem o Novo seria incompleto: uma árvore sem frutos.
 
Os sete dias da nova criação
 
* O texto começa: “Ao terceiro dia” (Jo 2, 1).
No capítulo anterior, João repetiu já por três vezes a expressão “No dia seguinte” (Jo 1, 29.35.43). Fazendo os cálculos, isto apresenta o seguinte esquema: o testemunho de João Baptista acerca de Jesus (Jo 1, 29) acontece no primeiro dia. “No dia seguinte” (Jo 1, 29), ou seja, o segundo dia, acontece o baptismo de Jesus (Jo 1, 29-34). No terceiro dia ocorre o chamamento dos discípulos e de Pedro (Jo 1, 35-42). No quarto dia, Jesus chama Filipe e Natanael (Jo 1, 43-51). Finalmente, “três dias depois”, isto é, no sétimo dia, ou seja em pleno sábado, acontece o primeiro sinal das bodas de Caná (Jo 2, 1). Ao longo do Evangelho de João Jesus realizará sete sinais.
 
* João utiliza o esquema da semana para apresentar o começo da atividade de Jesus. O Antigo Testamento serve-se do mesmo esquema para apresentar a criação. Nos primeiros seis dias Deus criou todas as coisas chamando-as pelo seu nome. No sétimo dia descansou e não trabalhou mais (Gen 1, 1-2, 4). Igualmente Jesus nos seis primeiros dias de atividade chama as pessoas e cria a comunidade, a nova humanidade. No sétimo dia, ou seja, no sábado, Jesus não repousa, mas realiza o seu primeiro sinal. Ao longo dos capítulos seguintes, de 2 a 19 inclusive, realizará seis sinais, sempre ao sábado (Jo 5, 16; 9, 14). Na manhã da ressurreição, quando Maria Madalena vai ao sepulcro, se diz: “No primeiro dia da semana” (Jo 20, 1): é o primeiro dia da nova criação, depois daquele sábado prolongado em que Jesus faz os sete sinais.
 
* Acusado de trabalhar ao sábado, Jesus responde: “Meu Pai sempre trabalha, e também eu trabalho” (Jo 5, 17). Através da atividade de Jesus entre Caná e a Cruz, o Pai completa o que falta na velha criação, de modo que possa aparecer a nova criação na ressurreição de Jesus.
 
Palavra para o caminho
1.
Jesus veio revelar-nos Deus como um Pai bondoso e terno, que fica feliz quando pode amar os seus filhos. É esse o “vinho” que Jesus veio trazer para alegrar a “aliança”: o “vinho” do amor de Deus, que produz alegria e que nos leva à festa do encontro com o Pai e com os irmãos. A nossa “religião” é isto mesmo – o encontro com o Jesus que nos dá o vinho do amor?

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Sábado da 1ª semana do Tempo Comum

Sta. Prisca, virgem e mártir, Protomártir da Igreja Romana
 
1ª Leitura (Hb 4,12-16):
Irmãos: A palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes: ela penetra até ao ponto de divisão da alma e do espírito, das articulações e medulas, e é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração. Por isso não há criatura que possa fugir à sua presença: tudo está patente e descoberto aos olhos d’Aquele a quem devemos prestar contas. Tendo nós um sumo sacerdote eminente que atravessou os Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança, ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno.
 
Salmo Responsorial: 18
R. As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida.
 
A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples.
 
Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; Os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos.
 
O temor do Senhor é puro e permanece eternamente; os juízos do Senhor são verdadeiros, todos eles são retos.
 
Aceitai as palavras da minha boca e os pensamentos do meu coração estejam na vossa presença: Vós, Senhor, sois o meu amparo e redentor.
 
Aleluia. O Senhor enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres, a proclamar aos cativos a redenção. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 2,13-17): Outra vez, Jesus saiu para a beira do mar. Toda a multidão ia até ele, e ele os ensinava. Ao passar, viu Levi, o filho de Alfeu, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: «Segue-me!» Ele se levantou e seguiu-o. Enquanto estava à mesa na casa de Levi, muitos publicanos e pecadores puseram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. Pois eram muitos os que o seguiam. Os escribas, que eram fariseus, vendo que ele comia com os pecadores e os publicanos, disseram aos discípulos de Jesus: «Por que ele come com os publicanos e os pecadores?». Tendo ouvido, Jesus respondeu-lhes: «Não são as pessoas com saúde que precisam de médico, mas as doentes. Não é a justos que vim chamar, mas a pecadores».
 
«Não é a justos que vim chamar, mas a pecadores»
 
Rev. D. Joaquim MONRÓS i Guitart (Tarragona, Espanha)
 
Hoje, na cena que nos relata São Marcos, vemos como Jesus ensinava e como todos vinham para O escutar. A fome de doutrina é patente, então e também agora, porque a ignorância é o pior inimigo. Tanto assim é, que se tornou clássica a expressão: «Deixarão de odiar, quando deixarem de ignorar».
 
Passando por ali, Jesus viu Levi, filho de Alfeu, sentado na banca de cobrança dos impostos e, ao dizer-lhe «segue-me», deixando tudo, foi com Ele. Com esta prontidão e generosidade ele fez o grande “negócio”. Não somente o “negócio do século”, mas também o da eternidade.
 
Devemos pensar há quanto tempo acabou o negócio de recolha de impostos para os romanos e, pelo contrário, Mateus — hoje mais conhecido pelo seu novo nome do que por Levi — não deixa de acumular benefícios com os seus escritos, ao ser uma das doze colunas da Igreja. É o que acontece quando se segue o Senhor com prontidão. Ele disse-lhe: «E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna» (Mt 19,29).
 
Jesus aceitou o banquete que Mateus lhe ofereceu em sua casa, junto com os outros cobradores de impostos e pecadores, e com os seus apóstolos. Os fariseus —como espectadores dos trabalhos dos outros— comentam aos discípulos que o seu Mestre come com pessoas que eles têm catalogadas como pecadores. O Senhor ouve-os e sai em defesa do seu modo habitual de agir com as almas: «Não é a justos que vim chamar, mas a pecadores» (Mc 2,17). Toda a Humanidade necessita do Médico divino. Todos somos pecadores e, como dirá S. Paulo, «todos pecaram e estão privados da glória de Deus» (Rom 3,23).
 
Respondamos com a mesma prontidão com que Maria sempre respondeu à sua vocação de corredentora.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«¡Ai de mim, Senhor! ¡Tem misericórdia de mim! Eu não te escondo as minhas chagas. Tu és médico, e eu estou doente; tu eres misericordioso, e eu sou miserável» (Santo Agostinho)
 
«Quem se encontra aparentemente mais longe da santidade, pode converter-se mesmo em um modelo de acolhida da misericórdia de Deus e deixar ver os seus maravilhosos efeitos» (Bento XVI)
 
«Cristo convidou à fé e à conversão, mas de modo nenhum constrangeu alguém (…)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 160)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* No evangelho de ontem, vimos o primeiro conflito que surgiu em torno do perdão dos pecados (Mc 2,1-12).
No evangelho de hoje meditamos sobre o segundo conflito que surgiu quando Jesus se sentou à mesa com os pecadores (Mc 2,13-17). Nos anos 70, época em que Marcos escreve, havia nas comunidades um conflito entre cristãos vindos do paganismo e os que vinham do judaísmo. Os que tinham vindo do judaísmo tinham dificuldade de entrar na casa dos pagãos convertidos e de sentar-se com eles à mesma mesa (cf. At 10,28; 11,3). Descrevendo como Jesus enfrentou este conflito, Marcos orientava as comunidades na solução do problema.
 
* Jesus ensinava, e o povo gostava de escutá-lo. Jesus torna a sair para perto do mar. O povo chega e ele começa a ensinar. Transmite a Palavra de Deus. No evangelho de Marcos, o início da atividade de Jesus é marcado por muito ensino e muita aceitação por parte do povo (Mc 1,14.21.38-39; 2,2.13), apesar dos conflitos com as autoridades religiosas. O que será que Jesus ensinava? Jesus anunciava a Boa Nova de Deus  (Mc 1,14). Falava sobre Deus, mas falava dele de um jeito novo, diferente. Falava a partir da experiência que ele mesmo tinha de Deus e da vida. Jesus vivia em Deus. Ele deve ter tocado o coração do povo que gostava de ouvi-lo (Mc 1,22.27). Deus, em vez de ser um Juiz severo que de longe ameaçava com castigo e inferno, tornava-se, de novo, uma presença amiga, uma Boa Notícia para o povo.
 
* Jesus chama um pecador para ser discípulo e o convida para comer em sua casa. Jesus chama Levi, um publicano, e este, imediatamente, larga tudo e segue Jesus. Começa a fazer parte do grupo dos discípulos. Em seguida, o texto diz literalmente: Estando à mesa na sua casa. Alguns entendem a sua casa, como sendo de Levi. Mas a tradução mais provável é que se trata da casa do próprio Jesus. É Jesus quem convidou todo mundo para comer na sua casa: pecadores e publicanos, junto com os discípulos.
 
* Jesus veio não para os justos mas para os pecadores.  Este gesto de Jesus provocou a raiva das autoridades religiosas. Era proibido sentar-se à mesa com publicanos e pecadores, pois se sentar à mesa com alguém era o mesmo que tratá-lo como irmão! Em vez de falar diretamente com Jesus, os escribas dos fariseus falam com os discípulos: O quê! Ele come com pecadores e publicanos? Jesus responde: Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes Eu não vim chamar os justos mas sim os pecadores! Como anteriormente com os discípulos (Mc 1,38), também agora é a consciência da sua missão que ajuda Jesus a encontrar a resposta e a indicar o rumo para o anúncio da Boa Nova de Deus.
 
Para um confronto pessoal
1)  Jesus chama um pecador, um publicano, pessoa odiada pelo povo, para ser seu discípulo. Que mensagem existe neste gesto de Jesus para nós da Igreja Católica?  
2)  Jesus diz que ele veio chamar os pecadores. Existem leis e costumes na nossa igreja que impedem aos pecadores o acesso a Jesus. Que podemos fazer para mudar tais leis e costumes?