segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Quarta-feira da 34ª semana do Tempo Comum

1ª Leitura (Dan 5,1-6.13-14.16-17.23-28):
Naqueles dias, o rei Baltasar ofereceu um grande banquete a um milhar dos seus dignitários, na presença dos quais bebeu vinho. Sob a ação do vinho, Baltasar mandou buscar os vasos de ouro e de prata que seu pai, Nabucodonosor, tinha tirado do templo de Jerusalém, para beberem por eles o rei, os seus dignitários, as suas mulheres e as suas concubinas. Trouxeram então os vasos de ouro que tinham sido tirados do templo de Deus, em Jerusalém, e beberam por eles o rei, os seus dignitários, as suas mulheres e as suas concubinas. Beberam vinho e entoavam louvores aos seus deuses de ouro e de prata, de bronze e de ferro, de madeira e de pedra. De repente, apareceram dedos de mão humana, que escreveram em frente do candelabro, na cal da parede do palácio real. Ao ver essa mão que escrevia, o rei mudou de cor e os seus pensamentos perturbaram-no; cederam as articulações dos seus quadris e os joelhos batiam um contra o outro. Daniel foi introduzido à presença do rei e o rei dirigiu-lhe estas palavras: «És tu Daniel, um dos exilados de Judá, que o rei meu pai trouxe de Judá para aqui? Ouvi dizer que está em ti o espírito divino e que tens uma luz, uma inteligência e uma sabedoria superiores. Ouvi dizer também que podes interpretar e decifrar os enigmas. Se conseguires ler esta escrita e dar-me a sua interpretação, vestir-te-ás de púrpura, trarás ao pescoço o colar de ouro e serás o terceiro no governo do reino». Então Daniel tomou a palavra e disse ao rei: «Podes ficar com os teus dons e dar a outros os teus presentes. Contudo, vou ler ao rei essa escrita e dar a sua interpretação. Foi contra o Senhor do Céu que te ergueste, ao mandares buscar os vasos do seu templo, pelos quais bebeste vinho, com os teus dignitários, as tuas mulheres e as tuas concubinas. E entoaste louvores aos deuses de ouro e de prata, de bronze e de ferro, de madeira e de pedra, que não ouvem, não veem nem entendem, mas não glorificaste o Deus que domina a tua respiração e dirige os teus caminhos. Por isso Ele enviou aquela mão que escreveu essas palavras. Eis a escrita que foi traçada: ‘Mené, Téquel, Parsin’: e esta é a sua interpretação: ‘Mené’, quer dizer, ‘Contado’: Deus contou o tempo do teu reinado e pôs-lhe termo; ‘Téquel’, quer dizer, ‘Pesado’: foste pesado na balança e achado sem peso; ‘Parsin’, quer dizer, ‘Dividido’: o teu reino foi dividido e dado aos medos e aos persas».
 
Salmo Responsorial:
R. Louvai o Senhor, exaltai-O para sempre.
 
Sol e lua, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Estrelas do céu, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Chuvas e orvalhos, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Todos os ventos, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Fogo e calor, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Frio e geada, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Aleluia. Sê fiel até à morte, diz o Senhor, e dar-te-ei a coroa da vida. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 21,12-19): Naquele tempo, Jesus disse aos discípulos: «Antes disso tudo, porém, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e jogados na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Será uma ocasião para dardes testemunho. Determinai não preparar vossa defesa, porque eu vos darei palavras tão acertadas que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater. Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. A alguns de vós matarão. Sereis odiados por todos, por causa de meu nome. Mas nem um só fio de cabelo cairá da vossa cabeça. É pela vossa perseverança que conseguireis salvar a vossa vida!».
 
«É pela vossa perseverança que conseguireis salvar a vossa vida!»
 
Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, prestamos atenção a esta frase breve e incisiva de Nosso Senhor, que se crava na alma e, ao feri-la, nos faz pensar: Por que é tão importante a perseverança? Por que faz Jesus depender a salvação do exercício desta virtude?
 
Por que o discípulo não é mais do que o Mestre —«sereis odiados por todos, por causa de meu nome» (Lc 21,17)— e, se o Senhor foi sinal de contradição, necessariamente o seremos nós, os seus discípulos. O Reino de Deus será arrebatado pelos que se fazem violência, pelos que lutam contra os inimigos da alma, pelos que combatem com bravura essa «belíssima guerra de paz e de amor», como gostava de dizer São Josemaria Escrivá, em que consiste a vida cristã. Não há rosas sem espinhos, e o caminho até ao Céu não é uma senda sem dificuldades. De aí que sem a virtude cardeal da fortaleza nossas boas intenções acabariam sendo estéreis. E a perseverança faz parte da fortaleza. Anima-nos, em concreto, a ter as forças suficientes para tolerar com alegria as contradições.
 
A perseverança em grau extremo dá-se na cruz. Por isso a perseverança confere liberdade ao outorgar a possessão de si mesmo mediante o amor. A promessa de Cristo é indefectível: «É pela vossa perseverança que conseguireis salvar a vossa vida» (Lc 21,19) e isto é assim porque o que nos salva é a Cruz. É a força do amor que nos dá a cada um a paciente e gozosa aceitação da Vontade de Deus, quando esta —como acontece na Cruz— contraria num primeiro momento a nossa pobre vontade humana.
 
Só num primeiro momento, porque depois se liberta a desbordante energia da perseverança que nos leva a compreender a difícil ciência da cruz. Por isso, a perseverança gera paciência, que vai muito mais além do que a simples resignação. Mas, nada tem que ver com atitudes estoicas. A paciência contribui decididamente para entender que a Cruz, muito mais do que dor, é essencialmente amor.
 
Quem entendeu melhor que ninguém esta verdade salvadora, a nossa Mãe do Céu, nos ajudará também a nós a compreendê-la.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A paciência é a raiz e a defesa de todas as virtudes: consiste em tolerar os males alheios com tranquilidade, e em não ter nenhum ressentimento para com quem os causa» (São Gregório Magno)
 
«Esta é a graça que devemos pedir: a perseverança. E que o Senhor nos salve das fantasias triunfalistas. O triunfalismo não é cristão, não é do Senhor. O caminho de todos os dias, na presença de Deus: esse é o caminho do Senhor. Vamos a isso!» (Francisco)
 
«O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé; designa um testemunho que vai até à morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.473)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
No evangelho de hoje, que é a continuação do discurso iniciado ontem, Jesus enumera mais um sinal para ajudar as comunidades a se situar dentro dos fatos e não perder a fé em Deus nem a coragem de resistir contra as investidas do império romano. Repetimos os primeiros cinco sinais do evangelho de ontem:
1º sinal: os falsos messias (Lc 21,8);
2º sinal: guerra e revoluções (Lc 21,9);
3º sinal: nação lutará contra outra nação, um reino contra outro reino (Lc 21,10);
4º sinal: terremotos em vários lugares (Lc 21,11);
5º sinal: fome, peste e sinais no céu (Lc 21,11).
Até aqui foi o evangelho de ontem. Agora, no evangelho de hoje, mais um sinal:
6º sinal: a perseguição dos cristãos (Lc 21,12-19)
 
* Lucas 21,12. O sexto sinal da perseguição.. Várias vezes, durante os poucos anos que passou entre nós, Jesus tinha avisado aos discípulos que eles iam ser perseguidos. Aqui, no último discurso, ele repete o mesmo aviso e faz saber que a perseguição deve ser levada em conta no discernimento dos sinais dos tempos: "Antes que essas coisas aconteçam, vocês serão presos e perseguidos; entregarão vocês às sinagogas, e serão lançados na prisão; serão levados diante de reis e governadores, por causa do meu nome”. E destes acontecimentos, aparentemente tão negativos, Jesus tinha dito: “Não fiquem apavorados. Primeiro essas coisas devem acontecer, mas não será logo o fim." (Lc 21,9). E o evangelho de Marcos acrescenta que todos estes sinais são "apenas o começo das dores de parto!" (Mc 13,8) Ora, dores de parto, mesmo sendo muito dolorosas para a mãe, não são sinal de morte, mas sim de vida! Não são motivo de medo, mas sim de esperança! Esta maneira de ler os fatos trazia tranquilidade para as comunidades perseguidas. Assim, lendo ou ouvindo estes sinais, profetizados por Jesus no ano 33, os leitores de Lucas dos anos oitenta podiam concluir: "Todas estas coisas já estão acontecendo conforme o plano previsto e anunciado por Jesus! Por tanto, a história não escapou da mão de Deus! Deus está conosco!"
 
* Lucas 21,13-15: A missão dos cristãos em época de perseguição. A perseguição não é uma fatalidade, nem pode ser motivo de desânimo ou de desespero, mas deve ser vista como uma oportunidade, oferecida por Deus, para as comunidades realizarem a missão de testemunhar com coragem a Boa Nova de Deus. Jesus diz: “Isso acontecerá para que vocês deem testemunho. Portanto, tirem da cabeça a ideia de que vocês devem planejar com antecedência a própria defesa; porque eu lhes darei palavras de sabedoria, de tal modo que nenhum dos inimigos poderá resistir ou rebater vocês”. Por meio desta afirmação Jesus anima os cristãos perseguidos que viviam angustiados. Ele faz saber que, mesmo perseguidos, eles tinham uma missão a cumprir, a saber: testemunhar a Boa Nova de Deus e, assim, ser um sinal do Reino (At 1,8). O testemunho corajoso levaria o povo a repetir o que diziam os magos do Egito diante dos sinais e da coragem de Moisés e Aarão: “Aqui há o dedo de Deus!” (Ex 8,15). Conclusão: se as comunidades não devem preocupar-se, se tudo está nas mãos de Deus, se tudo já era previsto por Deus, se tudo não passa de dor de parto, então não há motivo para ficarmos preocupados.
 
* Lucas 21,16-17: Perseguição até dentro da própria família. “E vocês serão entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vocês. Vocês serão odiados por todos, por causa do meu nome”. A perseguição não vinha só de fora, da parte do império, mas também de dentro, da parte da própria família. Numa mesma família, uns aceitavam a Boa Nova, outros não. O anúncio da Boa Nova provocava divisões no interior das famílias. Havia até pessoas que, baseando-se na Lei de Deus, chegavam a denunciar e matar seus próprios familiares que se declaravam seguidores de Jesus (Dt 13,7-12).
 
*  Lucas 21,18-19: A fonte da esperança e da resistência. “Mas não perderão um só fio de cabelo.  É permanecendo firmes que vocês irão ganhar a vida!"  Esta observação final de Jesus lembra a outra palavra que Jesus tinha dito: “nenhum cabelo vai cair da cabeça de vocês!” (Lc 21,18). Esta comparação era um apelo forte a não perder a fé e a continuar firme na comunidade. E confirma o que Jesus já tinha dito em outra ocasião: “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,24).
 
Para um confronto pessoal
1) Como você costuma ler as etapas da história da sua vida e do seu país?
2) Olhando a história da humanidade dos últimos 50 anos, a esperança aumentou em você, ou diminuiu?

domingo, 23 de novembro de 2025

Terça-feira da 34ª semana do Tempo Comum

Sta. Catarina de Alexandria, virgem e mártir
Bta Ana de Jesus, virgem de nossa Ordem
 
1ª Leitura (Dan 2,31-45):
Naqueles dias, Daniel disse ao rei Nabucodonosor: «Tu, ó rei, tiveste esta visão: apareceu uma grande estátua, uma estátua gigantesca e de extraordinário esplendor: erguia-se diante de ti e o seu aspecto era terrível. A cabeça da estátua era de ouro fino, o peito e os braços eram de prata, o ventre e as coxas eram de bronze, as pernas eram de ferro e os pés eram em parte de ferro e em parte de barro. Estavas a olhar para ela, quando uma pedra se deslocou sem intervenção de mão alguma e foi bater nos pés da estátua, que eram de ferro e de barro, e reduziu-os a pó. Então pulverizaram-se ao mesmo tempo o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, e ficaram como a moinha das eiras no verão: levou-os o vento e não ficou rasto deles. A pedra que tinha batido na estátua tornou-se uma grande montanha e encheu toda a terra. Foi esse o sonho; e daremos a sua interpretação diante do rei: Tu, ó rei, és o rei dos reis, a quem o Deus do Céu deu a realeza, o poder, a força e a glória. Ele entregou-te nas mãos os filhos dos homens, os animais dos campos e as aves do céu, onde quer que eles habitem, e fez-te senhor de todos eles. És tu a cabeça de ouro. Depois de ti surgirá outro reino, inferior ao teu; a seguir, um terceiro reino, um reino de bronze, que dominará toda a terra. E haverá um quarto reino, duro como o ferro. Assim como o ferro tudo esmaga e despedaça, esse reino esmagará e despedaçará todos os outros. Os pés e os dedos que viste, em parte de barro de oleiro e em parte de ferro, significam um reino dividido. Terá a solidez do ferro e por isso viste o ferro misturado com o barro mole. Mas se os dedos dos pés eram em parte de ferro e em parte de barro, é porque o reino será em parte forte e em parte frágil. Viste o ferro misturado com a argila: assim também as duas partes se hão de ligar por geração humana; mas não se hão de unir solidamente, como o ferro não pode misturar-se com o barro. No tempo desses reis, o Deus do Céu fará surgir um reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo. Esmagará e reduzirá a nada todos esses reinos, mas ele permanecerá para sempre. É o que significa a pedra que viste desprender-se da montanha sem intervenção de mão alguma e pulverizar o ferro, o bronze, o barro, a prata e o ouro. O grande Deus fez saber ao rei o que vai acontecer em seguida. O sonho é verdadeiro e fidedigna a sua explicação».
 
Salmo Responsorial: Dan 3
R. Louvai o Senhor, exaltai-O para sempre.
 
Obras do Senhor, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Céus, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Anjos do Senhor, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Águas que estais sobre os céus, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Poderes do Senhor, bendizei o Senhor, louvai-O e exaltai-O para sempre.
 
Aleluia. Sê fiel até à morte, diz o Senhor, e dar-te-ei a coroa da vida. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 21,5-11): Naquele tempo, algumas pessoas comentavam a respeito do templo, que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: «Admirais essas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído». Mas eles perguntaram: «Mestre, quando será, e qual o sinal de que isso está para acontecer?». Ele respondeu: «Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu!, e ainda: O tempo está próximo. Não andeis atrás dessa gente! Quando ouvirdes falar em guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que essas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim?. E Jesus continuou: «Há de se levantar povo contra povo e reino contra reino. Haverá grandes terremotos, fome e pestes em vários lugares; acontecerão coisas pavorosas, e haverá grandes sinais no céu».
 
«Não ficará pedra sobre pedra»
 
Rev. D. Antoni ORIOL i Tataret (Vic, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, escutamos com assombro a severa advertência do Senhor: «Admirais essas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra» (Lc 21,6). Essas palavras de Jesus situam-se nas antípodas de uma denominada “cultura do progresso indefinido da humanidade”, ou, se preferimos, de uns quantos cabecilhas técnico-científicos e político-militares da espécie humana, em evolução imparável.
 
Desde onde? Até onde? Ninguém sabe, nem pode saber, com excepção, em última análise, de uma suposta matéria eterna que nega Deus, usurpando-o dos Seus atributos. Como tentam fazer-nos comungar com rodas de moinho aqueles que recusam comungar com a finitude e precariedade próprias da condição humana!
 
Nós, os discípulos do Filho de Deus feito homem, de Jesus, escutamos as Suas palavras e, fazendo-as muito nossas, meditamos nelas. Eis que nos diz: «Cuidado para não serdes enganados» (Lc 21,8). Quem no-lo diz é Aquele que veio para dar testemunho da verdade, afirmando que aqueles que são da verdade escutam a Sua voz.
 
E também nos garante: «Não será logo o fim» (Lc 21,9). O que, por um lado, quer dizer que dispomos de um tempo de salvação e que nos convém aproveitá-lo; e, por outro lado, que, de qualquer modo, o fim virá. Sim, Jesus virá «julgar os vivos e os mortos», como professamos no Credo.
 
Leitores de Meditando o Evangelho de hoje, queridos irmãos e amigos: em uns versículos mais adiante, do fragmento que agora comento, Jesus anima-nos e consola-nos com estas palavras que, em Seu nome, vos repito: «É pela vossa perseverança que conseguireis salvar a vossa vida!» (Lc 21,19).
 
Respondendo com a energia de um hino cristão, exortamo-nos uns aos outros: «Perseveremos, pois já tocamos o Céu com a mão!»
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Para evitar qualquer pergunta de seus discípulos sobre o tempo de sua vinda, Cristo disse: “Não é para você saber os horários e datas”. Ele queria esconder isso de nós para que fiquemos acordados» (Santo Efrem)
 
«A cessação do sacrifício é a destruição do Templo devem ter sido um choque terrível. Deus, que colocou se nome neste Templo e que misteriosamente o habitou, o abandonou, já não era sua morada na terra. O Antigo Testamento deveria ser lido de um novo modo!» (Bento XVI)
 
«Jesus (...) identificou-Se com o templo, apresentando-Se como a morada definitiva de Deus entre os homens. Por isso é que a sua entrega à morte corporal prenuncia a destruição do templo, a qual vai assinalar a entrada numa nova idade da história da salvação: “Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai (Jo 4,21)» (Catecismo da Igreja Católica, n° 586)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* No evangelho de hoje começa o último discurso de Jesus, chamado Discurso Apocalíptico.
É um longo discurso, que será o assunto dos evangelhos dos próximos dias até o fim desta última semana do ano eclesiástico. Para nós do Século XXI, a linguagem apocalíptica é estranha e confusa. Mas para o povo pobre e perseguido das comunidades cristãs daquele tempo era a fala que todos entendiam e cujo objetivo principal era animar a fé e a esperança dos pobres e oprimidos. A linguagem apocalíptica é fruto da teimosia da fé destes pobres que, apesar das perseguições e contra todas as aparências em contrário, continuavam a crer que Deus estava com eles e que Ele continuava sendo o Senhor da história.
 
* Lucas 21,5-7: Introdução ao Discurso Apocalíptico. Nos dias anteriores ao Discurso Apocalíptico, Jesus tinha rompido com o Templo (Lc 19,45-48), com os sacerdotes e os anciãos (Lc 20,1-26), com os saduceus (Lc 20,27-40), com os escribas que exploravam as viúvas (Lc 20,41-47) e no fim, como vimos no evangelho de ontem, terminou elogiando a viúva que deu em esmola tudo que possuía (Lc 21,1-4). Agora, no evangelho de hoje, ouvindo como “algumas pessoas comentavam sobre o Templo, enfeitado com pedras bonitas e com coisas dadas em promessa”, Jesus responde anunciando a destruição total do Templo: "Vocês estão admirando essas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído." Ouvindo este comentário de Jesus, os discípulos perguntam: "Mestre, quando vai acontecer isso? Qual será o sinal de que essas coisas estarão para acontecer?" Eles querem mais informação. O Discurso Apocalíptico que segue é a resposta de Jesus a esta pergunta dos discípulos sobre o quando  e o como da destruição do Templo. O evangelho de Marcos informa o seguinte sobre o contexto em que Jesus pronunciou este discurso. Ele diz que Jesus tinha saído da cidade e estava sentado no Monte das Oliveiras (Mc 13,2-4). Lá do alto do Monte ele tinha uma visão majestosa sobre o Templo. Marcos informa ainda que havia só quatro discípulos para escutar o último discurso. No início da sua pregação, três anos antes, lá na Galileia, as multidões iam atrás de Jesus para escutar suas palavras. Agora, no último discurso, há apenas quatro ouvintes: Pedro, Tiago, João e André (Mc 13,3). Eficiência e bom resultado nem sempre se medem pela quantidade!
 
* Lucas 21,8: Objetivo do discurso: "Não se deixem enganar!" Os discípulos tinham perguntado: "Mestre, quando vai acontecer isso? Qual será o sinal de que essas coisas estarão para acontecer?” Jesus começa a sua resposta com uma advertência: "Cuidado para que vocês não sejam enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: 'Sou eu!' E ainda: 'O tempo já chegou'. Não sigam essa gente”. Em época de mudanças e de confusão sempre aparecem pessoas que querem tirar proveito da situação enganando os outros. Isto acontece hoje e estava acontecendo nos anos 80, época em que Lucas escreve o seu evangelho. Diante dos desastres e guerras daqueles anos, diante da destruição de Jerusalém do ano 70 e diante da perseguição dos cristãos pelo império romano, muitos pensavam que o fim dos tempos estivesse chegando. Havia até gente que dizia: “Deus já não controla mais os fatos! Estamos perdidos!” Por isso, a preocupação principal dos discursos apocalípticos é sempre a mesma: ajudar as comunidades a discernir melhor os sinais dos tempos para não serem enganadas pelas conversas do povo sobre o fim do mundo: "Cuidado para que vocês não sejam enganados!". Em seguida, vem o discurso que oferece sinais para ajudá-los no discernimento e, assim, aumentar neles a esperança.
 
3. Lucas 21,9-11: Sinais para ajudar a ler os fatos. Depois desta breve introdução, começa o discurso propriamente dito: “Quando vocês ouvirem falar de guerras e revoluções, não fiquem apavorados. Primeiro, essas coisas devem acontecer, mas não será logo o fim." E Jesus continuou: "Uma nação lutará contra outra, um reino contra outro reino. Haverá grandes terremotos, fome e pestes em vários lugares. Vão acontecer coisas pavorosas e grandes sinais vindos do céu.". Para entender bem estas palavras, é bom lembrar o seguinte. Jesus vivia e falava no ano 33. Os leitores de Lucas viviam e escutavam no ano 85. Ora, nos cinquenta anos entre o ano 33 e o ano 85, a maioria das coisas mencionadas por Jesus já tinham acontecido e eram do conhecimento de todos. Por exemplo, em várias partes do mundo havia guerras, apareciam falsos messias, surgiam doenças e pestes e, na Ásia Menor, os terremotos eram frequentes. Num estilo bem apocalíptico, o discurso enumera todos estes acontecimentos, um depois do outro, como sinais ou como etapas do projeto de Deus em andamento na história do Povo de Deus, desde a época de Jesus até o fim dos tempos:
1º sinal: os falsos messias (Lc 21,8);
2º sinal: guerra e revoluções (Lc 21,9);
3º sinal: nação lutará contra outra nação, um reino contra outro reino (Lc 21,10);
4º sinal: terremotos em vários lugares (Lc 21,11);
5º sinal: fome, peste e sinais no céu (Lc 21,11);
 
* Até aqui vai o evangelho de hoje. O evangelho de amanhã traz mais um sinal: a perseguição das comunidades cristãs (Lc 21,12). O evangelho de depois de amanhã traz mais dois sinais: a destruição de Jerusalém e o início da desintegração da criação. Assim, por meio destes sinais do Discurso Apocalíptico, as comunidades dos anos oitenta, época em que Lucas escreve o seu evangelho, podiam calcular a que altura se encontrava a execução do plano de Deus, e descobrir que a história não tinha escapado da mão de Deus. Tudo estava conforme tinha sido previsto e anunciado por Jesus no Discurso Apocalíptico.
 
Para um confronto pessoal
1. Qual o sentimento que você teve durante a leitura deste evangelho de hoje? De medo ou de paz?
2. Você acha que o fim do mundo está próximo? O que responder aos que dizem que o fim do mundo está próximo? O que, hoje, anima o povo a resistir e ter esperança?
 

sábado, 22 de novembro de 2025

Segunda-feira da 34ª semana do Tempo Comum

Stos. André Dung Lac, presbítero, e companheiros, mártires
 
1ª Leitura (Dan 1,1-6.8-20):
No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei de Babilónia, veio cercar Jerusalém. O Senhor entregou-lhe nas mãos Joaquim, rei de Judá, e uma parte dos objetos do templo de Deus. Ele levou-os para a terra de Sinear e depositou-os no tesouro do templo do seu deus. Depois o rei mandou a Aspenaz, chefe do pessoal do palácio, que trouxesse de entre os filhos de Israel alguns jovens de sangue real ou de família nobre, sem defeito, de boa presença, dotados de toda a sabedoria, instruídos, inteligentes e cheios de vigor, a fim de os colocar no palácio do rei e ensinar-lhes a literatura e a língua dos caldeus. O rei fixou-lhes uma provisão diária da sua mesa e do vinho que ele bebia, ordenando que fossem educados durante três anos e depois entrariam ao serviço do rei. Entre eles havia alguns filhos de Judá: Daniel, Ananias, Misael e Azarias. Daniel fez o propósito firme de não se contaminar com o alimento do rei e o vinho que ele bebia. Pediu ao chefe do palácio que não o obrigasse a manchar-se e Deus fez que Daniel ganhasse a simpatia do chefe do pessoal do palácio. Mas o chefe do pessoal disse a Daniel: «Tenho medo do rei, meu senhor, que vos determinou o alimento e a bebida. Se ele vir as vossas fisionomias mais abatidas que a dos jovens da vossa idade, pondes a minha cabeça em perigo diante do rei». Daniel disse ao guarda a quem o chefe do pessoal tinha confiado Daniel, Ananias, Misael e Azarias: «Peço-te que ponhas à prova os teus servos durante dez dias: dá-nos apenas legumes para comer e água para beber. Depois verás o nosso aspecto e o dos jovens que comem do alimento real e procederás com os teus servos conforme o que tiveres visto». O guarda consentiu no que eles lhe propuseram e pô-los à prova durante dez dias. E notou-se, ao fim dos dez dias, que eles tinham melhor aspecto e estavam mais nutridos do que todos os jovens sustentados pelo alimento real. Então o guarda retirou-lhes o alimento que lhes era destinado e o vinho que deviam beber e continuou a dar-lhes legumes. Deus concedeu a esses quatro jovens a ciência e o conhecimento de toda a escritura e de toda a sabedoria e a Daniel a inteligência de todas as visões e sonhos. Ao fim do tempo fixado pelo rei para que os vários jovens lhe fossem apresentados, o chefe do pessoal levou-os à presença de Nabucodonosor. O rei conversou com eles e não havia entre todos quem se comparasse a Daniel, Ananias, Misael e Azarias, que por isso ficaram ao serviço do rei. Sempre que o rei os consultava em questões de sabedoria e inteligência, verificava que eles eram dez vezes superiores aos magos e adivinhos que havia em todo o seu reino.
 
Salmo Responsorial: Dan 3
R. Digno é o Senhor de louvor e de glória para sempre.
 
Bendito sejais, Senhor, Deus dos nossos pais: digno de louvor e de glória para sempre. Bendito o vosso nome glorioso e santo: digno de louvor e de glória para sempre.
 
Bendito sejais no templo santo da vossa glória: digno de louvor e de glória para sempre. Bendito sejais no trono da vossa realeza: digno de louvor e de glória para sempre.
 
Bendito sejais, Vós que sondais os abismos e estais sentado sobre os Querubins: digno de louvor e de glória para sempre. Bendito sejais no firmamento do céu: digno de louvor e de glória para sempre.
 
Aleluia. Vigiai e estai preparados, para vos apresentardes sem temor diante do Filho do homem. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 21,1-4): Naquele tempo, ao levantar os olhos, Jesus viu pessoas ricas depositando ofertas no cofre. Viu também uma viúva necessitada que deu duas moedinhas. E ele comentou: «Em verdade, vos digo: esta viúva pobre deu mais do que todos os outros. Pois todos eles depositaram como oferta parte do que tinham de sobra, mas ela, da sua pobreza, ofereceu tudo que tinha para viver».
 
«Mas ela, da sua pobreza, ofereceu tudo que tinha para viver»
 
Rev. D. Àngel Eugeni PÉREZ i Sánchez (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, como quase sempre, as coisas pequenas passam ignoradas, pequenas esmolas, sacrifícios pequenos, pequenas orações (jaculatórias), mas o que parece pequeno e sem importância constitui muitas vezes a trama e também o remate das obras-primas: tanto das grandes obras de arte como da obra máxima da santidade pessoal.
 
Pelo fato de essas coisas pequenas passarem desconhecidas, a sua retidão de intenção está garantida: com elas não procuramos o reconhecimento dos outros, nem a glória humana. Só Deus as descobrirá no nosso coração, como só Jesus se apercebeu da generosidade da viúva. É mais do que garantido que a pobre mulher não anunciou o seu gesto com um toque de trompete e até é possível que se envergonhasse bastante e se sentisse ridícula perante o olhar dos ricos, que deitavam grandes donativos no cofre do templo e disso faziam alarde. Porém, a sua generosidade, que a levou a tirar forças da fraqueza no meio da sua indigência, mereceu o elogio do Senhor, que vê o coração das pessoas: «Em verdade, vos digo: esta viúva pobre deu mais do que todos os outros. Pois todos eles depositaram como oferta parte do que tinham de sobra, mas ela, da sua pobreza, ofereceu tudo que tinha para viver» (Lc 21,3-4).
 
A generosidade da viúva pobre é uma boa lição para nós, discípulos de Cristo. Podemos dar muitas coisas, como os ricos que «depositavam as suas ofertas no cofre» (Lc 21,1), mas nada disso terá valor se só dermos “daquilo que nos sobra”, sem amor e sem espírito de generosidade, sem nos oferecermos a nós próprios. Diz Sto. Agostinho: «Eles punham os olhos nas grandes oferendas dos ricos, louvando-os por isso. Porém, embora tivessem logo visto a viúva, quantos viram aquelas duas moedas?... Ela deu tudo o que possuía. Tinha muito, porque tinha Deus no seu coração. É muito mais ter Deus na alma do que ouro na arca». É bem certo: se somos generosos com Deus, muito mais o será Ele conosco.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Nunca conteis o dinheiro que dais, porque digo sempre: se quando dais esmola a mão esquerda não deve saber o que faz a mão direita, então direita também não o deverá saber» (São José Benedito Cottolengo)
 
«As Escrituras convidam-nos a considerar a esmola com uma visão mais profunda, que transcende a dimensão puramente material, e ensina-nos a ver que há mais felicidade em dar do que em receber» (Bento XVI)
 
«O décimo mandamento proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e seu poder» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.552)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* No Evangelho de hoje, Jesus elogia uma viúva pobre que soube partilhar mais que os ricos.
Muitos pobres de hoje fazem o mesmo. O povo diz: “Pobre não deixa pobre morrer de fome”. Mas às vezes, nem isso é possível. Dona Cícera que veio do interior da Paraíba, Brasil, para morar na periferia da cidade dizia: “No interior, a gente era pobre, mas tinha sempre uma coisinha para dividir com o pobre na porta. Agora que estou aqui na cidade, quando vejo um pobre que vem bater na porta, eu me escondo de vergonha, porque não tenho nada em casa para dividir com ele!” De um lado: gente rica que tem tudo, mas não quer partilhar. Do outro lado: gente pobre que não tem quase nada, mas quer partilhar o pouco que tem.
* No início da Igreja, as primeiras comunidades cristãs, na sua maioria, eram de gente pobre (1Cor 1,26). Aos poucos, foram entrando também pessoas mais ricas, o que trouxe consigo vários problemas. As tensões sociais, que marcavam o império romano, começaram a marcar também a vida das comunidades. Isto se manifestava, por exemplo, quando elas se reuniam para celebrar a ceia (1Cor 11,20-22), ou quando faziam reunião (Tg 2,1-4). Por isso, o ensinamento do gesto da viúva era muito atual, tanto para eles, como para nós hoje.
 
* Lucas 21,1-2:  A esmola da viúva. Jesus estava em frente ao cofre do Templo e observava como todo mundo colocava aí a sua esmola. Os pobres jogavam poucos centavos, os ricos jogavam moedas de grande valor. Os cofres do Templo recebiam muito dinheiro. Todo mundo trazia alguma coisa para a manutenção do culto, para o sustento do clero e para a conservação do prédio. Parte deste dinheiro era usada para ajudar os pobres, pois naquele tempo não havia previdência social. Os pobres viviam entregues à caridade pública. As pessoas mais necessitadas eram os órfãos e as viúvas. Elas dependiam em tudo da caridade dos outros, mas mesmo assim, faziam questão de partilhar com os outros o pouco que possuíam. Assim, uma viúva bem pobre colocou sua esmola no cofre do templo. Dois centavos, apenas!
 
* Lucas 21,3-4: O comentário de Jesus. O que vale mais: os poucos centavos da viúva ou as muitas moedas dos ricos? Para a maioria, as moedas dos ricos eram muito mais úteis para fazer caridade, do que os poucos centavos da viúva. Os discípulos, por exemplo, pensavam que o problema do povo só poderia ser resolvido com muito dinheiro. Por ocasião da multiplicação dos pães, eles tinham dado a sugestão de comprar pão para dar de comer ao povo (Lc 9,13; Mc 6,37). Filipe chegou a dizer: “Duzentos denários não bastam para dar um pouco para cada um!” (Jo 6,7). De fato, para quem pensa assim, os dois centavos da viúva não servem para nada. Mas Jesus diz: “Esta viúva depositou mais do que todos os outros”. Jesus tem critérios diferentes. Chamando a atenção dos discípulos para o gesto da viúva, ele ensina a eles e a nós onde devemos procurar a manifestação da vontade de Deus, a saber, nos pobres e na partilha. E um critério muito importante é este: “Todos os outros depositaram do que estava sobrando para eles. Mas a viúva, na sua pobreza, depositou tudo o que possuía para viver”.
 
* Esmola, partilha, riqueza. A prática de dar esmolas era muito importante para os judeus. Era considerada uma “boa obra”, pois a lei do Antigo Testamento dizia: “Nunca deixará de haver pobres na terra; por isso, eu te ordeno: abre a mão em favor do teu irmão, do teu humilde e do teu pobre em tua terra”. (Dt 15,11). As esmolas, colocadas no cofre do templo, seja para o culto, seja para os necessitados, órfãos ou viúvas, eram consideradas como uma ação agradável a Deus (Eclo 35,2; cf. Eclo 17,17; 29,12; 40,24). Dar esmola era uma maneira de reconhecer que todos os bens e dons pertencem a Deus e que nós somos apenas administradores desses dons. Mas a tendência à acumulação continua muito forte. Cada vez de novo, ela renasce no coração humano. A conversão é sempre necessária. Por isso Jesus dizia ao jovem rico: “Vai, vende tudo o que tens, dá para os pobres” (Mc 10,21). A mesma exigência é repetida nos outros evangelhos: “Vendei vossos bens e dai esmolas. Fazei bolsas que não fiquem velhas, um tesouro inesgotável nos céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói” (Lc 12,33-34; Mt 6,9-20). A prática da partilha e da solidariedade é uma das características que o Espírito de Jesus quer realizar nas comunidades. O resultado da efusão do Espírito no dia de Pentecoste era este: “Não havia entre eles necessitado algum. De fato, os que possuíam terrenos ou casas, vendendo-os, traziam o resultado da venda e o colocavam aos pés dos apóstolos” (At 4,34-35ª; 2,44-45). Estas esmolas colocadas aos pés dos apóstolos não eram acumuladas, mas “distribuía-se, então, a cada um, segundo a sua necessidade” (At 4,35b; 2,45). A entrada de ricos na comunidade cristã possibilitou, por um lado, uma expansão do cristianismo, dando melhores condições para as viagens missionárias. Mas, por outro lado, a tendência à acumulação bloqueava o movimento da solidariedade e da partilha. Tiago ajudava as pessoas a tomarem consciência do caminho equivocado: “Pois bem, agora vós, ricos, chorai por causa das desgraças que estão a sobrevir. A vossa riqueza apodreceu e as vossas vestes estão carcomidas pelas traças.” (Tg 5,1-3). Para aprender o caminho do Reino, todos precisam tornar-se alunos daquela viúva pobre, que partilhou com os outros até o necessário para viver (Lc 21,4).
 
Para um confronto pessoal
1. Quais as dificuldades e alegrias que você já encontrou em sua vida ao praticar a solidariedade e a partilha com os outros?
2. Como é que os dois centavos da viúva podem valer mais que as muitas moedas dos ricos? Qual a mensagem deste texto para nós hoje?

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo

1ª Leitura (2Sam 5,1-3):
Naqueles dias, todas as tribos de Israel foram ter com David a Hebron e disseram-lhe: «Nós somos dos teus ossos e da tua carne. Já antes, quando Saul era o nosso rei, eras tu quem dirigia as entradas e saídas de Israel. E o Senhor disse-te: ‘Tu apascentarás o meu povo de Israel, tu serás rei de Israel’». Todos os anciãos de Israel foram à presença do rei, a Hebron. O rei David concluiu com eles uma aliança diante do Senhor e eles ungiram David como rei de Israel.
 
Salmo Responsorial: 121
R. Vamos com alegria para a casa do Senhor.
 
Alegrei-me quando me disseram: «Vamos para a casa do Senhor». Detiveram-se os nossos passos às tuas portas, Jerusalém.
 
Jerusalém, cidade bem edificada, que forma tão belo conjunto! Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor.
 
Para celebrar o nome do Senhor, segundo o costume de Israel; ali estão os tribunais da justiça, os tribunais da casa de David.
 
2ª Leitura (Col 1,12-20): Irmãos: Damos graças a Deus Pai, que nos fez dignos de tomar parte na herança dos santos, na luz divina. Ele nos libertou do poder das trevas e nos transferiu para o reino do seu Filho muito amado, no qual temos a redenção, o perdão dos pecados. Cristo é a imagem de Deus invisível, o Primogénito de toda a criatura; Porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra, visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: por Ele e para Ele tudo foi criado. Ele é anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste. Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo. Ele é o Princípio, o Primogénito de entre os mortos; em tudo Ele tem o primeiro lugar. Aprouve a Deus que n’Ele residisse toda a plenitude e por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, estabelecendo a paz, pelo sangue da sua cruz, com todas as criaturas na terra e nos céus.
 
Aleluia. Bendito O que vem em nome do Senhor! Bendito o reino do nosso pai David! Aleluia.
 
Evangelho (Lc 23,35-43): Naquele tempo, o povo permanecia lá, olhando. E até os chefes zombavam, dizendo: «A outros ele salvou. Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito!» Os soldados também zombavam dele; aproximavam-se, ofereciam-lhe vinagre e diziam: «Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!». Acima dele havia um letreiro: «Este é o Rei dos Judeus». Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: «Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!». Mas o outro o repreendeu: «Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma pena? Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal». E acrescentou: «Jesus, lembra-te de mim, quando começares a reinar». Ele lhe respondeu: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso».
 
«Este é o Rei dos Judeus»
 
Rev. D. Joan GUITERAS i Vilanova (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho nos faz elevar os olhos à cruz onde Cristo agoniza no Calvário. Vemos ao Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas. «Por cima de sua cabeça pendia esta inscrição: Este é o rei dos judeus». (Lc 23,38). Este que sofre horrorosamente e que tem o rosto tão desfigurado é o Rei? É possível? O compreende perfeitamente o bom ladrão um dos justiçados de um lado e do outro Jesus, que diz com fé suplicante: «Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!» (Lc 23,42). A resposta de Jesus é consoladora e certa: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso». (Lc 23,43).
 
Sim, confessamos que Jesus é Rei. Rei, com maiúscula. Ninguém estará nunca à altura de sua realeza. O Reino de Jesus não é deste mundo. É um Reino onde se entra pela conversão cristã. Um Reino de verdade e de vida, Reino de santidade e de graça, Reino de justiça, de amor e de paz. Um Reino que sai do Sangue e a água que brotaram do costado de Jesus Cristo.
 
O Reino de Deus foi um tema primordial na predicação do Senhor. Não parava de convidar a todos a entrar nele. Um dia, no Sermão da montanha, proclamou bem-aventurado os pobres no espírito, porque eles são os que possuirão o Reino.
 
Origens, comentando a sentença de Jesus «Nem se dirá: Hei-lo aqui; ou: Hei-lo ali. Pois o Reino de Deus já está no meio de vós» (Lc 17,21), explica que quem suplica para que o Reino de Deus venha, o pede honestamente daquele Reino de Deus que tem dentro dele, para que nasça, frutifique e amadureça. Complementa que «o Reino de Deus que há dentro de nós, se avançamos continuamente, chegará a sua plenitude quando tenha sido cumprido aquilo que diz o Apóstolo: que Cristo, una vez submetidos os seus inimigos, colocará o Reino em mãos de Deus o Padre, e assim Deus será todo em todos». O escritor exorta que digamos sempre «Seja santificado teu nome venha a nós teu Reino».
 
Vivamos agora o Reino com a santidade, e demos testemunho dele com a clareza que autêntica a fé e a esperança.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Entre os homens, a confissão é seguida de castigo; perante Deus, porém, à confissão segue-se a salvação» (S. João Crisóstomo)
 
«A promessa de Jesus ao bom ladrão dá-nos uma grande esperança. O Senhor sempre nos dá mais, é tão generoso, dá sempre mais do que lhe pedimos: pedes-Lhe que se lembre de ti e leva-te para o seu Reino» (Francisco)
 
«(...) A parábola do pobre Lázaro e a palavra de Cristo crucificado ao bom ladrão (cf. Lc 23,43) (...) assim como outros textos do Novo Testamento, falam dum destino final da alma (cf. Mt 16,26), o qual pode ser diferente para umas e para outras» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.021)
 
Jesus, o Senhor e o centro de nossa vida
 
Fr. Pedro Bravo, O.Carm
 
* O texto de hoje tem por tema a realeza messiânica de Jesus (v. 2).
Estamos no Calvário (v. 33; aram. Gólgota: Mc 15,22p), diante de Jesus crucificado, na hora em que Ele está a dar a vida pela salvação dos homens.
 
* v. 35. Os chefes troçavam de Jesus, dizendo: «A outros salvou: salve-se a si mesmo, se este é o Cristo de Deus, o Eleito». (vv. 35-38: Mt 27,39-43.37; Mc 15,29-32.26). Ao invés de Mateus e de Marcos, em Lucas o povo não insulta Jesus na Sua paixão: limita-se a “contemplá-lo” (Sl 22,8), silencioso e perplexo, enquanto os seus chefes “troçam” dele (16,14; Sl 22,8), desafiando-o a “salvar-se a si mesmo” (Sl 22,9), com palavras decalcadas do Sl 22 (o principal salmo da paixão), fazendo desta forma que, sem disso se aperceberem, as Escrituras se cumpram em Jesus (cf. At 3,17-18; 13,27). Ignoravam que, para salvar a humanidade do pecado e da morte, Jesus tinha de entrar neles para, ressuscitando, os vencer e viver para sempre com Deus (cf. Rm 6,10).
 
* “Os chefes” dos judeus ridicularizam a pretensão messiânica de Jesus (22,67-71), requerendo "um sinal" da sua parte que o comprove (v. 8; 11,16.29) – neste caso, o salvar-se a si mesmo, descendo da cruz –, acabando, ironicamente, por proclamar desta forma dois títulos seus:
a) “o Cristo de Deus” (gr.), ou seja, “o Messias” (he.), o Ungido de Deus (Lc, 3x: 9,20; 2,26; só “Cristo”: Lc, 12x: 2,11; 4,41; 20,41; 22,67; 23,2; 23,35.39; 24,26.46), prometido no AT por Deus a David (2Sm 7,11-16).
b) e “o Eleito” (com artigo), título só mencionado por Lucas e por ele aplicado a Jesus nesta ocasião, em todo o NT.
 
* A designação vem do AT, onde não é, em si mesma, um título messiânico, referindo-se a diversas realidades e pessoas. No contexto onde agora é usada, ela designa Jesus, de forma especial, como:
I) o “Servo de Iavé”, “escolhido” por Deus para levar a salvação a todos os povos (Is 42,1; cf. At 3,13.26; 4,27.30, onde Lucas prefere antes o termo grego mais específico, paîs, "servo", de sabor mais vincadamente veterotestamentário, também presente em Is 42,1, para designar Jesus);
II) o justo perseguido (cf. Sb 3,9; 4,15);
III) o Messias, descendente de David (só no Sl 89,4.20 e em Tb [S] 13,13);
IV) e, com o mesmo cariz messiânico da alínea anterior, aquele que foi exaltado sobre todas as criaturas e constituído por Deus juiz universal, referido, por diversas vezes, no Livro de Henoc (1Hen 39,6; 45,3; 49,2; 51,2.4; 52,6.9; 53,6; 55,4; 61,4.5.8.10; 62,1; 91,19), um apócrifo dos sécs. IV-I a.C., bem conhecido no séc. I d.C., não só em território palestinense, mas também nos círculos helenísticos de matriz judaica, como eram muitos daqueles para os quais Lucas e os outros autores do NT que o citam escreveram as suas obras.
 
* O título "o Eleito" cobre em Lucas estas quatro acepções, evocando nesta passagem a revelação da verdadeira identidade de Jesus pelo Pai, feita na Transfiguração, onde a sua forma sinónima e mais lata (gr. eklelegménos, "escolhido") aparece ligada ao título "o Filho" (9,35), designando, por isso, aqui, inequivocamente, Jesus crucificado como Messias, sendo exatamente nesse sentido que as autoridades judaicas o usam nesta passagem, fazendo pouco d'Ele.  Entretanto, precisamente por a designação "o eleito" não ser em si mesma um título messiânico, uma vez que no AT, no plural, ela também se refere, de forma particular, aos membros do povo de Deus (Sl 105,43; 106,5; Is 65,9,22; Br 3,9; 4,15), este título, aqui usado, serve para aludir a Jesus crucificado como o Messias, ao mesmo tempo que o aponta como o protótipo dos seus discípulos, seguidores do (seu) "Caminho" (At 9,2; 19,9.23; 22,4; 24,14.22), ou seja, os cristãos (At 11,26), que, eleitos de Deus como Ele, também como Ele serão odiados, perseguidos, rejeitados e mortos pelos judeus e pelos gentios, servindo assim para os animar à perseverança e exortar à fidelidade com o exemplo do seu Mestre, de modo a, com Jesus e como Ele, poderem participar também da sua vitória (cf. v. 43).
 
* v. 36. Também os soldados escarneciam dele. Aproximando‑se, ofereciam-lhe vinagre Os soldados associam-se à paródia dos chefes judaicos e “escarnecem” de Jesus (v. 11; 18,32; 22,63; cf. 2Cr 36,16). “Oferecem-lhe vinagre” (cf. Jo 19,29) a beber, cumprindo-se assim também em Jesus a Escritura, neste caso, o Sl 69,22 (“na minha sede, deram-me vinagre a beber”: cf. Jo 19,30).
 
* v. 37. ... dizendo: «Se Tu és o Rei dos judeus, salva-te a ti mesmo». Embora Lucas não especifique, estes soldados são romanos, pois insultam Jesus evocando o motivo da sua condenação por parte das autoridades romanas, ou seja, de Pôncio Pilatos (v. 3): ser “o Rei dos judeus” (neste capítulo, 3x: vv. 3.38). Também pedem a Jesus o sinal que, a seu ver, comprovaria que eram verdadeiras as pretensões messiânicas do crucificado: salvar-se a si mesmo (cf. v. 35). O Deus vivo, porém, não é como os deuses pagãos: não precisa, como estes, de lutar contra outros deuses para vencer, de forma a se salvar a si mesmo, triunfando sobre eles, mas, pelo contrário, dá-se a Si mesmo em comunhão de amor para, precisamente através da sua morte, salvar e glorificar o homem.
 
* v. 38. E por cima dele havia um letreiro: «Este é o Rei dos judeus». Tal é, de facto, o motivo da condenação de Jesus pelo poder romano, afixado no titulum crucis: “Este é o Rei dos judeus”. Um letreiro cínico, que visava também ofender os judeus (cf. Jo 19,21s). Jesus, porém, nada tem de um rei temporal: não está sentado num trono, mas pregado numa cruz; não veste roupas sumptuosas, mas está nu; não aparece rodeado de soldados, dispostos a defendê-lo, mas foi abandonado pelos seus; não é aclamado pelo povo, mas entregue pelos seus chefes; não julga, nem mostra a sua autoridade, decidindo sobre a vida ou a morte fr milhares de homens, mas está indefeso, pregado numa cruz, condenado a uma morte infamante (cf. Dt 21,23); não jura vingança, nem inflige castigo, mas tem apenas uma súplica na boca: “Pai, perdoa-lhes. Eles não sabem o que fazem” (v. 34).
 
* v. 39. Um dos malfeitores suspensos na cruz insultava-o, dizendo: «Não és Tu o Cristo? Salva-te a Ti mesmo e a nós». O quadro é completado por uma cena exclusiva de Lucas, bem significativa para entender o sentido da realeza de Jesus. Com Jesus estão “suspensos” (Dt 21,22) – ou seja, crucificados (v. 33; At 5,30; 10,39; Gl 3,13), não com cravos, mas com cordas (cf. Jo 19,31s) –, dois “malfeitores” (vv. 32s.39; Mt 27,44; Mc 15,32b; 2Tm 2,9), no meio dos quais Ele se encontra. Cumprem-se assim o Sl 22,17 (“Cercou-me um bando de malfeitores”) e Is 53,12 (“Foi contado entre os transgressores”).
 
Um dos malfeitores insulta também Jesus (Mt 27,44; Mc 15,32), pedindo-lhe o mesmo sinal que os chefes judaicos e os soldados romanos: salvar-se a si mesmo e descer da cruz, salvando-os, neste caso, também a eles. É o terceiro insulto a Jesus na cruz por ser “o Cristo” e o terceiro pedido de um sinal da parte dele que comprove a sua identidade messiânica, tal como três foram as tentações de Jesus pelo diabo, no deserto, por ele ser Filho de Deus, após as quais o diabo, "tendo esgotado toda a espécie de tentação, se retirou de junto dele, até ao momento oportuno (gr. kairós)" (4,1-13), que agora chegou. Em cada um destes três insultos aparece o verbo “salvar” (gr. sôzô, 4x neste texto: 2x no v. 35, e 1x no v. 37 e aqui), pondo de manifesto que o que Deus está a operar através da paixão e morte de Jesus na cruz é a salvação da humanidade (cf. 1,69.77; 2,11.30; 3,6; 19,9s).
 
Este insulto a Jesus como “o Cristo”, repetido duas vezes pelos judeus (vv.35.39) e outras duas pelos romanos, mas agora sob o título de “Rei dos judeus” (vv. 37-38), compendia o falso testemunho levantado contra Jesus no início do seu processo (v. 2), que levou à sua condenação por parte também da autoridade romana. Ele põe a nu a contradição entre, por um lado, a conceção humana do poder por parte dos grandes (cf. 22,25) e do Messias por parte dos judeus, que esperavam um rei triunfalista, que faria grandes prodígios e destruiria todos os seus inimigos, sem nunca morrer; e, por outro, a visão de Deus sobre o Messias, que, como "Servo de Iavé", dá a sua vida pela redenção dos homens (Is 53,10-12).
 
Os insultos dirigidos contra Jesus acabam assim por ser, contra a vontade dos Seus opositores, uma confissão de fé, pronunciada e repetida por duas vezes – como se exigia para um testemunho ser declarado verdadeiro (cf. Dt 17,6; 19,15; Mt 18,16; Jo 8,17; 2Cor 13,1) – pela sua própria boca: ser "Cristo Rei" (v. 2), precisamente o título que damos a Jesus na solenidade que celebramos neste domingo!
 
v. 40. Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o, dizendo: «Não temes ainda a Deus, tu que sofres a mesma condenação? A visão divina de Jesus como o verdadeiro Messias é aceite, porém, pelo outro malfeitor, que repreende o seu companheiro, por ver no insulto deste a Jesus uma blasfémia.
 
v. 41. Quanto a nós fez-se justiça, pois recebemos o que as nossas ações mereciam; mas este não fez nenhum mal». Ao invés do companheiro de crucificação e dos circunstantes, ele confessa, então, publicamente a sua culpa (cf. 18,13), reconhece a justeza da sua condenação (cf. Dn 3,27-39; Js 7,19s.25s) e proclama a inocência de Jesus (cf. v. 47; 12,8; At 13,28!; 3,14; 7,52; 22,14).
 
* v. 42. E dizia: «Jesus, lembra-te de mim quando entrares no Teu reino».
A seguir dirige-se a Jesus, começando por invocar publicamente o Seu nome, “Jesus” (cf. Jl 3,5; At 2,21; Rm 10,13: "E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo"). Depois pede-lhe: “lembra-te de mim”, ou seja, usa de misericórdia para comigo, perdoa-me e salva-me (Gn 40,14; Tb 3,3; Sl 25,7; 106,4). Por último, põe em Jesus toda a sua fé e esperança, acrescentando: “quando entrares no Teu reino”. O malfeitor usa o verbo erchomai que significa “entrar/vir/aparecer”. É uma expressão que retoma as palavras de Jesus na Última Ceia, em 22,18 ("até que venha o Reino de Deus", designando a sua paixão, morte e ressurreição como a verdadeira Páscoa, a da nova e eterna Aliança, que a páscoa judaica prefigurava. Trata-se de um pedido surpreendente que um condenado, um “maldito de Deus” (cf. Dt 21,22s), dirige a outro condenado, maldito como ele (Gl 3,13), em quem, não obstante estar a morrer, reconhece a presença de Deus que vem ao encontro do último dos homens e se faz próximo do mais perdido deles, para dar ao homem, justamente condenado (cf. Rm 5,18), a única, derradeira e verdadeira esperança: a da salvação (cf. 19,10).
Na realidade, é uma verdadeira "confissão de fé" em Jesus (gr. exomológuesis: cf. 10,21; Fl 2,11; Dn 9,4-20), na qual ele confessa Jesus, não como um rei terreno (pois sabe que Ele está a morrer), mas como o Rei-Messias do mundo vindouro, prometido por Deus (cf. Is 9,6; Dn 7,14.22), reconhecido como tal, não à luz da visão terrena e humana, judaica (segundo a qual, como vimos, o Messias não poderia morrer: cf. Mc 8,32s; Mt 16,22s), mas pela primeira vez, de forma inaudita, à luz do autêntico desígnio salvífico de Deus (cf. Mc 8,29; Mt 16,16s). Confissão de fé tão importante, que ainda hoje é cantada pelo povo na liturgia grega, no momento da comunhão.
 
* v. 43. E Ele disse‑lhe: «Amém te digo: hoje estarás comigo no Paraíso». Perante tal fé, Jesus responde: “Amém te digo”. A palavra hebraica amém, já utilizada em ambiente litúrgico (cf. Dt 27,15-26; 1Cr 16,36; Rm 1,25, etc.), significa “é verdadeiro”, “é digno de fé”, “é digno de confiança”. Jesus utiliza-a para vincar a importância do que a seguir vai afirmar, indicando que o que diz é digno de fé e de confiança, podendo cada um contar sobre isso e sobre isso apoiar a sua vida, porque certamente acontecerá (cf. Ap 3,14).
 
* “Hoje” aparece aqui em Lucas como a última das onze vezes que ocorre no seu Evangelho. Não tem apenas o sentido cronológico do “dia presente” (12,28, 22,34.61), mas sobretudo o sentido teológico do “dia da salvação e da graça” (2Cor 6,2), em que, quem acredita em Jesus – como este malfeitor –, recebe a salvação (2,11; 4,21; 5,26; 13,32-33; 19,5.9).
 
* Jesus chama à vida eterna “paraíso”. “Paraíso” é uma palavra persa que significa “parque”, "pomar", "jardim" (Ne 2,8; Qo 2,5; Ct 4,13). Era o nome dado em grego ao Éden (Gn 2,8-9; Ap 2,7), “o jardim de Deus” (Is 51,3; Ez 28,13), que no meio tinha a árvore da vida, onde o homem, criado por Deus, fora colocado, gozando da comunhão com Ele, e donde foi expulso depois de ter pecado (Gn 3,23s). O paraíso era considerado pelo judaísmo palestiniano contemporâneo de Jesus a morada onde as almas dos justos repousavam até à ressurreição final (cf. 16,23s; Apoc Mos 37; 2Hen 8,1-9). No NT, “paraíso” é sinónimo de “céu”, a morada de Deus (cf. 2Cor 12,4), onde Cristo, pela sua morte e ressurreição, nos introduziu (cf. Ef 2,6-7).
 
* É em Cristo que se inaugura o “hoje”, definitivo e eterno, da salvação (cf. At 13,33), em que o homem, redimido dos seus pecados pelo Sangue de Jesus e por Ele conduzido, regressa à comunhão com Deus, tal como fora prometido (cf. Ez 37,27). Tal é o sentido da realeza de Jesus: dar a vida, para, unindo os homens a Si, os associar à Sua realeza, tornando-os participantes, com Ele e n'Ele, da sua vida divina, no Reino de Deus, no eterno "hoje" da salvação, que nunca mais terá fim.
 
MEDITAÇÃO
1. Como é que damos testemunho da realeza de Cristo: através de estruturas de poder ou num serviço de amor e proximidade às pessoas?
2. Que é mais importante para mim: o seguimento de Jesus, a atenção ao próximo ou as minhas pretensões de aplausos e reconhecimento?
3. Sou compreensivo com os outros, mesmo com os que erram? Como é que me relaciono com os que são rejeitados por parte dos outros?

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Sábado XXXIII do Tempo Comum

Santa Cecilia, virgem e mártir
 
1ª Leitura (1Mac 6,1-13):
Naqueles dias, o rei Antíoco atravessava as altas províncias do seu reino, quando ouviu falar em Elimaida, cidade da Pérsia, notável pela suas riquezas, pela sua prata e pelo seu ouro. O templo que nela havia era muito rico e lá se encontravam armaduras de ouro, couraças e armas, que Alexandre, filho de Filipe da Macedónia, o primeiro a reinar sobre os gregos, nele tinha deixado. Antíoco dirigiu-se para lá e tentou apoderar-se da cidade para a saquear. Mas não conseguiu, porque os habitantes da cidade tomaram conhecimento da notícia e opuseram-se lhe à mão armada. Obrigado a fugir, retirou-se dali com enorme desgosto e regressou a Babilónia. Estava ainda na Pérsia, quando lhe vieram anunciar que os exércitos enviados contra a terra de Judá haviam sido destroçados; que Lísias avançara com um poderoso exército, mas tinha sido posto em fuga pelos judeus, os quais se tinham fortalecido com as armas, o equipamento e os consideráveis despojos tomados aos exércitos vencidos. Além disso, tinham demolido a abominação que ele, Antíoco, mandara construir sobre o altar de Jerusalém. Tinham rodeado de muralhas o santuário, como antigamente, e ainda Betsur, uma das cidades do rei. Ao ouvir estas notícias, o rei ficou perturbado e abatido. Caiu de cama e adoeceu de tristeza, porque os projetos não lhe tinham corrido como desejava. Ficou assim muitos dias, constantemente acabrunhado por intenso desgosto, e convenceu-se de que ia morrer. Então mandou chamar todos os amigos e disse-lhes: «O sono afastou-se dos meus olhos e o meu coração está abatido pela inquietação. Disse comigo mesmo: A que estado de angústia cheguei, em que forte agitação agora me encontro, eu que era feliz e estimado quando era poderoso! Mas agora me lembro do mal que fiz a Jerusalém, quando me apoderei de todos os objetos de prata e ouro que lá se encontravam e mandei exterminar sem motivo os habitantes de Judá. Reconheço que por causa disto me aconteceram estas desgraças e vou morrer de profunda angústia em terra estrangeira».
 
Salmo Responsorial: 9
R. Exultarei, Senhor, com a vossa salvação.
 
De todo o coração, Senhor, Vos quero louvar e contar todas as vossas maravilhas. Quero alegrar-me e exultar em Vós, quero cantar o vosso nome, ó Altíssimo.
 
Quando batiam em retirada os meus inimigos, vacilavam e pereciam diante de Vós. Ameaçastes os pagãos, destruístes os ímpios, apagastes o seu nome para sempre.
 
Afundaram-se os pagãos no fosso que abriram, ficaram presos os seus pés na armadilha que prepararam. Mas o pobre jamais será esquecido, não será iludida a esperança dos humildes.
 
Aleluia. Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte e fez brilhar a vida por meio do Evangelho. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 20,27-40): Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, os quais negam a ressurreição, e lhe perguntaram: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: Se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a mulher para dar descendência ao irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. Também o segundo e o terceiro se casaram com a mulher. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de qual deles? Pois os sete a tiveram por esposa». Jesus respondeu-lhes: «Neste mundo, homens e mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos de participar do mundo futuro e da ressurreição dos mortos não se casam; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos; serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. Que os mortos ressuscitam, também foi mostrado por Moisés, na passagem da sarça ardente, quando chama o Senhor de Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó. Ele é Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele».
 
Alguns escribas responderam a Jesus: «Mestre, falaste muito bem». E não mais tinham coragem de lhe perguntar coisa alguma.
 
«Ele é Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele»
 
Rev. D. Ramon CORTS i Blay (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, a Palavra de Deus nos fala do tema capital da ressurreição dos mortos. Curiosamente, como os saduceus, também nós não nos cansamos de formular perguntas inúteis e fora do lugar. Queremos solucionar as coisas do além com os critérios daqui de baixo, quando no mundo que está por vir tudo será diferente: «mas os que serão julgados dignos do século futuro e da ressurreição dos mortos não terão mulher nem marido». (Lc 20,35). Partindo de critérios errados chegamos a conclusões errôneas.
 
Se nos amassemos mais e melhor, não estranharíamos que no céu não houvesse a exclusividade do amor que vivemos na terra, totalmente compreensível devido à nossa limitação, que nos dificulta o poder sair de nossos círculos mais próximos. Mas no céu nos amaremos todos e com um coração puro, sem invejas, nem receios e, não somente ao esposo ou à esposa, aos filhos ou aos do nosso sangue, mas sim a todo o mundo, sem exceções, nem discriminações de língua, nação, raça ou cultura, uma vez que o «amor verdadeiro alcança uma grande força» (São Paulino de Nola).
 
Faz-nos muito bem escutar essas palavras da Escritura que saem dos lábios de Jesus. Faz-nos bem, porque nos poderia suceder que, agitados por tantas coisas que não nos deixam nem tempo para pensar e influenciados por uma cultura ambiental que parece negar a vida eterna, chegássemos a estar tocados pela dúvida com respeito a ressurreição dos mortos. Sim, nos faz um grande bem que o Senhor mesmo seja quem nos diga que existe um futuro além da destruição do nosso corpo e deste mundo que passa: «Por outra parte, que os mortos hão de ressuscitar é o que Moisés revelou na passagem da sarça ardente (Ex 3,6), chamando ao Senhor: Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó» (Lc 20,37-38).
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Se eu ressuscitar num corpo aéreo, já não serei mais eu quem ressuscitará: como poderia haver uma verdadeira ressurreição, se a minha carne não fosse uma verdadeira carne?» (São Gregório Magno)
 
«Já nesta terra, na oração, nos Sacramentos, na fraternidade, encontramos Jesus e o seu amor, e assim podemos antecipar a vida ressuscitada» (Francisco)
 
«O que é ressuscitar?(…). Deus, na sua omnipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível aos nossos corpos, unindo-os às nossas almas pela virtude da ressurreição de Jesus» (Catecismo da Igreja Católica, nº 997)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje traz a discussão dos Saduceus com Jesus sobre a fé na ressurreição.
 
* Lucas 20,27: A ideologia dos Saduceus, O evangelho de hoje começa com esta afirmação: “os saduceus afirmam que não existe ressurreição”. Os saduceus eram uma elite aristocrata de latifundiários e comerciantes. Eram conservadores. Não aceitavam a fé na ressurreição. Naquele tempo, esta fé começava a ser valorizada pelos fariseus e pela piedade popular. Ela animava a resistência do povo contra a dominação tanto dos romanos como dos sacerdotes, dos anciãos e dos próprios saduceus. Para os saduceus, o reino messiânico já estava presente na situação de bem-estar que eles estavam vivendo. Eles seguiam a assim chamada “Teologia da Retribuição” que distorcia a realidade. Segundo esta teologia, Deus retribui com riqueza e bem-estar os que observam a lei de Deus, e castiga com sofrimento e pobreza os que praticam o mal. Assim, se entende por que os saduceus não queriam mudanças. Queriam que a religião permanecesse tal como era, imutável como o próprio Deus. Por isso, para criticar e ridicularizar a fé na ressurreição, contavam casos fictícios para mostrar que a fé na ressurreição levaria a pessoa ao absurdo.
 
* Lucas 20,28-33: O caso fictício da mulher que se casou sete vezes. Conforme a lei da época, se o marido morre sem filhos, o irmão dele deve casar-se com a viúva do falecido. Era para evitar que, caso alguém morresse sem descendência, a propriedade dele passasse para outra família (Dt 25,5-6). Os saduceus inventaram a história de uma mulher que enterrou sete maridos, irmãos um do outro, e ela mesma acabou morrendo sem filho. E eles perguntam a Jesus: “E agora, na ressurreição, de quem a mulher vai ser esposa? Todos os sete se casaram com ela!" Caso inventado para mostrar que a fé na ressurreição cria situações absurdas.
 
* Lucas 20,34-38: A resposta de Jesus que não deixa dúvida.  Na resposta de Jesus transparece a irritação de quem não aguenta fingimento. Jesus não aguenta a hipocrisia da elite que manipula e ridiculariza a fé em Deus para legitimar e defender seus próprios interesses. A sua resposta tem duas partes: 1) vocês não entendem nada de ressurreição: "Nesta vida, os homens e as mulheres se casam, mas os que Deus julgar dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, não se casarão mais, porque não podem mais morrer, pois serão como os anjos. E serão filhos de Deus, porque ressuscitaram” (vv. 34-36). Jesus explica que a condição das pessoas depois da morte será totalmente diferente da condição atual. Depois da morte já não haverá mais casamento, mas todas serão como os anjos no céu. Os saduceus imaginavam a vida no céu igual à vida aqui na terra. 2) vocês não entendem nada de Deus: “E que os mortos ressuscitam, já Moisés indica na passagem da sarça, quando chama o Senhor de 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó'. Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele." No fim, Jesus conclui: “Nosso Deus não é um Deus de mortos, mas sim de vivos! Vocês estão muito errados!” Os discípulos e as discípulas, que estejam de sobreaviso e aprendam! Quem estiver do lado destes saduceus estará do lado oposto de Deus!
 
* Lucas 20,39-40: A reação dos outros frente à resposta de Jesus. “Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: "Foi uma boa resposta, Mestre." E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa nenhuma a Jesus”.  Muito provavelmente, estes doutores da lei eram dos fariseus, pois os fariseus acreditavam na ressurreição (cf Atos 23,6).
 
Para um confronto pessoal
1. Como hoje os grupos de poder imitam os saduceus e armam ciladas para impedir mudanças no mundo e na igreja?
2. Você acredita na ressurreição? Dizendo que crê na ressurreição, você pensa em algo do passado, do presente ou do futuro? Já aconteceu alguma vez uma experiência de ressurreição em sua vida?

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

21 de novembro: Apresentação de Nossa Senhora


1ª Leitura (Zc 2,14-17): Rejubila, alegra-te, cidade de Sião, eis que venho para habitar no meio de ti, diz o Senhor. Muitas nações se aproximarão do Senhor, naquele dia, e serão o seu povo. Habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor dos exércitos me enviou a ti. O Senhor entrará em posse de Judá, como sua porção na terra santa, e escolherá de novo Jerusalém. Emudeça todo mortal diante do Senhor, ele acaba de levantar-se de sua santa habitação.
 
Salmo Responsorial (Lc 1,46-47. 48-49. 50-51. 52-53. 54-55)
R. O Senhor se lembrou de mostrar sua bondade.
 
- A minh’alma engrandece ao Senhor, * e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador, R.
 
- Pois, ele viu a pequenez de sua serva, *eis que agora as gerações hão de chamar-me de bendita. O Poderoso fez por mim maravilhas * e Santo é o seu nome! R.
 
- Seu amor, de geração em geração, * chega a todos que o respeitam. Demonstrou o poder de seu braço, * dispersou os orgulhosos. R
 
- Derrubou os poderosos de seus tronos * e os humildes exaltou. De bens saciou os famintos * e despediu, sem nada, os ricos. R.
 
- Acolheu Israel, seu servidor, * fiel ao seu amor, como havia prometido aos nossos pais, * em favor de Abraão e de seus filhos, para sempre. R.
 
Aleluia. Feliz quem ouve e observa a palavra de Deus! Aleluia.
 
Evangelho (Mt 12,46-50): Naquele tempo, Jesus falava ainda à multidão, quando veio sua mãe e seus irmãos e esperavam do lado de fora a ocasião de lhe falar. Disse-lhe alguém: «Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te». Jesus respondeu-lhe: «Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?» E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: «Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe».
 
«Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe»
 
Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, a Igreja recorda aquele momento em que a jovem Maria entregou totalmente o seu coração ao Altíssimo. A Virgem Santa Maria foi cheia de graça e sem mancha de pecado já desde o primeiro instante da sua concepção no seio de sua mãe, Santa Ana. Evidentemente, Ela não tinha consciência deste situação, porém era plenamente consequente com ela.
 
A tradição cristã está convencida de que Maria - sendo muito nova - decidiu dedicar-se plenamente de alma e corpo a Deus. Na realidade, este foi o motivo pelo qual num dia como hoje, mas no ano 543, em Jerusalém, foi feita a dedicação da igreja de Santa Maria a Nova.
 
O que são os caminhos de Deus! frequentemente discretos e sempre eficazes. Na antiguidade era totalmente impensável que uma rapariga não fosse dada em casamento. Uma rapariga “solteira”, estava sujeita a que dela se suspeitasse o contrário do que Maria pretendia. Porém assim, coisas do Espírito Santo!, a jovem Maria foi desposada por José. Sem dúvida, a Divina Providência tinha preparado um homem santo - também o imaginamos jovem - capaz de cuidar de Maria tal “como Deus manda”.
 
Não sabemos como, mas podemos pensar que Maria e José tinham acordado entregar-se completamente a Deus partilhando um “matrimónio virginal” (algo também impensável). Se não fosse através deste caminho peculiar, como se podia proteger a virgindade de Santa Maria? Seguramente S. José era o único rapaz judeu capaz de aceitar a missão de proteger a virgindade de Maria através de um matrimónio também virginal. Os dois, como irmãos dedicados plenamente ao querer de Deus.
 
Finalmente, aconteceu que esse matrimónio tão característico – virginal – fosse o instrumento necessário que Deus preparou para o seu Filho “entrar” na terra, «nascido de uma mulher, e submetido a uma lei» (Gal 4,4). «Maria concebeu Cristo no seu coração pela fé antes de O conceber fisicamente no seu corpo» (Santo Agostinho). Também nós, imitando a Virgem Santa Maria, podemos conceber Jesus no nosso coração através da fé e da obediência a Deus, uma vez que «Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha mãe» (Mt 12,50).
 
Reflexão
 
• A família de Jesus.
Os parentes chegam à casa onde Jesus está. Provavelmente chegavam de Nazaré. De lá para Cafarnaum são uns 40 km. Sua mãe estava com eles. Não entram, mas enviam um recado: "Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar-te”. A reação Jesus é firme: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" E, apontando com a mão para os seus discípulos, acrescentou: Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Todo aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” Para entender bem o significado desta resposta deve-se olhar para a situação da família no tempo de Jesus.
 
No antigo Israel, o clã, ou seja, a grande família (a comunidade) era a base da convivência social. Era a proteção das famílias e das pessoas, a garantia da posse da terra, o fluxo principal da tradição, a defesa da identidade. Era a maneira concreta de que as pessoas da época tinham a encarnar o amor de Deus no amor ao próximo. Defender o clã era o mesmo que defender a Aliança.
 
Na Galileia no tempo de Jesus, por causa do sistema implantado durante o longo governo de Herodes, o Grande (37 aC a 4 aC) e seu filho Herodes Antipas (4 aC a 39 dC), o clã (a comunidade) estava se enfraquecendo. Devia-se pagar impostos tanto para o governo como para o Templo, a dívida pública crescia, dominava a mentalidade individualista da ideologia helenista, havia frequentes ameaças de repressão violenta da parte dos romanos, a obrigação de acolher os soldados e dar-lhes hospitalidade, os problemas cada vez maiores da sobrevivência, tudo isto levava as famílias fecharem-se em suas próprias necessidades. Este fechamento era reforçado pela religião da época. Por exemplo, quem dava a sua herança para o Templo, eles poderiam deixar seus pais sem ajuda. Isso enfraqueceu o quarto mandamento, que era a dobradiça do clã (Mc 7,8-13). Além disso, a observância das normas de pureza era fator de marginalização de muitas pessoas: mulheres, crianças, samaritanos, estrangeiros, leprosos, endemoniados, publicanos, doentes, aleijados, paralíticos.
 
E assim, a preocupação com os problemas da própria família impedia que as pessoas se unissem em comunidade. Então, para que o Reino de Deus pudesse manifestar-se na vida comunitária do povo, as pessoas tinham de ir além dos limites estreitos da pequena família e abrir-se novamente para a grande família, para a Comunidade. Jesus nos dá o exemplo. Quando sua família tentou agarrá-lo, reagiu e alargou o sentido da família: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?" E, estendendo a mão para os seus discípulos, disse: "Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Pois quem faz a vontade de meu Pai que está nos céus é meu irmão, minha irmã e minha mãe ". Criou comunidade.
 
Jesus pedia o mesmo para todos os que queiram segui-lo. As famílias não poderiam fechar-se em si mesmas. Os excluídos e marginalizados deviam ser recebidos dentro da convivência e, assim, se sentir acolhidos por Deus (cf. Lc 14,12-14). Este era o caminho para alcançar o objetivo da Lei que dizia: "Não deve haver pobres entre vós" (Dt 15,4). Como os grandes profetas do passado, Jesus procurava fortalecer a vida comunitária nas aldeias da Galiléia. Ele retoma o sentido mais profundo do clã, família, da comunidade, como expressão da encarnação do amor de Deus no amor ao próximo.
 
Para um confronto pessoal
• Viver a fé em comunidade. Qual é o lugar e a influência das comunidades em minha maneira de viver a fé?
• Hoje, em grandes cidades, a massificação promove o individualismo que é contrário da vida em comunidade. O que estou fazendo para combater este mal?