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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

2 de fevereiro: Apresentação do Senhor

1ª Leitura (Mal 3,1-4): Assim fala o Senhor Deus: «Vou enviar o meu mensageiro, para preparar o caminho diante de Mim. Imediatamente entrará no seu templo o Senhor a quem buscais, o Anjo da Aliança por quem suspirais. Ele aí vem – diz o Senhor do Universo –. Mas quem poderá suportar o dia da sua vinda, quem resistirá quando Ele aparecer? Ele é como o fogo do fundidor e como a lixívia dos lavandeiros. Sentar-Se-á para fundir e purificar: purificará os filhos de Levi, como se purifica o ouro e a prata, e eles serão para o Senhor os que apresentam a oblação segundo a justiça. Então a oblação de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor, como nos dias antigos, como nos anos de outrora.

Salmo Responsorial: 23

R. O Senhor do Universo é o Rei da glória.

Levantai, ó portas, os vossos umbrais, alteai-vos, pórticos antigos, e entrará o Rei da glória.

Quem é esse Rei da glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso nas batalhas.

Levantai, ó portas, os vossos umbrais, alteai-vos, pórticos antigos, e entrará o Rei da glória.

Quem é esse Rei da glória? O Senhor dos Exércitos, é Ele o Rei da glória.

2ª Leitura (Heb 2,14-18): Uma vez que os filhos dos homens têm o mesmo sangue e a mesma carne, também Jesus participou igualmente da mesma natureza, para destruir, pela sua morte, aquele que tinha poder sobre a morte, isto é, o diabo, e libertar aqueles que estavam a vida inteira sujeitos à servidão, pelo temor da morte. Porque Ele não veio em auxílio dos Anjos, mas dos descendentes de Abraão. Por isso devia tornar-Se semelhante em tudo aos seus irmãos, para ser um sumo sacerdote misericordioso e fiel no serviço de Deus, e assim expiar os pecados do povo. De fato, porque Ele próprio foi provado pelo sofrimento, pode socorrer aqueles que sofrem provação.

Aleluia. Luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo. Aleluia.

Evangelho (Lc 2,22-40): E quando se completaram os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, levaram o menino a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor”. Para tanto, deviam oferecer em sacrifício um par de rolas ou dois pombinhos, como está escrito na Lei do Senhor. Ora, em Jerusalém vivia um homem piedoso e justo, chamado Simeão, que esperava a consolação de Israel. O Espírito do Senhor estava com ele. Pelo próprio Espírito Santo, ele teve uma revelação divina de que não morreria sem ver o Ungido do Senhor. Movido pelo Espírito, foi ao templo. Quando os pais levaram o menino Jesus ao templo para cumprirem as disposições da Lei, Simeão tomou-o nos braços e louvou a Deus, dizendo: «Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo». O pai e a mãe ficavam admirados com aquilo que diziam do menino. Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe: «Este menino será causa de queda e de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição — e a ti, uma espada traspassará tua alma! — e assim serão revelados os pensamentos de muitos corações». Havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Ela era de idade avançada. Quando jovem, tinha sido casada e vivera sete anos com o marido. Depois ficara viúva e agora já estava com oitenta e quatro anos. Não saía do templo; dia e noite servia a Deus com jejuns e orações. Naquela hora, Ana chegou e se pôs a louvar Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Depois de cumprirem tudo conforme a Lei do Senhor, eles voltaram para Nazaré, sua cidade, na Galileia. O menino foi crescendo, ficando forte e cheio de sabedoria. A graça de Deus estava com ele».

«Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação»

Rev. D. Lluís RAVENTÓS i Artés (Tarragona, Espanha)

Hoje, aguentando o frio do inverno, Simeão aguarda a chegada do Messias. Há quinhentos anos, quando se começava a levantar o Templo, houve uma penúria tão grande que os construtores se desanimaram. Foi então quando Ageo profetizou: «O esplendor desta casa sobrepujará o da primeira - oráculo do Senhor dos exércitos» (Ag 2,9); e completou que «sacudirei todas as nações, afluirão riquezas de todos os povos e encherei de minha glória esta casa, diz o Senhor dos exércitos» (Ag 2,7). Frase que admite diversos significados: «o mais apreciado», dirão alguns, «o desejado de todas as nações», afirmará são Jerônimo.

A Simeão «Fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que não morreria sem primeiro ver o Cristo do Senhor» (Lc 2,26), e hoje, «movido pelo Espírito», subiu ao Templo. Ele não é levita, nem escriba, nem doutor da Lei, é somente um homem «Ora, havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Este homem, justo e piedoso, esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava nele» (Lc 2,25) O vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim é também todo aquele que nasceu do Espírito”. (cf. Jo 3,8).

Agora comprova com desconcerto que não se tem feito nenhum preparativo, não se veem bandeiras, nem grinaldas, nem escudos em nenhum lugar. José e Maria cruzam a explanada levando o Menino nos braços. «Levantai, ó portas, os vossos frontões, erguei-vos, portas antigas, para que entre o rei da glória» (Sal 24,7), clama o salmista.

Simeão avança para saudar a Mãe com os braços estendidos, recebe ao Menino e abençoa a Deus, dizendo: «Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação. Que preparastes diante de todos os povos, como luz para iluminar as nações, e para a glória de vosso povo de Israel» (Lc 2,29-32).

Depois diz a Maria: «E uma espada traspassará a tua alma!» (Lc 2,35). Mãe! —digo-lhe— quando chegue o momento de ir à casa do Pai, leva-me nos braços como Jesus, que também eu sou teu filho e menino.

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«Chegou já aquela luz verdadeira que vindo para este mundo ilumina todo homem. Deixemos, irmãos, que esta luz nos penetre e nos transforme. Nenhum de nós ponha obstáculos para esta luz. Imitemos a alegria de Simeão e, como ele, cantemos um hino de ação de graças» (São Sofrônio)

«O anúncio de Simeão parece como um segundo anúncio para Maria, porque lhe indica a concreta dimensão histórica na qual o Filho vai cumprir sua missão, em outras palavras, na incompreensão e na dor» (São João Paulo II)

«Com Simeão e Ana, é toda a espera de Israel que vem ao encontro de seu Salvador. Jesus é reconhecido como o Messias tão esperado, “luz das nações” e “gloria de Israel”, mas é também “sinal de contradição”. A espada de dor predita a Maria anuncia esta outra oblação, perfeita e única, da cruz, que dará a salvação que Deus “preparou diante de todos os povos”» (Catecismo da Igreja Católica, n°529).

«Luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo.»

A Igreja celebra, 40 dias, após o Natal, a festa da Apresentação do Senhor. Trata-se do dia em que Jesus foi apresentado ao Templo, por Maria e José, como mandava a lei judaica. Só Simeão e Ana, movidos pelo Espírito Santo, reconhecem o Messias naquele Menino.

O encontro de Jesus com Simeão e Ana no templo de Jerusalém, aparece como o símbolo de uma realidade muito maior e universal: a humanidade encontra seu Deus na Igreja. Ouvimos do Profeta Malaquias (Ml 3, 1-4) que prenunciava esse encontro: "Eis que envio meu anjo, e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu Templo o Senhor que buscais, o anjo da aliança que desejais.” No Templo, Simeão reconheceu como Messias esperado a Jesus e o proclamou Salvador e luz do mundo. Compreendeu que, doravante, o destino de cada homem se decidia de acordo com a atitude assumida em relação a ele; Jesus será causa ou de ruína ou de ressurreição.

Nossa Senhora preparou o seu coração, como só Ela o podia fazer, para apresentar o seu Filho a Deus Pai e oferecer-se Ela mesma com Ele. Ao fazê-lo, renovava o seu faça-se (SIM) e punha uma vez mais a sua vida nas mãos de Deus. Jesus foi apresentado ao Pai pelas mãos de Maria. Nunca se fez nem se tornaria a fazer uma oblação semelhante naquele Templo.

A festa de hoje convida-nos a entregar ao Senhor, uma vez mais, a nossa vida, pensamentos, obras…, todo o nosso ser. E podemos fazê-lo de muitas maneiras.

A liturgia desta festa quer manifestar, com efeito, que a vida do cristão é como uma oferenda ao Senhor, traduzida na procissão dos círios acesos que se consomem pouco a pouco, enquanto iluminam. Cristo é profetizado como a Luz que tira da escuridão o mundo sumido em trevas.

Seus pais maravilharam-se do que se dizia dele. Maria, que guardava no seu coração a mensagem do Anjo e dos pastores, escuta novamente admirada a profecia de Simeão sobre a missão universal do seu Filho: a criança que sustenta nos seus braços é a Luiz enviada por Deus Pai para iluminar todas as nações: é a glória do seu povo.

É um mistério ligado à oferenda feita no Templo e que nos recorda que a nossa participação na missão de Cristo, que nos foi conferida no batismo, está estritamente ligada à nossa entrega pessoal. A festa da Apresentação do Senhor é um convite a darmo-nos sem medida, a “arder diante de Deus, como essa luz que se coloca sobre o candelabro para iluminar os homens que andam em trevas; como essas lamparinas que se queimam junto do altar, e se consomem alumiando até se gastarem”. (São Josemaria Escrivá, Forja, 44). Meu Deus, dizemos hoje ao Senhor, a minha vida é para Ti; não a quero se não for para gastá-la junto de Ti. Para que outra coisa haveria de querê-la?

São Bernardo recorda-nos que “está proibido apresentar-se ao senhor de mãos vazias.” Simeão abençoou os pais do Menino e disse a Maria, a mãe de Jesus: Este menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma” (Lc 2, 34-35).

Jesus traz a salvação a todos os homens; no entanto, para alguns será sinal de contradição, porque se obstinam em rejeitá-Lo.

O Evangelista São Lucas narra também que Simeão, depois de se referir ao Menino, se dirigiu inesperadamente a Maria, vinculando de certo modo a profecia relativa ao Filho com outra que se relacionava com a mãe: “uma espada atravessará a tua alma”. Com estas palavras do ancião, o nosso olhar desloca-se do Filho para a Mãe, de Jesus para Maria. É admirável o mistério deste vínculo pelo qual Ela se uniu a Cristo, àquele Cristo que é sinal de contradição.

Estas palavras dirigidas à Virgem anunciavam que Ela estaria intimamente unida à obra redentora do seu Filho. A espada a que Simeão se refere expressa a participação de Maria nos sofrimentos do Filho; é uma dor indescritível, que atravessa a sua alma. O Senhor sofreu na Cruz pelos nossos pecados; e esses mesmos pecados de cada um de nós forjaram a espada de dor da nossa Mãe.

Podemos servir-nos das palavras de Santo Afonso Maria de Ligório, invocando Maria como intercessora: “Minha Rainha, seguindo o vosso exemplo, também eu queria oferecer hoje a Deus o meu pobre coração…Oferecei-me como coisa vossa ao Pai Eterno, em união com Jesus, e pedi-lhe que, pelos méritos do seu Filho, e em vossa graça, me aceite e me tome por seu”.

Por meio de Maria, o Senhor acolherá uma vez mais a entrega que lhe fizermos de tudo o que somos e temos.

Para Refletir: Hoje a Igreja celebra a Festa da Apresentação do Senhor no Templo. Trata-se de uma celebração ainda ligada ao Natal – na verdade é a última das festas ligadas ao ciclo do Tempo do Natal, ainda que ocorra no início do Tempo Comum. O que celebramos, precisamente?

Primeiramente, o Encontro – Festa do Encontro, a de hoje! – do Messias Filho de Davi com a Sua Cidade Santa e o Seu Templo. Quantas vezes os profetas haviam anunciado que Jerusalém haveria de alegrar-se pela vinda do Enviado Salvador: “Dança de alegria, filha de Sião, dá vivas, filha de Jerusalém, pois agora o teu rei está chegando, justo e vitorioso” (Zc 9,9); “Grita de alegria, filha de Sião! Canta, Israel! Filha de Jerusalém fica contente, de todo o coração, dá gritos de alegria! O Senhor aboliu a sentença contra ti, afastou teus inimigos. O rei de Israel é o Senhor, que está em teu meio; não precisarás mais ter medo de alguma desgraça. Naquele dia, Deus dirá a Jerusalém: ‘Não tenhas medo, Sião! Não te acovardes!’” (Sf 3,14-16).

Pois bem, ei-lo agora, realizando a promessa do Senhor Deus e a esperança de Israel. Jesus-Messias vem à Cidade Santa e ao Templo, cumprindo quanto Israel tanto sonhou: “Assim diz o Senhor: ‘Logo chegará ao Seu templo o Dominador, que tentais encontrar, e o Anjo da Aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-Lhe frente, no dia de Sua chegada? E quem poderá resistir-Lhe, quando Ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata: assim Ele purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata, e eles poderão assim fazer oferendas justas ao Senhor. Será então aceitável ao Senhor a oblação de Judá e de Jerusalém, como nos primeiros tempos e nos anos antigos’” (Ml 3,1-4). Por isso as palavras emocionadas, exultantes, agradecidas do Velho Simeão, que representa hoje todo o Antigo Israel: “Agora, Senhor, conforme a Tua promessa, podes deixar Teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a Tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do Teu povo Israel” (Lc 2,29-32).

Um segundo sentido, nascido das próprias palavras de Simeão: esse Menino é glória para o Antigo Israel e Luz para iluminar todas as nações da terra! Ele é o Servo Sofredor, humilde e pobre, anunciado por Isaías Profeta: “Ele disse: ‘É bem pouco seres o Meu servo só para restaurar as tribos de Jacó, só para trazer de volta os israelitas que escaparam, quero fazer de Ti uma luz para as nações, para que a Minha salvação chegue até os confins do mundo’” (Is 49,6). Eis por que nós, Novo Israel, Igreja de Cristo, Jerusalém do Alto, Cidade dos cristãos, devemos fazer nossas as esperanças e as alegrias do Antigo Israel e exultar hoje com a vinda do santo Messias! Que Ele encontre sempre Sua Igreja e o coração de cada um de nós abertos para reconhecê-Lo e acolhê-Lo! Conforme as palavras de Simeão, Ele é Luz para iluminar as nações. Por isso, a Missa começa com uma procissão com velas: eis o Menino-Luz que veio iluminar o mundo inteiro!

As velas acesas que trazemos nas mãos na procissão que introduz a Missa têm ainda um ulterior significado: a Igreja, Jerusalém da Nova Aliança, recebe como Virgem fiel o seu Esposo-Luz, que é Jesus. Como as virgens prudentes da parábola, a Igreja mantém a luz da sua fé, do seu amor e da sua esperança em meio às trevas deste mundo, das tantas lutas, combates e incertezas! “Eis o Noivo que chega! Saiamos ao encontro de Cristo!” Ele vem vindo sempre e nós devemos saber reconhecê-Lo e acolhê-Lo! Para isso, é essencial vigiar nas noites da vida!

Um último mistério desta Festa: a Virgem Maria. Ela traz nos seus braços seus filho único, seu Menino que é Luz. Vem para ofertá-Lo ao Senhor. Como a pobre viúva, ela dá tudo a Deus – esse tudo, que é seu único e amado filhinho! Ela é a Virgem oferente, mais que nosso pai Abraão, que ofereceu Isaac. Por que digo isto? Porque Deus poupou sacrifício de Isaac oferecido; mas não poupou o filho de Maria. Simeão a previne: “A oferta foi aceita! Uma espada, Virgem Maria, traspassará teu coração! Chegará a hora da cruz e tu estarás lá, consumando a oferenda do teu único filho, daquele que é tudo para ti! Maria aqui, torna-se modelo de total entrega ao Senhor Deus, de total pobreza e desapego! Mais ainda: observe que Simeão anuncia sua dor como participação na obra da nossa salvação! Para que fôssemos salvos, para que o universo chegasse à plenitude, para que fôssemos salvos da morte eterna, o Filho da Virgem teve que Se tornar sinal de contradição, até à cruz. E isto envolveu uma espada duramente traspassada no coração materno da Toda Santa! O ensinamento da Escritura é claro: não se pode pensar a salvação sem contemplar o papel singularíssimo que a Virgem nela ocupa! Hoje, a piedade popular chama a Santíssima Virgem de Nossa Senhora da Apresentação, Nossa Senhora da Purificação, Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Candelária.

Vamos nós, com a lâmpada da fé, do amor e da esperança, ao encontro do Esposo que vem!

domingo, 30 de janeiro de 2022

Terça-feira da 4ª semana do Tempo Comum

 Bta Candelária de São José, Virgem de nossa Ordem

1ª Leitura (2Sam 8,9-10.14b.24-25a.30—19,3): Naqueles dias, Absalão, depois da derrota do seu exército, encontrou-se por acaso com os homens de David. Ora o macho em que ia montado meteu-se por debaixo da ramaria de um grande carvalho. A cabeleira prendeu-se nos ramos e ele ficou suspenso entre o céu e a terra, enquanto o macho que ele montava seguiu para diante. Alguém o viu e avisou Joab: «Vi agora Absalão suspenso de um carvalho». Joab tomou três dardos e cravou-os no peito de Absalão. Entretanto, David estava sentado entre as duas portas da cidade. A sentinela, que subira ao terraço da porta, sobre a muralha, ergueu os olhos e avistou um homem a correr sozinho. A sentinela gritou e avisou o rei. O rei observou: «Se vem só, traz boas notícias». Depois disse ao homem que chegara: «Retira-te para o lado e espera aí». Ele afastou-se e esperou. Entretanto chegou um mensageiro etíope, que disse: «Trago boas notícias, ó rei, meu senhor. Hoje, Deus fez-te justiça, ao livrar-te de todos os que se levantaram contra ti». O rei perguntou ao etíope: «Está bem o jovem Absalão?». O etíope respondeu: «Tenham a sorte desse jovem os inimigos do rei, meu senhor, e todos os que se levantaram contra ti para te fazerem mal». O rei ficou perturbado. Subiu ao aposento que ficava por cima da porta e começou a chorar, dizendo: «Meu filho Absalão! Meu filho! Meu filho Absalão! Quem me dera ter morrido em teu lugar! Meu filho Absalão! Meu filho!». Foram então dizer a Joab: «O rei está a chorar e a lamentar-se por causa de Absalão». Assim a vitória desse dia transformou-se em luto para todo o exército, ao saber que o rei estava consternado por causa de seu filho. Naquele dia, o exército entrou furtivamente na cidade, como fazem as tropas envergonhadas, quando fogem da batalha.

Salmo Responsorial: 85

R. Inclinai os vossos ouvidos e atendei-me, Senhor.

Inclinai, Senhor, o vosso ouvido e atendei-me, porque sou pobre e desvalido. Defendei a minha vida, pois Vos sou fiel, salvai o vosso servo que em Vós confia, meu Deus.

Tende piedade de mim, Senhor, que a Vós clamo todo o dia. Alegrai a alma do vosso servo, porque a Vós, Senhor, elevo a minha alma.

Vós, Senhor, sois bom e indulgente, cheio de misericórdia para com todos os que Vos invocam. Ouvi, Senhor, a minha oração, atendei a voz da minha súplica.

Aleluia. Cristo suportou as nossas enfermidades e tomou sobre Si as nossas dores. Aleluia.

Evangelho (Mc 5,21-43): Jesus passou novamente para a outra margem, e uma grande multidão se ajuntou ao seu redor. Ele estava à beira-mar. Veio então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Vendo Jesus, caiu-lhe aos pés e suplicava-lhe insistentemente: «Minha filhinha está nas últimas. Vem, impõe as mãos sobre ela para que fique curada e viva!». Jesus foi com ele. Uma grande multidão o acompanhava e o apertava de todos os lados. Estava aí uma mulher que havia doze anos sofria de hemorragias e tinha padecido muito nas mãos de muitos médicos; tinha gastado tudo o que possuía e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. Tendo ouvido falar de Jesus, aproximou-se, na multidão, por detrás e tocou-lhe no manto. Ela dizia: «Se eu conseguir tocar na roupa dele ficarei curada». Imediatamente a hemorragia estancou, e a mulher sentiu dentro de si que estava curada da doença. Jesus logo percebeu que uma força tinha saído dele e, voltando-se para a multidão, perguntou: «Quem tocou na minha roupa»? Os discípulos disseram: «Tu vês a multidão que te aperta, e ainda perguntas: ‘Quem me tocou? ’». Ele olhava ao redor para ver quem o havia tocado. A mulher, tremendo de medo ao saber o que lhe havia acontecido, veio, caiu-lhe aos pés e contou toda a verdade. Jesus então disse à mulher: «Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença». Enquanto ainda estava falando, chegaram alguns da casa do chefe da sinagoga dizendo: «Tua filha morreu. Por que ainda incomodas o mestre?». Jesus ouviu a notícia e disse ao chefe da sinagoga: «Não tenhas medo, somente crê». Ele não permitiu que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e seu irmão João. Quando chegaram à casa do chefe da sinagoga, Jesus viu a agitação, pois choravam e lamuriavam muito. Entrando na casa, ele perguntou: «Por que essa agitação, por que chorais? A menina não morreu, ela dorme». E começaram a zombar dele. Afastando a multidão, levou consigo o pai e a mãe da menina e os discípulos que o acompanhavam. Entrou no lugar onde estava a menina. Pegou a menina pela mão e disse-lhe: «Talitá cum! (que quer dizer: «Menina, eu te digo, levanta-te»). A menina logo se levantou e começou a andar — já tinha doze anos de idade. Ficaram extasiados de tanta admiração. Jesus recomendou com insistência que ninguém soubesse do caso e falou para que dessem de comer à menina.

«Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença»

Rev. D. Francesc PERARNAU i Cañellas (Girona, Espanha)

Hoje o Evangelho apresenta-nos dois milagres de Jesus que nos falam da fé de duas pessoas bem diferentes. Tanto Jairo —um dos chefes da sinagoga— quanto aquela mulher doente mostram uma grande fé: Jairo tem a certeza de que Jesus pode curar a sua filha, enquanto aquela boa mulher confia em que um mínimo de contato com a roupa de Jesus será suficiente para ficar liberada de uma doença grave. E Jesus, porque são pessoas de fé, concede-lhes o favor que buscavam.

A primeira foi a mulher, aquela que pensava não era digna de que Jesus lhe dedicara tempo, aquela que não se atrevia a incomodar o Mestre nem a aqueles judeus tão influentes. Sem fazer barulho, aproxima-se e, tocando a borla do manto de Jesus, "arranca" sua cura e ela em seguida o nota em seu corpo. Mas Jesus, que sabe o que aconteceu, quer lhe dizer umas palavras: «Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e fica livre da tua doença» (Mc 5,34).

A Jairo, Jesus pede-lhe uma fé ainda maior. Como já Deus tinha feito com Abraham no Antigo Testamento, pedirá uma fé contra toda esperança, a fé das coisas impossíveis. Comunicaram-lhe a Jairo a terrível notícia que sua filha acabara de morrer. Podemo-nos imaginar a grande dor que sentia nesse momento, e talvez a tentação da desesperação. E Jesus, que o ouviu, lhe diz: «Não tenhas medo, somente crê» (Mc 5,36). E como aqueles patriarcas antigos, crendo contra toda esperança, viu como Jesus devolvia-lhe a vida a sua amada filha.

Duas grandes lições de fé para nós. Desde as páginas do Evangelho, Jairo e a mulher que sofria hemorragias, juntamente com tantos outros, falam-nos da necessidade de ter uma fé imóvel. Podemos fazer nossa aquela bonita exclamação evangélica: «Eu creio, Senhor, ajuda-me na minha falta de fé» (Mc 9,24).

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«A leitura de hoje é um compendio de esperança e é a exclusão de qualquer motivo de desespero» (São Pedro Crisólogo)

«A Deus, pedimos muitas resoluções de problemas, de necessidades concretas e podemos fazê-lo, mas o que devemos pedir com insistência, é uma fé cada vez mais solida, para que o Senhor renove a nossa vida» (Benedito XVI)

«Jesus atende a oração da fé expressa em palavras (do leproso, de Jairo, da cananeia, do bom ladrão ou feita em silêncio (dos que trouxeram o paralítico, da hemorroíssa que Lhe tocou na veste, as lágrimas e o perfume da pecadora. (...) Seja a cura das doenças ou o perdão dos pecados, Jesus responde sempre à oração de quem Lhe implora com fé (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.616).

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* No evangelho de hoje, vamos meditar sobre dois milagres de Jesus em favor de duas mulheres. O primeiro, em favor de uma senhora, considerada impura por causa de uma hemorragia que já durava doze anos. O outro, em favor de uma menina de doze anos, que acabava de falecer. Conforme a mentalidade da época, qualquer pessoa que tocasse em sangue ou em cadáver era considerada impura. Sangue e morte eram fatores de exclusão! Por isso, aquelas duas mulheres eram pessoas marginalizadas, excluídas da participação na comunidade.

* O ponto de partida. Jesus chega de barco. O povo se junta. Jairo, o chefe da sinagoga, pede pela filha que está morrendo. Jesus vai com ele e o povo todo o acompanha, apertando-o de todos os lados. Este é o ponto de partida para as duas curas, que seguem: a cura da mulher e a ressurreição da menina de doze anos.

* A situação da mulher. Doze anos de hemorragia! Por isso, ela vivia excluída, pois, naquele tempo, o sangue tornava a pessoa impura, e quem tocasse nela também ficava impura. Marcos informa que a mulher tinha gastado toda a sua economia com os médicos. Em vez de ficar melhor, ficou pior. Situação sem solução!

* A atitude da mulher. Ela ouviu falar de Jesus. Nasceu uma nova esperança. Ela disse consigo: “Se ao menos tocar na roupa dele, eu ficarei curada”. O catecismo da época mandava dizer: “Se eu tocar na roupa dele, ele ficará impuro”. A mulher pensa exatamente o contrário! Sinal de que as mulheres não concordavam com tudo o que as autoridades religiosas ensinavam. A mulher meteu-se no meio da multidão e, de maneira desapercebida, tocou em Jesus, pois todo mundo o apertava e tocava nele. No mesmo instante ela sentiu no corpo que estava curada.

* A reação de Jesus e dos discípulos. Jesus também sentiu que uma força tinha saído dele e perguntou: “Quem foi que me tocou?” Os discípulos reagem: “O senhor está vendo essa multidão que o aperta de todos os lados e ainda pergunta ‘Quem foi que me tocou?’” Aqui aparece o desencontro entre Jesus e os discípulos. Jesus tinha uma sensibilidade que não era percebida pelos discípulos. Estes reagiram como todo mundo e não entenderam a reação diferente de Jesus. Mas Jesus nem liga, e continua indagando.

* A cura pela fé. A mulher percebeu que tinha sido descoberta. Foi um momento difícil e perigoso. Pois, conforme a crença da época, uma pessoa impura que, como aquela senhora, se metia no meio de uma multidão, contaminava todo mundo através do toque. Fazia todos ficar impuro diante de Deus (Lv 15,19-30). Por isso, como castigo, ela poderia ser apedrejada. Mas a mulher teve a coragem de assumir o que fez. “Cheia de medo e tremendo” caiu aos pés de Jesus e contou toda a verdade. Jesus dá a palavra final: “Minha filha, sua fé curou você. Vai em paz e fique curada dessa doença!” (1) “Minha filha”, isto é, Jesus acolhe a mulher na nova família, na comunidade, que se formava ao seu redor. (2) Aquilo que ela acreditava aconteceu de fato. (3) Jesus reconhece que sem a fé daquela mulher ele não poderia ter feito o milagre.

* A notícia da morte da menina. Neste momento o pessoal da casa de Jairo informa que a filha tinha morrido. Já não adiantava molestar Jesus. Para eles, a morte era a grande barreira. Jesus não conseguiria ir além da morte! Jesus escuta, olha para Jairo e aplica o que acabava de presenciar, a saber, que a fé é capaz de realizar o que a pessoa acredita. E ele diz: “Não tenha medo! Crê somente!”

* Na casa de Jairo. Jesus só permite três discípulos com ele. Vendo o alvoroço dos que fazem luto pela morte da menina, ele diz: “A criança não morreu. Está dormindo!”. O pessoal deu risada. O povo sabe distinguir quando uma pessoa está dormindo ou quando está morta. É a risada de Abraão e de Sara, isto é, dos que não conseguem crer que para Deus nada é impossível (Gn 17,17; 18,12-14; Lc 1,37). Também para eles, a morte era uma barreira que ninguém poderia ultrapassar! As palavras de Jesus têm ainda um significado mais profundo. A situação das comunidades perseguidas do tempo de Marcos parecia uma situação de morte. Elas tinham que ouvir: “Não é morte! Vocês é que estão dormindo! Acordem!” Jesus não dá importância à risada e entra no quarto onde está a menina, só ele, os três discípulos e os pais da menina.

* A ressurreição da menina. Jesus toma a criança pela mão e diz: “Talita kúmi!” Ela levantou-se. Grande alvoroço! Jesus conserva a calma e pede que lhe deem de comer. Duas mulheres são curadas! Uma tem doze anos de vida, a outra tem doze anos de hemorragia, doze anos de exclusão! Aos doze anos começa a exclusão da menina, pois começa a menstruação, começa a morrer! Jesus tem poder maior e ressuscita: “Levante-se!”

Para um confronto pessoal

1) Qual o ponto deste texto de que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por que?

2) Uma mulher foi curada e reintegrada na convivência da comunidade. Uma menina foi levantada do seu leito de morte. O que esta ação de Jesus nos ensina para nossa vida em família e na comunidade, hoje?

1º de fevereiro

 Beata Candelária de São José
Virgem de nossa Ordem

Candelária de São José (Susana Paz Castillo Ramírez), nasceu em Altagracia de Orituco, Venezuela, em 11 de agosto de 1863. Distinguiu-se por seu amor aos enfermos e aos pobres. Junto com outras jovens de sua cidade e com o apoio de um grupo de médicos e do padre Sixto Sosa, pároco de Altagracia de Orituco, fundou um hospital para atender a todos os necessitados, começando com isto a fundação da Congregação das Irmãzinhas dos Pobres de Altagracia, atualmente denominada Irmãs Terceiras Carmelitas Regulares também conhecidas como Carmelitas da Madre Candelária ou Venezuelanas.  Morreu em 31 de janeiro de 1940. Foi beatificada em 27 de abril de 2008 em Caracas (Venezuela).

Salmodia, leitura, responsório breve e preces do dia corrente.

Oração
Ó Deus que vos alegrais em habitar nos corações puros, concedei-nos, por intercessão da beata Candelária de São José, viver, por vossa graça, de tal maneira que mereçamos ter-vos sempre conosco.  Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
 

sábado, 29 de janeiro de 2022

Segunda-feira da 4ª semana do Tempo Comum

 São João Bosco, Presbítero

1ª Leitura (2Sam 15,13-14.30; 16,5-13a): Naqueles dias, alguém foi informar David: «O coração dos homens de Israel está com teu filho Absalão». Então David ordenou a todos os seus servos que estavam com ele em Jerusalém: «Erguei-vos e fujamos, porque de outro modo não poderemos livrar-nos de Absalão. Parti sem demora, para que ele não nos apanhe desprevenidos, cause a nossa ruína e passe a cidade ao fio da espada». Depois David subiu, chorando, o Monte das Oliveiras, com a cabeça coberta e os pés descalços. E todo o povo que ia com ele levava a cabeça coberta e subia chorando. Quando David chegou a Baurim, apareceu um homem pertencente à família de Saul, chamado Semei, filho de Gera, que avançou a dizer maldições. Atirava pedras contra David e contra os seus servos, enquanto todo o povo e todos os valentes guerreiros caminhavam à direita e à esquerda do rei. Semei amaldiçoava David, dizendo: «Sai daqui, sai daqui, homem iníquo e sanguinário. O Senhor fez cair sobre ti todo o sangue da família de Saul, cujo trono usurpaste, e fez passar a realeza para as mãos do teu filho Absalão. Tiveste o castigo que merecias, porque és um homem sanguinário». Abisaí, filho de Sarvia, disse ao rei: «Porque há de este cão morto amaldiçoar o rei, meu senhor? Deixa-me ir cortar-lhe a cabeça». O rei, porém, respondeu: «Que vos importa isso, filho de Sarvia? Se o Senhor lhe ordenou que amaldiçoasse David, quem O pode censurar?». Depois David disse a Abisaí e a todos os seus servos: «Se um filho meu, nascido do meu próprio sangue, procura tirar-me a vida, quanto mais um homem de Benjamim! Deixai-o amaldiçoar, se foi o Senhor quem lho ordenou. Talvez o Senhor olhe para a minha aflição e transforme em bênçãos as maldições deste dia». David e os seus homens continuaram o seu caminho.

Salmo Responsorial: 3

R. Erguei-Vos, Senhor, e salvai-me.

Senhor, são tantos os meus inimigos, tão numerosos os que se levantam contra mim! Muitos são os que dizem a meu respeito: «Deus não o vai salvar».

Vós, porém, Senhor, sois o meu protetor, a minha glória e Aquele que me sustenta. Em altos brados clamei ao Senhor, Ele respondeu-me da sua montanha sagrada.

Deito-me e adormeço, e me levanto: sempre o Senhor me ampara. Não temo a multidão, que de todos os lados me cerca.

Aleluia. Apareceu no meio de nós um grande profeta: Deus visitou o seu povo. Aleluia.

Evangelho (Mc 5,1-20): Jesus e os discípulos chegaram à outra margem do mar, na região dos gerasenos. Logo que Jesus desceu do barco, um homem que tinha um espírito impuro saiu do meio dos túmulos e foi a seu encontro. Ele morava nos túmulos, e ninguém conseguia amarrá-lo, nem mesmo com correntes. Muitas vezes tinha sido preso com grilhões e com correntes, mas ele arrebentava as correntes e quebrava os grilhões, e ninguém conseguia dominá-lo. Dia e noite andava entre os túmulos e pelos morros, gritando e ferindo-se com pedras. Ao ver Jesus, de longe, o homem correu, caiu de joelhos diante dele e gritou bem alto: «Que queres de mim, Jesus, Filho de Deus Altíssimo? Por Deus, não me atormentes!». Jesus, porém, disse-lhe: «Espírito impuro, sai deste homem!»- E perguntou-lhe: «Qual é o teu nome?» Ele respondeu: «Legião é meu nome, pois somos muitos». E suplicava-lhe para que não o expulsasse daquela região Entretanto estava pastando, no morro, uma grande manada de porcos. Os espíritos impuros suplicaram então: “Manda-nos entrar nos porcos». Jesus permitiu. Eles saíram do homem e entraram nos porcos. E os porcos, uns dois mil, se precipitaram pelo despenhadeiro no mar e foram se afogando. Os que cuidavam deles fugiram e espalharam a notícia na cidade e no campo. As pessoas saíram para ver o que tinha acontecido. Chegaram onde estava Jesus e viram o possesso sentado, vestido e no seu perfeito juízo — aquele que tivera o Legião. E ficaram com medo. Os que tinham presenciado o fato explicavam-lhes o que havia acontecido com o possesso e com os porcos. Então, suplicaram Jesus para que fosse embora do território deles. Enquanto Jesus entrava no barco, o homem que tinha sido possesso pediu para que o deixasse ir com ele. Jesus, porém, não permitiu, mas disse-lhe: «Vai para casa, para junto dos teus, e anuncia-lhes tudo o que o Senhor, em sua misericórdia, fez por ti». O homem foi embora e começou a anunciar, na Decápole, tudo quanto Jesus tinha feito por ele. E todos ficavam admirados.

«Espírito impuro, sai deste homem!»

Rev. D. Ramon Octavi SÁNCHEZ i Valero (Viladecans, Barcelona, Espanha)

Hoje encontramos um fragmento do Evangelho que pode provocar o sorriso a mais de um. Imaginar-se uns dos mil porcos precipitando-se pelo monte abaixo, não deixa de ser uma imagem um pouco cômica. Mas a verdade é que a eles não lhes fez nenhuma graça, se enfadaram muito e lhe pediram a Jesus que se fora de seu território.

A atitude deles, mesmo que humanamente poderia parecer lógica, não deixa de ser francamente recriminável: prefeririam ter salvado seus porcos antes que a cura do endemoninhado. Isto é, antes os bens materiais, que nos proporcionam dinheiro e bem estar, que a vida em dignidade de um homem que não é dos “nossos”. Porque o que estava possuído por um espírito maligno só era uma pessoa que «Sempre, dia e noite, andava pelos sepulcros e nos montes, gritando e ferindo-se com pedras» (Mc 5,5).

Nós temos muitas vezes este perigo de apegar-nos ao que é nosso, e desesperar-nos quando perdemos aquilo que só é material. Assim, por exemplo, o camponês se desespera quando perde uma colheita mesmo tendo-a assegurada, ou o jogador de bolsa faz o mesmo quando suas ações perdem parte de seu valor. Em compensação, muitos poucos se desesperam vendo a fome ou a precariedade de tantos seres humanos, alguns dos quais vivem ao nosso lado.

Jesus sempre pôs em primeiro lugar as pessoas, mesmo antes que as leis e os poderosos de seu tempo. Mas nós, muitas vezes, pensamos só em nós mesmos e naquilo que acreditamos que nos traz felicidade, mesmo o egoísmo nunca traz felicidade. Como diria o bispo brasileiro Helder Câmara: «O egoísmo é a fonte mais infalível de infelicidade para si mesmo e para os que o rodeiam».

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«É como se Jesus dissesse: Sai da minha casa, o que fazes na minha casa? Eu desejo entrar: Sai deste homem, desta morada preparada para mim» (São Clemente de Roma)

«O cristão é alguém que carrega consigo um desejo profundo: o de encontrar o seu Senhor com os seus irmãos ... É isso que nos faz felizes!» (Francisco)

«O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital que é a caridade, torna necessária uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração que normalmente se realiza no quadro do sacramento da Reconciliação» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1856).

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* No Evangelho de hoje, vamos meditar um longo texto sobre a expulsão de um demônio que se chamava Legião e que oprimia e maltratava uma pessoa. Hoje há muita gente que usa os textos do evangelho sobre a expulsão dos demônios para meter medo nos outros. É pena! Marcos faz o contrário. Como veremos, ele associa a ação do poder do mal com quatro coisas: 1) Com o cemitério, o lugar dos mortos. A morte que mata a vida! 2) Com o porco, que era considerado um animal impuro. A impureza que separa de Deus! 3) Com o mar, que era visto como símbolo do caos de antes da criação. O caos que destrói a natureza. 4) Com a palavra Legião, nome dos exércitos do império romano. O império que oprime e explora os povos. Ora, Jesus vence o poder do mal nestes quatro pontos. A vitória de Jesus tinha um alcance enorme para as comunidades dos anos setenta, época em que Marcos escreve o seu evangelho. Elas viviam perseguidas pelas legiões romanas, cuja ideologia manipulava as crenças populares nos demônios para meter medo no povo e conseguir submissão!

* O poder do mal oprime, maltrata e aliena as pessoas. Os versículos iniciais descrevem a situação do povo antes da chegada de Jesus. Na maneira de descrever o comportamento do endemoninhado, Marcos associa o poder do mal com cemitério e morte. É um poder sem rumo, ameaçador, descontrolado e destruidor, que mete medo em todos. Priva a pessoa da consciência, do autocontrole e da autonomia.

* Diante da simples presença de Jesus o poder do mal desmorona e desintegra. Na maneira de descrever o primeiro contato entre Jesus e o homem possesso, Marcos acentua a desproporção total! O poder, que antes parecia tão forte, se derrete e se desmancha diante de Jesus. O homem cai de joelhos, pede para não ser expulso da região e entrega até o seu nome Legião. Através deste nome, Marcos associa o poder do mal com o poder político e militar do império romano que dominava o mundo através das suas Legiões.

* O poder do mal é impuro e não tem autonomia nem consistência. O demônio não tem poder sobre os seus próprios movimentos. Só consegue ir para dentro dos porcos com a permissão de Jesus! Uma vez dentro dos porcos, estes se precipitam no mar. Eram 2000 porcos! Na opinião do povo, o porco era símbolo da impureza que impedia o ser humano de relacionar-se com Deus e sentir-se acolhido por Ele. O mar era símbolo do caos que existia antes da criação e que, conforme a crença da época, ameaçava a vida. Este episódio dos porcos que se precipitam no mar é estranho e difícil de ser entendido. Mas a mensagem é muito clara: diante de Jesus, o poder do mal não tem autonomia nem consistência. Quem crê em Jesus já venceu o poder do mal e já não precisa ter medo!

* A reação do povo do lugar. Alertado pelos empregados que tomavam conta dos porcos, o povo do lugar veio e viu o homem liberto do poder do mal “em perfeito juízo”. Mas eles ficaram sem os porcos! Por isso, pedem a Jesus para ir embora. Para eles, os porcos eram mais importantes que o ser humano que acabava de ser devolvido a si mesmo. Assim é hoje: o sistema neoliberal pouco se importa com as pessoas. O que importa é o lucro!

* Anunciar a Boa Nova é anunciar “o que o Senhor fez por você!” O homem liberto quer “seguir Jesus”, mas Jesus diz: “Vá para casa, para junto dos seus, e anuncia a eles o que o Senhor fez por você!”. Esta frase de Jesus, Marcos a dirige às comunidades e a todos nós. Para a maioria de nós “seguir Jesus” significa: “Vá para sua casa e anuncia aos seus o que o Senhor te fez!”

Para um confronto pessoal

1) Qual o ponto deste texto de que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por que?

2) O homem curado quer seguir Jesus. Mas ele deve ficar em casa e contar a todo mundo o que Jesus fez por ele. O que Jesus fez por você que pode ser contado para os outros?

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Domingo IV do Tempo Comum

1ª Leitura (Jer 1,4-5.17-19): No tempo de Josias, rei de Judá, a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos: «Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei e te constituí profeta entre as nações. Cinge os teus rins e levanta-te, para ires dizer tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles, senão serei Eu que te farei temer a sua presença. Hoje mesmo faço de ti uma cidade fortificada, uma coluna de ferro e uma muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e dos seus chefes, diante dos sacerdotes e do povo da terra. Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo para te salvar».

Salmo Responsorial: 70

R. A minha boca proclamará a vossa salvação.

Em Vós, Senhor, me refugio, jamais serei confundido. Pela vossa justiça, defendei-me e salvai-me, prestai ouvidos e libertai-me.

Sede para mim um refúgio seguro, a fortaleza da minha salvação. Vós sois a minha defesa e o meu refúgio: meu Deus, salvai-me do pecador.

Sois Vós, Senhor, a minha esperança, a minha confiança desde a juventude. Desde o nascimento Vós me sustentais, desde o seio materno sois o meu protetor.

A minha boca proclamará a vossa justiça, dia após dia a vossa infinita salvação. Desde a juventude Vós me ensinais e até hoje anunciei sempre os vossos prodígios.

2ª Leitura (1Cor 12,31—13,13): Irmãos: Aspirai com ardor aos dons espirituais mais elevados. Vou mostrar-vos um caminho de perfeição que ultrapassa tudo: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como bronze que ressoa ou como címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu possua a plenitude da fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. Ainda que distribua todos os meus bens aos famintos e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita. A caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse; não se irrita, não guarda ressentimento; não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O dom da profecia acabará, o dom das línguas há de cessar, a ciência desaparecerá; mas a caridade não acaba nunca. De maneira imperfeita conhecemos, de maneira imperfeita profetizamos. Mas quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil. Agora vemos como num espelho e de maneira confusa, depois, veremos face a face. Agora, conheço de maneira imperfeita, depois, conhecerei como sou conhecido. Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade.

Aleluia. O Senhor enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres, a proclamar aos cativos a redenção. Aleluia.

Evangelho (Lc 4,21-30): Então, começou a dizer-lhes: «Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir.” Todos testemunhavam a favor dele, maravilhados com as palavras cheias de graça que saíam de sua boca. E perguntavam: «Não é este o filho de José?» Ele, porém, dizia: «Sem dúvida, me citareis o provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, faze também aqui, na tua terra!» E acrescentou: «Em verdade, vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra. Ora, a verdade é esta que vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três anos e seis meses e uma grande fome atingiu toda a região, havia muitas viúvas em Israel. No entanto, a nenhuma delas foi enviado o profeta Elias, senão a uma viúva em Sarepta, na Sidônia. E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos leprosos em Israel, mas nenhum deles foi curado, senão Naamã, o sírio”. Ao ouvirem estas palavras, na sinagoga, todos ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no para o alto do morro sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de empurrá-lo para o precipício. Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho.

«Nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra»

+ P. Pere SUÑER i Puig SJ (Barcelona, Espanha)

Hoje, neste quarto domingo do Tempo Comum, a liturgia continua a apresentar-nos Jesus a falar na sinagoga de Nazaré. Prossegue na continuação do Evangelho do passado Domingo, no qual Jesus lia na sinagoga a profecia de Isaías: «O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos (...)» (Lc 4,18-19). Jesus, ao acabar a leitura, afirma sem rodeios que esta profecia se cumpre n’Ele.

O Evangelho comenta que os de Nazaré estranhavam que dos seus lábios saíssem aquelas palavras de graça. O facto de que Jesus fosse bem conhecido dos nazarenos, já que tinha sido seu vizinho durante a infância e juventude, não facilitava a sua predisposição para aceitarem que era um profeta. Lembremos a frase de Natanael: «De Nazaré pode sair algo de bom?» (Jo 1,46). Jesus censura a sua incredulidade, lembrando que: «Em verdade, vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra» (Lc 4,24). E cita-lhes o exemplo de Elias e de Eliseu, que fizeram milagres para os forasteiros, mas não para os seus concidadãos.

Mas a reação dos nazarenos foi violenta. Queriam atirá-lo para um precipício. Quantas vezes pensamos que Deus tem que realizar as suas ações salvadoras adaptando-se aos nossos grandiloquentes critérios! Ofende-nos que se sirva do que nós consideramos pouca coisa. Gostaríamos de ter um Deus espetacular. Mas isso é próprio do tentador, no pináculo: «Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo» (Lc 4,9). Jesus Cristo revelou-se como um Deus humilde: o Filho do homem «não veio para ser servido, mas para servir» (Mc 10,45). Imitemo-Lo. Para salvar as almas, não é necessário ser grande como São Xavier. A humilde Teresa do Menino Jesus é sua companheira, como padroeira das missões.

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«Assim, toda alma, privada da virtude e do conhecimento de Deus, ao receber a palavra divina, aprende a alimentar a palavra com o pão das virtudes e a regar a ciência da virtude com a fonte da vida» (S. Basílio Magno)

«Coragem, Deus está sempre a te abençoar, pois caminha contigo. Precisamente pelo dom do Espírito, Jesus fará com que os fiéis participem da sua comunhão filial e da sua intimidade com o Pai» (São João Paulo II)

«No Antigo Testamento, os profetas anunciaram que o Espírito do Senhor repousaria sobre o Messias esperado (cf. Is 11,2), em vista da sua missão salvífica. A descida do Espírito Santo sobre Jesus, aquando do seu baptismo (…) foi o sinal de que era Ele o que havia de vir, de que era o Messias, o Filho de Deus» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.286).

Cristo e os seus seguidores seremos sinal de contradição.

Pe. Antonio Rivero, L.C.

Hoje é a continuação do Evangelho da semana passada. Um autêntico cristão- chame-se Papa, bispo, sacerdote, religiosa, leigo- sempre será sinal de contradição, a exemplo de Cristo, que não foi compreendido, que jogou na cara dos seus compatriotas a falta de fé, e por isso quiseram jogá-lo do barranco para baixo (Evangelho). Diante disto devemos reagir com a caridade de Cristo (2ª leitura), sem medo e com a confiança em Deus, quem nos consagrou desde o batismo para ser profetas para as nações e está do nosso lado para nos salvar (1ª leitura).

Em primeiro lugar, Cristo foi desde que nasceu sinal de contradição; assim disse Simeão a Maria e a José quando estes o apresentaram no templo (cf. Lc 2, 21-40). Jesus foi falar três vezes na sua cidade, Nazaré. Na primeira o aplaudiram até o ponto de sair fumaça das palmas da mão, porque falava “como os anjos”, era o seu paisano e não tinha mais do que falar. Na segunda o vaiaram porque emendou a página ao profeta Isaias, o filho do carpinteiro ao profeta, até ai podemos chegar, dizendo que o Messias não é o Deus das vinganças, mas o Deus das bondades e do perdão. Na terceira vez, foi a vencida: porque igualou diante de Deus os estrangeiros, judeus e pagãos, empurram-no pelas ruas até os arredores da cidade, ao precipício, e uma investida do povo e… como pode passar pela cabeça de alguém colocar no mesmo nível dos pagãos, estrangeiros e judeus, estes últimos que eram raça eleita por Deus? Definitivamente esse Jesus de Nazaré pirou de vez. Sinal de contradição! Porque prega outra Notícia diferente- as bem-aventuranças-, mais interior e não tanto exterior e escrava de preceitos, e que não fazia ressoar o eco do Antigo Testamento… está desfigurando a religião de Israel! Porque ia aos banquetes, comia e bebia com pecadores. Porque permitia ser tocado pelos pecadores, era considerado um proscrito e que cheirava mal. Porque deixava que o acompanhassem mulheres que o serviam nas suas necessidades, e não cumpria a lei de Moisés. Porque ensinava nas ruas e nas estradas sem ter o seu título e sem ser escriba sabichão e sem levar um livro debaixo do braço, era criticado. Porque deixava que as crianças se aproximassem Dele, e as acariciava e abençoava, estava debaixo da lupa dos fariseus e dos doutores da lei. Porque era um peregrino itinerante que não tinha onde reclinar a cabeça, era considerado esquisito e fora do comum. Sinal de contradição! “Veio aos seus e os seus não o receberam” (Jo 1,11). Para quem Jesus é sinal de contradição e pedra de escândalo? Para os soberbos, para os que se resistem a crer, converte-se em “rocha de escândalo” (cf. 1 Pe 2,8). E é o mesmo Senhor quem adverte: “Bem- aventurado o que não se escandalize de mim” (Mt 11,6).

Em segundo lugar, a Igreja também foi, é e será sinal de contradição. A pregação da Igreja, a sua mesma presença no meio do mundo, resulta incômoda quando, fazendo-se eco do ensinamento de Cristo, pronuncia o que não deseja ser ouvido; quando recorda que o homem não é Deus, que a lei ditada pelos homens nem sempre coincide com a lei de Deus; quando desafia os convencionalismos pacificamente aceitados pelo nosso egoísmo, pela nossa comodidade e pela nossa soberba; quando proclama a verdade do matrimônio uno, indissolúvel, fecundo, até a morte. A Igreja é sinal de contradição quando não comunga com as ideologias de moda. Como Jeremias (1ª leitura) e como Cristo, a Igreja não deve se amedrontar. É Deus quem faz para o profeta praça forte, coluna de ferro e muralha de bronze. A força da Igreja não provém do poder das armas, o do dinheiro, o do prestigio mundano. A força da Igreja provém da sua fidelidade ao Senhor. A resistência da Igreja radica na força paradoxal do amor; um amor que “desculpa sem limites, crê sem limites, espera sem limites, aguenta sem limites” (1Cor 13,7). A autêntica prioridade para a Igreja, escreveu o Papa Bento XVI, é “o compromisso laborioso pela fé, pela esperança e pelo amor no mundo”. Com essa prioridade devemos trabalhar todos, aceitando o desafio da rejeição, e dando, incansavelmente, testemunho do amor de Deus.

Finalmente, os autênticos seguidores de Cristo, os profetas de Deus experimentarão também este sinal de contradição. Esta é uma constante que acompanha os autênticos profetas, desde o Antigo Testamento até os tempos presentes. Os falsos profetas, os que dizem o que as pessoas querem escutar e, sobretudo, o que compraz os ouvidos dos poderosos, prosperam. Mas os profetas verdadeiros resultam incômodos e provocam uma reação em contra quando na sua pregação tocam temas candentes, colocando o dedo na ferida de alguma injustiça ou situação de infidelidade. Se não, perguntemos a São João Batista ao denunciar o adultério do rei Herodes. Ou ao beato Oscar Romero, que ganhou o apelido de “a voz dos sem voz”. A sua defesa dos mais desfavorecidos de El Salvador fez que o Parlamento britânico o propusesse como candidato para o Premio Nobel da Paz em 1979. Desgraçadamente, os seus contínuos chamamentos ao diálogo, para que os ricos não se aferrassem ao poder, e os oprimidos não optassem pelas armas, não surtiram efeito, apesar da popularidade que alcançaram as suas homilias dominicais. Obstinados em reprimir toda oposição, agentes do Estado terminaram por assassinar monsenhor Romero, no dia 23 de marco de 1980, e continuaram violando os direitos humanos, provocando uma guerra civil em El Salvador que duraria onze anos e causaria 70.000 mortos.

Para refletir: reflitamos nestas palavras do Papa Francisco: “Mantemos o olhar fixo em Jesus, porque a fé, que é o nosso “sim” à relação filial com Deus, vem dele, vem de Jesus. É Ele o único mediador desta relação entre nós e o nosso Pai que está no céu. Jesus é o Filho, e nós somos filhos Nele. […] Por isto Jesus diz: veio trazer divisão; não é que Jesus queira dividir os homens entre si, ao contrário: Jesus é a nossa paz, a nossa reconciliação. Mas esta paz não é a paz dos sepulcros, não é neutralidade, Jesus não traz neutralidade, esta paz não é uma fábula a qualquer preço. Seguir Jesus comporta renunciar o mal, o egoísmo e eleger o bem, a verdade, a justiça, inclusive quando isto requer sacrifício e renúncia aos próprios interesses. E isto sim, divide; sabemos disto, divide inclusive as relações mais próximas. Porém, atenção: não é Jesus quem divide. Ele põe o critério: viver para si mesmos, ou viver para Deus e para os demais; fazer-se servir, ou servir; obedecer ao próprio eu, ou obedecer a Deus. Eis aqui em que sentido Jesus é “sinal de contradição” (Homilia de S.S. Francisco, 18 de agosto de 2013).

Para rezar: Senhor, dai-me coragem para poder ser sinal de contradição sem medo, seguindo vosso exemplo e de tantos irmãos e irmãs cristãos, que inclusive deram a vida por Vós e pelo Evangelho

Qualquer sugestão ou dúvida podem se comunicar com o padre Antonio neste e-mail: arivero@legionaries.org

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Sábado da 3ª semana do Tempo Comum

S. Pedro Nolasco, Presbítero
Bta Arcângela Girlani, Virgem de nossa Ordem.

1ª Leitura (2Sam 12,1-7a.10-17): Naqueles dias, o Senhor enviou a David o profeta Natã. O profeta foi ter com ele e disse-lhe: «Em certa cidade havia dois homens, um era rico e o outro era pobre. O rico tinha grande quantidade de ovelhas e bois. O pobre possuía apenas uma ovelhinha que tinha comprado. Foi-a criando e ela cresceu junto dele com os seus filhos. Comia do seu pão, bebia do seu copo, dormia ao seu colo: era como se fosse filha. Chegou então um hóspede à casa do rico, mas este não quis tirar uma das suas ovelhas ou dos seus bois, para dar de comer ao hóspede que chegara. Tomou a ovelha do pobre e mandou-a preparar para o seu hóspede». David inflamou-se de cólera contra aquele homem e disse a Natã: «Tão certo como o Senhor estar vivo, aquele que assim procedeu é digno de morte. Pagará quatro vezes a ovelha, por ter feito semelhante coisa e não ter tido coração». Então Natã disse a David: «Esse homem és tu. Assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘Agora a espada nunca se afastará da tua casa, porque Me desprezaste e tomaste a esposa de Urias, o hitita, para fazeres dela tua mulher’. Assim fala o Senhor: ‘Na tua própria casa farei vir a desgraça sobre ti. Tomarei as tuas mulheres diante dos teus olhos e dá-las-ei a outro que se deitará com elas à luz do sol. Tu procedeste às ocultas, mas Eu farei tudo isto na presença de todo o Israel e à luz do dia’». Então David disse a Natã: «Pequei contra o Senhor». Natã respondeu-lhe: «O Senhor perdoa o teu pecado: não morrerás. Mas porque tanto ofendeste o Senhor com esta ação, o filho que te nasceu vai morrer». E Natã voltou para sua casa. O Senhor atingiu o menino que a mulher de Urias dera a David e ele caiu gravemente doente. David orou a Deus pela criança; jejuava rigorosamente, isolava-se e passava as noites deitado no chão. Os anciãos da sua casa insistiram com ele para que se levantasse, mas David recusou e não quis tomar alimento com eles.

Salmo Responsorial: 50

R. Dai-me, Senhor, um coração puro.

Criai em mim, ó Deus, um coração puro e fazei nascer dentro de mim um espírito firme. Não queirais repelir-me da vossa presença e não retireis de mim o vosso espírito de santidade.

Dai-me de novo a alegria da vossa salvação e sustentai-me com espírito generoso. Ensinarei aos pecadores os vossos caminhos e os transviados hão de voltar para Vós.

Meu Deus, meu Salvador, livrai-me do sangue derramado e a minha língua proclamará a vossa justiça. Abri, Senhor, os meus lábios e a minha boca anunciará o vosso louvor.

Aleluia. Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito; quem acredita n’Ele tem a vida eterna. Aleluia.

Evangelho (Mc 4,35-41): Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse aos discípulos: «Passemos para a outra margem!”». Eles despediram as multidões e levaram Jesus, do jeito como estava, consigo no barco; e outros barcos o acompanhavam. Veio, então, uma ventania tão forte que as ondas se jogavam dentro do barco; e este se enchia de água. Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram-lhe: «Mestre, não te importa que estejamos perecendo?». Ele se levantou e repreendeu o vento e o mar: «Silêncio! Cala-te!» O vento parou, e fez-se uma grande calmaria. Jesus disse-lhes então: «Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?». Eles sentiram grande temor e comentavam uns com os outros: «Quem é este, a quem obedecem até o vento e o mar?».

«Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?»

Rev. D. Joaquim FLURIACH i Domínguez (St. Esteve de P., Barcelona, Espanha)

Hoje, o Senhor discute com os discípulos por sua falta de fé: «Ele disse-lhes: Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?» (Mc 4,40). Jesus Cristo já havia dado suficientes mostras de ser Ele o Enviado e, mesmo assim, não acreditam. Não notam que, tendo com eles o próprio Senhor, nada devem temer. Jesus faz um paralelismo claro entre “fé” e “valentia”.

Em outro lugar do Evangelho, ante uma situação onde os Apóstolos duvidam, se diz que ainda não podiam acreditar porque não haviam recebido o Espírito Santo. O senhor deverá ter muita paciência para continuar ensinando aos primeiros aquilo que eles mesmos nos mostrarão depois, e do que serão firmes e valentes testemunhas.

Estaria muito bem que nós também nos sentíssemos “repreendidos”. Com mais motivo ainda! Recebemos o Espírito Santo que nos faz sentir capazes de entender como realmente o Senhor está conosco no caminho da vida, se realmente buscamos fazer sempre a vontade do Pai. Objetivamente, não temos nenhum motivo para a covardia. Ele é o único Senhor do Universo, porque «Eles ficaram penetrados de grande temor e cochichavam entre si: Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (Mc 4,41), como afirmam admirados os discípulos.

Então, o que é o que me dá medo? São motivos tão graves como para pôr em dúvida o poder infinitamente grande como é o do Amor que o Senhor nos tem? Esta é a pergunta que nossos irmãos mártires souberam responder, não com palavras, mas com sua própria vida. Como tantos irmãos nossos que, com a graça de Deus, cada dia fazem de cada contradição um passo mais no crescimento da fé e da esperança. Nós, por que não? É que não sentimos dentro de nós o desejo de amar ao Senhor com todo o pensamento, com todas as forças, com toda a alma?

Um dos grandes exemplos de valentia e de fé, temos em Maria, Auxilio dos cristãos, Rainha dos confessores. Ao pé da Cruz soube manter em pé a luz da fé... que se fez resplandecente no dia da Ressurreição!

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«Na oração feita devidamente, se fundem as penas como a neve na presencia do sol» (São João Mª Vianney)

«Os Apóstolos não devem temer as ameaças: Cristo —mesmo que silencioso— está na barca e, por isso, nunca se tem afundado» (Bento XVI)

«A referência, primeira e última, desta catequese será sempre o próprio Jesus Cristo, que é ‘o caminho, a verdade e a vida’ (Jo 14, 6). De olhos postos n'Ele com fé, os cristãos podem esperar que Ele próprio realize neles as suas promessas e, amando-O com o amor com que Ele os amou, podem fazer as obras correspondentes à sua dignidade» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.698).

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* O evangelho de hoje descreve a tempestade no lago e Jesus dormindo no barco. Nossas comunidades, muitas vezes, se sentem como um barquinho perdido no mar da vida, sem muita esperança de poder chegar no porto. Jesus parece estar dormindo no nosso barco, pois não aparece nenhum poder divino para salvar-nos das dificuldades e da perseguição. Em vista desta situação de desespero, Marcos recolhe vários episódios que revelam como Jesus presente no meio da comunidade. Nas parábolas revelou o mistério do Reino presente nas coisas da vida (Mc 4,1-34). Agora começa a revelar o mistério do Reino presente no poder que Jesus exerce a favor dos discípulos, a favor do povo e, sobretudo, a favor dos excluídos e marginalizados. Jesus vence o mar, símbolo do caos (Mc 4,35-41). Nele atua um poder criador! Jesus vence e expulsa o demônio (Mc 5,1-20). Nele atua um poder libertador! Jesus vence a impureza e a morte (Mc 5,21-43). Nele atua o poder de vida! É o Jesus vencedor! Não há motivo para as comunidades terem medo. Este é o motivo do relato da tempestade acalmada que meditamos no evangelho de hoje.

* Marcos 4,35-36: O ponto de partida: “Vamos para o outro lado”.

Foi um dia pesado de muito trabalho. Terminado o discurso das parábolas (Mc 4,1-34), Jesus diz: “Vamos para o outro lado!” Do jeito que Jesus estava, eles o levam no barco, de onde tinha feito o discurso das parábolas. De tão cansado, Jesus deita e dorme em cima de um travesseiro. Este é o quadro inicial que Marcos pinta. Quadro bonito, bem humano.

* Marcos 4,37-38: A situação desesperadora: “Não te importa que pereçamos?” - O lago da Galileia é cercado de altas montanhas. Às vezes, por entre as fendas das rochas, o vento cai em cima do lago e provoca tempestades repentinas. Vento forte, mar agitado, barco cheio de água! Os discípulos eram pescadores experimentados. Se eles acham que vão afundar, então a situação é perigosa mesmo! Jesus nem sequer acorda e continua dormindo. Este sono profundo não é só sinal do grande cansaço. É também expressão da confiança tranquila que ele tem em Deus. O contraste entre a atitude de Jesus e a dos discípulos é grande!

* Marcos 4,39-40: A reação de Jesus: “Vocês ainda não têm fé?” - Jesus acorda, não por causa das ondas, mas por causa do grito desesperado dos discípulos. Primeiro, ele se dirige ao mar e diz: “Fique quieto!” E logo o mar se acalma. Em seguida, se dirige aos discípulos e diz: “Por que vocês têm medo? Ainda não têm fé?” A impressão que se tem é que não era preciso acalmar o mar, pois não havia nenhum perigo. É como quando você chega numa casa e o cachorro, ao lado do dono, late muito. Aí não precisa ter medo, pois o dono está aí e controla a situação. O episódio do mar acalmado evoca o êxodo, quando o povo, sem medo, passava pelo meio das águas do mar (Ex 14,22). Evoca o profeta Isaías que dizia ao povo: “Quando passares pelas águas eu estarei contigo!” (Is 43,2) Jesus refaz o êxodo e realiza a profecia anunciada pelo Salmo 107(106),25-30.

* Marcos 4,41: O não saber dos discípulos: “Quem é este homem?” - Jesus acalmou o mar e disse: “Então, vocês não têm fé?” Os discípulos não sabem o que responder e se perguntam: “Quem é este homem a quem até o mar e o vento obedecem?” Jesus parece um estranho para eles! Apesar da longa convivência, não sabem direito quem ele é. Quem é este homem? Com esta pergunta na cabeça, as comunidades continuavam a leitura do evangelho. E até hoje, é esta mesma pergunta que nos leva a continuar a leitura dos Evangelhos. É o desejo de conhecer sempre melhor o significado de Jesus para a nossa vida.

* Quem é Jesus? - Marcos começa o seu evangelho dizendo: “Início da Boa Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). No fim, na hora da morte de Jesus, um soldado pagão declara: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” (Mc 15,39) No começo e no fim do Evangelho, Jesus é chamado Filho de Deus. Entre o começo e o fim, aparecem muitos outros nomes de Jesus. Eis a lista: Messias ou Cristo (Mc 1,1; 8,29; 14,61; 15,32); Senhor (Mc 1,3; 5,19; 11,3); Filho amado (Mc 1,11; 9,7); Santo de Deus (Mc 1,24); Nazareno (Mc 1,24; 10,47; 14,67; 16,6); Filho do Homem (Mc 2,10.28; 8,31.38; 9,9.12.31; 10,33.45; 13,26; 14,21.21.41.62); Noivo (Mc 2,19); Filho de Deus (Mc 3,11); Filho do Deus altíssimo (Mc 5,7); Carpinteiro (Mc 6,3); Filho de Maria (Mc 6,3); Profeta (Mc 6,4.15; 8,28); Mestre (frequente); Filho de Davi (Mc 10,47.48; 12,35-37); Bendito (Mc 11,9); Filho (Mc 13,32); Pastor (Mc 14,27); Filho do Deus bendito (Mc 14, 61); Rei dos judeus (Mc 15,2.9.18.26); Rei de Israel (Mc 15,32),

Cada nome, título ou atributo é uma tentativa de expressar o que Jesus significava para as pessoas. Mas um nome, por mais bonito que seja, nunca chega a revelar o mistério de uma pessoa, muito menos da pessoa de Jesus. Além disso, alguns destes nomes dados a Jesus, inclusive os mais importantes e os mais tradicionais, são questionados e colocados em dúvida pelo próprio Evangelho de Marcos. Assim, na medida em que avançamos na leitura do evangelho, Marcos nos obriga a rever nossas ideias e a nos perguntar, cada vez de novo: “Afinal, quem é Jesus para mim, para nós?” Quanto mais se avança na leitura do evangelho de Marcos, tanto mais se quebram os títulos e os critérios. Jesus não cabe em nenhum destes nomes, em nenhum esquema, em nenhum título. Ele é maior! Aos poucos, o leitor, a leitora, vai se entregando e desiste de querer enquadrar Jesus em algum conceito conhecido ou ideia já pronta, e o aceita do jeito que ele mesmo se apresenta. O amor capta, a cabeça, não!

Para um confronto pessoal

1. As águas do mar da vida, alguma vez, já ameaçaram afogar você? O que o salvou?

2. Qual era o mar agitado no tempo de Jesus? Qual era o mar agitado na época em que Marcos escreveu o seu evangelho? Qual é, hoje, o mar agitado para nós?