São Domingos de Gusmão, presbítero
Salmo Responsorial: 33
R. Saboreai e vede como o Senhor é
bom.
A toda a
hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma
gloria-se no Senhor: escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei
comigo o Senhor e exaltemos juntos o seu nome. Procurei o Senhor e Ele
atendeu-me, libertou-me de toda a ansiedade.
Voltai-vos
para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. Este
pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias.
O Anjo do
Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Saboreai e vede como o
Senhor é bom: feliz o homem que n’Ele se refugia.
2ª Leitura (Ef
4,30—5,2): Irmãos: Não contristeis o Espírito
Santo de Deus, que vos assinalou para o dia da redenção. Seja eliminado do meio
de vós tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a
espécie de maldade. Sede bondosos e compassivos uns para com os outros e
perdoai-vos mutuamente, como Deus também vos perdoou em Cristo. Sede imitadores
de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.
Aleluia. Eu sou o pão
vivo que desceu do Céu, diz o Senhor; Quem comer deste pão viverá eternamente.
Aleluia.
Evangelho (Jo
6,41-51): Então, os judeus começaram a
murmurar contra Jesus, porque ele dissera: «Eu sou o pão que desceu do céu».
Diziam: «Este não é Jesus, o filho de José? Não conhecemos nós o seu pai e sua
mãe? Como pode, então, dizer que desceu do céu?» Jesus respondeu: «Não
murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o
atrair. E eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos Profetas: ‘Todos
serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o ensinamento do Pai e
o aprendeu vem a mim. Ninguém jamais viu o Pai, a não ser aquele que vem de
junto de Deus: este viu o Pai. Em verdade, em verdade, vos digo: quem crê, tem
a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto
e, no entanto, morreram. Aqui está o pão que desce do céu, para que não morra
quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão
viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do
mundo».
«Ninguém pode vir a
mim, se o Pai que me enviou não o atrair»
Frei Lluc TORCAL Monge do Monastério de Sta. Mª de
Poblet (Santa Maria de Poblet, Tarragona, Espanha)
De que Pai
lhes falava Jesus que ninguém havia visto? Que pão descido do céu era esse que
aqueles que o comessem viveriam para sempre? Ele negava que fosse o maná do
deserto porque, os que o comeram, morreram. «E o pão que eu darei é a minha
carne, entregue pela vida do mundo» (Jo 6, 51). Sua carne poderia ser um
alimento para nós? O desconcerto que Jesus provocava entre os judeus pode
também se dar entre nós se nós não nos respondermos a uma pergunta central para
nossa vida cristã: Quem é Jesus?
Muitos homens
e mulheres, antes que nós, se fizeram esta pergunta, a responderam de uma forma
pessoal, foram a Jesus, O seguiram e agora desfrutam de uma vida sem fim e
plena de amor. E aos que vão a Jesus, Ele os ressuscitará no último dia (cf. Jo
6, 44). João Cassiano exortava seus monges dizendo-lhes: «‘Aproximai-vos a
Deus, e Deus se aproximará de vós’, porque ‘ninguém pode ir a Jesus se o Pai
que O enviou não o atrai’ (...). No Evangelho escutamos ao Senhor que nos
convida a ir até Ele: ‘Vinde a Mim todos os que estais cansados e esgotados, e
eu os farei repousar’». Acolhamos a Palavra do Evangelho que nos aproxima a
Jesus cada dia; acolhamos o convite do próprio Evangelho de entrar em comunhão
com Ele comendo sua carne, porque «este é o verdadeiro alimento, a carne de
Cristo, o qual, sendo a Palavra, fez-se carne para nós» (Orígenes).
Eu sou o pão vivo que
desceu do Céu, diz o Senhor; quem comer deste pão viverá eternamente.
Em lugar de
discutir a questão da sua origem divina, Jesus prefere denunciar aquilo que
está por detrás da atitude negativa dos judeus face à proposta que lhes é
feita: eles não têm o coração aberto aos dons de Deus e recusam-se a aceitar os
desafios de Deus… O Pai apresenta-lhes Jesus e pede-lhes que vejam em Jesus o
“pão” de Deus para dar vida ao mundo; mas os judeus, instalados nas suas
certezas, amarrados às suas seguranças, acomodados a um sistema religioso
ritualista, estéril e vazio, já decidiram que não têm fome de vida e que não
precisam para nada do “pão” de Deus. Não estão, portanto, dispostos, a acolher
Jesus, “o pão que desceu do céu” (vers. 43-46). Eles não escutam Jesus, porque
estão instalados num esquema de orgulho e de autossuficiência e, por isso, não
precisam de Deus.
Para
aqueles que, efetivamente, O querem aceitar como “o pão de Deus que desceu do
céu”, Jesus traz a vida eterna. Ele “é”, de facto, o “pão” que permite ao homem
saciar a sua fome de vida (“Eu sou o pão da vida” – vers. 48). A expressão “Eu
sou” é uma fórmula de revelação (correspondente ao nome de Deus – “Eu sou
aquele que sou” – tal como aparece em Ex 3,14) que manifesta a origem divina de
Jesus e a validade da proposta de vida que Ele traz. Quem adere a Jesus e à
proposta que Ele veio apresentar (“quem acredita” – vers. 47) encontra a vida
definitiva. O que é decisivo, neste processo, é o “acreditar” – isto é, o
aderir efetivamente a Jesus e aos valores que Ele veio propor.
Essa vida
que Jesus está disposto a oferecer não é uma vida parcial, limitada e finita;
mas é uma vida verdadeira e eterna. Para sublinhar esta realidade, Jesus
estabelece um paralelo entre o “pão” que Ele veio oferecer e o maná que os
israelitas comeram ao longo da sua caminhada pelo deserto… No deserto, os
israelitas receberam um pão (o maná) que não lhes garantia a vida eterna e
definitiva e que nem sequer lhes assegurava o encontro com a terra prometida e
com a liberdade plena (alimentada pelo antigo maná, a geração saída da
escravidão do Egito nunca conseguiu apropriar-se da vida em plenitude e nem
sequer chegou a alcançar essa terra da liberdade que buscavam); mas o “pão” que
Jesus quer oferecer ao homem levará o homem a alcançar a meta da vida plena
(vers. 49-50). “Vida plena” não indica aqui, apenas, um “tempo” sem fim; mas
indica, sobretudo, uma vida com uma qualidade única, com uma qualidade
ilimitada – uma vida total, a vida do homem plenamente realizado.
Jesus vai
dar a sua “carne” (“o pão que Eu hei de dar é a minha carne” – vers. 51) para
que os homens tenham acesso a essa vida plena, total, definitiva. Jesus estará
aqui a referir-se à sua “carne” física? Não. A “carne” de Jesus é a sua pessoa
– essa pessoa que os discípulos conhecem e que se lhes manifesta, todos os
dias, em gestos concretos de amor, de bondade, de solicitude, de misericórdia.
Essa “pessoa” revela-lhes o caminho para a vida verdadeira: nas atitudes, nas
palavras de Jesus, manifesta-se historicamente ao mundo o Deus que ama os
homens e que os convida, através de gestos concretos, a fazer da vida um dom e
um serviço de amor.
• Repetindo
o tema central do texto que refletimos no passado domingo, também o Evangelho
que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o “pão” de Deus que
desceu do céu para dar a vida aos homens… Para nós, seguidores de Jesus, esta
afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um facto que condiciona a
nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua
vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua
proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar
é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d’Ele que construímos a nossa
existência? O projeto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa
caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?
• “Quem
acredita em Mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus. “Acreditar” não é, neste
contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas
considerações teológicas a propósito da sua mensagem… “Acreditar” é aderir, de
facto, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos
projetos do Pai, segui-lo no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos
irmãos; é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma luta coerente
contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a
vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objetividade,
que “acredito” em Jesus?
• No seu
discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome física
dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva,
não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e
verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida
do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que,
tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a
revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão
nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a
nossa segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é
necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é
preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de
realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos
manipular, aceitando como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda
ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem…
• Porque é
que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-lo
como “o pão que desceu do céu”? Porque vivem instalados nas suas grandes
certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema
religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se
deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo,
calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus
encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer
vida em abundância. Esta “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de
opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós temos alguma tendência
para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos
dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos,
das ideias política ou religiosamente corretas, de catecismos muito bem
elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e
muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para
os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar
as nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que
nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e
disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso
encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer
a vida em abundância.
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