“Há
uma doença mortífera ameaçando a Igreja, sem que ninguém se dê conta: são as
almas retardatárias. Vários autores espirituais apontam este fenômeno como
causa da grande decadência de seminários, congregações religiosas, paróquias e
movimentos eclesiais. Em que consiste este câncer que vai, silenciosa e
sorrateiramente, tirando a vida da Igreja?
A
maior parte dos cristãos experimentou uma “primeira conversão”: antes, vivia
uma vida mundana, entregue ao egoísmo; encontrando-se com Cristo, no entanto,
rompeu com o pecado como projeto de vida. O problema é que, por falta de
formação espiritual, uma multidão parou nesse estágio. Ao invés de crescer na
caridade, acomodou-se, tornando-se uma espécie de “anão espiritual”. O padre
Reginald Garrigou-Lagrange, no livro “As Três Idades da Vida Interior”, escreve
que:
“Certas
almas, como consequência de sua negligência ou preguiça espiritual, nunca saem
da idade dos principiantes para continuar na dos proficientes; elas são almas
retardatárias, algo parecido com esses meninos, mais ou menos anormais, que não
atravessam com sucesso a crise da adolescência e que, ainda não sejam crianças,
não chegam nunca ao completo desenvolvimento da idade adulta. Da mesma maneira,
essas almas retardatárias ficam sem poder ser catalogadas nem entre os
principiantes nem entre os adiantados. E são, por desgraça, muito numerosas.”
Na
mesma obra, o pe. Garrigou-Lagrange cita o trecho de um livro do padre jesuíta
Lallemant, no qual ele explica que “uma Ordem religiosa vai até a decadência quando
o número de tíbios começa a ser tão grande como o de fervorosos”. A tibieza é
uma mornidão na qual a pessoa, apesar de ter rompido com os pecados graves,
passa a viver a vida tão somente para si, fazendo das “coisas de Deus”
desculpas para empreender coisas para si. O pe. Lagrange compara um sacerdote
que assim se comporta a “uma espécie de funcionário de Deus”: a religião
torna-se mais um “negócio” que uma ocasião genuína para a conversão e para o
crescimento interior.
Quais
são as características da alma tíbia?
Primeiro,
ela começa com a negligência nas pequenas coisas. Deus chama a pessoa a amá-Lo
mais, mas ela cede à preguiça e se torna indiferente à Sua voz. – Mas,
preocupar-se até com essas coisas não é “moralismo”? – Não. Combater os pecados
veniais e os próprios defeitos não é uma questão de “moralismo”, mas de amor:
não se para de ofender a quem se ama por cálculos frios e matemáticos, mas pura
e simplesmente porque se ama.
Segundo,
a pessoa passa a fugir dos sacrifícios. Com uma visão do “justo”, a pessoa
oferece a Deus o seu “mínimo”, a sua obrigação. Ignora – ou finge ignorar –
que, deste modo, sem generosidade, não haverá para ela nenhum crescimento
espiritual.
Terceiro:
não podendo pecar mortalmente, a pessoa se entrega a “pequenos pecados”, a
murmurações e zombarias. Santo Tomás de Aquino, ao falar sobre o pecado da
zombaria e do escárnio, cita o salmista: “Qui habitat in cælis irridebit eos –
O que habita nos céus rirá deles”. Quem faz gozações com os outros será, ele
mesmo, objeto de piada.
A
triste consequência da pessoa que está neste estado é que, cedendo pouco a
pouco aos pecados veniais, ela se vê atada de tal modo a ponto de tornar-se
prisioneira de seus pecados. Com razão diz São Bernardo – citado por
Garrigou-Lagrange – que “é mais fácil ver um grande número de pessoas do mundo
renunciar ao vício e abraçar a virtude do que um só religioso passar da vida
tíbia à vida fervorosa”.
O
que está por trás da alma retardatária? “[Está] que em tudo, e a propósito de
tudo, se busca a si mesmo, ao invés de buscar a Deus”, conclui o pe. Lagrange.
Como
remédio para este lamentável estado, é preciso amar mais e esquecer-se de si
mesmo. Urge que vivamos para Cristo, que tudo deu e tudo entregou por amor a
nós. Como não amarmos de volta um amor tão grande?”
(Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, A Tragédia das Almas Retardatárias)
(Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, A Tragédia das Almas Retardatárias)
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