CAPÍTULO
4
SANTIDADE
E APOSTOLADO
A MÍSTICA
DO SERVIÇO ECLESIAL
Frei
Jesus Castellano Cervera, OCD
Uma
das lições fundamentais de Santa Teresa é o sentido da experiência mística na
Igreja, a finalidade da oração, o seu valor para o apostolado e o sentido
santificante da ação apostólica. A Santa não só propõe uma mística da oração,
mas também e especialmente uma mística do apostolado, ou melhor procura que o
sentido final da vida cristã convirja na oração e no apostolado.
Essa
tese acha-se presente em todos os seus escritos, a começar pelo livro da Vida e
pelo Caminho de perfeição. Mas que a santa conseguiu expressar de modo denso e
concreto no final do Castelo Interior, quando ela mesma vive imersa em Deus e
vive dedicada ao serviço da Igreja. Pode dizer-se que em breves traços no
último capítulo das sétimas moradas do Castelo Interior, Teresa nos ofereceu a
síntese da sua doutrina (7M 4,4 e ss).
Trata-se
de uma lição atual que não só recorda a necessária unidade de vida em toda a
espiritualidade cristã, sem dicotomias, mas que atraiu a atenção de alguns
autores protestantes que admiraram, contrariamente a quanto pensam alguns
críticos protestantes sobre a mística, o sentido da ação, a caridade que
transforma a pessoa e a lança rumo às obras do serviço do Senhor.
Nestas páginas recolhemos o sentido profundo
da mística cristã, mística da oração e da ação apostólica.
1. Síntese
de doutrina e de vida
Para
colher em síntese a mensagem doutrinal final de Santa Teresa, o que se poderia
definir o seu testamento espiritual para a Igreja, não devemos realmente fazer
muitos esforços. Basta ler as páginas finais de sua obra prima o Castelo
Interior, para colher em síntese todo o pensamento da Santa, quase uma
verificação harmônica e hierárquica de todos os grandes temas de sua doutrina:
o valor da oração, o sentido da ação, a presença de Cristo na vida até a
identificação com Ele, o serviço à Igreja, a santidade vivida. É uma página que
exprime a densidade da vida da autora, num momento de plenitude espiritual e a
clarividência doutrinal da mestra que lacra assim a sua obra prima doutrinal
com uma mensagem de plena atualidade.
Para
compreender o conteúdo doutrinal destas páginas que gostaríamos de explicar,
através da leitura fiel e atualizada, é conveniente fazer duas anotações que se
unem pois à vida vivida e à proposta doutrinal.
A.
Plenitude de vida numa página autobiográfica e doutrinal
Quando
Santa Teresa escreve as últimas páginas do Castelo Interior, no fim de novembro
de 1577, encontra-se na verdadeira plenitude espiritual de experiência divina,
numa maturidade adquirida como escritora, e numa transbordante dedicação a
serviço da Igreja como fundadora. Desde
novembro de 1572 quando recebeu a graça do matrimônio espiritual, vive uma
plenitude de comunhão com Cristo e de experiência da Trindade e aumentou nela a
compreensão das coisas espirituais. Como escritora demonstra na redação do
Castelo Interior, sob a referência autobiográfica, clareza de ideias, do
discurso, poderosa nervura teológica. Enquanto fundadora, a sua obra já se
encontra espalhada pela Espanha com os mosteiros fundados até o momento e com a
expansão dos Carmelitas teresianos; mas o seu serviço na Igreja é dolorosamente
obstaculizado; estamos no momento da prova: calúnias, perseguições, ameaças à
nascente reforma dos frades; uma semana depois da conclusão do livro São João
da Cruz será encarcerado.
À
luz desta plenitude de vida, contrastada por mil dificuldades, adquirem valor
as preciosas páginas finais do Castelo Interior que são quase autobiográficas,
enquanto revelam sentimentos e as suas disposições de esquecimento de si e de
total dedicação ao serviço da Igreja: numa existência profundamente marcada
pela cruz das perseguições, muito mais sentida enquanto frequentemente vêm dos
próprios homens da Igreja.
E
são também páginas proféticas, ao iluminarem os cinco anos de vida que faltam
para a sua morte em Alba de Tormes em 4 de outubro de 1582. A Santa vai viver
na plenitude oração anunciada por estas páginas. O início das perseguições
sofridas pela santa e por seus filhos e filhas atingirá ainda momentos
dramáticos nos anos seguintes até a separação das duas famílias dos Carmelitas
acontecida com o Breve de Gregório XIII “Pia consideratione” de 1580. A Santa
retomará sua atividade de fundadora em Malagón, onde se tornará arquiteta do
novo mosteiro, e ainda retomará, entre doenças, as viagens pelas estradas da
Espanha para as últimas fundações de Villa Nueva de la Jara, Soria, Palência e
Burgos. Nesta nobre cidade sofrerá as indecisões do Arcebispo que não se decide
conceder as licenças para a fundação. Entrementes a Santa e suas filhas,
hospedadas no hospital da cidade dedicar-se-ão a cuidar amorosamente os
doentes. Também neste detalhe descobrimos uma manifestação da plenitude do amor
pro Deus e pelo próximo. Como garantia da continuidade de inspiração entre os
últimos capítulos do Castelo Interior e o estado de ânimo da madre Teresa nos
últimos meses de sua existência, temos o testemunho da sua última Relação espiritual,
escrita em Palência em 1581, onde se manifesta a sua plenitude de experiência
trinitária e cristológica e juntamente o seu desejo sem limites de servir a
Deus na sua Igreja (Relação 6).
Assim
Teresa vive quanto tinha escrito e cumpre com a sua vida o testamento deixado
nas páginas doutrinais que fecham em beleza o Castelo Interior. Páginas
pressagas também dos últimos instantes de sua vida terrena: a última doença
manifesta-se quando a santa se acha a caminho, esquecida de si, obrigada pelas
circunstâncias a vigiar sobre diversas questões que empenham a sua requintada
caridade e senso de serviço, enquanto pensa ainda na fundação do mosteiro das
Carmelitas de Madri. Morre portanto em quanto se intensifica o desejo do
serviço eclesial. Morre com o desejo de caminhar ainda como filha da Igreja,
marcada por aquela bem-aventurança que ela mesma tinha aplicado, muitos anos
antes, aos servidores fiéis da Igreja: “Felizes as existências que terminarão
neste serviço da Igreja” (V 40,15).
É
nesta chave autobiográfica e profética que devemos acolher o testamento
doutrinal teresiano.
B.
Densidade de sabedoria numa página doutrinal
A
última página do Castelo Interior constitui também uma síntese doutrinal da
qual emerge a sabedoria evangélica acumulada no coração de Teresa. Quem lê o
último capítulo do livro tem a síntese de todo o ensinamento teresiano sobre a
oração, o Cristo, a Igreja, sobre as virtudes fundamentais do cristão. Ademais
ele revela o segredo da doutrina sobre a oração- vida que é característica do
ensinamento teresiano, enquanto une sempre o fervor da oração à verificação das
obras, o amor de Deus ao amor do próximo, o amor por Cristo à identificação com
sua pessoa, até viver nele e como Ele, também no mistério da cruz. Tudo a
serviço da Igreja.
Esse
trecho assume também o tom de uma chave de leitura de todo o livro e
particularmente constitui o segredo exegético da parte mais delicada e
característico do próprio livro: a experiência mística. Se durante o percurso
do castelo Interior teve o cuidado de propor efeitos de vida nova, agora, tendo
já chegado ao centro do castelo, realiza uma verificação global. Se durante a
explicação dos outros estados da vida cristã pedia a verdade das obras, agora
pedirá a unidade de vida, a qualidade das obras realizadas no serviço do
Senhor.
As
palavras de Teresa têm o sabor de uma verificação, ou melhor de um desafio:
“Será bom dizer-vos, irmãs, o motivo pelo qual o Senhor concede tantas graças
neste mundo. Embora já o tenhais entendido pelos efeitos delas, quero repeti-lo
aqui, para que nenhuma de vós pense que é só para deleitar essas almas” (7M
4,4). Está prestes a comunicar um segredo, e no anúncio intervém uma estranha
relativização das graças de Deus que parece não sejam fim a si mesmas. Nessa
interrogação deixada em suspenso adivinha-se a importância da resposta que será
dada. Uma resposta articulada, expressa com segurança doutrinal, até nos
últimos pormenores. Uma resposta que, dos píncaros das sétimas moradas e da
meta alcançada da comunhão trinitária, assume toda a seriedade de um testamento
espiritual.
Mas
quanto diz agora na síntese vital do fim, será válido e ela no-lo recordará
para cada uma das etapas do caminho.
Somos
assim convidados a realizar uma leitura minuciosa de um texto rico, denso,
definitivo; autêntica mensagem espiritual de Teresa sobre o sentido da vida
cristã, sobre o destino final da mística, sobre a santidade vivida em comunhão
com Deus e o esplendor das obras.
Este
texto foi colocado recentemente em realce por dois valiosos trabalhos. O
primeiro, de M. Herráiz, é uma iluminada síntese da oração teresiana que
alcança uma preciosa “unidade de vida”; talvez as páginas mais bonitas e
profundas que tenham sido escritas sobre este argumento. O segundo trabalho é a
maravilhosa apologia dos efeitos santificantes e apostólicos da vida mística,
realizada com textos teresianos que iremos comentar, da respeitável síntese
sobre a mística no notíssimo Dictionaire de Spiritualité; citando a síntese
final da Santa fala de uma “Christomorphie de l’amour mystique” (cfr. Mystique
, em Dicitionaire de Spiritualité , vol 10, Paris, Beauchesne, 1980, col 1982 e
ss.): a mística, segundo santa Teresa, conduz a uma total conformação com
Cristo.
Na
realidade nos encontramos não só na “cristomorfia” do amor místico, mas também
na eclesialização da experiência mística; e, ao limite, numa visão do valor das
obras apostólicas que brota da plenitude da experiência trinitária que vê o
místico, como Cristo, realizar um êxodo de Deus rumo aos irmãos: já envolvido
no movimento trinitário do amor, à imagem de Cristo que permanece e “sai” da
comunhão trinitária para realizar a obra da salvação. A esta altura, como se
verá, as obras do cristão adquirem valor sacramental de manifestações do amor
por Deus, de autênticos sinais do amor de Deus pelos homens, naqueles que tendo
ficado unidos a Deus derramam-no nas obras de amor a serviço dos irmãos.
Dessa
densidade teológica e espiritual acham-se impregnadas as páginas que vamos
comentar como síntese do ensinamento teresiano.
2. A graça
suprema: ser semelhantes a Cristo
Uma
respeitável afirmação sobre a santidade cristã é a primeira resposta que Teresa
propõe: “Deus não nos pode fazer maior favor do que conceder-nos uma vida
conforme a do seu diletíssimo Filho” (Ib.). A santidade é a conformação a
Cristo no ser e no agir. Ele é o modelo supremo, e quanto Deus fez no seu diletíssimo
Filho” é a medida de quanto Deus fará com aqueles que ama. Nessas palavras
temos a relativização das graças místicas: as graças são para a graça; a graça
é a conformação com Cristo, a cuja imagem devemos nos conformar (cfr. Rom
8,29). É esta santidade cristã à qual são ordenadas todas as graças místicas.
Em
seguida explica:” Tenho por certo que o escopo destas graças seja fortificar a
nossa fraqueza para que o possamos imitar no muito sofrer” (Ib.) Uma vida em
Cristo, marcada pelo sofrer com Ele e como Ele, é o cume da santidade cristã;
as graças místicas contribuem para sanar e fortificar os discípulos de Cristo
na sua nativa fraqueza. Nenhum senso morboso neste sofrer da terminologia
teresiana porque tem como medida o de Cristo. Mas, para evitar equívocos, temos
de recordar um traço autobiográfico. No livro da Vida tinha escrito: “Com
frequência lhe digo com todo o fervor da minha alma: Senhor, só vos peço uma
coisa: ou morrer ou sofrer” (V 40,20).
Um
belo comentário ao texto teresiano encontramos na aguda observação de Clara
Lubich: “Santa Teresa não disse “sofrer ou morrer”, mas “morrer ou sofrer”
porque é uma santa católica, que dá ao sofrimento o seu lugar enquanto
concentra todo o coração no único bem: Deus. Ela queria morrer para alcançar
Deus. Mas se a vida lhe tivesse concedido ainda tempo, preferia “padecer”
porque o sofrer é o melhor modo para demonstrar a Deus o próprio amor aqui na
terra” (Cfr. L’attrattiva del tempo moderno. Scritti spirituali , I, Roma,
Città Nuova, 1978, pag. 241).
A
explicação dessas enigmáticas palavras encontra-se pouco mais adiante a Santa,
dirigindo-se ao seu confessor, afirma: “Essa é a vida que levo atualmente. E
você, senhor e meu pai, suplique Deus ou para que me chama a si (“morrer”), ou
me conceda modo de servi-lo (“padecer”)”. (V 40,23). Padecer que é finalizado
ao serviço eclesial. Encontramo-nos diante de um dilema semelhante ao de Paulo:
o estar com Cristo pela morte, o servir os irmãos permanecendo em vida (cfr.
Fil 1,21-26): uma mística do martírio ou da morte que se coloca em alternativa
com a mística do serviço eclesial.
As
graças místicas serão destinadas a conformar interiormente o homem a Cristo,
sanando e fortificando ao mesmo tempo a natureza fraca; o homem será curado das
profundas feridas do pecado; a graça resgatará energias adormecidas, libertará
forças paralisadas, para ser com um amor novíssimo “semelhantes a Cristo” no
dom do serviço e do sofrimento, até tornar-se dom de si para os outros.
A
primeira ilustração dessa tese vem do exemplo dos santos: “os que se
aproximaram mais de nosso Senhor Jesus Cristo, sofreram também mais. Considerai
os sofrimentos da sua santíssima Mãe e dos seus Apóstolos...” (7M 4,5). Na
tipologia da santidade cristã são os que tornaram-se semelhantes a Cristo no
padecer. Primeira entre todos, Santa por excelência, é Maria, a Mãe de Cristo,
na sua conformação ao Filho aos pés da cruz. E com Maria, em fila ordenada, os
Apóstolos do Senhor. Aqui são recordados os amigos de Teresa, os pecadores que
se tornaram discípulos, os homens que percorreram todas as sete moradas do
castelo interior e agora apresentam o rosto do santo cristão.
Paulo
é recordado como um místico no qual a contemplação tornou-se serviço aos
irmãos, na pregação e no trabalho, de dia e de noite; nele resplandece a
mística do serviço.
Pedro,
de quem Teresa recorda a legenda romana do “Quo vadis, Domine?”, que se lia no
ofício carmelita da festa de 29 de junho, é o modelo de uma mística do martírio.
Da visão de Cristo recebe a coragem para testemunhar a fé até a morte de
cruz.
3. O valor
das obras, a força da oração
A
segunda ilustração da tese central vem da perspicaz analise da natureza do
amor. O verdadeiro amor produz o êxtase, isto é o estar fora de si, polarizado
na pessoa que se ama; esquece-se da própria vida, da própria honra, do próprio
repouso: “Como deve transcurar o próprio repouso a alma que vive tão unida ao
Senhor! Como não se deve preocupar com a honra! Como deve estar distante do
desejar ser estimada em algo!” O “esquecimento de si é com frequência citado
por Teresa neste contexto como um sentimento característico de quem aderiu a
Deus com todo o coração. Os Santos, de fato, são os “esquecidos de si” (7M
4,11). Ela mesma o experimentou. No capítulo 3 das sétimas moradas onde a santa
enumera alguns efeitos típicos da união transformante que tornam os místicos
semelhantes a Cristo Crucificado recorda um dos efeitos produzidos pela
comunhão com Cristo: “Um grande esquecimento de si, tão profundo que não se
reconhece mais... Não quer ser nada em coisa alguma... Sente-se mergulhada em
tão estranho esquecimento que parece não mais existir” (7M 3,2.15; cfr. Rel
6,1).
Mas
em proporção com esse esquecimento desenvolve-se um amor criativo que vem da
polarização em Deus, uma santa inquietude por traduzir em obras o amor que se
tem por Deus: “Se ela se entretém frequentemente com Ele, como seria necessário,
acaba por esquecer a si mesma para esgotar toda a sua preocupação em procurar
contentá-Lo mais e no conhecer em quais coisas e por quais caminhos possa
mostrar-Lhe o amor que tem por Ele” (7M 4,6). A oração torna-se assim o momento
fundamental que prepara e amadurece a criatividade apostólica, o lugar onde
perscruta a vontade de Deus e se refina a sensibilidade para compreender os
caminhos de um serviço do Senhor em que demonstrar, direi quase “sacramentar”,
as ânsias e os desejos da oração. É aqui que a oração se torna estímulo para a
eficácia da vida. E é nesta perspectiva de madura unidade vital que Teresa
lança os grito e desafio apostólico: “Este é o objetivo da oração... A isto
tende o matrimônio espiritual: a produzir obras e mais obras, tornando-se
essas, como disse, o verdadeiro sinal para conhecer se se trata de favores ou
de graças divinas” (ibi). Trata-se portanto de tornar eficaz e significativo o
amor da oração com obras no serviço de Deus, entrar na mesma dinâmica com a
qual Deus, mesmo sendo plenamente bem-aventurado, empreendeu a obra da
salvação. Por isso, mesmo que a oração seja momento culminante, pode falar-se
de uma sua funcionalidade e portanto de uma subordinação sua a este
expressar-se como amor de Deus pelos outros, na dinâmica das obras.
É
a fecundidade das obras que deve ser posta à base de uma verdadeira pedagogia
da oração: “Para que me serviria estar profundamente recolhida em solidão,
ocupada em atos virtuosos diante de Deus, propondo e prometendo realizar
maravilhas em seu serviço, se depois, saindo de lá fizesse, ao apresentar-se a
ocasião, tudo o contrário de quanto tinha prometido?” (ibi). Propor uma saída
para a oração, atar a continuidade do rezar e do agir é o ensinamento
pedagógico de Teresa no qual se entrevê também, com a caricatura do exemplo
aduzido, uma preocupação fundamental.
Não podia existir afirmação mais clara sobre a coerência que requer a
amizade com Deus, mesmo que fosse somente do ponto de vista de uma lealdade
consigo mesmos, para não cair num idealismo que deixa a oração em boas palavras
e pensamentos, completamente separada da vida.
Todavia,
para equilibrar as afirmações e para precaver-se de maus entendidos que
poderiam desvalorizar a oração, a Santa apressa-se em fazer uma óbvia apologia
da oração e de quanto nela é esforço de leal confronto com Deus mesmo que frequentemente
as sobras não pareçam seguir a mesma lógica dos sentimentos: “Não se deve crer
todavia, que não se tire algum proveito (da oração), porque o tempo que se transcorre
com Deus é sempre de grande utilidade” (7M 4,7).Santa Teres está convencida de
que a oração, quando exprime verdadeiro desejo de estar com Deus, tem sempre
efeito salutar sobre a vida, apesar das incoerências em que pode cair; o
próprio Deus pode levar a sério nossas palavras e colocar-nos na condição de
ter de agir para ela a fim de nos fortificar nas mesmas ações que antes nos
intimidavam . O ideal porém é traduzir em obrar os propósitos, conforme esta
elementar pedagogia: “Quis dizer que aproveita pouco em comparação com o muito
que se receberia, se as obras se conformassem aos propósitos e às palavras. Por
isso quem não pode fazer tudo de uma vez, faça-o pouco a pouco. Se quer que a
oração lhe seja proveitosa, esforce-se por vencer a sua vontade...” (Ibi).
4. Jesus
Crucificado, plenitude do amor no serviço
Com
essas modulações chega-se a um dos textos mais altos da doutrina teresiana. É o
“verbum crucis”, a palavra da cruz de Teresa, semelhante também nisso à
pregação de Paulo (cfr. 1Cor 1,17-25; 2,2); a síntese da sabedoria da cruz como
chave de abóbada de toda a vida cristã.
O
apelo constante a fixar o olhar em Cristo foi muitas vezes repetido por Teresa:
“Os olhos no vosso Esposo” (CP 2,1); “Fixemos os olhos em Cristo” (1M 2,1);
texto que recorda a exortação da Carta aos Hebreus sobre a “corrida que está
diante de nós, mantendo o olhar fixo em Jesus, autor e aperfeiçoador da fé”
(Hbr 12,2).
O
olhar dirigido a Cristo adquire agora o tom de um desafio: “Fixai vossos
olhares no Crucificado e tudo tornar-se-vos-á fácil. Se o Senhor nos demonstrou
o seu amor com obras tão grandes e com tão horríveis tormentos, porque querê-Lo
contentar somente com palavras?” (7M 4,8). O olhar fixa-se sobre o modelo:
Cristo, o Esposo, sobre o qual é preciso que a Igreja fixe com amor os seus
olhos, como resposta definitiva do amor de Deus e ao amor de Deus, uma resposta
que adquire densidade de amor pelas sobras.
E,
continuando em tom de parêntese provocatória, um dos textos mais bonitos e
resolutivos de Teresa: “Sabei o que significa ser verdadeiramente espirituais?”
Chegamos a uma revelação, à consignação de um segredo de sabedoria, à definição
da mística e da espiritualidade cristã, que encontra em Cristo Crucificado todo
o peso e a luz da revelação que acontece na Cruz. E eis a resposta: “Ser
escravos de Deus, até ser marcados com o seu ferro, o da cruz, Ele os possa
vender como escravos de todo o mundo, como foi para Ele. E não teríamos nenhum
agravo, mas uma graça não pequena, visto que nos lhe sacrificamos a nossa
vontade” (Ibi).
A
santidade cristã, a espiritualidade “verdadeira” têm por seu vértice e modelo o
Cristo, o Servo de Deus e o Servidor dos homens (portanto o Servo de Jahvé que
dá a sua vida pela salvação de muitos). Neste dom de si à vontade de Deus e ao
amor do próximo até tornar-se escravo entrelaçam-se no Cristo a mística do
martírio e a mística do serviço. O verdadeiro espiritual, o místico cristão
encontra aqui o vértice da santidade. Ser espirituais consiste portanto no
entrar em comunhão plena com o Cristo crucificado, na identificação suprema da
cruz na qual se vive em total dom da própria liberdade e no serviço total e
gratuito por amor, tornando-se “escravos”, como Cristo. O selo da Cruz, marcada
pelo fogo ardente do Espírito, o sinal de pertença e de comunhão com Cristo.
O
santo cristão será pois um Crucificado vivente, um servo, por amor, de Deus e
dos irmãos. Nesta página encontramos o sabor autobiográfico de uma experiência
que já alcançou a maturidade cristã: Teresa sente-se serva por amor, identificada
com o Esposo, que lhe ofereceu a possibilidade de viver em contínuo
desinteressado serviço de amor para com todos.
Da
altura resolutiva desta resposta brota a pedagogia mais minuciosa. A santidade
não se constrói como um castelo nos ares; precisa de pedras fundamentais, que
para o cristão são sempre a humildade e o amor; duas atitudes levadas até o
serviço mais generoso, como “escravos” por amor, na concretude da vida da
comunidade cristã ou da comunidade religiosa: “Se quereis que o vosso edifício se
erga sobre um bom fundamento, procurai ser as últimas e as escravas de todas,
procurando em que modo e por quais caminhos seja possível melhor contentar e
servir as demais.
Assim
fareis mais o vosso que o interesse dos outros, porque colocareis pedras tão
firmes que impedirão ao castelo de desabar” (Ibi). Devem ser destacadas neste
conselho teresiano duas subtis observações: o amor é serviço criativo em prol
do irmão; mas o primeiro beneficiário da graça da caridade é quem ama e serve;
o coração do cristão purifica-se e fortifica-se amando os outros; por isso a
santidade cristã é amor vivido.
5. Unidade
de vida
Com
forte apelo ao realismo Teresa faz apologia da unidade de vida com um apelo
ideal à tipologia clássica da unidade indissolúvel entre ação e contemplação,
representadas por Maria e Betânia e por Marta.
Antes
de tudo propõe uma a firmação sobre a unidade entre oração e vida, veiada por
pitada de perspicaz ironia, sempre atual ao referir-se a um cristianismo
piedoso que correr o risco de fechar-se na piedade e na oração sem proporcionar
saída para o amor ativo: “Por isso repito, é necessário que procureis não fazer
consistir o vosso fundamento somente no rezar e contemplar, porque se não
procurais adquirir as virtudes e não vos exercitais nelas, permanecereis sempre
anãs. E praza a Deus que vos limiteis
somente a não crescer, porque nestas estradas, como bem sabeis, quem não cresce
diminui” (7M 4,9). A vida espiritual consiste no crescimento harmônico da
oração e das virtudes; o homem espiritual cresce e amadurece na oração que o
une a Deus e nas obras com que ama os irmãos, encontrando assim uma harmoniosa
unidade de vida. A oração precisa do espaço vital da existência para
exteriorizar todas as suas possibilidades. Ao longo de todo o Castelo Interior
a nossa autora indicou esta coerência de amadurecimento cristão. Mas quando se
quebra a unidade de vida estamos diante do perigo de deformação espiritual e
também humana; deformação que plasticamente é ilustrada no texto anterior ao
referir-se ao “nanismo”; há perigo de produzir garranchos, de deformar a
natureza da vida cristã quando se opõe oração e vida. Ao invés uma oração que
procura a coerência das atitudes cristãs tem como frutos cristãos autênticos,
equilibrados. O amor verdadeiro possui um dinamismo natural de crescimento, de criatividade:
“Considero impossível que o amor, quando existe, se contente de permanecer
sempre no mesmo estado” (Ibi).
Com
uma retomada que nos conduz novamente ao tema do serviço, encontramos a
seguinte afirmação: “Eis, portanto, quanto gostaria que procurássemos.
Desejemos e pratiquemos a oração não já para gozar mas para ter a força para
servir” (Ibi). A estrada real da santidade pela qual se enveredaram os Santos
seguindo as pegadas do Senhor.
Retornam
à mente como tipologia da unidade de vida as clássicas figuras de Marta e
Maria, unidas já na harmonia da ação e da contemplação. Como de costume, e
contra uma exegese muito unilateralmente favorável à Maria, Teresa defende a
atitude ativa de Marta, quase descuidada da repreensão de Jesus e da douta
exegese dos teólogos. Teresa ficou sempre impressionada pela figura nobre e
amorosa do serviço de Marta de Betânia. Ela recorre com frequência à necessária
unidade entre Marta e Maria (V 17,4; 22,9; Relação 5,5). Melhor, Teresa pensa
na dor de Marta pelo seu sentimento de pesar pela repreensão que Jesus lhe
dirigiu (Exclamação 5,2).
Alhures
tinha escrito, sempre em favor de Marta: “De Santa Marta não se diz que fosse
contemplativa. Todavia não deixa de ser uma grande Santa... Pensem que entre
elas deve haver também alguém que prepare a refeição para o Mestre e ela se si
considere afortunada por servir como Marta”. E prossegue num bonito pensamento
que é ao mesmo tempo apologia da vida comunitária e do valor único do amor quer
na contemplação quer na ação: “Se pois a contemplação, a oração mental e vocal,
o cuidado das enfermas, os diversos ofícios da casa e até as tarefas mais
humildes concorrem para servir o Hóspede divino que vem morar, comer,
recrear-se conosco, que nos importa servi-Lo mais de um modo do que de outro?”
(C 17,6).
Teresa
insta agora na visão realista da necessária união entre contemplação e serviço:
“Crede-me; para hospedar o Senhor, tê-lo sempre conosco, tratá-Lo bem e
oferecer-Lhe de comer como se deve, é preciso que Marta e Maria andem de
acordo. De que modo Maria estando sentada aos pés de Jesus, podia dar-lhe de
comer se sua irmã não a ajudava?” (7M 4,10). Seguindo todo o raciocínio sobre o
serviço, uma sutil repreensão, no caso, é agora dirigida à Maria de Betânia.
Unidade
de vida: oração e ação, contemplação e serviço, escutar o Senhor e acolhê-Lo.
Mas o melhor serviço que podemos prestar ao Senhor é o que introduz muitos no
círculo da amizade de Cristo. A passagem doutrinal para a identificação do
apostolado com o serviço realizado por Marta, neste texto em que se encontra
uma reminiscência joanina que faz alusão ao alimento de Cristo, que é fazer a
vontade do Pai e cumprir a sua obra (cfr. Jo 4,34): “O seu alimento consiste no
procurar com todas as nossas forças e modos ganhar muitas almas para Deus a fim
de que sejam salvas e O louvem para sempre” (37). Um esplêndido louvor da vida
apostólica e uma eficaz proposta da espiritualidade da ação.
6. A
grande obra de Deus na fragilidade dos santos
A
ideia da Santa que está na base dessa apologia da ação apostólica é a
consciência de que quanto mais profunda e substancial é a união com Deus, tanto
mais forte é o seu influxo interior que cura, fortifica, e qualifica o
contemplativo para as grandes obras. Com o Forte nos tornamos fortes, com o
Santo nos tornamos santos, afirma-se com um texto de Davi (Sl 17,26; 7M 4,10).
Temos
como que uma inversão da personalidade. Se nas primeiras moradas os sentidos e
a psicologia eram aliados do mal, agora são aliados do bem; as forças
interiores, que a presença de Deus no centro do ser irradia, alcançam as
potencias e os sentidos que são deste modo habilitados a um serviço novo e
qualificado, surpreendente com são frequentemente os santos, os que dão testemunho
de Deus com obras maravilhosas, que resplandecem como obras do Senhor na sua
fragilidade humana. Também aqui as expressões são fortemente autobiográficas.
Espontaneamente remetem-nos a páginas com esta das Fundações: “Neste livro das
fundações, não descrevo os grandes padecimentos passados pelos caminhos, com
frio, com sol, com neve, pois às vezes nevava o dia inteiro, momentos em que
nos perdíamos, outros com grandes achaques e febres, porque, glória a Deus,
costumo ter pouca saúde, embora visse com clareza que Nosso Senhor me dava
forças. Porque me acontecia algumas vezes em que tratava das fundações achar-me
com tantos males e dores que chegava a angustiar-me muito, pois me parecia não
poder ficar, mesmo na cela, senão deitada. Eu me voltava para Nosso Senhor
queixando-me a Sua Majestade, e perguntando-lhe como queria que eu fizesse o
que não podia; depois disso, mesmo havendo sofrimentos, Deus, me dava forças e,
com o fervor que me infundia, e o cuidado, eu parecia esquecer de mim mesma.
Pelo que me lembro, nunca deixei de fundar por temer sofrimentos, embora pelos
caminhos, especialmente nos longos, sentisse muita contrariedade; mas ao
começar a andar parecia ter pouca distância a percorrer, vendo a serviço de
Quem o fazia e considerando que, na casa a ser fundada, se haveria de louvar o
Senhor e abrigar o Santíssimo Sacramento...” (F 18,4-5; 27,20- 21). É a
confissão de uma fragilidade conatural - Teresa esteve sempre doentia - na qual
brilha a força do Espírito.
É
este outro aspecto da santidade. São os santos que realizam grandes obras
apostólicas apesar de sua fraqueza. Numa tipologia da santidade contemplativa e
apostólica, Teresa recorda: “as grandes penitencias praticadas por muitos
santos, especialmente a gloriosa Madalena, embora crescida entre delícias:
disso o zelo pela glória de Deus que teve o nosso Pai Elias, e o anseio com que
São Domingos e São Francisco reuniram almas para louvar o Senhor; eu vos
confesso que não devia sofrer pouco, esquecidos como estavam de si mesmos” ((7M
4,11 e V 4,6). São Santos que deixaram traços duradouros na Igreja e arrastaram
consigo as almas para Deus. Na última expressão teresiana notamos uma
característica dos santos, cara à Santa de Ávila: eles são “os esquecidos de
si”, lançados todos para Deus, desejosos somente da sua glória e da salvação
das almas.
7.
Dimensões do serviço eclesial na vida contemplativa
As
páginas teresianas que ilustramos constituem uma apologia da vida apostólica.
Teses semelhantes encontram-se também em outros escritos seus e testemunha
quanto Teresa tomasse a peito o serviço direto no apostolado a ela proibido
pelas muitas circunstâncias históricas que podem ser resumidas nestas duas: a
sua condição de mulher, o seu estado de monja (C 1,2; V 21,2). Faz-se mister
todavia dizer que a Santa, apesar dos preconceitos e proibições, desenvolveu um
apostolado direto de amplo respiro com a fundação dos seus mosteiros, com a sua
palavra eficaz e persuasiva que falava de Deus, com a força humaníssima das
suas cartas onde o divino calava no humano, e com a mensagem dos seus escritos
que conservaram, além da morte, viva e próxima a experiência espiritual que
continuam comunicando aos homens de todos os tempos. Mas se sabe que Teresa
voltou-se providencialmente para o serviço eclesial com a originalidade de
conferir à vida evangélica e contemplativa dos seus mosteiros uma autêntica
dimensão de serviço à Igreja com a vida, com a oração e com o testemunho.
Nos
últimos compassos do Castelo Interior, após ter inflamado todos os orantes no
serviço apostólico na Igreja, estabelece necessário diálogo com as suas filhas,
as carmelitas descalças; são elas que sentem no coração o ardente desejo de
servir a Igreja mas devem fazê-lo, por vocação própria, na vida fraterna,
silenciosa e escondida de um mosteiro contemplativo e na condição de clausura.
A última página do Castelo interior torna-se assim apologia do sentido
apostólico da vida contemplativa, do valor da vida monástica. É nessa luz que
se deve ler a síntese doutrinal de Teresa.
Mas
na mensagem específica sobre a dimensão eclesial e apostólica da vida
contemplativa, há princípios que podem guiar uma justa valoração da jerarquia
da vida apostólica e das prioridades do serviço eclesial. A mensagem, portanto,
se alarga e torna-se universal.
Eis
a objeção fundamental à qual Teresa procura oferecer resposta espiritualmente
válida: Outra coisa me quereis dizer: é que para ganhar almas para Deus vós não
podeis nem tendes meios suficientes; que o faríeis de bom grado, mas que não
tendo o dever de ensinar nem pregar como os apóstolos, não sabeis em qual outro
método podeis corresponder” (7M 4,14). Temos aqui uma pergunta empenhativa que
exige uma resposta sapiencial. A Santa não foge do confronto: responde de modo
articulado.
Parece
que Teresa nunca tenha aceitado de bom grado as objeções que se faziam então a
respeito do empenho das mulheres no serviço apostólico, a partir da citação de
São Paulo sobre o silêncio das mulheres nas assembleias. De fato uma curiosa e
polêmica frase da Santa a respeito das mulheres e a pregação no-lo recorda:
“Como o Apóstolo (Paulo: 1Cor 14,34-35) e a nossa incapacidade nos proíbem de
pregar com palavras, façamo-lo pelo menos com as obras” (C 15,6).
Seja
como for, Teresa teoriza o valor da vida contemplativa a serviço da Igreja com
uma série articulada de razões.
-
O valor
apostólico da oração. É claro que
para Teresa o primeiro, fundamental serviço é o da oração-vida, e isto é de uma
vida de oração que se torna empenho de santidade pessoal e comunitária. Com ela
se alcança a todos: “Damos por certo que com a vossa oração podeis ajudar muito
a ganhar almas para Deus” (Ibi). A convicção, amadurecida pela experiência,
impulsionou Teresa a dar preferência para a vida evangélica empenhada na
contemplação como primeiro serviço prestado à Igreja. “Ser tais” que possamos
obter com uma poderosa intercessão o que o mundo e a Igreja precisam (CP
capítulos 1 e 2).
-
O realismo e
a concretude - Agora porém a
Santa apoia-se num subtil argumento que exprime uma convicção madura. O
primeiro serviço consiste no realismo de uma vida que não se refugia em sonhos
impossíveis; os primeiros destinatários do serviço eclesial são os nossos
irmãos que compartilham conosco os mesmos ideais de vida; o primeiro apostolado
consiste na própria vida e no exemplo que arrasta, nas sobras concretas de
caridade. O raciocínio de Teresa é incisivo: “Às vezes o demônio inspira-nos
grandes desejos para deixar de lado ocasiões de servir a Nosso Senhor em coisas
viáveis e nos contentar privilegiando aquelas que são impossíveis... não
queirais beneficiar todas as pessoas; concentrai-vos nas que estão em vossa
companhia, e assim será maior a obra pois a vossa obrigação com elas é muito
maior. Julgais pequeno ganho abrasá-las a todas com o fogo da vossa grande
humildade, da mortificação, do serviço a todas, de uma intensa caridade para
com elas e do amor a Deus? Ou se com as demais virtudes as encherdes de
estímulo? Não, será grande esse serviço e muito agradável a Deus. Vendo que
realizais as obras que estão ao vosso alcance, Sua Majestade entenderá que
faríeis muito mais e vos recompensará como se tivésseis levado muitas almas a
Ele” (7M 4,14).
-
O serviço da
santidade pessoal e comunitária.
Aprofundando ainda a resposta, Teresa coloca-se outra possível subtil objeção:
Direis que isso não é converter, já que aqui todas as almas são boas. E que
tendes vós com isso? Quanto melhores forem, tanto mais agradáveis ao Senhor
serão os seus louvores e tanto mais sua oração beneficiará as almas que lhes
estão próximas”. Excelente resposta teresiana que mira, no serviço da Igreja,
mais à qualidade do que à quantidade e ensina que a proporção da eficácia
apostólica está em relação com a perfeição e a santidade das pessoas da Igreja.
Retorna-se assim à sua convicção fundamental, que pôs como base do serviço
eclesial da vida contemplativa: renovar a Igreja com a santidade pessoal e
comunitária para tornar mais eficaz a sua oração e o seu apostolado. Essa
densidade do ser Igreja mesmo em detrimento de uma rápida difusão superficial é
atestada por uma polêmica frase da Santa numa de suas últimas cartas: “Nosso
ganho não está em multiplicar os mosteiros nas no fato que sejam santas as
pessoas que neles moram” (Carta 30/05/1582). Iniciando pelas pessoas e pelas
comunidades, a vida da Igreja se expande, sem sacrificar a uma extensão
superficial o empenho individual e comunitário da santidade.
-
O primado do
amor e a criatividade apostólica que vem de Deus. Na última pincelada a resposta exaustiva: “Em
suma, irmãs minhas, concluo dizendo que não edifiquemos torres sem alicerces
sólidos, porque o Senhor não olha tanto a grandeza das obras quanto o amor com
que são realizados. E, desde que façamos o que pudermos, Sua Majestade nos dará
forças para fazê-lo cada dia mais e melhor. Não nos cansemos logo. No pouco que
dura esta vida - e talvez seja ainda menos do que pensamos - ofereçamos
interior e exteriormente ao Senhor o sacrifício que pudermos. Sua Majestade o
unirá ao sacrifício que ofereceu ao Pai na cruz por todos nós. Assim, conferirá
a ele o valor merecido pelo nosso amor, embora sejam pequenas as obras” (7M
4,15). Na concentrada densidade teológica deste texto algumas afirmações
fundamentais: o realismo e a concretude das obras; o valor absoluto do amor que
torna verdadeiramente grandes as grandes obras, como engrandece as pequenas,
densas de amor; o dinamismo criativo de um serviço que aumenta na proporção em
que se insere no ritmo próprio de Deus que abre novos caminhos e oferece novas
possibilidades “cada dia mais”; a perseverança criativa que não se cansa e
colhe o átimo da vida que passa a possibilidade de um serviço intenso.; a graça
de poder viver no sacerdócio real do sacrifício interior e das obras
exteriores, juntamente à fonte de todo o valor apostólico que é o sacrifício de
Cristo; o valor absoluto do amor.
Esta
página de Santa Teresa evoca espontaneamente a figura de Teresa de Lisieux que
pôs em prática no modo mais maravilhoso este testamento teresiano na concretude
da vida contemplativa engajada, no realismo de uma caridade refinada, na força
avassaladora do amor que deu valor a cada pequena ação e alargo além dos muros
do mosteiro sua ação apostólica e missionária. Também está na base das mais
bonitas afirmações do Vaticano II sobre o valor da vida contemplativa e da sua
“misteriosa fecundidade apostólica” (PC n.7).
8.
Jerarquia de valores na vida apostólica
O
ensinamento vale também para a vida apostólica com suas modulações já expostas
e com as aplicações concretas a respeito.
Resta
claro que para Teresa o primeiro serviço consiste na oração-vida, no ser Igreja
e Igreja santa. Na Igreja que é o Corpo de Cristo o primeiro serviço será o de
manter intacta a comunhão com Deus sem a qual não existe verdadeira vida
eclesial. Ser contemplativos deverá permanece o primeiro empenho dos apóstolos,
o primeiro serviço prestado à Igreja, que para manter a sua originalidade deve
haurir constantemente a sua seiva vital na comunhão com Cristo. Da oração, como
vimos, mana a força vital do serviço segundo os próprios desejos de Deus.
Com
a mesma lógica deve afirmar-se que o apostolado verdadeiro é concreto e
realista; dirige-se, numa lógica Jerarquia de valores e de possibilidades, aos
mais próximos, àqueles que se encontrar realmente na vida, não descuidando de
ninguém; um apostolado não feito de sonhos, mas de empenhos que estão ao nosso
alcance.
Talvez
Teresa afirme com a mesma lógica que também no apostolado não se deve parar na
superficial edificação da Igreja a nível numérico e com uma extensão
epidérmica, mas se deve mirar em fazer crescer a Igreja em profundidade e em
extensão juntamente, numa orientação decidida ao amadurecimento de grupos e de
comunidades que por sua vez poderão influir mais positivamente com a força
própria do exemplo, na extensão da Igreja.
Finalmente,
é na linha do pensamento de Teresa que tudo em valor apostólico se permeado
pelo amor; que não existem grandes obras se são privadas do amor; que não há
ações pequenas se carregadas de caridade. Nos empreendimentos macroscópicos da
Igreja e nas suas ações quase microscópicas e escondidas, o que conta é o amor.
Da comunhão com Deus, fonte da caridade, manam as obras grandes do apostolado e
as maravilhas de santidade de uma vida escondida; ambas com dimensões
apostólicas. Na perseverança criativa, a possibilidade de um apostolado que,
tendo entrado no dinamismo do Espírito, pode crescer cada dia mais em
profundidade extensão. A própria Santa está convencida de que os Santos fazem
grandes obras pela Igreja, a Serviço do Senhor. Afirma, isso, no seu opúsculo
Conceitos do Amor de Deus c. 7, que tem por título: “Frutos admiráveis produzidos
na Igreja pelas almas favorecidas por esta união e desapegadas de qualquer
interesse pessoal”
9. O valor
santificador do apostolado
Santa
Teresa expressou com força a unidade da vida contemplativa e apostólica. Com a
mesma força com que afirma que a oração é de caráter apostólico, quando
torna-se plenamente expressão de amor, assere também que o trabalho apostólico
é santificador e leva ao crescimento na contemplação e na união com Deus. Na
base dessa afirmação está a sua experiência de contemplativa e de “andareja” e
também o testemunho que recebe dos outros, que vê crescidos e amadurecidos no
amor de Deus no meio de um frenético apostolado ou dedicados a obras de
caridade (F 5,8). Mas, ao lado da experiência, ela confirma o princípio muitas
vezes expresso e que se tornou axioma da sua espiritualidade sobre a
indissolúvel relação entre o amor de Deus e do próximo: o amor de Deus vivido
na oração impulsiona a manifestá-lo no amor ao próximo com obras de caridade e
de apostolado; o amor ao próximo faz crescer misteriosamente o amor a Deus e
conduz à união com Ele (5M 3,7-12).
Na
apologia da vida ativa que alcança quanto hoje se escreve a propósito da
“espiritualidade da ação”, podem ser suficientes dois textos teresianos que
expressam muito bem o pensamento desta mestra de oração e de apostolado.
O
primeiro é o trecho final da segunda Exclamação: “Ó Jesus meu! Quão grande é o
amor que tendes aos filhos dos homens, a ponto de o maior serviço que se pode fazer
a Vós seja deixar-Vos por seu amor e lucro, situação em que sois possuídos mais
plenamente. Porque, embora não se satisfaça tanto a vontade em gozar, a alma se
compraz em contentar a Vós, vendo que os gozos da terra são incertos, ainda que
pareçam dados apor Vós, enquanto vivermos nesta mortalidade, se não estiverem
acompanhados do amor ao próximo. Quem não o amar, não Vos ama, Senhor meu, pois
vimos demonstrado com tanto sangue o amor tão grande que tendes aos filhos de
Adão” (E 2,2). Trata-se, como revela o trecho, de servir o próximo até deixar
Deus por Deus que vive no próximo, com a consciência de cresce na comunhão com
Ele. É este o admirável “êxodo” apostólico da oração rumo ao próximo,
semelhante ao de Cristo, da Trindade até a humanidade para fazer dom de si aos
irmãos.
O
segundo trecho é um conselho ministrado pela santa a um amigo íntimo que vive
mergulhado no apostolado e tornar-se-á Arcebispo de Évora, em Portugal, D.
Teutônio de Bragança. Escreve para consolá-lo e encorajá-lo na vida apostólica:
“Não é de maravilhar que não possa vossa senhoria ter agora o recolhimento que
deseja, com semelhantes novidades. Dar-lhe-á o dobro Nosso Senhor - como
costuma fazer quando O deixamos para a tender a seu serviço; contudo sempre
desejo que procure vossa senhoria tempo para sua alma, porque nisto está todo o
nosso bem” (Carta de 16/01/1578). Deste modo, na unidade de vida, tem-se a
possibilidade de um crescimento harmônico de oração profunda e de apostolado
eficaz.
Conclusão
Nas
páginas finais do Castelo Interior de Teresa pudemos perceber a densidade de uma
mensagem, quase um testamento espiritual, que conserva o frescor e a validade
de uma página evangélica. Um forte chamado à santidade e à profundidade do
empenho de vida contemplativa; um forte estímulo a trabalhar pela Igreja e pela
Humanidade numa ação apostólica eficaz e concreta. Um elogio da vida
contemplativa que possui uma avassaladora força apostólica universal; uma
apologia do apostolado, por uma Santa que é mestra de oração, como forma eficaz
para servir a Igreja, mas também como expressão e meio de crescimento
espiritual.
Harmonia
e mutuo, fecundo relacionamento entre oração e a ação apostólica. Tudo a
serviço da igreja para fazer crescer em santidade pessoal e comunitária. Essa é
a mensagem de Teresa de Ávila. Essa foi a sua obra num momento difícil da
Igreja. Esse o seu serviço eclesial, verdadeira “diakonia” do Evangelho, da
oração vivida e da ação apostólica que mana do amor. Na sua vida e nos seus
escritos um poderoso convite para que todo o cristão seja um contemplativo
engajado, toda a comunidade eclesial, seja ao mesmo tempo comunidade de oração,
de amor e de serviço, para oferecer ao mundo o rosto de Cristo “divino e humano
junto” numa Igreja contemplativa, fraterna e missionária.
Bibliografia
M.
HERRAIZ , La oración, história de amistad , Madrid, Ede, 1981, pág.s 175-198.
E.
RENAULT , L’ideal apostolique des Carmélites selon Thérèse d’Avila , Paris DDB,
1981.
F.R.
Wilhélem, Dieu dans l’action. La mystique apostolique selon Térèse d’Avila ,
Venasque, Edition du Carmel, 1992.
A.
MAS , Teresa de Jesús en el matrimonio espiritual. Un análisis teológico desde
las séptimas moradas del “Castillo interior” , Ávila, 1993.
CONCLUSÃO
Já
se passaram 39 anos da proclamação de Santa Teresa de Jesus Doutora da Igreja.
A abundante bibliografia dos últimos anos sobre a sua doutrina, e especialmente
com motivo da proclamação do doutorado da Santa e do IV Centenário de sua morte
(1582-1982) evidenciaram o interesse por sua doutrina que ilumina a Igreja,
principalmente no campo da oração e da mística.
Procuramos
oferecer neste curso uma visão panorâmica da pessoa, dos escritos e da teologia
teresiana.
Temos o prazer de concluir com as belas e
emblemáticas expressões do cardeal Carlos Maria Martini numa meditação sobre a
Santa, por ocasião de uma peregrinação recente que percorreu as pegadas de
Santa Teresa e de São João da Cruz em Ávila e Segóvia, acompanhado pelos
sacerdotes da diocese de Milão. Numa meditação afirma a respeito das fontes da
oração cristã: Referimo-nos a Santa Teresa de Ávila, porque é a santa que viveu
em si mesma como ícone, e mais eficazmente teorizou, o tema da oração pessoal,
dos seus métodos, dos itinerários da oração, da sua necessidade e suma
utilidade, das suas alegrias e das suas provações. Com ela e com São João da
Cruz a oração mental foi colocado no centro da atenção da Igreja... São os dois
santos carmelitas que a ilustraram nos pormenores da doutrina e com o exemplo
da vida, traçaram o seu itinerário, descreveram esse caminho com abundantes
pormenores, usaram os símbolos da subida da montanha e do castelo interior com
incontáveis salas”
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