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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

SOLENIDADE DE SANTA MARIA, MÃE DE DEUS.

Oito dias depois da Natividade, primeiro dia do ano novo, o calendário dos santos se abre com a festa de Maria Santíssima, no mistério de sua maternidade divina. Escolha acertada, porque de fato Ela é "a Virgem mãe, Filha de seu Filho, humilde e mais sublime que toda criatura, objeto fixado por um eterno desígnio de amor". Ela tem o direito de chamá-lo "Filho", e Ele, Deus onipotente, chama-a, com toda verdade, Mãe! - Pe Paulo Ricardo

Neste dia, a liturgia coloca-nos diante de evocações diversas, ainda que todas importantes. Celebra-se, em primeiro lugar, a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus: somos convidados a contemplar a figura de Maria, aquela mulher que, com o seu “sim” ao projeto de Deus, nos ofereceu Jesus, o nosso libertador. Celebra-se, em segundo lugar, o Dia Mundial da Paz: em 1968, o Papa Paulo VI propôs aos homens de boa vontade que, neste dia, se rezasse pela paz no mundo. Celebra-se, finalmente, o primeiro dia do ano civil: é o início de uma caminhada percorrida de mãos dadas com esse Deus que nos ama, que em cada dia nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.

O Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador de Deus (que se tornou realidade plena no nosso mundo através de Jesus) provoca alegria e felicidade naqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação: os pobres e os marginalizados. Convida-nos, também, a louvar a Deus pelo seu amor e a testemunhar o desígnio libertador de Deus no meio dos homens.

Maria, a mulher que proporcionou o nosso encontro com Jesus, é o modelo do crente que é sensível aos projetos de Deus, que sabe ler os seus sinais na história, que aceita acolher a proposta de Deus no coração e que colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.

EVANGELHO Lc 2,16-21 - Naquele tempo, os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. Quando O viram, começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino. E todos os que ouviam admiravam-se do que os pastores diziam. Maria conservava todas estas palavras, meditando-as em seu coração. Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado. Quando se completaram os oito dias para o Menino ser circuncidado, deram-lhe o nome de Jesus, indicado pelo Anjo, antes de ter sido concebido no seio materno.

O texto do Evangelho de hoje é a continuação daquele que foi lido na noite de Natal: após o anúncio do “anjo do Senhor”, os pastores (destinatários desse anúncio) dirigiram-se a Belém e encontraram o menino, deitado numa manjedoura de uma gruta de animais. Mais uma vez, Lucas não está interessado em fazer a reportagem do nascimento de Jesus, ou a crônica social das “visitas” que, então, o menino de Belém recebeu; mas está, sobretudo, interessado em apresentar uma catequese que dê a entender (aos cristãos a quem o texto se destina) quem é esse menino e qual a missão de que ele foi investido por Deus. Nesta catequese fica bem claro que Jesus é o Messias libertador, enviado a trazer a paz; e há, também, uma reflexão sobre a resposta que Deus espera do homem.

Como pano de fundo do nosso texto está, portanto, a ideia de que, com a chegada de Jesus, atingimos o centro do tempo salvífico… Em Jesus, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso encontro e materializou-se no meio dos homens; o próprio nome (“Jesus” significa “Jahwéh salva”) que foi dado ao menino, por indicação do anjo que anunciou o seu nascimento, aponta nesse sentido. Por outro lado, o fato de essa “boa notícia” ser dada, em primeiro lugar, aos pastores (classe marginalizada, considerada impura, pecadora e muito longe de Deus e da salvação) significa que a proposta de Jesus se destina, de forma especial, aos pobres e marginalizados, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Diz-lhes que Deus os ama, que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família.

Definida a questão essencial, atentemos nas atitudes dos intervenientes e na forma como eles respondem à chegada de Jesus…

Comentário do texto

Lucas 2, 8-9: os primeiros convidados.
Os pastores eram pessoas marginalizadas e pouco apreciadas. Viviam junto com os animais, separados do resto da humanidade. Por causa do contacto permanente com os animais eram considerados impuros. Nunca ninguém os tinha convidado para visitar um recém-nascido. Mas é precisamente a estes pastores que aparece o Anjo do Senhor para lhes transmitir a grande notícia do nascimento de Jesus. Perante a aparição dos anjos encheram-se de temor.

Lc 2, 10-12: o primeiro anúncio da Boa Nova.
A primeira palavra do anjo é: Não temais! A segunda é: Alegria para todo o povo! A terceira é: Hoje! Em seguida dá três nomes a Jesus querendo indicar-nos quem é ele: SALVADOR, CRISTO e SENHOR! Salvador é aquele que a todos liberta do que os prende. Aos governantes daquele tempo gostava de se lhes dar o nome de “Salvador”. Eles mesmos se atribuíam o título de Soter (= Salvador). Cristo significa ungido ou messias. No Antigo Testamento este era o título que se dava aos reis e aos profetas. Era também o título do futuro Messias que cumprirá as promessas de Deus relativamente ao povo. Isto significa que o recém-nascido, que jaz num presépio, vem realizar a esperança do povo. Senhor era o nome que se dava ao próprio Deus! Temos aqui os três títulos maiores que se possa imaginar. A partir deste anúncio do nascimento de Jesus Salvador Cristo Senhor, imagina alguém com uma categoria mais elevada. O anjo diz-te: “Atenção! Dou-te este sinal de reconhecimento: encontrarás um menino num presépio, no meio dos pobres!”. Acreditarias? O modo como Deus atua é diferente do nosso!

Lucas 2, 13-14: louvor dos anjos.
Glória a Deus no mais alto do céu, Paz aos homens do seu agrado. Uma multidão de anjos aparece e desce do céu. É o céu que desce sobre a terra. As duas frases do versículo resumem o projeto de Deus, o seu plano. O primeiro diz que acontece no mundo de cima: Glória a Deus no mais alto do céu. A segunda diz o que sucederá no mundo daqui de baixo: Paz na terra aos homens que Ele ama! Se as pessoas pudessem experimentar o que verdadeiramente significa ser amados por Deus, tudo mudaria e a paz habitaria na terra. E seria esta a maior glória de Deus que vive no mais alto.

Lucas 2, 15-18: os pastores vão a Belém e contam a visão dos anjos.
A palavra de Deus não é um som produzido pela boca. É sobretudo um acontecimento! Os pastores dizem literalmente: “Vamos ver esta palavra que aconteceu e que o Senhor nos manifestou”. Em hebraico DABAR pode significar ao mesmo tempo palavra e coisa (acontecimento), gerado pela palavra. A Palavra de Deus tem força criadora. Cumpre o que diz. Na Criação disse Deus: “Faça-se a luz! E a luz foi feita”! (Gn 1, 3). A palavra do anjo aos pastores é o acontecimento do nascimento de Jesus.

Os pastores, depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, se dirigem “apressadamente” ao encontro do Menino. A palavra “apressadamente” sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem Jesus como o único salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É dele e de mais ninguém que brota a libertação por que os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede.

Lucas 2, 19-20: Conduta de Maria e dos pastores perante os fatos e as palavras.
Lucas acrescenta em seguida que “Maria conservava estas palavras (acontecimentos) meditando-os em seu coração”. São dois modos de perceber e acolher a Palavra de Deus:
1) Os pastores levantam-se e vão ver os fatos e verificar neles o sinal que lhes foi dado pelo anjo, e depois, voltam para os seus rebanhos glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido.
2) Maria, por sua vez, conservava com cuidado todos os acontecimentos na memória e meditava-os no seu coração. Meditar as coisas significa ruminá-las, iluminá-las com a luz da Palavra de Deus, para assim chegar a entender melhor todo o significado para a vida.

Repare-se como os pastores reagem ao encontro com Jesus… Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a experiência do encontro com Deus libertador tem, obrigatoriamente, de dar testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma experiência gratificante.

A atitude de Maria é a atitude de quem é capaz de abismar-se com as ações do Deus libertador, com o amor que Ele manifesta nos seus gestos em favor dos homens. “Observar”, “conservar” e “meditar” significa ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os profetas.

A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude “missionária” dos pastores, que proclamam a ação salvadora de Deus, manifestada no nascimento de Jesus. Estas duas atitudes definem duas coordenadas essenciais daquilo que deve ser a existência do crente.

Lucas 2, 21: A circuncisão e o nome de Jesus.
De acordo com a norma da Lei, o menino Jesus é circuncidado no oitavo dia depois do seu nascimento (cf. Gn 17, 12). A circuncisão era um sinal de pertença ao povo. Dava identidade à pessoa. Nesta ocasião cada menino recebia o seu nome (cf. Lc 1, 59-63). O menino recebe o nome de Jesus que lhe tinha sido dado pelo anjo, antes de ter sido concebido. O anjo tinha dito a José que o nome do menino devia ser Jesus pois “ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). O nome de Jesus é Cristo, que significa Ungido ou Messias. Jesus é o Messias esperado. O terceiro nome é Emanuel, que significa Deus-conosco (Mt 1, 23). O nome completo é Jesus Cristo Emanuel!

Os contrastes que mais ressaltam no nosso texto
- Nas trevas da noite brilha a luz (Lc 2, 8-9).
- O mundo de cima, o céu, parece envolver o nosso mundo daqui de baixo (Lc 2, 13).
- A grandeza de Deus manifesta-se na pequenez de um menino (Lc 2, 7).
- A glória de Deus faz-se presente num presépio, junto de animais (Lc 2, 16).
- O medo provocado pela repentina aparição do anjo converte-se em alegria (Lc 2, 9-10).
- As pessoas marginalizadas de tudo são as primeiras convidadas (Lc 2, 8).
- Os pastores reconhecem Deus presente num menino (Lc 2, 20).

Para uma reflexão pessoal:

• No Evangelho que, hoje, nos é proposto fica claro o fio condutor da história da salvação: Deus nos ama, quer a nossa plena felicidade e, por isso, tem um projeto de salvação para levar-nos a superar a nossa fragilidade e debilidade; e esse projeto foi-nos apresentado na pessoa, nas palavras e nos gestos de Jesus. Temos consciência de que a verdadeira libertação está na proposta que Deus nos apresentou em Jesus e não nas ideologias, ou no poder do dinheiro, ou na posição que ocupamos na escala social? Porque é que tantos dos nossos irmãos vivem afogados no desespero e na frustração? Porque é que tanta gente procura “salvar-se” em programas de televisão que lhes dê uns minutos de fama, ou num consumismo alienante? Não será porque não fomos capazes de lhes apresentar a proposta libertadora de Jesus?

• Diante da “boa nova” da libertação, reagimos – como os pastores – com o louvor e a ação de graças? Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelo seu amor e pelo seu empenho em nos libertar da escravidão?

• Os pastores, após terem tomado contato com o projeto libertador de Deus, fizeram-se “testemunhas” desse projeto. Sentimos, também, o imperativo do testemunho? Temos consciência de que a experiência da libertação é para ser passada aos nossos irmãos que ainda a desconhecem?

• Maria “conservava todas estas palavras e meditava-as no seu coração”. Quer dizer: ela era capaz de perceber os sinais do Deus libertador no acontecer da vida. Temos, como ela, a sensibilidade de estar atentos à vida e de perceber a presença – discreta, mas significativa, atuante e transformadora – de Deus, nos acontecimentos mais ou menos banais do nosso dia a dia?

Maria no Evangelho de S. Lucas:

Nos dois primeiros capítulos do seu evangelho, Lucas apresenta Maria como modelo para a vida das comunidades. A chave é-nos dada por aquele episódio em que uma mulher do povo elogia a mãe de Jesus ao dizer: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram” (Lc 11, 27). Jesus modifica o elogia e diz: “Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 28). Aqui está a grandeza de Maria. É no modo como Maria se refere à Palavra de Deus que as comunidades contemplam a maneira mais correta de se relacionar com a Palavra de Deus: acolhê-la, encarná-la, vivê-la, aprofundá-la, ruminá-la, fazê-la nascer e crescer, deixar-se plasmar por ela, mesmo quando não se entende ou faz sofrer. É esta a visão que está subjacente nos dois primeiros capítulos do evangelho de Lucas, que falam de Maria, a Mãe de Jesus.

1 - A Anunciação (Lc 1, 26-38): “Faça-se em mim segundo a tua palavras!”. Saber abrir-se de modo que a Palavra de Deus seja acolhida e encarne.

2 - A Visitação (Lc 1, 39-45): “Feliz aquela que acreditou!”. Saber reconhecer a Palavra de Deus nos acontecimentos da vida.

3 - O Magnificat (Lc 1, 46-56): “O Senhor fez em mim grandes coisas!”. Um canto subversivo de resistência e esperança.

4 - O Nascimento (Lc 2, 1-20): “Ela conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração”. Não havia lugar para eles. Os marginalizados acolhem a Palavra.

5 - A Apresentação (Lc 2, 21-32): “Os meus olhos viram a salvação!”. Os muitos anos purificam o olhar.

6 - Simeão e Ana (Lc 2, 33-38): “Uma espada trespassar-te-à a alma”. Ser cristão quer dizer ser sinal de contradição.

7 - Aos doze anos (Lc 2, 39-52): “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?”. Eles não entenderam o que lhes dizia.


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