FESTA DA NATIVIDADE DA SANTÍSSIMA THEOTOKOS
E SEMPRE VIRGEM MARIA
Evangelho (Mt 1,1-16.18-23): Livro da origem de Jesus Cristo, filho de
Davi, filho de Abraão: Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó, Jacó gerou Judá e
seus irmãos, Judá gerou Farés e Zara, de Tamar. Farés gerou Esrom; Esrom gerou
Aram; Aram gerou Aminadab; Aminadab gerou Naasson; Naasson gerou Salmon; Salmon
gerou Booz, de Raab. Booz gerou Obed, de Rute. Obed gerou Jessé. Jessé gerou o
rei Davi.
Davi gerou Salomão, da mulher de
Urias. Salomão gerou Roboão; Roboão gerou Abias; Abias gerou Asa; Asa gerou
Josafá; Josafá gerou Jorão; Jorão gerou Ozias; Ozias gerou Jotão; Jotão gerou
Acaz; Acaz gerou Ezequias; Ezequias gerou Manassés; Manassés gerou Amon; Amon
gerou Josias. Josias gerou Jeconias e seus irmãos, no tempo do exílio na
Babilônia.
Depois do exílio na Babilônia,
Jeconias gerou Salatiel; Salatiel gerou Zorobabel; Zorobabel gerou Abiud; Abiud
gerou Eliaquim; Eliaquim gerou Azor; Azor gerou Sadoc; Sadoc gerou Aquim; Aquim
gerou Eliud; Eliud gerou Eleazar; Eleazar gerou Matã; Matã gerou Jacó. Jacó gerou
José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo. No
total, pois, as gerações desde Abraão até Davi são quatorze; de Davi até o
exílio na Babilônia, quatorze; e do exílio na Babilônia até o Cristo, quatorze.
Ora, a origem de Jesus Cristo foi
assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José e, antes de
passarem a conviver, ela encontrou-se grávida pela ação do Espírito Santo.
José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, pensou
em despedi-la secretamente. Mas, no que lhe veio esse pensamento, apareceu-lhe
em sonho um anjo do Senhor, que lhe disse: «José, Filho de Davi, não tenhas
receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito
Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai
salvar o seu povo dos seus pecados». Tudo isso aconteceu para se cumprir o que
o Senhor tinha dito pelo profeta: «Eis que a virgem ficará grávida e dará à luz
um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus-conosco».
Comentário: +Fray Agustí ALTISENT i Altisent Monje
de Santa Mª de Poblet (Tarragona, Espanha)
Eis que a virgem ficará
grávida e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel
Hoje, a genealogia de Jesus, o
Salvador que tinha que vir e, nascer de Maria, nos mostra como a obra de Deus
está entrelaçada na história humana, e como Deus atua no segredo e no silêncio
de cada dia. Ao mesmo tempo, vemos sua seriedade em cumprir suas promessas.
Inclusive Rut e Rahab (cf. Mt 1,5), estrangeiras convertidas à fé no único Deus
(e Rahab era uma prostituta!), são antepassados do Salvador.
O Espírito Santo, que havia de
realizar em Maria a encarnação do Filho, penetrou, pois em nossa história desde
muito longe, desde muito cedo e, traçou um rumo até chegar a Maria de Nazaré e,
através dela, a seu filho Jesus. «Eis que a virgem conceberá e dará a luz um
filho, e ele será chamado Emanuel» (Mt 1,23). Quão espiritualmente delicadas
deviam ser as entranhas de Maria, seu coração e sua vontade, ao ponto de atrair
a atenção do Pai e a convertê-la em mãe do Deus-com-os-homens!, Ele que tinha
que levar a luz e a graça sobrenaturais para a salvação de todos. Tudo, nesta
obra, nos leva a contemplar, admirar e adorar, na oração, a grandeza, a
generosidade e a simplicidade da ação divina, que enaltece e resgatará nossa
estirpe humana implicando-se de una maneira pessoal.
Mais além, no Evangelho de hoje,
vemos como foi notificado a Maria que traria a Deus, o Salvador do Povo. E
pensemos que esta mulher, virgem e mãe de Jesus, tinha que ser ao mesmo tempo,
nossa mãe. Esta especial escolha de Maria —«bendita entre todas as mulheres»
(Lc 1,42)— faz com que nos admiremos da ternura de Deus, na maneira de
proceder; porque não nos redimiu —por assim dizer— à distância, e sim se
vinculando pessoalmente com nossa família e nossa história. Quem podia imaginar
que Deus ia ser tão grande, e ao mesmo tempo tão condescendente, aproximando-se
intimamente a nós?
Comentário ao Evangelho do dia feito por Santo André de Creta
(660-740),Monge e Bispo Homilia 1, para a Natividade da Santa Mãe de Deus;
Hoje desponta a aurora da
salvação. Já não vivemos sob a escravidão dos elementos do mundo, como diz o
apóstolo Paulo. Já não estamos submetidos à letra da Lei (Col 2, 8; Rom 7, 6).
Com efeito, é nisto que consiste o essencial das graças de Cristo; é aqui que o
mistério se manifesta e que a natureza é renovada: Deus fez-se homem e a
humanidade assim assumida é divinizada. Foi, portanto, necessário que a
esplêndida habitação de Deus, tão visível entre os homens, fosse precedida por
uma introdução à alegria, de que decorreria para nós o magnífico dom da
salvação. Tal é o objeto da festa que celebramos: o nascimento da Mãe de Deus
inaugura o mistério que tem por conclusão e termo a união do Verbo com a carne.
[...]
Agora que a Virgem acaba de
nascer e se prepara para ser Mãe do Rei universal de todos os séculos [...], é
o momento em que recebemos do Verbo uma dupla mercê: somos conduzidos à verdade
e libertados da vida de escravidão sob a letra da Lei.
Como? Por que forma? Sem dúvida nenhuma, porque as sombras se
desvanecem com a chegada da luz, porque a graça faz com que a liberdade
substitua a letra. A festa que celebramos está nesta fronteira, porque faz a
ligação entre a verdade e as imagens que a prefiguram, substitui o que era
velho por coisas novas. [...]Que toda a criação cante e dance e dê o seu melhor
contributo para a alegria deste dia! Que o céu e a terra formem hoje uma única
assembleia! Que tudo o que está no mundo e acima do mundo se una no mesmo
concerto de festa. Com efeito, hoje o santuário criado eleva-se até onde
residirá o Criador do universo. E uma criatura é preparada, por esta disposição
inteiramente nova, para oferecer ao Criador uma morada santa.
«DO HUMILDE MONGE E PRESBÍTERO JOÃO DAMASCENO, HOMILIA PARA O
NASCIMENTO DE NOSSA SENHORA SANTÍSSIMA, A MÃE DE DEUS E SEMPRE VIRGEM MARIA».
1.
Vinde, todas as nações, vinde, homens de todas as raças, línguas e idades, de
todas as condições: com alegria celebremos a natividade da alegria do mundo
inteiro! Se os gregos destacavam com todo o tipo de honras – com os dons que
cada um podia oferecer – o aniversário das divindades, impostos aos espíritos
por mitos mentirosos que obscureciam a verdade, e também o dos reis, mesmo se
eles fossem o flagelo de toda a existência, que deveríamos nós fazer para
honrar o aniversário da Mãe de Deus, por quem toda a raça mortal foi
transformada, por quem o castigo de Eva, nossa primeira mãe, foi mudada em
alegria? Com efeito, uma ouviu a sentença divina: «Darás à luz no meio de
penas»; a outra ouviu, por seu turno: «Alegra-te, oh Cheia de Graça». À
primeira disse-se: «Inclinar-te-ás para o teu marido», mas à segunda: «O Senhor
está contigo». Que homenagem ofereceremos então nós à Mãe do Verbo, senão outra
palavra? Que a criação inteira se alegre e festeje, e cante a natividade de uma
santa mulher, porque ela gerou para o mundo um tesouro imperecível de bondade,
e porque por ela o Criador mudou toda a natureza num estado melhor, pela
mediação da humanidade. Porque se o homem, que ocupa o meio entre o espírito e
a matéria, é o laço de toda a criação, visível e invisível, o Verbo criador de
Deus, ao se unir à natureza humana, uniu-se através dela a toda a criação.
Festejemos assim o desaparecimento da humana esterilidade, pois cessou para nós
a enfermidade que nos impedia a posse dos bens.
2. Mas
porque nasceu a Virgem Maria de uma mulher estéril? Àquele que é o único
verdadeiramente novo debaixo do sol, como coroamento das Suas maravilhas,
deviam ser preparados os caminhos por maravilhas, para que lentamente as
realidades mais baixas se elevassem de modo a serem as mais altas. E eis uma
outra razão, mais alta e mais divina: a natureza cedeu o lugar à graça, pois ao
vê-la tremeu, e não quis mais ter o primeiro lugar. Como a Virgem Mãe de Deus
devia nascer de Ana, a natureza não ousou prevenir o fruto da graça, mas
permaneceu ela própria sem fruto, até que a graça trouxesse o seu. Era
necessário que fosse primogênita aquela que deveria gerar «o Primogênito de
toda a criação, no Qual tudo subsiste». Oh Joaquim e Ana, casal venturoso! Toda
a criação está em dívida para convosco, porque através de vós ela pôde oferecer
ao Criador o dom – entre todos o mais excelso – de uma Mãe venerável, a única
digna d’Aquele que a criou. Ditosos os rins de Joaquim, de onde saiu uma
semente totalmente imaculada, e admirável o seio de Ana, graças ao qual se
desenvolveu lentamente, onde se formou e de onde nasceu uma tão santa criança!
Oh entranhas que levastes um céu vivo, mais vasto que a imensidade dos céus! Oh
moinho onde foi amassado o Pão vivificante, segundo as próprias palavras de
Cristo: «Se o grão de trigo não cair na terra e morrer, ficará só». Oh seio que
aleitaste aquela que alimentou o Aquele que alimenta o mundo! Maravilha das
maravilhas, paradoxo dos paradoxos! Sim, a inexprimível Encarnação de Deus,
cheia de condescendência, devia ser precedida por estas maravilhas. Mas como
rosseguirei? O meu espírito está fora de si, dividido que estou entre o temor e
o amor; o meu coração bate e a minha língua move-se: não posso suportar a
alegria, as maravilhas deitam-me por terra, o ardor apaixonado aprisionou-me
num arrebatamento divino. Que o amor vença, que o temor desapareça e que cante
a cítara do Espírito: «Alegrem-se os céus, exulte a terra»!
3.
Hoje as portas da esterilidade abrem-se, e uma porta virginal e divina avança:
a partir dela, por ela, o Deus que está acima de todos os seres deve «vir ao
mundo» «corporalmente», segundo a expressão de Paulo, ouvinte dos segredos
inefáveis. Hoje, da raiz de Jessé saiu uma vergôntea, de onde surgirá para o
mundo uma flor substancialmente unida à divindade.
Hoje,
a partir da natureza terrena, um céu foi formado sobre a terra por Aquele que
outrora o tornara sólido separando-o das águas, elevando o firmamento nas
alturas. É um céu verdadeiramente mais divino e mais elevado que o primeiro,
porque Aquele que no primeiro céu criara o sol Se elevou a Si próprio neste
novo como um sol de justiça. Sim, há n’Ele duas Naturezas, apesar da loucura
dos Acéfalos, e uma só Pessoa, mesmo que os Nestorianos se encolerizem! A Luz
eterna, proveniente da Luz eterna antes de todos os séculos, o Ser, imaterial e
incorpóreo, tomou um corpo desta mulher, e como um esposo que sai para fora de
seu tálamo, assim fez Deus, tornando-se como tal filho da raça terrena. Como um
gigante Ele alegra-Se de percorrer os caminhos da nossa natureza, de Se
encaminhar, pelos Seus sofrimentos, para a morte, de atar o homem forte e lhe
arrancar os seus bens, isto é, a nossa natureza, e de reunir na terra celeste a
ovelha errante.
Hoje,
o «Filho do Carpinteiro», O Verbo universalmente ativo d’Aquele que tudo
construiu por Ele, o Braço Poderoso do Deus Altíssimo, querendo afiar pelo
Espírito - que é como o seu dedo – a lâmina embotada da natureza, construiu
para Si uma escada viva, cuja base está firmada na terra, com o cimo a tocar os
céus: Deus repousa sobre ela. É dela a figura que Jacob contemplou, e por ela
Deus desceu da Sua imobilidade, ou melhor, inclinou-Se com condescendência,
tornando-Se assim «visível sobre a terra, e conversando com os homens». Estes
símbolos representam a Sua vinda ao meio de nós, o seu abaixamento
condescendente, a sua existência terrena, o verdadeiro conhecimento d’Ele
próprio, dado a todos aqueles que estão sobre a terra. A escada espiritual, a
Virgem, está fixa na terra, pois na terra ela tem a sua origem, mas a sua
cabeça eleva-se até ao céu. A cabeça de toda a mulher é o homem, mas para ela,
que não conheceu homem, Deus Pai ocupa o lugar de sua cabeça: pelo Espírito Santo,
Ele concluiu uma aliança e, como semente divina e espiritual, enviou o Seu
Filho e Verbo, força omnipotente. Em virtude do beneplácito do Pai, não é por
uma união natural, mas é superando as leis da natureza, pelo Espírito Santo e
pela Virgem Maria, que o Verbo Se fez carne e habitou entre nós. É por aqui que
se vê que a união de Deus com os homens se cumpre pelo Espírito Santo.
«Quem
puder entender, que entenda»; «Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça».
Descartemos as representações corporais: a divindade jamais sofreu mudança, oh
homens! Aquele que sem alteração gerou Seu Filho a primeira vez segundo a
natureza, sem alteração O gera agora de novo segundo a economia. Disto é
testemunha a palavra de David, antepassado de Deus: «O Senhor disse-me: "Tu
és Meu Filho, Eu hoje te gerei"». Ora este «hoje» não tem cabimento na
geração antes de todos os séculos, pois esta deu-se fora do tempo.
4.
Hoje é edificada a Porta do Oriente, que dará a Cristo «entrada e saída», e
«essa porta estará fechada». Nela está Cristo, «a Porta das Ovelhas», e «o Seu
nome é Oriente»: por Ele obtivemos acesso ao Pai das Luzes. Hoje sopraram as
brisas anunciadoras duma alegria universal. Alegre-se o céu nas alturas, que
debaixo dele «exulte a terra», que os mares do mundo bramam, porque no mundo
acaba de ser concebida uma concha, a qual pelo clarão celeste da divindade
conceberá em seu seio, gerando a pérola inestimável, Cristo. Dela sairá o «Rei
da Glória», revestido da púrpura de sua carne, para «visitar os cativos», e
«proclamar a libertação». Que a natureza transborde de alegria: a cordeirinha
vem ao mundo, graças à qual o Pastor revestirá a ovelha, tirando-lhe as túnicas
da antiga mortalidade. Que a virgindade forme os seus coros de dança, pois
nasceu a Virgem que, segundo Isaías, «conceberá e dará à luz um filho, que será
chamado Emmanuel, o que quer dizer "Deus conosco"». Aprendei, oh
Nestorianos, e fugi à vossa derrota: «Deus conosco»! Não é nem só um homem, nem
um mensageiro, mas o Senhor em Pessoa que virá e nos salvará.
«Bendito
o que vem em nome do Senhor», «o Senhor é Deus, e iluminou-nos»; «Celebremos
uma festa» para o nascimento da Mãe de Deus. Rejubila, Ana, «estéril que não
davas à luz; ri de alegria e de júbilo, tu que não tiveste as dores de parto»!
Rejubila, Joaquim: de tua filha «um menino nos nasceu, um filho nos foi dado
(...) e ser-lhe-á dado este nome: Anjo do grande Conselho (quer dizer, Salvação
do Universo) Deus Forte». Que Nestório fique vermelho e meta a mão sobre a
boca. A criança é Deus; portanto, como não seria ela a Mãe de Deus, ela que O
colocou no mundo? «Se alguém não reconhece por Mãe de Deus a Santa Virgem, está
separado da divindade». A frase não é minha, mas no entanto pertence-me:
recebi-a como precioso tesouro e herança teológica do meu pai Gregório, o
Teólogo.
5.
Oh Joaquim e Ana, casal bem-aventurado e verdadeiramente sem mancha! Pelo fruto
do vosso seio fostes reconhecidos, segundo a palavra do Senhor: «Pelos seus
frutos os reconhecereis». A vossa conduta foi agradável a Deus e digna daquela
que nasceu de vós. Tendo levado uma vida casta e santa, engendrastes a jóia da
virgindade, aquela que deveria permanecer Virgem antes, durante e depois do
parto, a única sempre Virgem de espírito, de alma e de corpo. Convinha, de
fato, que a virgindade saída da castidade produzisse a Luz única e monógena,
corporalmente, pela benevolência d’Aquele que A gerou sem corpo – o Ser que não
gera, mas que é eternamente gerado, para Quem ser gerado é a única qualidade
própria da Sua Pessoa. Oh que maravilhas, e que alianças estão neste menino! Oh
Filha da esterilidade, virgindade que engravida, nela se unirão divindade e
humanidade, sofrimento e impassibilidade, vida e morte, para que em todas as
coisas o menos perfeito seja vencido pelo melhor! E tudo isto para minha
salvação, oh Mestre! Amas-me tanto que não realizaste esta salvação nem pelos
anjos, nem por nenhuma outra criatura, mas tal como já a minha criação, também
a minha regeneração foi Tua obra pessoal. Assim, eu exulto, faço despertar a
minha alegria e o meu júbilo, volto à fonte das maravilhas, e embriagado de uma
torrente de alegria, toco de novo a cítara do espírito e canto o hino divino da
natividade.
6.
Oh Joaquim e Ana, casal castíssimo, «par de rolas» no sentido místico!
Observando a lei da natureza, a castidade, merecestes os dons que ultrapassam a
natureza: gerastes no mundo uma Mãe de Deus sem esposo. Depois de uma
existência santa e piedosa numa natureza humana, gerastes uma filha superior
aos anjos e que agora reina sobre eles. Oh Filha graciosíssima e dulcíssima, oh
lírio nascido entre os espinhos, da descendência nobilíssima e real de David!
Por ti a realeza encheu-se com o sacerdócio; por ti foi cumprida «a mudança da
Lei», e revelado o espírito escondido sob a letra, pois que a dignidade
sacerdotal passou da tribo de Levi à de David. Oh Rosa nascida dos espinhos do
judaísmo, que enche o universo de um perfume divino! Oh filha de Adão e Mãe de
Deus! Ditosos os rins e o seio de onde surgistes! Ditosos os braços que te
levaram, os lábios que experimentaram os teus castos beijos, os lábios de teus
pais, para que em tudo tu fosses eternamente virgem. Hoje é para o mundo o
início da salvação. «Aclamai o Senhor, terra inteira, cantai, exultai, tocai
instrumentos». Elevai a vossa voz, «fazei-a escutar sem temor», porque na Santa
Probática nos nasceu uma Mãe de Deus, de quem quis nascer o Cordeiro de Deus,
que tira o pecado do mundo.
Tremei
de alegria, oh montanhas, naturezas racionais, voltadas para o cume da
contemplação espiritual: a montanha do Senhor, refulgente, vem ao mundo,
ultrapassando todas as montanhas e todas as colinas, isto é, os anjos e os
homens; dela, sem intervenção da mão do homem, Cristo quis desprender-Se, Ele
que é a Pedra Angular, Pessoa Una, que aproxima em Si aquilo que está distante:
a divindade e a humanidade, os anjos e os homens, os gentios e o Israel carnal
num só Israel espiritual. «Montanha de Deus, montanha de abundância, montanha
que Deus escolheu para Seu repouso. Os carros de Deus vêm aos milhares, com
seres refulgentes» da graça divina, querubins e serafins. Oh cume mais santo
que o Sinai, não coberto nem por fumo, nem por trevas, nem por tempestades, nem
sequer por fogo perecível, mas pelo esplendor que ilumina do Santíssimo
Espírito. No Sinai, o Verbo de Deus tinha gravado a Lei sobre tábuas de pedra,
pelo Espírito, dedo divino; aqui, pela ação do Espírito Santo e pelo sangue de
Maria, o próprio Verbo encarnou, dando-se á nossa natureza como um remédio de
salvação mais eficaz. Antes, era o maná; aqui, está Aquele que deu o maná e a
sua doçura.
Que
a morada célebre que Moisés construiu no deserto com matérias preciosas de todo
o tipo, e ainda antes dela a morada do nosso pai Abraão, se apaguem diante da
morada de Deus, viva e espiritual. Ela foi o repouso, não só da energia divina,
mas da Pessoa do Filho, que é Deus, presente substancialmente. Que a arca
recoberta de ouro reconheça que não tem nada de comparável com Maria, e da
mesma forma a urna de ouro com o maná, o candelabro, a mesa e todos os objetos
do culto antigo: eles foram honrados porque todos a prefiguravam, como sombras
do verdadeiro protótipo.
7.
Hoje, o Criador de todas as coisas, Deus Verbo, fez um livro novo, saído do
coração do Pai para ser escrito, como se fosse por uma cana, pelo Espírito, que
é a língua de Deus. Esse livro foi dado a um homem que conhecia as letras, mas
que não o lia. José, com efeito, não conheceu Maria, nem a significação do
mistério em si. Oh filha toda santa de Joaquim e de Ana, que escapaste aos
olhares dos Principados e das Potestades e aos «assédios inflamados do
maligno», e que viveste no tálamo do Espírito, para seres guardada intacta e te
tornares esposa de Deus e Mãe de Deus por natureza! Oh filha toda santa, que
apareceste nos braços de tua mãe, tu és o terror das potências de rebelião! Oh
filha toda santa, alimentada do leite maternal, e rodeada das legiões
angélicas! Oh filha amada de Deus, honra de teus pais, gerações de gerações te
proclamam bem aventurada, como tu própria o afirmaste com verdade! Oh filha
digna de Deus, beleza da natureza humana, reabilitação de Eva, nossa primeira
mãe! Por teu nascimento, aquela que tombara foi redimida. Oh filha toda santa,
esplendor do sexo feminino! Se a primeira Eva, com efeito, foi culpada de
transgressão, e se por sua causa «a morte fez a sua entrada no mundo» (porque
ela se colocou ao serviço da serpente contra o nosso primeiro pai), Maria, que
se fez a serva da vontade divina, enganou a serpente enganadora e introduziu no
mundo a imortalidade.
Oh
filha sempre Virgem, que pode conceber sem intervenção humana, porque Aquele
que concebeste tem um Pai Eterno! Oh filha da raça terrena, que levas em teus
braços divinamente maternais o Criador! Os séculos rivalizavam entre si para
saber qual deles se honraria de te ver nascer, mas o desígnio fixado
antecipadamente de Deus, «que fez os séculos» colocou fim a essa rivalidade, e
os últimos tornaram-se os primeiros, eles a quem foi atribuída a felicidade da
tua Natividade. Na verdade, tu és mais preciosa que toda a criação, pois só de
ti o Criador recebeu em partilha as primícias da nossa matéria humana. A Sua
Carne foi feita da tua carne, o Seu Sangue do teu sangue; Deus alimentou-Se do
teu leite, e os teus lábios tocaram os lábios de Deus. Oh maravilhas
incompreensíveis e inefáveis! Na presciência da tua dignidade, amou-te o Deus
do universo; porque te amou, predestinou-te, e nos «últimos tempos», chamou-te
à existência, e constituiu-te Mãe para gerar um Deus e alimentar o Seu próprio
Filho e Verbo.
8.
Diz-se que os contrários servem de remédio contra os contrários, mas os
contrários não nascem uns dos outros. Mesmo se cada ser é na sua natureza um
tecido de contrários, ele próprio provém da predominância da causa que o fez
nascer. De fato, da mesma forma que o pecado, ao operar para mim a morte por
meio do bem, mostra em extremo a sua natureza pecaminosa, da mesma forma o
Autor dos bens, pelo meio dos contrários desses bens, opera para nós o bem que
Lhe é natural, porque «onde abundou o pecado, superabundou a graça». Se
tivéssemos conservado a nossa primeira comunidade com Deus, não teríamos
merecido a Segunda, maior e mais extraordinária. De fato, pelo pecado, fomos
julgados indignos da primeira união, porque não conservamos o dom recebido. Mas
pela compaixão de Deus fomos perdoados e tomados sob a Sua guarda, para que a
comunhão fosse assegurada, porque nos quer conservar unidos a Ele, sem nenhuma
beliscadura, Aquele que nos recebeu sob a Sua proteção.
Sim,
toda a terra pejava de fornicações, e o povo do Senhor, possuído «pelo espírito
de fornicação», errava longe do Senhor seu Deus, longe d’Aquele que o tinha
adquirido «com mão forte e braço poderoso», que com sinais e prodígios o tinha
feito sair da «casa da escravidão» do Faraó, o tinha conduzido através do Mar
Vermelho e guiado «por uma nuvem de dia, e noite inteira por um luzeiro de
fogo». O seu coração voltava-se para o Egito, e o povo do Senhor tornou-se
«aquele que não é o povo do Senhor»; aquele que obtinha misericórdia, tornou-se
aquele que não a merecia, e aquele que era amado, tornou-se aquele que não era
amado.
Eis
então a razão pela qual uma Virgem vem agora ao mundo, como adversária da
ancestral fornicação; ela foi dada como esposa ao próprio Deus, e gerou a
misericórdia de Deus. Assim foi estabelecido como povo de Deus aquele que até
aí não era o Seu povo; excluído da Sua misericórdia, obteve misericórdia; não
amado, é agora amado. Dela nasce o Filho Bem-Amado de Deus, no Qual Ele colocou
as Suas complacências.
9.
«Uma vinha de belos sarmentos» foi gerada no seio de Ana, e ela produziu um
fruto cheio de doçura, fonte de um néctar abundante de vida eterna para os
habitantes da terra. Joaquim e Ana fizeram-se semeadores de justiça, e
recolheram um fruto de vida. Eles foram iluminados pela luz do conhecimento,
procuraram o Senhor, e daí lhes veio um fruto de justiça. Que a terra tenha
confiança! «Filhos de Sião, alegrai-vos no Senhor vosso Deus, porque o deserto
ficou verdejante»: aquela que era estéril deu o seu fruto; Joaquim e Ana, como
montanhas místicas, fizeram brotar vinho doce. Permanece na alegria, oh Ana
venturosa, por teres dado à luz uma mulher, porque essa mulher será a Mãe de
Deus, porta da luz, fonte de vida, e reduzirá nada a acusação que pesava sobre a
mulher.
Os
homens nobres do povo desejarão vê-la, e diante dessa mulher os reis das nações
prostrar-se-ão, oferecendo-lhe presentes. Entrega-la-ás a Deus, rei universal,
adornada da beleza das suas virtudes como de «brocados de ouro», ornada da
graça do Espírito, de cuja glória ela se reveste. A glória da mulher é o homem,
e é-lhe dada a partir de fora; mas a glória da Mãe de Deus é interior, e é
fruto do seu seio.
Oh
mulher amabilíssima, três vezes bem-aventurada! «Bendita és tu entre as
mulheres, e bendito o fruto do teu ventre»! Oh mulher, filha do Rei David e Mãe
de Deus, Rei do Universo! Oh divina e vivente obra-prima, na qual Deus Criador
Se alegrou, de quem o espírito é governado por Deus e atento somente a Ele, e
de quem todo o desejo se eleva apenas Àquele que é o único amável e desejável,
que não te encolerizas senão contra o pecado e contra aquele que o fez nascer!
Terás uma vida superior à natureza, porque não é para ti que a terás, já que
também não é para ti que tu nasceste. Terás antes a tua vida para Deus, e é por
causa d’Ele que vieste à vida, por causa de Quem servirás à salvação universal,
para que o antigo desígnio de Deus, a Encarnação do Verbo e a nossa
divinização, se cumpra através de ti. A tua vontade é alimentares-te das
palavras divinas e fortificares-te com a sua seiva, como «oliveira fecunda na
casa de Deus», como «árvore plantada à beira das águas» do Espírito, como
árvore da vida, que deu o seu fruto no tempo que lhe foi destinado: o fruto que
é o Deus Encarnado, Vida eterna de todos os seres. Guardas todos os pensamento
gostoso e útil para a alma, mas todo aquele que é supérfluo e que seria um
perigo para a alma tu o rejeitas ainda antes de o provar. Os teus olhos «estão
sempre voltados para o Senhor», olhando a luz eterna e inacessível. Teus
ouvidos escutam a palavra de Deus e deleitam-se com a cítara do Espírito; foi
por eles que o Verbo entrou para Se fazer Carne. Tuas narinas respiram
deliciadas o aroma dos perfumes do Esposo, que é Ele próprio um perfume,
espontaneamente derramado para perfumar a Sua humanidade: «O teu nome é um
perfume que se espalha», diz a Escritura. Os teus lábios louvam o Senhor, e
estão ligados aos Seus lábios. A tua língua e o teu palato discernem as
palavras de Deus e saciam-se com a suavidade divina. Oh coração puro e sem
mácula, que vê e deseja o Deus imaculado!
É
neste seio que o Ser ilimitado veio habitar; do seu leite se alimentou Deus, o
Menino Jesus. Oh porta de Deus, sempre virginal! Eis as mãos que suportam Deus,
e esses joelhos que são um trono mais elevado que os querubins: por eles «as
mãos fracas e os joelhos trêmulos» foram fortalecidos. Os seus pés são guiados
pela lei de Deus como por uma lâmpada que brilha, e correm após Ele sem se
voltarem, até que tenham feito chegar aquela que ama junto do Bem-Amado. Em
todo o seu ser ela é o tálamo do Espírito, a Cidade de Deus Vivo, que «alegra
os canais do rio», isto é, as correntes dos carismas do Espírito: «Toda bela,
toda próxima de Deus». Dominando os querubins, mais alta que os serafins, próxima
de Deus: é a ela que esta palavra se aplica!
10.
Oh maravilha que ultrapassa todas as maravilhas: uma mulher é colocada mais
alto que os serafins, porque Deus surgiu abaixado «um pouco inferior aos
anjos»! Que o sapientíssimo Salomão se cale, e não torne a dizer: «Nada de novo
debaixo do sol». Oh Virgem cheia da graça divina, templo santo de Deus, que o
Salomão espiritual, o Príncipe da Paz, construiu e habita, o ouro e as
pedrarias não te dão mais beleza, mas mais que o ouro, é o Espírito que te dá o
teu esplendor. Por pedrarias, tens a pérola preciosíssima, Cristo, a Brasa da
divindade. Suplica-Lhe que toque os nossos lábios, para que, purificados, Lhe
cantemos, com o Pai e o Espírito, a natureza única da Divindade em três
Pessoas: «Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos Exércitos».
Santo
é o Pai, que quis que em ti e por ti se cumprisse o mistério que predeterminara
antes de todos os séculos. Santo é o Forte, o Filho de Deus, e Deus Monógeno,
que hoje te faz nascer, primogênita de uma mãe estéril, para que, sendo Ele
próprio Filho Único do Pai e «Primogênito de toda a criatura», possa nascer de
ti, como Filho único de uma Virgem-Mãe, «Primogênito de uma multidão de
irmãos», semelhante a nós e por ti participante da nossa carne e do nosso
sangue. Apesar disso, não te fez nascer de um só pai ou de uma só mãe, para que
ao único Monógeno fosse reservado em perfeição o privilégio de Filho Único: Ele
é, com efeito, Filho Único, somente Ele de um Pai só, somente Ele de uma Mãe
só.
Santo
é o Imortal, o Espírito de toda a santidade, que pelo orvalho da Sua Divindade
te guardou intocada pelo fogo divino: é isto que significou antecipadamente a
sarça ardente.
11.
Eu te saúdo, oh Porta das Ovelhas, morada santíssima da Mãe de Deus. Eu te
saúdo, oh Porta da Ovelhas, domicílio ancestral da tua rainha, antigamente
redil das ovelhas de Joaquim, mas hoje tornada Igreja do rebanho espiritual de
Cristo e imitação do céu. Outrora recebias uma vez por ano um anjo de Deus, que
agitava as águas e devolvia a saúde a um só homem, livrando-o do mal que o
paralisava; agora recebes multidões de potências celestes que celebram conosco
a Mãe de Deus, Abismo de Maravilhas, fonte da cura universal. Tu recebeste, não
um anjo servidor, mas o «Anjo do Grande Conselho», descido sem ruído algum
sobre o velo de lã como uma chuva de bondade, Aquele que renovou toda a
natureza, doente e a ponto de se perder, com uma saúde inalterável e uma vida
sem velhice: por Ele, o paralítico que em ti jazia saltou como um veado. Eu te
saúdo, oh preciosa Porta das Ovelhas, e que se multiplique a tua graça!
Eu
te saúdo, Maria, filha dulcíssima de Ana. De novo para ti o amor me impele.
Como descrever o teu caminhar cheio de seriedade, os teus vestidos, a graça de
teu rosto, a maturidade do discernimento num corpo juvenil? A tua forma de
estar foi modesta, distante de todo o luxo e de toda a indolência; o teu
caminhar era grave, sem precipitação, sem preguiça; o teu caráter era sério,
temperado de júbilo, de uma perfeita reserva a propósito dos homens – disto é
testemunho a inquietação que te surgiu aquando da proposta inesperada do anjo.
A teus pais dócil e obediente, tinhas humildes sentimentos nas mais altas
contemplações, palavra amável, provinda de uma alma pacífica. Em resumo: que
outra digna morada senão tu para Deus? Com razão todas as gerações te proclamam
bem-aventurada, oh glória insigne da humanidade! Tu és a honra do sacerdócio, a
esperança dos cristãos, a planta fecunda da virgindade, porque é através de ti
que o renome da virgindade se estendeu aos confins do mundo. «Bendita és tu
entre as mulheres, e bendito o Fruto do teu ventre». Aqueles que confessam a
tua maternidade divina são benditos, e malditos aqueles que a negam.
12.
Joaquim e Ana, casal abençoado, recebei de mim estas palavras de aniversário.
Oh filha de Joaquim e de Ana, oh Soberana, acolhe a palavra deste teu servo
pecador, mas inflamada pelo amor, e para quem tu és a única esperança de
alegria, a protetora da vida e, junto de teu Filho, a reconciliadora e firme
garantia da salvação. Possa tu aliviar-me do fardo dos meus pecados, dissipar a
névoa que obscurece o meu espírito e o peso que me agarra à matéria. Possas tu
deter as tentações, governar felizmente a minha vida e conduzir-me pela mão até
à felicidade do Alto. Concede ao mundo a paz, e a todos os habitantes ortodoxos
desta cidade uma alegria perfeita e a salvação eterna, pelas orações de teus
pais e de todo o Corpo da Igreja. Assim seja, assim seja! «Salve, oh cheia de
graça, o Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o
fruto de teu ventre», Jesus Cristo, o Filho de Deus. A Ele a Glória, com o Pai
e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.
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