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quarta-feira, 5 de abril de 2023

Sexta-Feira da Paixão do Senhor

1ª Leitura (Is 52,13–53,12):
Vede como vai prosperar o meu servo: subirá, elevar-se-á, será exaltado. Assim como, à sua vista, muitos se encheram de espanto, tão desfigurado estava o seu rosto que tinha perdido toda a aparência de um ser humano, assim se hão de encher de assombro muitas nações e, diante dele, os reis ficarão calados, porque hão de ver o que nunca lhes tinham contado e observar o que nunca tinham ouvido. Quem acreditou no que ouvimos dizer? A quem se revelou o braço do Senhor? O meu servo cresceu diante do Senhor como um rebento, como raiz numa terra árida, sem distinção nem beleza para atrair o nosso olhar, nem aspecto agradável que possa cativar-nos. Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, acostumado ao sofrimento, era como aquele de quem se desvia o rosto, pessoa desprezível e sem valor para nós. Ele suportou as nossas enfermidades e tomou sobre si as nossas dores. Mas nós víamos nele um homem castigado, ferido por Deus e humilhado. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das nossas iniquidades. Caiu sobre ele o castigo que nos salva: pelas suas chagas fomos curados. Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, cada qual seguia o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre ele as faltas de todos nós. Maltratado, humilhou-se voluntariamente e não abriu a boca. Como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante aqueles que a tosquiam, ele não abriu a boca. Foi eliminado por sentença iníqua, mas quem se preocupa com a sua sorte? Foi arrancado da terra dos vivos e ferido de morte pelos pecados do seu povo. Foi-lhe dada sepultura entre os ímpios e um túmulo no meio de malfeitores, embora não tivesse cometido injustiça, nem se tivesse encontrado mentira na sua boca. Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Mas se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades. Por isso, Eu lhe darei as multidões como prémio e terá parte nos despojos no meio dos poderosos; porque ele próprio entregou a sua vida à morte e foi contado entre os malfeitores, tomou sobre si as culpas das multidões e intercedeu pelos pecadores.

Salmo Responsorial: 30
R. Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito.

Em Vós, Senhor, me refugio, jamais serei confundido, pela vossa justiça, salvai-me. Em vossas mãos entrego o meu espírito, Senhor, Deus fiel, salvai-me.

Tornei-me o escárnio dos meus inimigos, o desprezo dos meus vizinhos e o terror dos meus conhecidos: todos evitam passar por mim. Esqueceram-me como se fosse um morto, tornei-me como um objeto abandonado.

Eu, porém, confio no Senhor: Disse: «Vós sois o meu Deus, nas vossas mãos está o meu destino». Livrai-me das mãos dos meus inimigos e de quantos me perseguem.

Fazei brilhar sobre mim a vossa face, salvai-me pela vossa bondade. Tende coragem e animai-vos, vós todos que esperais no Senhor.

2ª Leitura (Hb 4,14-16; 5,7-9): Irmãos: Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de Se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança, ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno. Nos dias da sua vida mortal, Ele dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte, e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento. E, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se, para todos os que Lhe obedecem, causa de salvação eterna.

Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.

Evangelho (Jo 18,1—19,42):
Dito isso, Jesus saiu com seus discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Lá havia um jardim, no qual ele entrou com os seus discípulos. Também Judas, o traidor, conhecia o lugar, porque Jesus muitas vezes ali se reunia com seus discípulos. Judas, pois, levou o batalhão romano e os guardas dos sumos sacerdotes e dos fariseus, com lanternas, tochas e armas, e chegou ali. Jesus, então, sabendo tudo o que ia acontecer com ele, saiu e disse: «A quem procurais?» — «A Jesus de Nazaré!», responderam. Ele disse: «Sou eu». Judas, o traidor, estava com eles. Quando Jesus disse «Sou eu», eles recuaram e caíram por terra. De novo perguntou-lhes: «A quem procurais?» Responderam: «A Jesus de Nazaré», Jesus retomou: «Já vos disse que sou eu. Se é a mim que procurais, deixai que estes aqui se retirem». Assim se cumpria a palavra que ele tinha dito: «Não perdi nenhum daqueles que me deste». Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a ponta da orelha direita. O nome do servo era Malco. Jesus disse a Pedro: «Guarda a tua espada na bainha. Será que não vou beber o cálice que o Pai me deu?». O batalhão, o comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o amarraram. Primeiro, conduziram-no a Anás, sogro de Caifás, o sumo sacerdote daquele ano. Caifás é quem tinha aconselhado aos judeus: «É conveniente que um só homem morra pelo povo». Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote. Ele entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote. Pedro ficou do lado de fora, perto da porta. O outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, conversou com a empregada da porta e levou Pedro para dentro. A criada da porta disse a Pedro: «Não pertences tu também aos discípulos desse homem?». Ele respondeu: «Não». Os servos e os guardas tinham feito um fogo, porque fazia frio; estavam se aquecendo, e Pedro estava com eles para se aquecer. O sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito dos seus discípulos e do seu ensinamento. Jesus respondeu: «Eu falei abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde os judeus se reúnem.
Nada falei às escondidas. Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que eu falei; eles sabem o que eu disse». Quando assim falou, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo: «É assim que respondes ao sumo sacerdote?». Jesus replicou-lhe: «Se falei mal, mostra em que falei mal; e se falei certo, por que me bates?». Anás, então, mandou-o, amarrado, a Caifás. Simão Pedro continuava lá, aquecendo-se. Disseram-lhe: «Não és tu, também, um dos discípulos dele?». Pedro negou: «Não». Então um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha cortado a orelha, disse: «Será que não te vi no jardim com ele?». Pedro negou de novo, e na mesma hora o galo cantou. De Caifás, levaram Jesus ao palácio do governador. Era de madrugada. Eles mesmos não entraram no palácio, para não se contaminarem e poderem comer a páscoa. Pilatos saiu ao encontro deles e disse: «Que acusação apresentais contra este homem?». Eles responderam: «Se não fosse um malfeitor, não o teríamos entregue a ti!». Pilatos disse: «Tomai-o vós mesmos e julgai-o segundo vossa lei». Os judeus responderam: «Não nos é permitido matar ninguém». Assim se realizava o que Jesus tinha dito, indicando de que morte havia de morrer. Pilatos entrou, de volta, no palácio, chamou Jesus e perguntou-lhe: «Tu és o Rei dos Judeus?». Jesus respondeu: «Estás dizendo isto por ti mesmo, ou outros te disseram isso de mim?». Pilatos respondeu: «Acaso sou eu judeu? Teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. Que fizeste?». Jesus respondeu: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas, o meu reino não é daqui». Pilatos disse: «Então, tu és rei?». Jesus respondeu: «Tu dizes que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz». Pilatos lhe disse: «Que é a verdade?». Dito isso, saiu ao encontro dos judeus e declarou: «Eu não encontro nele nenhum motivo de condenação. Mas existe entre vós um costume de que, por ocasião da Páscoa, eu vos solte um preso. Quereis que eu vos solte o Rei dos Judeus?». Eles, então, se puseram a gritar:
«Este não, mas Barrabás!». Ora, Barrabás era um assaltante. Pilatos, então, mandou açoitar Jesus. Os soldados trançaram uma coroa de espinhos, a puseram na cabeça de Jesus e o vestiram com um manto de púrpura. Aproximavam-se dele e diziam: «Viva o Rei dos Judeus!».; e batiam nele. Pilatos saiu outra vez e disse aos judeus: «Olhai! Eu o trago aqui fora, diante de vós, para que saibais que eu não encontro nele nenhum motivo de condenação».. Então, Jesus veio para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Ele disse-lhes: «Eis o homem».! Quando o viram, os sumos sacerdotes e seus guardas começaram a gritar: «Crucifica-o! Crucifica-o! .Pilatos respondeu: «Levai-o, vós mesmos, para o crucificar, porque eu não encontro nele nenhum motivo de condenação».. Os judeus responderam-lhe: «Nós temos uma Lei, e segundo esta Lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus». Quando Pilatos ouviu isso, ficou com mais medo ainda. Entrou no palácio outra vez e perguntou a Jesus: «De onde és tu?». Jesus ficou calado. Então Pilatos disse-lhe: «Não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar e poder para te crucificar?». Jesus respondeu: «Tu não terias poder algum sobre mim, se não te fosse dado do alto. Por isso, quem me entregou a ti tem maior pecado». Por causa disso, Pilatos procurava soltar Jesus. Mas os judeus continuavam gritando: «Se soltas este homem, não és amigo de César. Todo aquele que se faz rei, declara-se contra César». Ouvindo estas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora e sentou-se no tribunal, no lugar conhecido como Pavimento ( em hebraico: Gábata). Era o dia da preparação da páscoa, por volta do meio-dia. Pilatos disse aos judeus: «Eis o vosso rei». Eles, porém, gritavam: «Fora! Fora! Crucifica-o!». Pilatos disse: «Vou crucificar o vosso rei?». Os sumos sacerdotes responderam: «Não temos rei senão César». Pilatos, então, lhes entregou Jesus para ser crucificado. Eles tomaram conta de Jesus. Carregando a sua cruz, ele saiu para o lugar chamado Calvário (em hebraico: Gólgota). Lá, eles o crucificaram com outros dois, um de cada lado, ficando Jesus no meio. Pilatos tinha mandado escrever e afixar na cruz um letreiro; estava escrito assim: «Jesus de Nazaré, o
Rei dos Judeus». Muitos judeus leram o letreiro, porque o lugar onde Jesus foi crucificado era perto da cidade; e estava escrito em hebraico, em latim e em grego. Os sumos sacerdotes disseram então a Pilatos: «Não escrevas: ‘O Rei dos Judeus’, e sim: ‘Ele disse: Eu sou o Rei dos Judeus’. Pilatos respondeu: «O que escrevi, escrevi». Depois que crucificaram Jesus, os soldados pegaram suas vestes e as dividiram em quatro partes, uma para cada soldado. A túnica era feita sem costura, uma peça só de cima em baixo. Eles combinaram: «Não vamos rasgar a túnica. Vamos tirar sorte para ver de quem será». Assim cumpriu-se a Escritura: «Repartiram entre as minhas vestes e tiraram a sorte sobre minha túnica». Foi isso que os soldados fizeram. Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria de Cleofas, e Maria Madalena. Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!». Depois disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!». A partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu. Depois disso, sabendo Jesus que tudo estava consumado, e para que se cumprisse a Escritura até o fim, disse: «Tenho sed!». Havia ali uma jarra cheia de vinagre. Amarraram num ramo de hissopo uma esponja embebida de vinagre e a levaram à sua boca. Ele tomou o vinagre e disse: “Está consumado”. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Era o dia de preparação do sábado, e este seria solene. Para que os corpos não ficassem na cruz no sábado, os judeus pediram a Pilatos que mandasse quebrar as pernas dos crucificados e os tirasse da cruz. Os soldados foram e quebraram as pernas, primeiro a um dos crucificados com ele e depois ao outro. Chegando a Jesus viram que já estava morto. Por isso, não lhe quebraram as pernas, mas um soldado golpeou-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água. (Aquele que viu dá testemunho, e o seu testemunho é verdadeiro; ele sabe que fala a verdade, para que vós, também, acrediteis.) Isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura que diz: «Não quebrarão nenhum dos seus ossos». E um outro texto da Escritura diz: «Olharão para aquele que traspassaram». Depois disso, José de Arimatéia pediu a Pilatos para retirar o corpo de Jesus; ele era discípulo de Jesus às escondidas, por medo dos judeus. Pilatos o permitiu. José veio e retirou o corpo. Veio também Nicodemos, aquele que anteriormente tinha ido a Jesus de noite; ele trouxe uns trinta quilos de perfume feito de mirra e de aloés. Eles pegaram o corpo de Jesus e o envolveram, com os perfumes, em faixas de linho, do modo como os judeus costumam sepultar. No lugar onde Jesus foi crucificado havia um jardim e, no jardim, um túmulo novo, onde ninguém tinha sido ainda sepultado. Por ser dia de preparação para os judeus, e como o túmulo estava perto, foi lá que eles colocaram Jesus.

«Ele tomou o vinagre e disse: “Está consumado”. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito»

Rev. D. Francesc CATARINEU i Vilageliu (Sabadell, Barcelona, Espanha)

Hoje celebramos o primeiro dia do Tríduo Pascal. Por tanto é o dia da Cruz vitoriosa, desde donde Jesus nos deixou o melhor de Ele mesmo: Maria como mãe, o perdão —também os verdugos— e a confiança total em Deus Pai.

Escutamos na leitura da Paixão que nos transmite o testemunho de São João, presente no Calvário com Maria, a Mãe do Senhor e as mulheres. É um relato rico em simbologia, onde cada pequeno detalhe tem sentido. Mas também o silêncio e a austeridade da Igreja, hoje nos ajudam a viver num clima de oração, atentos ao dom que celebramos.

Diante deste mistério tão grande, estamos chamados —mais que tudo— a ver. A fé cristã não é a relação reverencial a um Deus que está longe e abstrato que desconhecemos, senão a adesão a uma Pessoa, verdadeiro homem como nós e também verdadeiro Deus. O “Invisível” fez-se carne da nossa carne, e assumiu ser homem até a morte e morte de cruz. Foi uma morte aceitada como resgate por todos, morte redentora, morte que nos dá vida. Aqueles que estavam aí e o viram, nos transmitiram os fatos e ao mesmo tempo, nos descobrem o sentido daquela morte.

Ante isto, sentimo-nos agradecidos e admirados. Conhecemos o preço do amor: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos» (Jo 15,13). A oração cristã não é só pedir, senão— e principalmente— admirar agradecidos.

Para nós, Jesus é modelo que temos que imitar, quer dizer, reproduzir em nós as suas atitudes. Temos que ser pessoas que amam até darmo-nos e que confiamos no Pai em toda adversidade.

Isto contrasta com a atmosfera indiferente da nossa sociedade; por isso o nosso testemunho tem que ser mais valente do que nunca, já que o dom é para todos. Como diz Melitão de Sardes, «Ele nos fez passar da escravidão à liberdade, das trevas à luz, da morte à vida. Ele é a Páscoa da nossa salvação».

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A cruz é a inclinação mais profunda da Divindade para com o homem. A cruz é como um toque de amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem» (São João Paulo II)

«O perdão custa algo, sobretudo a quem perdoa (…). Deus só pode vencer a culpa e o sofrimento dos homens intervindo pessoalmente, sofrendo Ele proprio no seu Filho, que carregou este fardo e o superou dando-se a si mesmo» (Bento XVI)

«Este desejo de fazer seu o plano do amor de redenção do seu Pai, anima toda a vida de Jesus. A sua paixão redentora é a razão de ser da Encarnação: ‘Pai, salva-Me desta hora! Mas por causa disto, é que Eu cheguei a esta hora’ (Jo 12, 27). ‘O cálice que o Pai Me deu, não havia de bebê-lo?’ (Jo 18, 11). E ainda na cruz, antes de ‘tudo estar consumado’ (Jo 19, 30), diz: ‘Tenho sede’» (Catecismo da Igreja Católica, nº 607)

A Paixão e Morte de Cristo

Antonio Ducay

O sentido da Cruz.
Do ponto de vista histórico, nosso Senhor morreu porque foi condenado à morte pelas autoridades do povo judeu, que o entregaram ao poder romano pedindo que fosse executado. A causa da sua sentença de morte foi sua declaração perante o conselho supremo dos judeus (o Sinédrio) de que Ele era o Messias filho de Deus, aquele a quem Deus havia dado o poder de julgar todos os homens. Esta declaração foi considerada blasfema e assim o Sinédrio decretou a sua morte.
 
Deve-se notar que esta condenação de Jesus está situada em continuidade com a história precedente da salvação do povo judeu. Em muitas ocasiões Deus falou ao povo de Israel por meio dos profetas (cf. Hb 1,1). No entanto, Israel nem sempre recebeu bem a palavra de Deus. A história de Israel é uma história de grandes feitos heroicos, mas também de grandes rebeliões. Em muitas ocasiões o povo abandonou Deus e esqueceu as leis sagradas que recebeu d'Ele. Por isso, os profetas muitas vezes tiveram que sofrer injustiças para cumprir a missão que Deus lhes confiava.

A história de Jesus é a história que culmina a história de Israel, uma história com vocação universal. Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho para que, cumprindo suas promessas a Israel, realizasse o estabelecimento de seu Reino no mundo. Mas apenas alguns aceitaram Cristo e o seguiram; os chefes do povo, por outro lado, o rejeitaram e o condenaram à morte. Os homens nunca tinham rejeitado Deus tão diretamente, a ponto de maltratá-lo de todas as maneiras possíveis. No entanto — e aqui está o aspecto mais misterioso da Cruz — Deus não quis proteger o seu Filho da maldade humana, mas o entregou nas mãos dos pecadores: “Permitiu os atos resultantes da sua cegueira, com o fim de levar a cabo o seu plano de salvação” (Catecismo, n. 600). E Jesus, seguindo a vontade do Pai, “aceitou livremente a sua paixão e morte por amor do Pai e dos homens” (Catecismo, n. 609). Ele se entregou a essa paixão e morte injustas. Confessou corajosamente a sua identidade e o seu relacionamento com o Pai, mesmo sabendo que isso não seria aceito pelos seus inimigos. Foi condenado a uma morte humilhante e violenta e, assim, experimentou na sua carne e na sua alma a injustiça daqueles que o condenaram. E não só: naquela injustiça que Ele sofreu e aceitou por nós, também estavam contidos todas as injustiças e pecados da humanidade , pois cada pecado nada mais é do que a rejeição do projeto de Deus em Jesus Cristo, que alcançou sua maior expressão na condenação de Jesus a uma morte tão cruel. Como afirma o Compêndio do Catecismo: “Cada pecador, isto é, cada homem, é realmente causa e instrumento dos sofrimentos do Redentor” (Compêndio, n. 117).

Por isso, Jesus aceitou livremente os sofrimentos físicos e morais impostos pela injustiça dos pecadores e, neles, de todos os pecados dos homens, de toda a ofensa contra Deus. Pode-se dizer, metaforicamente, que Ele “carregou” nossos pecados sobre seus ombros. Mas por que Ele fez isso? A resposta dada pela Igreja, usando linguagens diferentes, mas com um fundo comum, é esta: Ele fez isso para anular ou cancelar nossos pecados na justiça do seu coração.

Como Jesus cancelou nossos pecados? Ele os eliminou suportando esses sofrimentos, que eram fruto dos pecados dos homens, em união obediente e amorosa com seu Pai Deus, com o coração cheio de justiça e com a caridade de quem ama o pecador, ainda ele não o mereça, que procura perdoar as ofensas por amor (cf. Lc 22,42; 23,34). Talvez um exemplo ajude a entender isto melhor. Às vezes na vida há situações em que uma pessoa recebe ofensas de outra a quem ama. No ambiente familiar pode acontecer, por exemplo, que uma pessoa idosa e com deficiência esteja de mau humor e faça sofrer quem cuida dela. Quando há amor verdadeiro, esses sofrimentos são aceitos com caridade e se continua a procurar o bem daquele que ofendeu. As ofensas morrem porque não encontram lugar em um coração justo e cheio de amor. Jesus fez algo semelhante, embora na verdade tenha ido muito mais longe, porque talvez o idoso do exemplo mereça o carinho daqueles que cuidam dele pelas coisas boas que fez quando era mais jovem. Mas Jesus nos amou sem que nós o merecêssemos, e não se sacrificou por alguém que amava por algum motivo particular, mas por cada uma das pessoas, por todas e cada uma: “Amou-me e se entregou por mim”, diz São Paulo, que perseguiu cruelmente os cristãos. Jesus quis oferecer estes sofrimentos ao Pai, juntamente com a sua morte, por nós, para que, com base no seu amor, pudéssemos obter sempre o perdão das nossas ofensas a Deus: “Fomos curados graças às suas chagas” (Is 53 , 5). E Deus Pai, que sustentou o sacrifício de Jesus com a força do Espírito Santo, se deleitou no amor que havia no coração de seu Filho. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20).

Assim, no acontecimento histórico da cruz, o fundamental não foi o ato injusto daqueles que o acusaram e condenaram, mas a resposta de Jesus, cheia de justiça e misericórdia diante daquela situação. O que foi, por sua vez, um ato da Trindade: “Antes de mais, é um dom do próprio Deus Pai: é o Pai que entrega o seu Filho para nos reconciliar consigo. Ao mesmo tempo, é oblação do Filho de Deus feito homem, que livremente e por amor oferece a sua vida ao Pai pelo Espírito Santo para reparar a nossa desobediência” (Catecismo, 614).

A cruz de Cristo é, antes de tudo, a manifestação do amor generoso da Trindade para com os homens, de um amor que nos salva. Nisto consiste essencialmente o seu mistério.

O fruto da cruz. É, principalmente, a remoção do pecado. Mas isso não significa que não podemos pecar ou que todo pecado é automaticamente perdoado sem que façamos nada de nossa parte. Talvez seja melhor explicar isso com uma metáfora. Se, em uma excursão ou passeio pelo campo, formos picados por uma cobra venenosa, tentaremos imediatamente encontrar um antídoto para o veneno. O veneno, como o pecado, tem um efeito destrutivo sobre o sujeito. A função do antídoto é livrar-se dessa destruição que está ocorrendo em nosso corpo, e ele pode fazer isso porque contém algo em si que neutraliza o veneno. Bem, a cruz é o “antídoto” para o pecado. Há nela um amor que está presente precisamente como reação às injustiças, às ofensas, e esse amor sacrificial que brota do coração de Cristo, na desolação da Cruz, é o elemento capaz de superar o pecado, de vencê-lo e de eliminá-lo.

Somos pecadores, mas podemos nos libertar do pecado e dos seus efeitos venenosos participando do mistério da Cruz, desejando tomar aquele “antídoto” que Cristo fabricou em si mesmo justamente por suportar a experiência do dano que o pecado faz, e que é aplicado a nós através dos sacramentos. O Batismo nos incorpora em Cristo e, ao fazê-lo, apaga os nossos pecados, a confissão sacramental nos purifica e obtém o perdão de Deus, a Eucaristia nos purifica e nos fortalece... Assim, o mistério da Cruz, presente nos sacramentos, nos guia para essa vida nova, sem fim, na que todo mal e todo pecado não existirão, porque foram cancelados pela cruz de Cristo.

Há também outros frutos da Cruz. Diante de um crucifixo percebemos que a cruz não é apenas um antídoto para o pecado, mas também revela o poder do amor. Jesus na cruz nos ensina até onde podemos ir por amor a Deus e aos homens e assim nos indica o caminho para a realização humana, porque o sentido do homem é amar verdadeiramente a Deus e aos outros. Claro que alcançar essa plenitude humana só é possível porque Jesus nos faz participar de sua ressurreição e nos dá o Espírito Santo. Mas disso falaremos mais adiante.

Expressões bíblicas e litúrgicas. Acabamos de expor o sentido teológico da paixão e morte de Jesus. Isso, naturalmente, também foi feito pelos primeiros cristãos, que usaram as categorias e conceitos que estavam disponíveis para eles na cultura religiosa do seu tempo, e que são os que encontramos no Novo Testamento. Nela, a paixão e morte de Cristo são entendidas como: A) sacrifício de aliança B) sacrifício de expiação, propiciação e reparação pelos pecados; C) ato de redenção e libertação dos homens; D) ato que nos justifica e nos reconcilia com Deus.

Vejamos estas diferentes formas de apresentar o significado da Paixão e morte de Cristo, que muitas vezes encontramos ao ler a Escritura ou participar da Liturgia:
A) Jesus, oferecendo a sua vida a Deus na Cruz, instituiu a Nova Aliança, ou seja, a nova e definitiva forma de união de Deus com os homens, que havia sido profetizada por Isaías (Is 42,6), Jeremias (Gr 31 ,31-33) e Ezequiel (Ez 37,26). É a Nova Aliança de Cristo com a Igreja da qual fazemos parte pelo Batismo.

B) O sacrifício de Cristo na Cruz tem valor de expiação, isto é, de limpeza e purificação do pecado (Rm 3,25; Hb 1,3; 1 Jo 2,2; 4,10). Tem também um valor de propiciação e reparação pelo pecado (Rm 3,25; Hb 1,3; 1 Jo 2,2; 4,10), porque Jesus manifestou ao Pai com a sua obediência o amor e a sujeição que os homens tínhamos negado a Deus com as nossas ofensas. E, nesse sentido, conquistou o coração do Pai e reparou essas ofensas.

C) A Cruz de Cristo é um ato de redenção e libertação do homem. Jesus pagou a nossa liberdade com o preço do seu sangue, isto é, dos seus sofrimentos e da sua morte, e assim nos resgatou do pecado (1 Pd 1,18) e nos libertou do poder do demônio. Todo aquele que comete pecado torna-se, de alguma forma, um servo do demônio.

D) Especialmente nas cartas de São Paulo lemos que o sangue de Cristo nos justifica, ou seja, nos devolve a justiça que perdemos ao ofender a Deus e assim nos reconcilia com Ele. A Cruz, juntamente com a Ressurreição de Cristo, é a causa da nossa justificação. Deus volta a estar presente em nossa alma, porque o Espírito Santo vem habitar novamente em nossos corações.

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