Evangelho
da Vigília (Mt 28,1-10): Depois
do sábado, tendo começado o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra
Maria foram ver o sepulcro. E eis que sobreveio um grande terremoto, pois um
anjo do Senhor desceu dos céus e, chegando ao sepulcro, rolou a pedra da
entrada e assentou-se sobre ela. Sua aparência era como um relâmpago, e suas
vestes eram brancas como a neve. Os guardas tremeram de medo e ficaram como
mortos. O anjo disse às mulheres: "Não tenham medo! Sei que vocês estão
procurando Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui; ressuscitou, como
tinha dito. Venham ver o lugar onde ele jazia. Vão depressa e digam aos
discípulos dele: Ele ressuscitou dentre os mortos e está indo adiante de vocês
para a Galileia. Lá vocês o verão. Notem que eu já os avisei". As mulheres
saíram depressa do sepulcro, amedrontadas e cheias de alegria, e foram correndo
anunciá-lo aos discípulos de Jesus. De repente, Jesus as encontrou e disse:
"Salve!" Elas se aproximaram dele, abraçaram-lhe os pés e o adoraram.
Então Jesus lhes disse: "Não tenham medo. Vão dizer a meus irmãos que se
dirijam para a Galileia; lá eles me verão".
«Ele não está aqui!
Ressuscitou»
Fray Josep Mª MASSANA i Mola OFM (Barcelona,
Espanha)
Hoje no Evangelho da vigília
pascal, late um grande dinamismo: duas mulheres correm para o sepulcro, um
terramoto, um anjo faz rodar a pedra, uns guardas assustados caem como mortos.
E Jesus, vivo e ressuscitado, torna-se companheiro de caminho daquelas
mulheres.
As mulheres são as primeiras a
experimentar a ressurreição de Jesus, apenas por terem visto o sepulcro vazio e
o anjo que lhes anuncia: «Vós não precisais ter medo! Sei que procurais Jesus,
que foi crucificado. Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito…» (Mt
28,5-6). São, também, as primeiras a dar testemunho da sua experiência: «Ide depressa
contar aos discípulos: ‘Ele ressuscitou´» (Mt 28,7).
Imediatamente acreditam. Mas a
sua fé é uma mistura de medo e de alegria. Sentiam medo pelas palavras do anjo,
com o anúncio que vai para lá das expectativas humanas. E a alegria pela
certeza da ressurreição do Senhor, porque as Escrituras tinham-se cumprido,
pelo imenso privilégio da primazia pascal que receberam. A fé, pois, mesmo
produzindo uma grande alegria interior, não exclui o medo.
Elas vão anunciar aquela
experiencia do Ressuscitado, que tiveram sem a ter visto. Jesus premia-lhes
esta fé e aparece-lhes durante o caminho.
O centro de toda a experiência de
fé não é em primeiro lugar uma doutrina nem uns dogmas. É a pessoa de Jesus. A
fé das mulheres do Evangelho de hoje está centrada nele, na sua pessoa e não
noutra coisa. Experimentaram-no vivo e vão anunciá-lo vivo!
Outra mulher, Santa Clara,
escrevia a Santa Inês de Praga que deveria centrar-se em Jesus ressuscitado:
«Observai, considerai, comtemplai a Jesus Cristo (...). Se sofrerdes com Ele,
reinareis também com Ele; se chorardes com Ele, com Ele gozareis; se morrerdes
com Ele na cruz da tribulação, possuireis com Ele as eternas moradas».
Reflexão do Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
Enquanto o evangelho do domingo
da ressurreição é sempre o mesmo – Jo 20,1-9 –, o da Vigília Pascal muda de
acordo com o ciclo litúrgico vigente. A cada ano, a liturgia propõe a leitura de
um dos relatos da ressurreição de Jesus a partir de um dos evangelhos sinóticos
(Mt – Mc – Lc). Neste ano, por ocasião do ciclo A, temos a oportunidade de ler
o relato de Mateus – Mt 28,1-10. Na verdade, mais do que relatos da
ressurreição, os evangelhos trazem cenas que retratam a experiência das
mulheres diante do sepulcro vazio na madrugada ou início da manhã do Domingo de
Páscoa. A ressurreição em si, apesar de ser o evento fundante da fé cristã, não
chega a ser narrada e nem descrita por nenhum dos evangelhos. De fato, nenhum
evangelista conta como Jesus ressuscitou e deixou o sepulcro, nem o momento em
que isso aconteceu. O que todos os evangelhos contam são indícios, anúncios da
ressurreição e experiências de encontro com a pessoa do ressuscitado. Nesse
sentido, o Evangelho de Mateus se sobressai sobre os demais, pois contém a
narrativa que mais se aproxima de um relato de ressurreição, propriamente dito,
pois é o que apresenta os indícios mais fortes, como veremos a seguir, em
comparação com os outros evangelhos.
O relato lido hoje, obviamente,
possui versão paralela nos outros dois sinóticos (Mc 16,1-8; Lc 24,1-8), e é
por isso que se pode fazer comparações com eles. Possui certo paralelismo
também com o relato de João (Jo 20,1-9), embora com menos pontos em comum. Os
relatos parciais de ressurreição – em todos os evangelhos – fazem parte da
seção narrativa que deu origem aos próprios evangelhos: as narrativas da
paixão, morte e ressurreição de Jesus. Foi a partir destas narrativas que os
evangelhos ganharam corpo como livros. Isso indica a importância que tais
textos tiveram para as comunidades do cristianismo nascente. Se trata,
portanto, de textos fundantes. Posteriormente, cada evangelista, de acordo com
as necessidades catequéticas e teológicas de suas respectivas comunidades, e
suas próprias habilidades literárias, desenvolveram a história de Jesus,
partindo de fontes orais e escritas, anteriores a eles. Mateus e Lucas, por
exemplo, conseguiram reconstruir essa história da ressurreição até o
nascimento. Porém, a pregação inicial se fundava no anúncio de que Jesus
Cristo, o Messias e Filho de Deus, foi morto na cruz e ressuscitou. Por isso, a
escrita dos evangelhos começou pelo final, ou seja, pelos relatos da paixão,
morte e ressurreição de Jesus.
Iniciamos nosso olhar para o
texto partindo do primeiro versículo, e nele já encontramos importantes
particularidades do evangelista Mateus. Eis o início do texto: «Depois do
sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria
foram ver o sepulcro» (v. 1). Em todos os evangelhos, se diz que
algumas mulheres se dirigiram ao sepulcro depois do sábado, logo ao amanhecer
do primeiro dia da semana, que é o domingo. Ora, o sábado fora o último dia da
antiga criação, e aqui o evangelista indica que há uma nova criação em curso.
Neste primeiro dia da semana, um novo mundo e um novo tempo estão surgindo. É o
começo de uma nova história. Na antiga criação, a obra de Deus no primeiro dia
foi a luz (Gn 1,3-5). Na nova criação, continua sendo a luz, mas é a luz da
ressurreição do seu Filho, é a vida plena, e as primeiras pessoas a contemplar
essa luz nova foram as mulheres. Elas viram a vitória da luz sobre as trevas,
logo ao «amanhecer do primeiro dia da semana». É nítido o contraste entre a
atitude delas e a dos discípulos homens, que fugiram com medo, durante a
paixão, logo após a prisão de Jesus (Mt 26,56). Portanto, as mulheres, também
discípulas, que perseveraram e resistiram corajosamente ao drama da cruz, vêem
o romper das trevas, e não de modo passivo, mas com ativo protagonismo na
história nascente. O evangelista cita apenas duas, mas como representantes de
todas as discípulas e de todas as mulheres de todos os tempos.
A primeira diferença
significativa entre o relato de Mateus e o dos outros evangelistas neste
episódio é a finalidade da ida das mulheres ao sepulcro. Enquanto nos outros
evangelhos se diz que elas foram para ungir o corpo de Jesus, levando perfumes
e aromas, no Evangelho Mateus se diz que elas foram ver o sepulcro. É um dado
muito significativo, pois expressa mais afeto e atenção, e não o mero
cumprimento de um preceito, como era típico dos judeus ungir os cadáveres. As
mulheres não foram executar uma tarefa, simplesmente. Foram ver, contemplar,
como já tinham feito no momento do sepultamento, e Mateus disse que elas se
sentaram, defronte ao sepulcro, assistindo Jesus ser sepultado (Mt 27,61). Isso
indica o afeto que elas tinham por Jesus; gostavam de estar perto dele,
certamente, porque nunca tinham sido tão acolhidas, compreendidas e amadas por
alguém como foram por ele. Sem dúvidas, elas estavam com saudades dele, foram
ver a tomba, chorar, refletir e repensar a vida após aqueles acontecimentos.
Por sinal, o verbo empregado pelo evangelista indica mais do que ver, significa
contemplação, um olhar reflexivo (verbo grego θεωρέω – theorêo); desse verbo deriva a palavra teoria,
que significa literalmente a exposição sistemática de um argumento a partir da
observação. Primeiro se observa, depois se fala a respeito. No caso da
ressurreição de Jesus, primeiro se faz experiência com ele, depois se anuncia,
como vai mostrar a sequência do texto.
No versículo seguinte, percebemos
mais particularidades relevantes do relato de Mateus, que ressaltam ainda mais
a importância das mulheres e seu respectivo testemunho: «De repente,
houve um grande tremor de terra: o anjo do Senhor desceu do céu e,
aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela» (v. 2). Mateus foi o
único evangelista que falou de um terremoto na hora da morte de Jesus, e agora
no relato da ressurreição ele fala de um novo terremoto. Na linguagem
apocalíptica empregada pelo evangelista, o terremoto é uma imagem que significa
manifestação de Deus e transformação, evoca a passagem de um mundo velho para
um mundo novo. O fim do mundo velho, marcado por injustiças, violência e
hipocrisia, fora decretado na morte de Jesus, como consequência da mentalidade
vigente naquele mundo. A ressurreição marca o início do novo mundo, o começo de
uma nova ordem, caracterizada pelo amor e seus derivados: paz, justiça,
solidariedade, fraternidade, tolerância… É o começo de uma nova história, de um
mundo humanizado. Na nova história, as mulheres tem vez e voz. Toda vez que a
comunidade professa sua fé na ressurreição, portanto, ela renova o compromisso
de empenhar-se na construção desse mundo novo.
A imagem do «anjo do Senhor»
confirma que se trata de uma intervenção direta de Deus. O evangelista diz que
o anjo «desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se
nela». Nos outros evangelhos, quando as mulheres chegam ao sepulcro já
encontram a pedra removida (Mc 16,4; Lc 24,2; Jo 20,1). Indiretamente, Mateus
diz que as mulheres viram o anjo remover a pedra, apesar de também não
descrever Jesus ressuscitando. Mas a diferença é considerável em relação aos
demais. Após remover a pedra, o anjo se senta nela, uma imagem que significa o
triunfo da vida sobre a morte. A pedra era o sinal de separação entre a vida e
a morte. Essa separação é superada com a ressurreição de Jesus. Sentado na
pedra, o anjo decreta que a vida venceu e o mundo novo começou. E as mulheres
são as primeiras testemunhas dessa novidade. A descrição do aspecto do anjo
confirma sua origem divina: a aparência luminosa – como um relâmpago – e as
vestes brancas são imagem do mundo de Deus na linguagem bíblica, e são as
mesmas características com as quais Jesus se revelou no momento da
transfiguração (Mt 17,1-8; Mc 9,1-8; Lc 9,28-36). Aqui, funciona como uma
confirmação para as mulheres e os leitores de todos os tempos.
A presença dos guardas também é
outra exclusividade do Evangelho de Mateus. Como resultado de mais um acordo
entre Pilatos e as autoridades religiosas, eles foram designados para vigiar o
sepulcro, a fim de, posteriormente forjarem o boato do roubo do corpo de Jesus
pelos seus discípulos (Mt 27,62-66). Tudo isso como fruto da ganância e do
poder de quem não aceitava a mensagem libertadora de Jesus e quis silenciá-lo,
embora sem sucesso, ao longo de todo o seu ministério. Impactados pelo medo da
intervenção de Deus, os guardas ficaram como mortos (v. 4), por um momento, mas
logo em seguida aceitarão o suborno das autoridades para negar a realidade da
ressurreição e espalhar o boato do roupo do corpo de Jesus (Mt 28,11-15). A
imagem dos guardas caídos como mortos contrasta com a do anjo sentado na pedra
em sinal de triunfo. O contraste entre essas duas imagens ressalta a soberania
de Deus e a vitória definitiva da vida. Com isso, evangelista reforça ainda
mais a força da intervenção de Deus na história e a credibilidade do testemunho
das mulheres, pois foram muitas as tentativas de desacreditar o anúncio da
ressurreição de Jesus pelos mesmos poderosos que o tinham matado. Ao dizer que
os guardas, enquanto representantes das forças de morte, «ficaram como mortos»,
o evangelista ressalta, paradoxalmente, o triunfo da vida: o projeto de morte
foi derrotado, mesmo que insistam em negar a ressurreição, mediante o suborno.
Enquanto mensageiro de Deus, o
anjo se dirige às mulheres, e começa encorajando-as, diante da novidade de
todos estes acontecimentos: «Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus,
que foi crucificado» (v. 5). O convite ao encorajamento, mediante o
imperativo «não tenhais medo», é típico da comunicação de Deus com as pessoas
escolhidas para desempenharem uma missão especial na história da salvação.
Inclusive, nos relatos da anunciação do nascimento de Jesus, tanto a José
quanto a Maria, o anjo disse a mesma coisa (Mt 1,20; Lc 1,30). Isso indica a
importância do evento e da missão tratados aqui: a ressurreição de Jesus e a mandato
das mulheres como primeiras mensageiras e apóstolas da ressurreição. O anjo
sabia que as mulheres procuravam Jesus que foi crucificado. Ora, ninguém pode
esquecer que Jesus foi crucificado. No anúncio do Ressuscitado não se pode
omitir que ele foi crucificado. O Ressuscitado e o crucificado são a mesma
pessoa: Jesus de Nazaré, o Messias e Filho de Deus. Recordar essa continuidade
é essencial, pois representa a perenidade da sua mensagem libertadora e
atualidade do seu jeito de viver como único paradigma para a comunidade. Tudo o
que ele ensinou e viveu continua válido e sempre será. Inclusive, o
Ressuscitado carregará as marcas da cruz, porque elas são provas de um amor
infinito, mais do que lembranças de um acontecimento (Lc 24,39; Jo 20,27). A
cruz de Jesus é um atestado de amor, por isso, a comunidade não pode esquecer
que ele foi crucificado.
Finalmente, o anjo faz o grande
anúncio: «Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o
lugar em que ele estava» (v. 6). Jesus ressuscitou! As mulheres são as
primeiras a ouvir esse anúncio e, por consequência, serão as primeiras
anunciadoras. A referência ao que ele «havia dito» é uma alusão aos três
anúncios da paixão, que visavam preparar os seus seguidores, homens e mulheres,
para a realidade da paixão e ressurreição (Mt 16,21; 17, 22; 20,17-19). O
convite para as mulheres olharem o lugar que em que ele estava é, mais do que
uma prova da ressurreição em si, uma demonstração do fracasso dos projetos de
morte que os poderosos investiram contra a ele. O complô medíocre entre o
sinédrio e o poder romano fracassaram. Jesus ressuscitou e, por isso, a vida
venceu, o amou triunfou. Diante disso, as mulheres recebem uma importante
missão, confiada inicialmente pelo anjo: «Ide depressa contar aos
discípulos que ele ressuscitou dos mortos, e que vai à vossa frente para a
Galileia. Lá o vereis. É o que tenho a dizer-vos» (v. 7). Temos aqui um
verdadeiro mandato apostólico, missionário. As mulheres são as primeiras a
receber a ordem “Ide anunciar”! E devem anunciar com pressa, com agilidade, o
que reforça ainda mais a importância deste primeiro anúncio. Ora, ao fugir com
medo, após a prisão de Jesus (Mt 26,56), os discípulos se dispersaram,
obviamente. O anúncio das mulheres, portanto, tem a função também de reconstituir
a comunidade que tinha ficado dispersa e fragmentada. A comunidade vai se
recompor a partir do anúncio das mulheres, e não será uma tarefa fácil, pois o
testemunho de mulheres não era válido nem aceito nas sociedades patriarcais
como Israel. Aceitar o testemunho das mulheres era uma atitude subversiva, e
mais subversivo ainda era delegá-las como testemunhas. Isso mostra o quanto
Jesus e seu Deus, que é Pai, são surpreendentes! Para anunciar a mais bela das
notícias ele escolhe as mensageiras menos credíveis, conforme a mentalidade da
época. É a subversão do Evangelho rompendo barreiras com todo o vigor!
Mesmo sabendo que corriam o risco
de não ser acreditadas, «as mulheres partiram depressa do sepulcro.
Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos
discípulos» (v. 8). A pressa, num caso como esse, é uma necessidade.
Era necessário o quanto antes encontrar os discípulos dispersos e transmitir
essa notícia maravilhosa. O medo, numa situação dessa, também é compreensível. Elas
tiveram medo, mas não ficaram paralisadas, e isso faz a diferença. Ainda mais
porque dosaram o medo com alegria. O anúncio cristão tem de ser alegre, mesmo
que as situações da vida provoquem medo, às vezes. Certamente, a missão destas
mulheres foi a mais difícil de toda a história do cristianismo. o fato de serem
mulheres já constituía a primeira dificuldade, depois por ser o primeiro
anúncio da ressurreição, um dos aspectos mais difíceis de aceitação na doutrina
cristã, em todos os tempos. Porém, a submissão das mulheres fazia parte do
mundo velho, que acabou com o terremoto na hora da morte de Jesus. No mundo
novo, inaugurado com a ressurreição, todos são iguais, não há espaço para
discriminação ou preconceito de nenhum tipo; quem não tinha voz passa a ter, e
a designação das mulheres como primeiras anunciadoras demonstra isso. Enquanto
primeiras missionárias de Jesus Cristo, elas são a prova mais concreta de que
um mundo novo surgiu, ratificando a mensagem do Evangelho, desde o início.
Enquanto iam com pressa, seguindo
à risca o mandato conferido pelo anjo, «de repente, Jesus foi ao encontro
delas, e disse: ‘Alegrai-vos!’. As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se
diante de Jesus, abraçando seus pés» (v. 9). Aqui, novamente, Mateus se
sobressai em relação aos demais evangelhos, pois é no seu relato que as
mulheres fazem mais cedo a experiência do encontro com o Ressuscitado. E elas
reconhecem Jesus imediatamente. Os discípulos homens serão mais lentos também
em reconhecer e acreditar, quando Jesus se manifestar a eles, na Galileia (Mt
28,17). Essa manifestação tão cedo às mulheres indica que elas estavam no
caminho certo e que Jesus está sempre presente na vida e no caminho de quem
segue a sua mensagem. Funciona como uma espécie de confirmação. O evangelista
diz que Jesus «foi ao encontro delas». Perceber isso é importante, pois
significa que a iniciativa é dele; é ele quem deseja primeiro caminhar com
conosco. Ele foi, vai e vem sempre ao encontro da humanidade. As mulheres se
aproximaram e se prostraram, em adoração. A atitude delas aqui é a mesma dos
magos, quando encontraram Jesus recém-nascido e logo o reconheceram como o rei
dos judeus (Mt 2,11). Ao se prostrarem em adoração (verbo grego: προσεκύνησαν – prossekunêssan), as
mulheres mostram plena convicção na ressurreição de Jesus e total adesão ao seu
anúncio. Elas já tinham acreditado no anjo, pois saíram com pressa conforme ele
tinha ordenado; o reconhecerem Jesus imediatamente, elas confirmam a veracidade
do anúncio do anjo e renovam as convicções da fé e do sentido da vida, tudo
agora ressignificado pela ressurreição. Certamente, após o encontro com o
Ressuscitado elas ficaram ainda mais entusiasmadas com tudo o que estava
acontecendo e isso deve ter repercutido na qualidade do anúncio.
As palavras de Jesus às mulheres
praticamente ratificam o que o anjo já tinha anunciado: «Então Jesus disse a
elas: ‘Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a
Galileia. Lás eles me verão’» (v. 10). As primeiras palavras de Jesus são também
um convite à coragem. De fato, elas precisavam, pois sabiam que encontrariam
resistência no anúncio. Quem ainda não tinha aderido ao mundo novo que estava
surgindo, certamente, resistiria ao anúncio delas. Por isso, Jesus as encoraja
e repete o mandato: «Ide anunciar!». E os primeiros destinatários do anúncio da
ressurreição feito pelas mulheres são os discípulos homens, a quem Jesus chama
de irmãos, mostrando que não desiste do ser humano. Isso também indica o seu
projeto de fraternidade para a comunidade cristã. De fato, a fraternidade é um
projeto de vida que deve nortear o mundo novo inaugurado pela ressurreição de
Jesus. Confessar que ele ressuscitou e celebrar sua ressurreição implica em
compromisso e disposição de viver em fraternidade. Podemos dizer, portanto, que
a fraternidade está entre os primeiros frutos da ressurreição, pois é condição
para a participação no Reino de Deus, que corresponde ao mundo novo inaugurado
pela ressurreição. Jesus especifica às mulheres a natureza do anúncio primordial
aos discípulos: dirigir-se à Galileia, para lá se encontrarem com ele. O
retorno à Galileia significa o reencontro com os fundamentos da vocação e da
missão, sobretudo para os discípulos que se dispersaram. Eles precisavam se
reencontrar com Jesus e se reencantarem com o seu Evangelho. Precisavam
recomeçar, por isso, era necessário um encontro na Galileia, onde tudo começou.
A Galileia como lugar de encontro com o ressuscitado significa também uma
denúncia à Jerusalém, sede do poder e, por isso, lugar de morte, na perspectiva
de Mateus.
Que a Páscoa imprima em nós o
desejo de participar do mundo novo oferecido pela ressurreição de Jesus e
renove nosso compromisso de lutar pela edificação do seu Reino vivendo a
fraternidade, a justiça e o amor. No mundo novo, os últimos se tornam
primeiros, como se vê pelo protagonismo das mulheres no primeiro anúncio. A
vida venceu. Que possamos manifestar essa vitória vivendo à maneira de Jesus, o
crucificado que ressuscitou e, por isso, não está mais no sepulcro. Ele quer
estar na vida de cada pessoa, humanizando e libertando. Que nossas comunidades
sejam pequenas Galileias, para onde possamos retornar quantas vezes for
necessário para nos reencontrarmos com ele e recomeçarmos.
MISSA
DO DIA
1ª
Leitura (At 10,34a.37-43): Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse:
«Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois
do baptismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus
de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos
pelo Demónio, porque Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que
Ele fez no país dos judeus e em Jerusalém; e eles mataram-no, suspendendo-O na
cruz. Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se¬, não a
todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que
comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos. Jesus
mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz
dos vivos e dos mortos. É d'Ele que todos os profetas dão o seguinte
testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».
Salmo
Responsorial: 117
R. Este é o dia que o Senhor
fez: exultemos e cantemos de alegria.
Dai graças ao Senhor, porque Ele
é bom, porque é eterna a sua misericórdia. Diga a casa de Israel: é eterna a
Sua misericórdia.
A mão do Senhor fez prodígios, a
mão do Senhor foi magnífica. Não morrerei, mas hei de viver, para anunciar as
obras do Senhor.
A pedra que os construtores
rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto veio do Senhor: e é admirável aos
nossos olhos.
2ª
Leitura (Col 3,1-4): Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às
coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus.
Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a
vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa
vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na
glória.
SEQUÊNCIA
PASCAL
À Vítima pascal Ofereçam os
cristãos sacrifícios de louvor O Cordeiro resgatou as ovelhas: Cristo, o
Inocente, reconciliou com o Pai os pecadores.
A morte e a vida travaram um admirável
combate: depois de morto, vive e reina o Autor da vida. Diz-nos, Maria: Que
viste no caminho? Vi o sepulcro de Cristo vivo, e a glória do ressuscitado. Vi
as testemunhas dos Anjos, vi o sudário e a mortalha.
Ressuscitou Cristo, minha
esperança: precederá os seus discípulos na Galileia. Sabemos e acreditamos:
Cristo ressuscitou dos mortos: Ó Rei vitorioso, tende piedade de nós.
Aleluia. Cristo, nosso
Cordeiro Pascal, foi imolado: celebremos a festa do Senhor. Aleluia.
Evangelho
(Jo 20,1-9): No primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda
estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido
retirada do túmulo. Ela saiu correndo e foi se encontrar com Simão Pedro e com
o outro discípulo, aquele que Jesus mais amava. Disse-lhes: «Tiraram o Senhor
do túmulo e não sabemos onde o colocaram». Pedro e o outro discípulo saíram e
foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, e o outro discípulo correu mais
depressa, chegando primeiro ao túmulo. Inclinando-se, viu as faixas de linho no
chão, mas não entrou. Simão Pedro, que vinha seguindo, chegou também e entrou
no túmulo. Ele observou as faixas de linho no chão, e o pano que tinha coberto
a cabeça de Jesus: este pano não estava com as faixas, mas enrolado num lugar à
parte. O outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também,
viu e creu. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura segundo a
qual ele devia ressuscitar dos mortos.
«O outro discípulo, que tinha
chegado primeiro ao túmulo, entrou também, viu e creu»
Mons. Joan Enric VIVES i Sicília
Bispo de Urgell (Lleida, Espanha)
Hoje «é o dia que o Senhor fez»,
iremos cantando ao longo de toda a Páscoa. Essa expressão do Salmo 117 inunda a
celebração da fé cristã, O Pai ressuscitou a seu Filho Jesus Cristo, o Amado,
Aquele em quem se compraz porque amou a ponto de dar sua vida por todos.
Vivamos a Páscoa com muita
alegria. Cristo ressuscitou: celebremo-lo cheios de alegria e de amor. Hoje,
Jesus Cristo venceu a morte, o pecado, a tristeza… e nos abriu as portas da
nova vida, a autêntica vida que o Espírito Santo continua a nos dar por pura
graça. Que ninguém fique triste! Cristo é nossa Paz e nosso Caminho para
sempre. Ele, hoje, «revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação
sublime» (Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes 22).
O grande sinal que nos dá o
Evangelho é que o sepulcro de Jesus está vazio. Já não temos de procurar entre
os mortos Aquele que vive, porque ressuscitou. E os discípulos, que depois o
verão Ressuscitado, isto é, que o experimentarão vivo em um maravilhoso encontro
de fé, percebem que há um vazio no lugar de sua sepultura. Sepulcro vazio e
aparições serão os grandes sinais para a fé do crente. O Evangelho diz que «o
outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também, viu e
creu» (Jo 20,8). Ele soube compreender, pela fé, que aquele vazio e, por sua
vez, aquela mortalha e aquele sudário bem dobrados, eram pequenos sinais do
passo de Deus, da nova vida. O amor sabe captar, a partir de pequenos detalhes,
o que os outros, sem ele, não captam. O «discípulo que Jesus mais amava» (Jo
20,2) guiava-se pelo amor que havia recebido de Cristo.
O “ver” e o “crer” dos discípulos
hão de ser também os nossos. Renovemos nossa fé pascoal. Que Cristo seja, em
tudo, o nosso Senhor. Deixemos que sua Vida vivifique a nossa e renovemos a
graça do batismo que recebemos. Façamo-nos seus apóstolos e seus discípulos.
Guiemo-nos pelo amor e anunciemos a todo o mundo a felicidade de crer em Jesus
Cristo. Sejamos testemunhos esperançosos de sua Ressurreição.
Pensamentos para o Evangelho
de hoje
«O que deve ser considerado
nestes acontecimentos é a intensidade do amor que ardia no coração daquela
mulher que nunca se afastou do túmulo. Ela foi a única a vê-lo, pois tinha
permanecido à sua procura, o que dá força às boas obras é a perseverança nelas»
(São Gregório Magno)
«Jesus não regressou a uma vida
humana normal deste mundo, como Lázaro e os outros mortos que Jesus
ressuscitou. Ele entrou numa vida diferente, nova; na imensidão de Deus»
(Benedito XVI)
«O mistério da ressurreição de
Cristo é um acontecimento real, com manifestações historicamente verificadas,
como atesta o Novo Testamento. Já São Paulo, por volta do ano 56, pôde escrever
aos Coríntios: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o mesmo que havia recebido:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e foi sepultado e
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras: a seguir, apareceu a Pedro,
depois aos Doze». O Apóstolo fala aqui da tradição viva da Ressurreição, de que
tinha tomado conhecimento após a sua conversão, às portas de Damasco»
(Catecismo da Igreja Católica, nº 639)
Reflexão do Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
O evangelho que a liturgia propõe
neste Domingo de Páscoa é João 20,1-9. Ao invés de ser um relato da
ressurreição, esse é na verdade um relato do “sepulcro encontrado vazio”, pois
a ressurreição é indescritível. Ao contrário da paixão e da morte de Jesus, as
quais são descritas minuciosamente pelos evangelhos, nenhuma descrição da
ressurreição é feita, o que pode parecer estranho, considerando que é a
ressurreição o evento fundante do cristianismo e, por isso, o centro da fé
cristã. Foi exatamente em função da ressurreição que os evangelhos foram
escritos e, mesmo assim, seus autores não conseguiram descrevê-la.
O texto que a liturgia propõe
para hoje, Jo 20,1-9, é apenas a introdução daquilo que o Quarto Evangelho
dedica à ressurreição, sem, no entanto, descrevê-la: a descoberta do sepulcro
vazio, o que pode significar muita coisa ou quase nada, a depender de quem faz
a constatação. Três personagens entram em cena nesse texto: Maria Madalena,
Simão Pedro e o Discípulo amado. O número três já é, por si, um grande e
significativo sinal; se trata de um indicativo teológico: significa uma
comunidade, a qual encontra-se profundamente abalada, devido ao final trágico
de seu líder, mas que vai, aos poucos, sendo recomposta, à medida em que a
esperança é recuperada.
O primeiro versículo é bastante
significativo, pois apresenta o verdadeiro retrato da comunidade antes de vivenciar
a experiência da ressurreição: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi
ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a
pedra tinha sido retirada do túmulo” (v. 1). O “primeiro dia” é o dia seguinte
ao sábado, último dia; isso quer dizer que a comunidade ainda estava apegada à
lei, cumprindo o repouso sabático. A observância da lei atrasa a experiência da
ressurreição que é, na verdade, a nova criação que se instaura, por isso, a
ênfase ao primeiro dia. Isso não significa que a ressurreição se deu exatamente
no domingo, o primeiro dia da semana, mas foi nesse dia que a comunidade
começou a despertar e a fazer a experiência de encontro com o Ressuscitado.
Após cumprir a lei do repouso
sabático, em observância à lei, “Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de
madrugada, quando ainda estava escuro” (v. 1). Embora o texto de João registre
apenas a ida de Maria Madalena ao sepulcro, é mais provável que tenha sido um
grupo de mulheres, como consta nos evangelhos sinóticos (cf. Mt 28,1; Mc 16,1;
Lc 24,1); João cita somente a Madalena para compor o número três com os dois
discípulos (Pedro e o Discípulo Amado), dando uma ênfase teológica maior ao
fato. Ir ao túmulo é a atitude de quem acredita que a morte triunfou, pois o
túmulo é a morada dos mortos, é um depósito de cadáver. A comunidade vai ao
túmulo por reverência a Jesus e para chorar a sua morte, sem nenhuma esperança
na ressurreição.
O indicativo temporal “bem de
madrugada” e seu complemento enfático “quando ainda estava escuro” significam
muito mais que um dado cronológico; é na verdade o indício da mentalidade da
comunidade naquelas circunstâncias. A ausência de Jesus e a procura pelo seu
corpo na morada dos mortos reflete uma realidade de trevas na comunidade. Essa
situação de trevas não se deve à ausência da luz física, mas significa que a
vida não está triunfando na comunidade, ou seja, a morte está prevalecendo.
Trevas é ausência de vida e de esperança.
Enquanto observa a lei, como o
repouso sabático, a comunidade permanece cega e incapaz de perceber os sinais
do ressuscitado. A cultura da morte está tão presente na mente dos discípulos
que nem mesmo a pedra do túmulo removida é suficiente para animá-la. De fato, a
remoção da pedra e a suposta ausência do corpo de Jesus causa, inicialmente,
preocupação e espanto, ao invés de alegria e esperança. Por isso, Maria
Madalena, certamente preocupada, correu para comunicar a Pedro e ao Discípulo
Amado: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram” (v. 2b).
Nessa fala da Madalena vem expressa a completa falência da comunidade: sentem a
falta de um cadáver; querem saber onde está o corpo morto para reverenciá-lo,
provavelmente com os perfumes, e chorar junto dele.
Com o aviso de Maria Madalena,
também Pedro e o Discípulo Amado tomam a iniciativa de ir ao túmulo para
conferir a veracidade da informação (v. 3), uma vez que a palavra da mulher não
era digna de credibilidade naquela sociedade. Afirma o texto que “Os dois
corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou
primeiro ao túmulo” (v. 4), o que revela o grau de desânimo de Pedro após ter
sido tão incoerente com o Mestre na fase final de sua vida: opôs-se a ele na
ceia, no momento do lava-pés (cf. 13,6-8), e o negara durante o processo (cf.
18,15-27). A falta de motivação de Pedro foi, certamente, marcada pelo remorso
da negação e outras incoerências, o que será recuperado quando experimentar o
Ressuscitado em sua vida.
A pressa do Discípulo Amado
revela sua fidelidade, testada e comprovada aos pés da cruz (cf. 19,25-27),
característica da pessoa amada; somente quem fez uma autêntica e profunda
experiência de amor com o Senhor é capaz de opor-se ao clima de morte reinante
na comunidade, por isso, esse discípulo é anônimo; o evangelista não lhe dá um
nome, mas apenas um adjetivo: amado. Os personagens anônimos no
Evangelho segundo João têm a função de paradigmas para a comunidade e os
leitores; assim, todo aquele que ler esse evangelho deve tornar-se um
“discípulo amado” também. Ele, o Discípulo Amado chegou primeiro e comprovou
que a informação da Madalena era verídica: “viu as faixas de linho no chão, mas
não entrou” (v. 5).
O Discípulo Amado, embora tenha
chegado primeiro, espera que Pedro também chegue e faça ele mesmo a sua
experiência: “Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no
túmulo. Viu as faixas de linho no chão” (v. 6). Tendo entrado no túmulo, Pedro
comprova a ausência do corpo de Jesus e, certamente, faz uma longa reflexão a
respeito de tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. Embora a tradução
litúrgica diga que ele “viu” as faixas de linho, o evangelista emprega um verbo
de significado muito mais profundo: “contemplar” (em grego: teorêo), o que
significa mais que simplesmente ver; desse verbo grego deriva a palavra teoria,
como consequência de uma observação profunda: um olhar contemplativo,
processado na mente e no coração.
Depois de Pedro, entra também o
Discípulo Amado no túmulo. Tendo chegado primeiro, poderia ter entrado logo,
mas preferiu esperar que Pedro chegasse e entrasse logo. Não se trata de
preeminência, uma vez que na comunidade joanina não havia espaço para
hierarquia, o que Jesus deixou claro no lava-pés; era na verdade uma questão de
necessidade: quem, de fato, necessitava de uma experiência mais forte era
Pedro, pois, depois de Judas, foi aquele que mais fracassou. Já o Discípulo
Amado tinha feito uma experiência autêntica com o Senhor durante toda a sua
vida, por isso, “viu e acreditou” (v. 8); não se deixou vencer pelos sinais de
morte vistos dentro do túmulo, mas reforçou ali a sua fé.
Para Pedro, foi necessário um
pouco mais de tempo, pelo menos algumas horas, para convencer-se de que o
Senhor ressuscitou e vive. Mas, os sinais estão apontando para isso: interiormente,
ele já estava “teorizando” sua fé, reconstruindo-a lentamente, uma vez que os
acontecimentos do lava-pés ao julgamento de Jesus foram muito fortes e deixaram
suas expectativas bastante comprometidas.
É o conhecimento da Escritura
que, gradativamente, vai habilitando a comunidade a crer na ressurreição (v.
9). A fé de Pedro, de Maria Madalena e dos demais será reformulada aos poucos,
a cada “primeiro dia” quando reunirem-se para a comunhão fraterna. Só crê num
primeiro momento quem ama e sente-se amado, como aquele Discípulo sem nome, ao
qual o evangelista quer que todos os seus leitores se assemelhem! Assim,
concluímos voltando para o nosso início: a ressurreição não pode ser descrita,
pode apenas ser experimentada. Para isso, é necessário fazer a experiência do
amor profundo!
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