Venerável Frei João de São Sansão, OCarm
Salmo Responsorial: 77
R. Não esqueçais as
obras do Senhor.
Escuta, meu povo, a minha instrução, presta ouvidos às
palavras da minha boca. Vou falar em forma de provérbio, vou revelar os
mistérios dos tempos antigos.
Quando Deus castigava os antigos, eles O procuravam,
tornavam a voltar-se para Ele e recordavam-se de que Deus era o seu protetor, o
Altíssimo o seu redentor.
Eles, porém, enganavam-no com a boca e mentiam-Lhe com a
língua; o seu coração não era sincero, nem eram fiéis à sua aliança.
Mas Deus, compadecido, perdoava o pecado e não os
exterminava. Muitas vezes reprimia a sua cólera e não executava toda a sua ira.
2ª Leitura (Flp 2,6-11): Leitura da Epístola do
apóstolo São Paulo aos Filipenses Cristo Jesus, que era de condição divina, não
Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a
condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem,
humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz. Por isso Deus O
exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de
Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua
proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.
Aleluia. Nós Vos adoramos e bendizemos, Senhor Jesus Cristo, que pela
vossa santa cruz remistes o mundo. Aleluia.
Evangelho (Jo 3,13-17): Naquele tempo, disse Jesus
a Nicodemos: «Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu: o Filho do
Homem. Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também será levantado
o Filho do Homem, a fim de que todo o que nele crer tenha vida eterna. De fato,
Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele
crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao
mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele».
«A fim de que todo o que nele crer tenha vida eterna»
Rev. D. Antoni CAROL i
Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)
Bem sabemos que a cruz era o suplício mais atroz e
vergonhoso de seu tempo. Exaltar a Santa Cruz não deixaria de ser um cinismo se
não fosse porque ai está o Crucificado. A cruz, sem o Redentor, é simples
cinismo; com o Filho do Homem é a nova árvore da sabedoria. Jesus Cristo,
«oferecendo-se livremente à paixão» da Cruz abriu o sentido e o destino de
nosso viver: subir com Ele à Santa Cruz para abrir os braços e o coração ao Dom
de Deus, num intercâmbio admirável. Também aqui nos convém escutar a voz do Pai
desde o céu: «Este é meu Filho (...), em quem me comprazo» (Mc 1,11). Encontrarmos
crucificados com Jesus e ressuscitar com Ele: Eis aqui o porquê de tudo! Há
esperança, há sentido, há eternidade, há vida! Nós os cristãos não estamos
loucos quando na Vigília Pascal, de maneira solene, quer dizer, no Pregão
Pascal, cantamos, louvando o pecado original: «Oh! Culpa tão feliz, que tem
merecido a graça de tão grande Redentor», que com sua dor tem impresso sentido
à mesma dor.
«Olhai a árvore da cruz, foi sacrificado o Salvador do
mundo: vem e adoremos» (Liturgia da sexta-feira Santa). Se conseguirmos superar
o escândalo e a loucura de Cristo crucificado, não há nada mais que adorá-lo e
agradecer-lhe seu Dom. E procurar decididamente a Santa Cruz em nossa vida,
para termos a certeza de que, «por Ele, com Ele e Nele», nossa doação será transformada,
nas mãos do Pai, pelo Espírito Santo, em vida eterna: «Derramada por vós e por
muitos para o perdão dos pecados».
A cruz é a glória e a exaltação de Cristo
Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo (Sermão 10, na Exaltação da Santa Cruz)
Com efeito, sem a cruz, Cristo não teria sido crucificado.
Sem a cruz, a Vida não teria sido cravada no madeiro. E se a Vida não tivesse
sido crucificada, não teriam brotado do seu lado aquelas fontes de
imortalidade, o sangue e a água, que purificam o mundo; não teria sido rasgada
a sentença de condenação escrita pelo nosso pecado, não teríamos alcançado a
liberdade, não poderíamos saborear o fruto da árvore da vida, não estaria
aberto para nós o Paraíso. Sem a cruz, não teria sido vencida a morte, nem
espoliado o inferno.
Verdadeiramente grande e preciosa realidade é a santa cruz!
Grande, porque é a origem de bens inumeráveis, tanto mais excelentes quanto
maior é o mérito que lhes advém dos milagres e dos sofrimentos de Cristo.
Preciosa, porque a cruz é simultaneamente o patíbulo e o troféu de Deus: o
patíbulo, porque nela sofreu a morte voluntariamente; e o troféu, porque nela
foi mortalmente ferido o demónio, e com ele foi vencida a morte. E deste modo,
destruídas as portas do inferno, a cruz converteu se em fonte de salvação para
todo o mundo.
A cruz é a glória de Cristo e a exaltação de Cristo. A cruz
é o cálice precioso da paixão de Cristo, é a síntese de tudo quanto Ele sofreu
por nós. Para te convenceres de que a cruz é a glória de Cristo, ouve o que Ele
mesmo diz: Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus foi glorificado n’Ele
e em breve O glorificará. E também: Glorifica me, ó Pai, com a glória que tinha
junto de Ti, antes de o mundo existir. E noutra passagem: Pai, glorifica o teu
nome. Veio então uma voz do Céu: ‘Eu O glorifiquei e de novo O glorificarei’.
E para saberes que a cruz é também a exaltação de Cristo,
escuta o que Ele próprio diz: Quando Eu for exaltado, então atrairei todos a
Mim. Como vês, a cruz é a glória e a exaltação de Cristo.
A Cruz “é o escudo e o troféu contra o demônio.
Francisco Fernández
Carvajal
I. PELA PAIXÃO DE
NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, a Cruz não é um patíbulo de ignomínia, mas um
trono de glória. Resplandece a Santa Cruz pela qual o mundo alcança a salvação.
Ó Cruz que vences!, Cruz que reinas!, Cruz que limpas todo o pecado! Aleluia1.
A festa que celebramos hoje nasceu em Jerusalém, nos
primeiros séculos do cristianismo. Conforme um antigo testemunho2,
começou a ser comemorada no aniversário do dia em que foi encontrada a Cruz de
Nosso Senhor. A sua celebração estendeu-se com grande rapidez pelo Oriente e
pouco depois por toda a cristandade. Em Roma, era particularmente solene a
procissão que, antes da Missa, se dirigia de Santa Maria Maior a São João de
Latrão para venerar a Cruz3.
Nos começos do século VII, os persas saquearam Jerusalém,
destruíram muitas basílicas e apoderaram-se das sagradas relíquias da Santa
Cruz, que um pouco mais tarde seriam recuperadas pelo imperador Heráclio. Conta
uma piedosa tradição que, quando o imperador, vestido com as insígnias da
realeza, quis carregar pessoalmente o santo Madeiro até o seu primitivo lugar
no Calvário, o seu peso foi-se tornando cada vez mais insuportável. Nesse
momento, Zacarias, bispo de Jerusalém, fez-lhe ver que, para levar aos ombros a
Santa Cruz, deveria desfazer-se das insígnias imperiais, imitando a pobreza e a
humildade de Cristo, que tinha carregado o santo lenho despojado de tudo.
Heráclio vestiu então umas humildes roupas de peregrino e, descalço, pôde levar
a Santa Cruz até o cimo do Gólgota4.
É possível que tenhamos aprendido desde a nossa infância a
fazer o sinal da Cruz sobre a nossa testa, os nossos lábios e o nosso coração,
em sinal externo da fé que professamos. Na Liturgia, a Igreja utiliza o sinal
da Cruz nos altares, no culto e nos edifícios sagrados. É a árvore de riquíssimos
frutos, arma poderosa que afasta todos os males e espanta os inimigos da nossa
salvação: Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus Nosso Senhor dos nossos
inimigos, dizemos todos os dias ao persignar-nos. A Cruz – ensina um Padre da
Igreja – “é o escudo e o troféu contra o demônio. É o sinal para que não
sejamos atingidos pelo anjo exterminador, como diz a Escritura (cfr. Ex 9, 12).
É o instrumento para levantar aqueles que caem, o apoio para os que se mantêm
em pé, o bastão dos débeis, o guia dos que se extraviam, a meta dos que
avançam, a saúde da alma e do corpo. Afugenta todos os males, acolhe todos os
bens, é a morte do pecado, a semente da ressurreição, a árvore da vida eterna”5.
O Senhor pôs a salvação da humanidade no lenho da Cruz, para que a vida
ressurgisse de onde viera a morte, e aquele que vencera na árvore do Paraíso
fosse vencido na árvore da Cruz6.
A Cruz apresenta-se na nossa vida de diversas maneiras:
doença, pobreza, cansaço, dor, desprezo, solidão… Hoje podemos examinar como é
a nossa disposição habitual em face dessa Cruz que às vezes se mostra áspera e
dura, mas que, se a levamos com amor, converte-se em fonte de purificação e de
Vida, e também de alegria. Queixamo-nos com frequência das contrariedades? Ou,
pelo contrário, damos graças a Deus também nos fracassos, na dor, na
contradição? Essas realidades afastam-nos ou aproximam-nos de Deus?
II. A PRIMEIRA
LEITURA da Missa7 narra-nos como o Senhor castigou o Povo eleito
por ter murmurado contra Moisés e contra Deus ao experimentar as dificuldades
do deserto; enviou-lhe serpentes que causavam estragos entre os israelitas.
Quando se arrependeram, o Senhor disse a Moisés: Faze uma
serpente de bronze e põe-na por sinal; aquele que, tendo sido ferido, olhar
para ela, viverá. Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e pô-la por sinal; e
os feridos que olhavam para ela ficavam curados.
A serpente de bronze era figura de Cristo na Cruz; quem o
olha obtém a salvação. Assim o diz Jesus no diálogo mantido com Nicodemos: assim
também importa que o Filho do homem seja levantado, a fim de que todo o que crê
nele não pereça, mas tenha a vida eterna8. Desde então, o caminho da santidade
passa pela Cruz, e ganham sentido todas essas realidades que tanto precisam
dele, como são a doença, a dor, as aflições econômicas, o fracasso…, a
mortificação voluntária. Mais ainda: Deus abençoa com a Cruz quando quer
conceder grandes bens a um dos seus filhos, a quem trata então com particular
predileção.
“Estás sofrendo uma
grande tribulação? Encontras oposição? – Diz, muito devagar, como que
saboreando, esta oração forte e viril: «Faça-se, cumpra-se, seja louvada e
eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas
as coisas. – Assim seja. Assim seja». “Eu te garanto que alcançarás a paz”9.
III. CRUZ FIEL,
tu és a mais nobre de todas as árvores; nenhuma outra pode comparar-se a ti em
folhas, em flor, em fruto10.
O amor à Cruz produz abundantes frutos na alma. Em primeiro
lugar, leva-nos a descobrir Jesus, que sai ao nosso encontro e carrega sobre os
seus ombros a parte mais pesada da contradição. A nossa dor, associada à do
Mestre, deixa de ser o mal que entristece e arruína, e converte-se em meio de
íntima união com Deus. “Se sofres, submerge a tua dor na dele: diz a tua Missa.
Mas se o mundo não compreende estas coisas, não te perturbes; basta que te
compreendam Jesus, Maria, os santos. Vive com eles e deixa que o teu sangue
corra em benefício da humanidade: como Ele!”11
A Cruz de cada dia é uma grande oportunidade de purificação,
de desprendimento, de aumento de glória12. São Paulo ensina com
frequência que as tribulações são sempre breves e suportáveis, e que o prêmio
desses sofrimentos acolhidos por amor a Cristo é imenso e eterno. Por isso o
Apóstolo alegrava-se nas tribulações, gloriava-se nelas e considerava-se feliz
de poder uni-las às de Cristo Jesus e assim completar a Sua paixão para bem da
Igreja e das almas13.
“Não é verdade que,
mal deixas de ter medo à Cruz, a isso que a gente chama de Cruz, quando pões a
tua vontade em aceitar a vontade divina, és feliz, e passam todas as
preocupações, os sofrimentos físicos ou morais?
“É verdadeiramente
suave e amável a Cruz de Jesus. Não contam aí as penas: só a alegria de nos
sabermos corredentores com Ele”14.
O trato e a amizade com o Mestre ensinam-nos, por outro
lado, a ver e a enfrentar as dificuldades que se apresentam com um espírito
jovem e decidido, sem nenhum assomo de tristeza ou de queixa. À semelhança dos
santos, encararemos as contrariedades como um estímulo, como um obstáculo que é
preciso transpor neste combate que é a vida. Essa disposição de ânimo alegre e
otimista, mesmo nos momentos difíceis, não é fruto do temperamento ou da idade:
nasce de uma profunda vida interior, da consciência sempre presente da nossa
filiação divina. É uma atitude serena, que cria em todas as circunstâncias um
bom ambiente à nossa volta – na família, no trabalho, com os amigos… – e
constitui uma grande arma para aproximarmos os outros de Deus.
Terminamos a nossa oração junto de Nossa Senhora. “«Cor
Mariae perdolentis, miserere nobis!» – invoca o Coração de Santa Maria, com
ânimo e decisão de te unires à sua dor, em reparação pelos teus pecados e pelos
de todos os homens de todos os tempos.
“E pede-lhe – para cada alma – que essa sua dor aumente em nós a aversão ao pecado, e que saibamos amar, como expiação, as contrariedades físicas ou morais de cada jornada”15.
(1) Liturgia da Horas,
Antífona de Laudes; (2) cfr. Egéria, Itinerário, BAC, Madrid, 1980, págs.
318-319; (3) cfr. A. G. Martimort, La Iglesia en oración, 3ª ed., Herder,
Barcelona, 1987, págs. 989-990; (4) cfr. Croisset, Año mariano, Madrid, 1846,
vol. VII, pág. 120-121; (5) São João Damasceno, De fide orthodoxa, IV, 11; (6)
Prefácio da Missa da Exaltação da Santa Cruz; (7) Num 21, 4-9; (8) Jo 3, 14-15;
(9) Josemaría Escrivá, Caminho, n. 691; (10) Hino Crux fidelis; (11) Ch.
Lubich, Meditações; (12) cfr. A. Tanquerey, La divinización del sufrimiento,
Rialp, Madrid, 1955, pág. 18; (13) cfr. Rom 7, 18; Gal 2, 19-20; 6, 14, etc.;
(14) Josemaría Escrivá, Via Sacra, Quadrante, São Paulo, 1981, II; (15) idem,
Sulco, n. 258.
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