1ª Leitura (At
12,1-11): Naqueles dias, o rei Herodes começou
a perseguir alguns membros da Igreja. Mandou matar à espada Tiago, irmão de
João, e, vendo que tal procedimento agradava aos judeus, mandou prender também
Pedro. Era nos dias dos Ázimos. Mandou-o prender e meter na cadeia,
entregando-o à guarda de quatro piquetes de quatro soldados cada um, com a
intenção de o fazer comparecer perante o povo, depois das festas da Páscoa.
Enquanto Pedro era guardado na prisão, a Igreja orava instantemente a Deus por
ele. Na noite anterior ao dia em que Herodes pensava fazê-lo comparecer, Pedro
dormia entre dois soldados, preso a duas correntes, enquanto as sentinelas, à
porta, guardavam a prisão. De repente, apareceu o Anjo do Senhor e uma luz
iluminou a cela da cadeia. O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no ombro, e
disse-lhe: «Levanta-te depressa». E as correntes caíram-lhe das mãos. Então o
Anjo disse-lhe: «Põe o cinto e calça as sandálias». Ele assim fez. Depois
acrescentou: «Envolve-te no teu manto e segue-me». Pedro saiu e foi-o seguindo,
sem perceber a realidade do que estava a acontecer por meio do Anjo; julgava
que era uma visão. Depois de atravessarem o primeiro e o segundo posto da
guarda, chegaram à porta de ferro, que dá para a cidade, e a porta abriu-se por
si mesma diante deles. Saíram, avançando por uma rua, e subitamente o Anjo
desapareceu. Então Pedro, voltando a si, exclamou: «Agora sei realmente que o
Senhor enviou o seu Anjo e me libertou das mãos de Herodes e de toda a
expectativa do povo judeu».
Salmo Responsorial: 33
R. O Senhor libertou-me de toda a
ansiedade.
A toda a
hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma
gloria-se no Senhor: escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei
comigo ao Senhor e exaltemos juntos o seu nome. Procurei o Senhor e Ele
atendeu-me, libertou-me de toda a ansiedade.
Voltai-vos
para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. Este
pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias.
O Anjo do
Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Saboreai e vede como o
Senhor é bom: feliz o homem que n’Ele se refugia.
2ª Leitura (2Tim
4,6-8.17-18): Caríssimo: Eu já estou oferecido em
libação e o tempo da minha partida está iminente. Combati o bom combate,
terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa
da justiça, que o Senhor, justo juiz, me há de dar naquele dia; e não só a mim,
mas a todos aqueles que tiverem esperado com amor a sua vinda. O Senhor esteve
a meu lado e deu-me força, para que, por meu intermédio, a mensagem do
Evangelho fosse plenamente proclamada e todos os pagãos a ouvissem; e eu fui
libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a
salvação no seu reino celeste. Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Amém.
Aleluia. Tu és Pedro e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão
contra ela. Aleluia.
Evangelho (Mt 16,13-19):
Naquele tempo, Jesus foi à região de Cesárea de Filipe
e ali perguntou aos discípulos: «Quem é que as pessoas dizem ser o Filho do
Homem?». Eles responderam: «Alguns dizem que és João Batista; outros, Elias;
outros ainda, Jeremias ou algum dos profetas». «E vós», retomou Jesus, «quem
dizeis que eu sou?». Simão Pedro respondeu: «Simão Pedro respondeu: Tu és o
Cristo, o Filho de Deus vivo! Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo». Jesus
então declarou: «Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne e
sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te
digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e as forças
do Inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo
o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra
será desligado nos céus».
«Tu és o Cristo, o
Filho de Deus vivo»
Mons. Jaume PUJOL i Balcells Arcebispo Emérito de Tarragona
e Primaz de Catalunha (Tarragona, Espanha)
Hoje,
celebramos a solenidade de São Pedro e São Paulo, que foram fundamentos da
Igreja primitiva e, portanto, da nossa fé cristã. Apóstolos do Senhor,
testemunhas da primeira hora, viveram aqueles momentos iniciais de expansão da
Igreja e selaram com o seu sangue a fidelidade a Jesus. Oxalá nós, cristãos do
séc. XXI, saibamos ser testemunhas credíveis do amor de Deus no meio dos
homens, tal como o foram estes dois Apóstolos e como têm sido tantos e tantos
dos nossos conterrâneos.
Numa das
suas primeiras intervenções, o Papa Francisco, dirigindo-se aos cardeais,
disse-lhes que temos de «caminhar, edificar e confessar». Ou seja, temos de
avançar no nosso caminho da vida, edificando a Igreja e confessando o Senhor. O
Papa advertiu: «Podemos caminhar tanto quanto quisermos, podemos edificar
muitas coisas, mas se não confessamos Jesus Cristo, alguma coisa não funciona.
Acabaremos por ser uma ONG assistencial, mas não a Igreja, esposa do Senhor».
Escutámos
no Evangelho da missa de hoje um facto central para a vida de Pedro e da
Igreja. Jesus pede àquele pescador da Galileia um ato de fé na sua condição
divina e Pedro não duvida em afirmar: «Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo»
(Mt 16,16). Imediatamente a seguir, Jesus institui o Primado, dizendo a Pedro
que será a rocha firme sobre a qual será edificada a Igreja ao longo dos tempos
(cf. Mt 16,18) e dando-lhe o poder das chaves, a suprema potestade.
Embora
Pedro e os seus sucessores sejam assistidos pela força do Espírito Santo,
necessitam igualmente da nossa oração, porque a missão que têm é de grande
transcendência para a vida da Igreja: têm de ser fundamento seguro para todos
os cristãos ao longo dos tempos; portanto, todos os dias temos de rezar também
pelo Santo Padre, pela sua pessoa e pelas suas intenções.
«Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo»
+ Mons. Pere TENA i Garriga Bispo Auxiliar Emérito de
Barcelona (Barcelona, Espanha)
Hoje é um
dia consagrado pelo martírio dos apóstolos São Pedro e São Paulo. «Pedro,
primeiro predicador da fé; Paulo, mestre esclarecido da verdade» (Prefácio).
Hoje é um dia para agradecer à fé apostólica, que é também a nossa, proclamada
por estas duas colunas com sua prédica. É a fé que vence ao mundo, porque crê e
anuncia que Jesus é o Filho de Deus: «Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o
Filho de Deus vivo!» (Mt 16,16). As outras festas dos apóstolos São Pedro e São
Paulo veem outros aspectos, mas hoje contemplamos aquele que permite nomeá-los
como «primeiros predicadores do Evangelho» (Coleta): com seu martírio
confirmaram seu testemunho.
Sua fé, e a
força para o martírio, não lhes veio de sua capacidade humana. Jesus então lhe
disse: Feliz é Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que
te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus (cf. Mt 16,17). Igualmente, o
reconhecimento “daquele que ele perseguia” como Jesus o Senhor foi claramente,
para Saulo, obra da graça de Deus. Em ambos os casos, a liberdade humana que
pede o ato de fé se apoia na ação do Espírito.
A fé dos
apóstolos é a fé da Igreja, uma, santa, católica e apostólica. Desde a
confissão de Pedro em Cesárea de Felipe, «cada dia, na Igreja, Pedro continua
dizendo: ‘Vós sois o Cristo, o Filho do Deus vivo!’» (São Leão Magno). Desde
então até nossos dias, uma multidão de cristãos de todas as épocas, idades,
culturas e, de qualquer outra coisa que possa estabelecer diferenças entre os
homens, proclamou unanimemente a mesma fé vitoriosa.
Pelo
batismo e a crisma estamos no caminho do testemunho, isto é, do martírio. É
necessário que estejamos atentos ao “laboratório da fé” que o Espírito realiza
em nós (S. João Paulo II), e que peçamos com humildade poder experimentar a
alegria da fé da Igreja.
Comentário Exegético
(Pe Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: Este evangelho é o primeiro IBOPE
do qual temos notícia. A pergunta é: Quem dizem os homens que sou eu, como
Filho do Homem? (13). Dois são os elementos de estudo principais derivados
deste evangelho: Ekklësia e Petros. Estudaremos o texto comparando-o com os
paralelos de Marcos 8, 27-30 e Lucas 9, 18-21. É um texto, o de Mateus,
fundamental, que ilumina biblicamente a primitiva Igreja tal e como foi fundada
por Jesus. Ekklësia, palavra grega que significa assembleia, designa a
comunidade nova, o novo povo de Deus, que ia substituir o antigo povo de
Israel. Nela, Petros [a rocha], obtém o poder supremo, o chamado primado do
reino que dirá a última palavra sobre quem está dentro e quem deve ser expulso
da mesma Ekklësia. E esta estrutura seria a definitiva, sem que a morte [os
portões do Ades], tanto de Pedro como de seus sucessores, pudesse contra ela.
As consequências são essenciais para entender o cristianismo atual, como
organização que contribui para a obra de salvação de Jesus.
A PERGUNTA: Tendo chegado então Jesus para as
terras de Cesárea de Filipe, perguntou a seus discípulos dizendo: Quem dizem os
homens ser eu, o Filho do homem? (13). Venit autem Iesus in partes Caesareae
Philippi et interrogabat discipulos suos dicens quem dicunt homines esse Filium
hominis.
O LOCAL: Mateus diz que era perto de Cesárea
de Filipe. Na realidade, Jesus veio para os distritos [merë], lugares, ou
terras que eram dessa cidade. Cesárea era o nome comum de várias cidades.
Essencialmente, na Palestina, existiam duas Cesareias: a de Palestina, cidade
romana, fundada por Herodes o Grande, situada na costa do Mediterrâneo, 37 Km
ao sul do monte Carmelo e 100 Km ao noroeste de Jerusalém; e a Cesárea de
Filipe, cidade gentílica, situada no sopé do monte Hermom, no Antilíbano, na
cabeceira principal do rio Jordão, 32 Km ao norte da Galileia. Distava 40Km de
Betsaida [dois dias de caminho desta última]. A antiga Panion também Pânias,
que hoje ainda subsiste com o nome de Baniyas numa aldeia das fontes do Jordão.
Foi helenizada no século III aC e tinha uma população, também na região, que em
sua maioria não era judia. Em 20 aC, Augusto a cedeu a Herodes, que nela
construiu um grandioso templo dedicado ao imperador, feito de mármore branco,
sobre uma rocha que dominava a cidade e a fértil planície da qual era capital a
antigas Pânias, assim chamada porque perto da cidade existia uma gruta, dedicada
desde tempos remotos, ao deus Pan ou Panion [deus dos pastores e das
florestas]. A cidade foi ampliada e embelezada pelo tetrarca Filipe, que lhe
deu o nome de Cesárea em honra de Tibério César. Por isso foi chamada de Cesárea
de Filipe. A partir do século II foi chamada de Cesárea de Pânias e no século
IV em diante, o termo Cesárea desapareceu, permanecendo apenas o antigo Pânias.
O templo sobre a rocha evidentemente era um símbolo que Jesus não devia
desperdiçar. A PERGUNTA: Segundo o evangelho de Mateus, a tradução literal do
versículo 13 seria: Quem me dizem os homens ser o Filho do Homem? Esse me [a
mim] não está sendo traduzido na vulgata latina nem nas versões vernáculas.
Numa linguagem mais elaborada a tradução seria: quem dizem os homens que Eu, o
filho do homem, sou? É notório que nas três recensões da pergunta dos três
sinóticos a pergunta é a mesma na primeira parte: quem me dizem os homens [as
turbas em Lucas] ser? Ou quem dizem os homens que eu sou? Se tomarmos
unicamente Mateus, a pergunta seria sobre o Filho do homem. Que ideia tinha a
gente sobre esta figura tão frequentemente usada por Jesus como unida ao Reino
por ele pregado e presidido? A expressão Filho do homem é semítica e significa
em princípio um membro da comunidade humana, especialmente na sua fase de
frágil mortal (Is 51,12 e Jó 25, 6). A expressão Filho do homem se transforma
em Daniel (7,13 +) numa figura simbólica. De um significado plural [o povo dos
eleitos] passa a tomar um significado singular como o Filho do homem [um homem]
que recebe a glória e o poder que pertencem unicamente a Deus. Por isso foi
dado a ele domínio e glória e um reino, de modo que todos os povos, nações e
línguas o servissem; seu domínio é um domínio para sempre, que nunca passará e
seu reino é um reino que nunca será destruído. Neste último sentido é o título
preferido por Jesus, aparecendo setenta vezes na sua boca nos evangelhos. Nesta
ocasião, Jesus queria saber qual era a opinião da gente sobre sua pessoa como
pregador público de uma mensagem divina. Uma pergunta diretamente unida a seu
rol como pregador de um reino que os discípulos esperavam fosse instaurado modo
militari em Jerusalém, onde esperavam ir em breve. A figura cume desse reino
era, sem dúvida, Jesus que a si mesmo se intitulava como Filho do Homem.
FILHO DO HOMEM: ‘O ‘yiós tou anthrópou é uma
tradução grega de BEM ADÁM que ocorre 120 vezes no AT, das quais 96 em
Ezequiel, e que é um sinônimo de homem. Em Ezequiel é a denominação que Javé dá
ao próprio profeta e é sempre em vocativo. Representava a humanidade em
contraste com Deus e aparentando a porção da mesma que sofreria a ira do mesmo.
Grita e geme, ó filho do homem, porque ela [a notícia] será contra meu povo (Ez
21, 11). Nos salmos representa a fragilidade humana em comparação com a
fortaleza de Deus (8, 4-6). Porém em Dn 7, 13 aparece um como, ou semelhante a
um filho de homem [Kebar mas, ‘os Yiós anthropou, quase filius hominis]. Ele
provém do céu e é destinado a possuir o domínio universal. Jesus precisamente o
aplica à sua vinda futura em Mt 24, 30 e lugares paralelos. No NT a frase, com
uma exceção [quando Estêvão vê o filho do homem], é sempre achada em frases,
pronunciadas por Jesus. Mateus usa a
frase 30 vezes, Marcos 14, Lucas 25 e João 13. O ponto crucial é precisamente
este trecho do evangelho de hoje.
A RESPOSTA: Eles, pois, disseram: Uns,
certamente, João, o Batista, outros porém, Elias; e outros, Jeremias ou um dos
profetas(14). At illi dixerunt alii Iohannem Baptistam alii autem Heliam alii
vero Hieremiam aut unum ex prophetis. Podemos dividir esta em duas partes bem
diferenciadas: uma, a geral, dada pelo povo, que praticamente indica Jesus como
um homem de Deus, especialmente como um profeta comparável aos grandes de
Israel; a outra é a resposta particular dada por Simão Pedro. Vamos estudar
ambas as respostas.
A) O Batista: A pregação de Jesus e
dos discípulos era a mesma de João: Arrependei-vos, o reino de Deus está
próximo (Mt 3, 2) e oferecia um batismo como o do adusto homem do deserto (Jo
3, 22-23). O parecido parentesco entre o Batista e Jesus (Lc 1, 36) talvez
facilitasse a ideia de que Jesus era o Batista ressuscitado. Afirmava-se que
João, o Batista, era Elias, pois a Escritura afirmava que o antigo profeta não
tinha morrido, mas fora arrebatado aos céus no meio de uma tempestade de fogo
(2Rs 2, 11). Essa era a razão pela qual se esperava a sua vinda.
B) Elias propriamente dito. Segundo a
tradição, Elias escreveu uma carta depois de ser arrebatado (2 Cr 21, 12)
dirigida ao rei Jorão de Judá por sua conduta idolátrica já que tinha como
esposa uma filha do ímpio rei Acab de Israel. Supunha-se, pois, que Elias
voltaria antes do dia do Senhor, o dia da vingança e do castigo dos ímpios, dia
da ira que está por vir (Jo 3, 7). Em Malaquias 3, 1 lemos: Eu vos envio meu
mensageiro. Ele aplainará o caminho diante de mim. Por isso numa data posterior
ao livro [após o ano 450 aC] identifica este mensageiro ou anjo, com Elias
(seria no acrescentado capítulo 4, versículo 5, que não está no canônico
Malaquias). Na sua complicada alegoria animalística da História, o livro
apócrifo de Henoc (século II aC), descreve a aparição de Elias antes do juízo e
da aparição do grande cordeiro apocalíptico. Isto é importante, visto que João
falava do Cordeiro de Deus (Jo 1, 29). Em Eclo 48, 10, temos outra referência
do século II aC: Tu que fostes designado nas censuras para os tempos a vir,
para aplacar a cólera antes que ela se desencadeie, reconduzir o coração do pai
para o filho (Lc 1, 17). Vistos os milagres que Jesus operava, os
contemporâneos de Jesus pensavam que se não fosse Elias, que em vida realizou
muitos e notáveis milagres, devia ser um profeta redivivo [aneste=despertado]
pois a profecia tinha acabado e não era necessária nos tempos messiânicos.
C) Jeremias: esta identificação é
própria de Mateus, porque como vemos em 2 Mc 2, 4-7 temos Jeremias escondendo a
arca e o altar dos perfumes na montanha de Moisés para afirmar: Este lugar
ficará desconhecido até que Deus tenha consumado a reunião de seu povo e lhe
tenha manifestado a sua misericórdia. E em 2 Mc 15, 13 lemos: Apareceu a Judas
um homem de cabelos brancos…Onias disse: Este homem que ora pelo povo e pela
cidade santa é Jeremias, o profeta de Deus.
D) Um profeta. Lucas dirá que é um dos
antigos profetas, redivivo. De fato, os judeus distinguiam entre antigos
profetas como Josué, Juízes, Samuel, Davi e os profetas compreendidos no
reinado de Davi, e os últimos profetas, a começar por Isaías e terminar com
Malaquias. A que profeta se referem os discípulos como porta-voz da vox populi?
Talvez Samuel que já nos tempos de Saul se mostrou redivivo em 1 Sm 28, 12
diante da médium de Endor? (ver hades em parágrafo posterior). Ou talvez
Moisés, pois a ele comparam a atuação de Jesus como vemos em Jo 5, 45-46 e 6,
31-32. Na realidade, os enviados oficiais perguntam a João se ele não era o
Profeta [como conhecido personagem, esperado nos tempos messiânicos] de Dt 18,
15-18. Pois Javé disse a Moisés: um profeta como tu suscitarei do meio de teus
irmãos. Por isso em 1 Mc 3, 45 aguardavam a vinda de um profeta que se
pronunciasse a respeito. Este profeta, semelhante a Moisés, que deveria ser
escutado em tudo (At 3, 22), era o próprio Jesus, coisa que o povo admitiu após
a multiplicação dos pães (Jo 6, 14) e na festa dos tabernáculos em Jerusalém (Jo
7, 40).
E VÓS? Diz-lhes: Vós, pois, quem dizeis que
eu sou? (15). Dicit illis vos autem quem me esse dicitis. Que ideia têm eles,
seus discípulos, do Filho do homem? Ou seja, que papel na vida pública,
especialmente na vida religiosa, deve ter Jesus entre seus conterrâneos? Em
qual dessas categorias deveria ser incluído o Mestre que foi seu guia e com o
qual conviviam durante esse tempo?
PEDRO: Tendo respondido Simão Pedro disse:
Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente (16). Respondens Simon Petrus dixit tu
es Christus Filius Dei vivi. O apóstolo-chefe é conhecido por diversos nomes
entre os autores do NT.
A) Simão. O nome original do apóstolo
era Simão, forma abreviada de Simeão [famoso]. De fato, seu nome completo, ou
como diríamos hoje, seu DNI era Simão bar Jonas [Simão, filho de Jonas], que a
vulgata conserva como Simon bar Iona como vemos no versículo 17 do evangelho de
hoje. Já o quarto evangelista diz dele que era filho de João [‘yiós Iöannou]
(1, 42), e que a vulgata traduz por filius Iona (?) que o próprio evangelista
repete em 21, 15, como Simon Iöannou [Simão de João], com a vulgata agora
traduzindo corretamente por filius Ioannis ou de João. A dúvida existe: o pai
era Jonas [pomba] ou João [favor de Deus]? Talvez a solução seja a diferença
entre o aramaico e o hebraico em cuja escrita as consoantes de Jonas e João
eram as mesmas mas a pronúncia diferente. Jesus, sempre que fala com o
apóstolo, usa o nome de Simão. Além do nome próprio ou, como dizem em inglês
first name, temos outros personagens com o nome de Simão no NT: Simão, o
zelotes, um dos doze (Mt 10, 4); Simão, o irmão do Senhor (Mt 13, 55); Simão, o
leproso de Betânia (Mt 26, 6); Simão, o fariseu (Lc 7, 40); Simão, o Cirineu (Mt
27, 32); Simão, pai de Judas, o Iscariotes (Jo 6, 71); Simão, mago (At 8, 9) e
Simão de Jope (At 8, 18). Com este nome
de Simão é que Jesus o chama
B) Como Pedro em latim Petrus e em
grego Petros. Uma única vez aparece na boca de Jesus como vocativo (Lc 22, 34).
Esta única ocasião mais parece redacional que ipsissima verba Christi [as
próprias palavras de Cristo]. Dentro da parte que poderíamos chamar redacional
dos evangelhos, encontramos a palavra Pedro em Mateus 16 vezes, em Marcos 11,
em Lucas 9, em João 9 e 3 nos Atos.
C) Como Simão Pedro em Mateus 3, em
Marcos 1, em Lucas 2, em João 17 e em Atos 4.
D) Como Kefas [o aramaico por rocha]
aparece em João 1, 42 e nas epístolas de Paulo, nas duas primeiras, Gálatas e 1
Coríntios e sempre na boca de Paulo. Deste nome podemos deduzir que a palavra
usada por Jesus foi Kefas e que, aos poucos, ela foi traduzida ao grego como
Petros, com o mesmo significado; pois pedra seria lythos. Em latim petra também
significa rocha, tendo o significado de pedra a palavra lápis ou calculus.
A RESPOSTA: Em nome dos doze, Simão responde: Tu
és o Cristo [Ungido], o Filho do Deus vivente. Vamos comparar esta resposta com
a de Marcos: Tu és o Cristo (Mc 8, 29), e a de Lucas: O Cristo do (sic) Deus.
Ninguém duvida de que a resposta mais breve de Marcos é a saída da boca de
Pedro. A de Lucas pode ser redacional ao explicar a unção como feita pelo Deus
único e a de Mateus uma explicação, como sempre, de um bom catequista, para
entender as palavras do apóstolo e a bênção imediata de Jesus. Qual era o significado
de Cristo [Chrestós em grego]? Logicamente devemos recorrer à palavra
correspondente hebraica. Significa Ungido que seria a tradução da palavra
aramaica Messiah. A palavra Messias era traduzida como Christos em grego (Jo 1,
41). Originariamente era uma referência de Há Kohen há Massiah [o sacerdote, o
ungido], ou seja, o Sumo Sacerdote, em cuja cabeça tinha sido derramado o óleo,
quando consagrado como líder espiritual da comunidade (Lv 4, 3). Daí que o
Messias era alguém investido por Deus de uma responsabilidade espiritual
especial. Nos tempos de Jesus, existia a ideia de que um descendente da casa de
Davi seria o Messias que redimiria a humanidade; tradição que provinha dos
tempos de Isaías. E foi o profeta Daniel em 9, 25 que deu uma nova esperança a
esse ungido de Deus. Essa tradição encarava o Messias, não como um ser divino,
mas apenas como um homem, um grande chefe, reformador social, que iniciaria uma
era de paz perfeita. É o que os anjos prometeram aos pastores ao anunciarem o
nascimento do Salvador que era o Messias (Lc 2, 14). O termo Filho de Deus vivo
era título Messiânico, assim como Santo de Deus (Jo 6, 69). O nome de Filho de
Deus é uma expressão usada por Oséias em 2, 1: Aos filhos de Israel…se lhes
dirá filhos do Deus vivo, o qual concorda perfeitamente com a frase de Mateus e
a confissão de Marta: Eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que vem a
este mundo (Jo 11, 27). O Santo [consagrado] de Deus, era também um título Messiânico,
como vemos em Jo 6, 6, numa confissão feita pelo próprio Pedro. Talvez esta
confissão de Pedro no quarto evangelho seja uma réplica mais ou menos exata da
que hoje estudamos em Mateus. Para um judeu, o Messias era produto de uma
eleição divina que confiava uma missão especialíssima ao seu ungido. Para um
grego ou um romano, o título ia além da personalidade humana do Messias.
Sabemos que os judeus admitiram Jesus como Messias [Chrestós], título que para
os gentios era traduzido como Senhor [Kyrios]. Pois Deus o constituiu Senhor e
Cristo [Kyrion autón kai Christon, de At 2, 36]. Sabia Pedro o significado
substancial de suas palavras? Pelo que vemos em 16, 22, não. Porém Jesus se
serviu das mesmas para fundar sua Igreja. A palavra Messias significa Ungido.
Portanto, dizer tu és o Chirstós [Ungido] é a mesma coisa que dizer tu és o
Messias. Quanto às palavras O Filho do Deus Vivente [muito melhor do que vivo],
que seria dizer o mesmo que Filho do Deus verdadeiro, porque os outros deuses
não existem, não vivem; os autores duvidam se são verdadeiramente palavras de
Pedro ou foram acrescentadas pela tradição como parêntesis explicativo para
distinguir entre o Messias, filho de Davi, um rei de âmbito regional, e o
Messias, Filho do verdadeiro Deus, Senhor, portanto, do Universo. As razões
aludidas pelos exegetas baseiam-se fundamentalmente nos lugares paralelos de
Marcos [tu és o Ungido] e de Lucas [és o Ungido de Deus]. A declaração de
filiação divina tem um amplo significado na tradição judaica, já que todo rei
era considerado filho de Deus por virtude de seu ofício, como representante
divino perante o povo. Mateus, como seus dois paralelos sinóticos, proíbe aos
discípulos que digam a alguém que ele [Jesus] era o Cristo. Se o sentido de
Filho de Deus fosse estrito, como o entendemos atualmente, a proibição devia recair
sobre esta segunda parte, Jesus como Deus, muito mais escandalosa e até
blasfema para os contemporâneos, como vemos que a contemplou Caifás (Mt 26,
36). Existia uma aposição entre Messias e Filho de Deus. O pontífice conjura
Jesus, em nome do Deus, do vivo [notar a coincidência dos termos] a que
declarasse se ele era o Messias, o Filho de Deus. E então Jesus explica a sua
transcendência, dizendo estará sentado à direita do Poder [de Deus] e vindo
sobre as nuvens do céu. Com isso, o seu messianismo se transforma em Divindade;
e, portanto, Caifás entende escutar uma blasfêmia já que um homem se declara
divino. Mesmo que a resposta de Pedro que estudamos seja estritamente
histórica, nem por isso deveria ter um significado transcendente, como era o de
declarar Jesus unigênito do Pai.
RESPOSTA DE JESUS: Então tendo respondido Jesus
disse-lhe: Bendito és Simão Bar Ionas porque carne nem sangue te revelou mas o
meu Pai o (que está) nos céus (17). Respondens autem Iesus dixit ei beatus es
Simon Bar Iona quia caro et sanguis non revelavit tibi sed Pater meus qui in
caelis est. BEMAVENTURADO
ÉS: O makarismo indica um favor
divino alcançado por Pedro que Jesus explicará posteriormente. A carne e o
sangue não te revelaram o que disseste. Carne e sangue é uma expressão semítica
para significar o homem todo, considerado como puramente homem. Foi o meu Pai
[que habita] nos céus que revelou o Filho a Pedro. Mateus entra na mesma linha
lógica que descreve João em 6, 36: Todo aquele que o Pai me der virá a mim.
Jesus considerou esta declaração de Pedro de tal importância que afirma duas
coisas que, sem dúvida, transformarão a personalidade e o ministério do
apóstolo.
PEDRO E A IGREJA: E por isso te digo, que tu és rocha
e sobre esta rocha edificarei minha Igreja. E (os) portões do Hades não
prevalecerão sobre ela (18). Et ego dico tibi quia tu es Petrus et super hanc
petram aedificabo ecclesiam meam et portae inferi non praevalebunt adversum
eam.
A) Tu es Petrus: Com esta primeira
declaração, Jesus além de trocar o nome do apóstolo, que agora seria Kefas,
como vemos nos primeiros escritos (Gálatas e 1Cor), significa seu novo
ministério: ser fundamento de um edifício como a rocha era e é em todos os
tempos. O nome de Simão seria trocado e usado em grego como Petros derivado da
palavra Petra com o significado de rocha ou penhasco. A tradução do grego é
muito mais esclarecedora pela força das palavras. Jesus afirma: sobre esta
mesma rocha [taute te petra], ou sobre esta que é a rocha, edificarei a minha
Igreja. Segundo as escrituras, a mudança de nome é um claro sinal de uma
especial escolha e missão divinas. Abrão se tornará Abraão (Gn 17, 5). Jacó se
tornará Israel (Gn 32, 29). Sarai será chamada Sara (Gn 17, 15). Gedeão recebeu
o nome de Jerobaal (Jz 6, 32). A exceção do caso de Gedeão, todos os outros
recebem diretamente de Deus e, coisa notável, com o nome novo nasce um povo
novo em todos os casos: Abraão como pai de uma multidão de nações; Sara como
matriz de reis poderosos; Israel foi o pai do povo do mesmo nome. Por isso,
podemos deduzir que Rocha é não unicamente uma mudança de nome, mas também
implica uma novidade de um povo, o povo da nova aliança, do Reinado do Senhor
Jesus, que neste caso Mateus chama de sua Igreja.
B) Ekklësia: Sobre esta Rocha
edificarei a minha Igreja. As traduções que usam a palavra pedra estão
deturpadas. Como vimos anteriormente, elas não dariam o verdadeiro sentido de
rocha como fundamento sobre o qual se edifica uma casa. Jesus usa a palavra
Igreja [Ekklësia] que só aparece uma outra vez em Mateus 18, 17 com o
significado de assembleia e nunca em outros evangelhos. Só nos Atos aparece
pela primeira vez em 5, 11 quando todos ficaram com grande temor ao conhecerem
os fatos de Ananias e Safira. Igreja está aqui como reino visível, comunidade
escatológica [no sentido dos últimos tempos] a substituir a sinagoga nestes
tempos finais, constituída pelos fiéis que acreditam em Cristo. Há quem,
citando as palavras de Paulo, que só admite um fundamento que é Cristo (1 Cor
3, 11) confunda a rocha com o(s) fundamento(s) e admite que também os outros
apóstolos edificam sobre o mesmo fundamento diminuindo assim a importância de
Pedro, pois Cristo é a pedra mestra [akrogoniaios e lapis, nada de petron ou
petra!] (Ef 2, 20) {ver parágrafo
anterior da RESPOSTA DE JESUS}.
Mas esquecem que a pedra mestra não era o fundamento mas o remate do arco da
qual dependia a estabilidade do mesmo. De fato, o grego akrogoniaios tem como
raiz akron [tope] e gonia [ângulo], sem nada haver com o elemento pedra
[rocha]. Neste caso particular de Pedro, Jesus toma do templo de Pan, de
mármore branco, edificado sobre uma rocha nas fontes do Jordão, o simbolismo da
igreja e do seu chefe, Pedro.
C) O Hades: Esta Igreja que começou
com Pedro-rocha será a última e eterna como reunião do povo eleito porque as
portas do Hades não prevalecerão contra ela. Se a afirmação de rocha como
personalidade de Simão não fosse suficiente, Jesus persiste nos poderes e
qualidades do seu apóstolo ao declarar seu papel primordial nessa grande
assembleia dos eleitos, cuja perpetuidade descreve com palavras tomadas da
tradição judaica. Fala das portas do inferno, ou melhor, portões do inferno. Há
duas palavras em grego que são traduzidas por portas, mas que o inglês traduz
por Gates [pyle] e doors [thyra]; em português poderíamos dizer portões e
portas. O portão [pyle] era a entrada de uma cidade, de um templo, de um
cárcere, de um reino. Assim a sublime porta do império turco. Pyle sai 9 vezes
no NT. A porta [thyra] é a entrada ou a peça de madeira ou metal que fecha a
mesma na casa e os interiores; também os sepulcros e os apriscos. É usada 18
vezes no NT. Chama a atenção que o pyle se usa em plural [pylai]. Porque os
judeus admitiam 3 portas na cidade dos mortos, que corresponde ao Hades grego.
Também podemos dizer que a maioria dos portões da cidade eram duplos com um
espaço no meio para os guardas e os coletores de impostos. O Hades grego era o
reino de uma ilha na nebulosa e subterrânea parte da terra, da qual era rei
Aides [o invisível] ou Pluto [o rico]. Tanto bons como maus continuavam a
existir como sombras em constante sede, nesse lugar tenebroso. Dentro do Hades,
nesse mundo inferior [inferno] existia também um abismo chamado Tártaro, a
região mais inferior da terra em que os malvados eram punidos. No judaísmo
temos o Sheol do AT, que corresponderia ao Hades grego e a Gehena do NT, esta
última identificada com o Tártaro. A essa expressão corresponde o Salmo 9, 14:
Tu que me fazes subir das portas da morte. E ao Hades, região dos mortos, Atos
2, 27: Não deixarás a minha vida no Hades e 2, 31: Não foi deixada a vida dele
[Cristo] no Hades, que as bíblias traduzem por morte ou região dos mortos. Como
conclusão, podemos afirmar que a frase:
as portas do inferno não prevalecerão, significa que a morte, o fim,
jamais chegará a esta Igreja.
AS CHAVES: E dar-te-ei as chaves do Reino dos
céus; portanto, se algo atares na terra, está atado nos céus e o que desatares
sobre a terra estará desatado nos céus (19). Et tibi dabo claves regni caelorum
et quodcumque ligaveris super terram erit ligatum in caelis et quodcumque
solveris super terram erit solutum in caelis. Constituída a comunidade de Jesus
como uma cidade com seus muros e portões próprios, só existe uma maneira de
entrar: abrir as mesmas por meio de chaves, já que o assalto à mesma está
descartado no parágrafo anterior [não prevalecerão]. Os levitas passavam a
noite na casa de Deus, pois, a eles cabia guardá-la e abri-la todas as manhãs (1 Cr 9, 27). Sobre
o ombro do mordomo Eliacim, filho de Helcias, porá o Senhor Deus a chave da
casa de Davi. Ele abrirá e ninguém fechará. Fechará e ninguém abrirá (Is 22,
22). Essa é a chave de Davi que está precisamente nas mãos do Filho do Homem do
Apocalipse (3, 7). A similitude é tomada dos costumes da época. Ainda hoje os
árabes carregam no ombro uma grande chave para indicar sua autoridade e
potestade. A nenhum outro apóstolo foram dadas essas chaves que indicam o total
domínio da Igreja. Como no parágrafo anterior, Pedro é singularmente
favorecido, além de ser a rocha sobre a qual o fundamento da fé que é Cristo,
edificará sua comunidade de crentes. Pedro terá as chaves para indicar quem
deve ser incluído ou excluído. Estas chaves têm os seguintes significados: a) O
chefe do palácio era quem recebia as chaves (Is 22, 22) e, portanto, era o
dignatário de maior hierarquia. b) Se ligadas ao parágrafo posterior, as
chaves servem par abrir e fechar, para admitir a entrada dos dignos e para
expulsar os indignos. c) Mas também, seguindo o uso rabínico da
época, as chaves eram o símbolo do ato de sentenciar questões religiosas como
declarar lícita ou ilícita uma conduta. Concordam com esta interpretação as
palavras de Jesus aos escribas: Ai de vós legistas, que tomastes as chaves do
conhecimento; vós mesmos não entrastes e os que queriam entrar, vós os
impedistes (Lc 11, 52). Os rabinos aplicavam a explicação da lei no sentido de
declarar algo permitido ou proibido (Jo 21, 13-18). Agora serão Jesus e seus
discípulos os que terão autoridade para representar o verdadeiro ensino. Mais:
nesse caso o paralelo com as chaves indica que se trata de um verdadeiro poder
e não de uma licença de ensino. É o poder que Mateus dá a comunidade na pessoa
dos discípulos que têm de declarar quem é culpado de uma transgressão ou
pecado, que justifica sua expulsão como membro da comum convivência. Na
jurisprudência judaica da época, as chaves significam a faculdade que tinham os
juízes de mandar para a prisão ou deixar livre um acusado. Poucos anos mais
tarde, Rabi Neconia terminava seus sermões pedindo a Javé que não deixasse
atado o que ele tinha desatado, nem desatado o que ele tinha atado; que não
purificasse o que ele declarava impuro, nem tornasse impuro o que ele dissera
ser puro. Em Mt 18, 18 este poder de excomungar um obstinado é dado, em termos
gerais, à igreja, considerada como corpo jurídico, o que aqui é concedido em
termos particulares a Pedro, o supremo pastor que deve governá-la em nome e com
o amor de Jesus distribuído aos irmãos com dedicação (Jo 21,15-17 e 1 Pd 5,2).
COMENTÁRIOS: O texto é tão claro que os ortodoxos
gregos afirmam que, em suas dioceses, os bispos que confessam a verdadeira fé
se integram em Pedro como sucessores e dele herdam o primado. Os evangélicos
reconhecem a posição e a função privilegiada de Pedro nas origens da Igreja,
mas não admitem sucessor e restringem os poderes à pessoa de Pedro. Os
católicos fundamentam sua interpretação no versículo 18: A igreja é imortal, e
seu fundamento deve perdurar sempre. Assim como ortodoxos e evangélicos admitem
bispos presbíteros e diáconos, como sucessores dos primitivos homônimos, por
que unicamente o princípio de unidade deve estar ausente, se é sobre essa rocha
que foi fundada a Igreja? Com razão comentava um colega meu no sacerdócio: Nós,
católicos, temos a certeza e o orgulho de sermos a única Igreja cristã,
edificada sobre fundamento rochoso, sobre Pedro (ver Mt 7,24). Daí que séculos
mais tarde os latinos, com outro primado diferente de Pedro, afirmassem Ubi
Petrus ibi Ecclesia Onde está Pedro aí está a Igreja. No caso de não levarmos o
livre arbítrio da interpretação das escrituras ao extremo tão radical, que rejeitemos
toda outra autoridade que não seja a acrata da interpretação individual, não se
entende por que se admitem sucessores dos apóstolos como são os bispos, rejeitando
os sucessores de Pedro, cuja base escriturística é pelo menos tão evidente como
a dos bispos, já que em Pedro está fundada a Igreja.
Pistas:
1) Deixemos a primeira pergunta – quem
dizem os homens que sou eu?- Porque como está o mundo talvez a reposta
muçulmana [um profeta anterior a Maomé] seja a mais próxima daquela dada pelos
discípulos em Cesárea de Filipe. Vamos, pois, responder à segunda pergunta: E
vós? Hoje não é suficiente a resposta de Pedro: O Messias, o esperado de
Israel. A nossa deveria ser: O filho de Deus encarnado, que se entregou e
morreu por mim (Gl 2, 20). Por isso, vivemos a vida presente pela fé no Filho
de Deus.
2) Na verdade, essa imagem de Cristo
que todos nós levamos dentro, desde o batismo, está, ou destroçada, ou
escurecida. Como poderemos ser apóstolos se não sentimos sua presença dentro de
nós? Como vender um produto do qual não estamos nós, os vendedores, convencidos?
3) A resposta de Jesus dada a Simão
indica que a nossa resposta, admitindo seu senhorio total como Messias e como
Filho de Deus, é também um dom do céu e que ela merece um makarismo especial.
Não seremos os chefes, como Pedro, mas a Igreja estará fundada em nós e nas
nossas famílias.
4) Além de Cristo, como figura
central, temos Pedro, como figura destacada, por duas razões: por sua fé em
Jesus e por sua lista de serviços como chefe da comunidade. A revelação de
confessar Jesus como Messias Filho de Deus, é um dom do Pai e isso serve para
todos nós. A chefia da comunidade eclesial é própria dele e continua em seus
sucessores através dos séculos. A eles pertence o poder das chaves, jurídico e
doutrinal, como o entende a Igreja católica. Não foi dado este poder aos outros
discípulos e, portanto, devemos distingui-lo do poder evangelizador e de
governo dado ao resto dos apóstolos.
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