Sta Escolástica, virgem |
«Não têm o que comer»
Rev. D. Carles ELÍAS i Cao (Barcelona, Espanha).
Hoje, tempo
de inclemência e ansiedade, também Jesus nos chama para dizer-nos o que sente
«Tenho compaixão dessa multidão, porque já faz três dias que está comigo e não
têm nada para comer» (Mc 8,2). Hoje, com a paz em crise, pode abundar o medo, a
apatia, o recurso à banalidade e à evasão: «Não têm o que comer».
A quem
chama o Senhor? Diz o texto: «Naqueles dias, havia de novo uma grande multidão
e não tinham o que comer. Jesus chamou os discípulos e disse:» (Mc 8,1), quer
dizer, me chama a mim, para não os despedir em jejum, para dar-lhes algo. Jesus
se compadeceu — esta vez em terra de pagãos porque também têm fome.
Ah! E nós —
refugiados em nosso pequeno mundo — dizemos que nada podemos fazer. «Os
discípulos disseram: «Onde alguém poderia saciar essa gente de pão, aqui no
deserto?» Como poderá alguém saciar de pão estes aqui no deserto?» (Mc 8,4). De
onde tiraremos uma palavra de esperança certa e firme, sabendo que o Senhor
estará conosco cada dia até o fim dos tempos? Como dizer aos crentes e aos incrédulos
que a violência e a morte não são soluções?
Hoje, o
Senhor nos pergunta, simplesmente, quantos pães temos. Os que sejam eles
necessitam. O texto diz «sete», símbolo para pagãos, como doze era símbolo para
o povo judeu. O Senhor quer chegar a todos — por isso a Igreja quer ser
reconhecida a si mesma desde sua catolicidade — e pede tua ajuda. Dá tua
oração: é um pão! Da tua Eucaristia vivida: é outro pão! Dá tua decisão pela
reconciliação com os teus, com os que te ofenderam: é outro pão! Dá tua
reconciliação sacramental com a Igreja: é outro pão! Dá teu pequeno sacrifício,
teu jejum, tua solidariedade: é outro pão! Dá teu amor a sua Palavra, que te dá
consolo e forças: é outro pão! Dá, finalmente, o que Ele te peça, mesmo que
creias que só é um pouco de pão.
Como nos
diz são Gregório de Nissa, «aquele que compartilha seu pão com os pobres se
constitui em parte daquele que, por nós, quis ser pobre. “Pobre foi o Senhor,
não temas a pobreza».
Reflexões de Frei
Carlos Mesters, O.Carm.
* O texto
do evangelho de hoje traz a segunda multiplicação dos pães. O fio que costura
os vários episódios desta parte do evangelho de Marcos é o alimento, o pão.
Depois do banquete de morte (Mc 6,17-29), vem o banquete da vida (Mc 6,30-44).
Durante a travessia do lago, os discípulos têm medo, porque não entenderam nada
do pão multiplicado no deserto (Mc 6,51-52). Em seguida, Jesus declara puros
todos os alimentos (Mc 7,1-23). Na conversa de Jesus com a mulher Cananéia, os
pagãos vão comer das migalhas que caem da mesa dos filhos (Mc 7,24-30). E aqui
no evangelho de hoje, Marcos relata a segunda multiplicação do pão (Mc 8,1-10).
* Marcos 8,1-3: A situação do povo e
a reação de Jesus
A multidão,
que se juntou ao redor de Jesus no deserto, estava sem comida. Jesus chama os
discípulos e coloca o problema: Tenho dó desse povo. Estão três dias comigo e
não têm o que comer. Não posso mandá-los de volta para casa, porque alguns
deles vieram de longe e poderiam desfalecer pelo caminho! Nesta preocupação de
Jesus transparecem duas coisas muito importantes:
1) O povo esqueceu casa e
comida e foi atrás de Jesus no deserto! Sinal de que Jesus deve ter sido uma
simpatia ambulante, a ponto de o povo andar atrás dele no deserto e ficar com
ele durante três dias!
2) Jesus não manda resolver o problema. Ele apenas
manifesta a sua preocupação aos discípulos. Parece um problema sem solução.
* Marcos 8,4: A reação dos
discípulos: o primeiro mal-entendido
Os
discípulos pensam logo numa solução, segundo a qual alguém deve arrumar pão
para o povo. Não lhes passa pela cabeça que a solução possa vir do próprio
povo. Eles dizem: “Como poderia alguém, aqui no deserto, saciar com pão a tanta
gente?” Com outras palavras, eles pensam numa solução tradicional. Alguém deve
juntar dinheiro, comprar pão e distribuir ao povo. Eles mesmos percebem que,
naquele deserto, esta solução não é viável, mas não veem outra possibilidade
para resolver o problema. Ou seja: se Jesus insiste em não mandar o povo de
volta para casa, não haverá solução para a fome do povo!
* Marcos 8,5-7: A solução encontrada
por Jesus
Primeiro,
ele pergunta quantos pães eles têm: “Sete!” Em seguida, manda o povo sentar-se.
Depois, tomou os sete pães, deu graças, partiu-os e deu aos seus discípulos
para que os distribuíssem. E fez o mesmo com os peixes. Como na primeira
multiplicação (Mc 6,41), a maneira de Marcos descrever a atitude de Jesus
lembra a Eucaristia. A mensagem é esta: a participação na Eucaristia deve
levar-nos à doação e à partilha do pão com os que não têm pão.
* Marcos 8,8-10: O resultado
Todos
comeram, ficaram saciados e ainda sobrou! Solução inesperada, nascida de dentro
do próprio povo, a partir do pouco que eles mesmos tinham trazido. Na primeira
multiplicação, sobraram doze cestos. Aqui, sete. Na primeira, foi para cinco
mil pessoas. Aqui, para quatro mil. Na primeira, havia cinco pães e dois
peixes. Aqui, sete pães e alguns peixes.
* O perigo da ideologia dominante
Os
discípulos pensavam de um jeito, Jesus pensa de outro jeito. No modo de pensar
dos discípulos transparece a ideologia dominante, o modo comum de pensar das
pessoas. Jesus pensa diferente. Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus e
de viver na comunidade que ela já é santa e renovada. No meio dos discípulos,
cada vez de novo, a mentalidade antiga levantava a cabeça, pois o “fermento de
Herodes e dos fariseus” (Mc 8,15), isto é, a ideologia dominante, tinha raízes
profundas na vida daquele povo. A conversão que Jesus pede vai longe e fundo.
Ele quer atingir a raiz e erradicar os vários tipos de “fermento”:
+ o “fermento” da comunidade fechada
sobre si mesma sem abertura.
Jesus responde: “Quem não é contra é a favor!" (Mc 9,39-40). Para Jesus, o
que importa não é se a pessoa faz ou não faz parte da comunidade, mas sim se
ela faz ou não o bem que a comunidade deve realizar.
+ o “fermento” do grupo que se
considera superior aos outros.
Jesus responde "Vocês não sabem de que espírito estão sendo animados"
(Lc 9,55).
+ o “fermento” da mentalidade de
classe e de competição,
que caracterizava a sociedade do Império Romano e que já se infiltrava na
pequena comunidade que estava apenas começando. Jesus responde: "O
primeiro seja o último" (Mc 9, 35). É o ponto em que ele mais insistiu e
em que mais deu o próprio testemunho: “Não vim para ser servido, mas para
servir” (Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).
+ o “fermento” da mentalidade da
cultura da época
que marginalizava os pequenos, as crianças. Jesus responde: ”Deixem vir a mim
as crianças!” (Mc 10,14). Ele coloca criança como professora de adulto: “Quem
não receber o Reino como uma criança, não pode entrar nele” (Lc 18,17).
Como no
tempo de Jesus, também hoje, a mentalidade neoliberal renasce e reaparece na
vida das comunidades e das famílias. A leitura orante do Evangelho, feita em
comunidade, pode ajudar-nos a mudar de vida e de visão e a continuar na
conversão e na fidelidade ao projeto de Jesus.
Para um confronto pessoal
1. Mal-entendidos podem ocorrer sempre, com amigos e com
inimigos. Qual o mal-entendido entre Jesus e os discípulos por ocasião da
multiplicação dos pães? Como Jesus enfrenta todos estes mal-entendidos? Você já
teve algum mal-entendido em casa, com os vizinhos ou na comunidade? Como foi
que você reagiu? A sua comunidade já enfrentou algum mal-entendido ou conflito
com as autoridades do município ou da igreja? Como foi?
2. Qual o fermento que hoje impede a realização do
evangelho e que deve ser eliminado?
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