Terceira Pregação do Advento
do Pe. Raniero Cantalamessa: "Maria no Mistério de Cristo e da
Igreja" (extrato)
Tentemos
ver se também este ano da misericórdia não nos ajuda a descobrir algo novo da
Mãe de Deus. Maria é invocada na antiguíssima oração da Salve Regina, como
“Mater misericordiae”, Mãe da misericórdia; na mesma oração lhe é dirigida a
invocação: “illos tuos misericordes oculos ad nos converte”; Volte a nós
aqueles seus olhos misericordiosos”. Na missa de abertura do ano jubilar na
Praça de São Pedro, do passado 8 de dezembro, ao lado do altar estava exposto um
antigo ícone da Mãe de Deus, venerada em um santuário pelos grego-católicos de
Jaroslav, na Polônia, conhecida como a “Porta da misericórdia”.
Maria
é mãe de misericórdia em um duplo sentido. Foi a porta através da qual a
misericórdia de Deus, com Jesus, entrou no mundo, e agora é a porta por meio da
qual nós entramos na misericórdia de Deus, nos apresentamos diante do “trono da
misericórdia” que é a Trindade. Tudo isso é verdade, mas é só um aspecto da
relação entre Maria e a misericórdia de Deus. Ela, de fato, não é só canal e
mediadora da misericórdia de Deus; é também o objeto e a primeira destinatária.
Não é só aquela que nos obtém misericórdia, mas também aquela que obteve,
primeiramente e mais do que todos, misericórdia.
Misericórdia
é sinônimo de graça. Só na Trindade o amor é natureza e não é graça; é amor,
mas não misericórdia. Que o Pai ame o Filho, não é graça ou concessão; é, em
certo sentido, necessidade; o Pai tem necessidade de amar para existir como
Pai. Que o Filho ame o Pai, não é concessão ou graça; é necessidade intrínseca,
embora se perfeitamente livre; ele precisa ser amado e amar para ser Filho. É
quando Deus cria o mundo e, nele, as criaturas livres que o seu amor se torna
gratuito e imerecido, ou seja, graça e misericórdia. Isso antes ainda do
pecado. O pecado fará somente que a misericórdia de Deus, de dom, se torne
perdão.
O
título "cheia de graça" é, portanto, sinônimo de "cheia de
misericórdia". Maria mesma proclama isso no Magnificat: "Olhou, diz,
a humildade da sua serva”, “recordou-se da sua misericórdia”; “a sua
misericórdia se estende de geração em geração”. Maria se sente beneficiária da
misericórdia, testemunha privilegiada dela. Nela a misericórdia de Deus não se
materializou como perdão dos pecados, mas como preservação do pecado.
Deus
fez com ela, dizia Santa Teresa do Menino Jesus, o que faria um bom médico em
tempos de epidemia. Ele vai de casa em casa para curar aqueles que contraíram a
infecção; mas se existe uma pessoa que ele gosta especialmente, como a esposa
ou a mãe, tentará, se possível, que nem sequer seja contagiada. E assim fez
Deus, preservando Maria do pecado original pelos méritos da paixão do Filho.
Falando
da humanidade de Jesus, Santo Agostinho diz:
"Com
base no que, a humanidade de Jesus mereceu ser assumida pelo Verbo eterno do
Pai na unidade da sua pessoa? Qual foi a sua boa obra que precedeu isso? O que
tinha feito antes desse momento, no que tinha acreditado, ou pedido, para ser
elevada a tal inefável dignidade?” E acrescentava em outro lugar: “Procure o
mérito, procure a justiça, reflita e veja se encontra outra coisa além de graça”.
Estas
palavras lançam uma luz singular também sobre a pessoa de Maria. Dela deve-se
dizer, com mais razão: o que fez Maria, para merecer o privilégio de dar ao
Verbo a sua humanidade? O que tinha acreditado, pedido, esperado ou sofrido,
para vir ao mundo santa e imaculada? Procure também aqui, o mérito, procure a
justiça, procure tudo o que quiser, e veja se encontra nela, no início, algo
além de graça, ou seja, misericórdia!
Também
São Paulo não vai parar, durante toda a vida, de confessar-se como um fruto e
um troféu da misericórdia de Deus. Define-se como “alguém que alcançou
misericórdia do Senhor” (1 Cor 7, 25). Não se limita a formular a doutrina da
misericórdia, mas torna-se testemunha viva dela:
“Eu
era um blasfemo, um perseguidor e um violento. Mas alcancei misericórdia” (1 Tm
1, 12).
Maria
e o Apóstolo nos ensinam que o melhor modo de pregar a misericórdia é dar
testemunho da misericórdia que Deus teve conosco. Sentir-nos, também nós,
frutos da misericórdia de Deus em Cristo Jesus, vivos só por causa dela.
(Sentir, não necessariamente dizer).
Um
dia Jesus curou um pobrezinho possuído por um espírito imundo. Ele quis
segui-Lo e unir-se ao grupo dos discípulos; Jesus não o permitiu, mas lhe
disse: “Volte para a sua casa, para os seus, anuncie-lhes o que o Senhor te fez
e a misericórdia que teve contigo” (Mc 5,19 s.).
Maria,
que no Magnificat glorifica e agradece a Deus por sua misericórdia com ela, nos
convida a fazer o mesmo neste ano da misericórdia. Nos convida a fazer ressoar
todos os dias na Igreja o seu cântico, como o coro que repete um canto atrás da
coryphaea. Permitam-me, portanto, convidá-los a proclamar juntos, de pé, como
oração final, em vez da antífona mariana, o cântico à misericórdia de Deus que
é o Magnificat. “A minha alma engradece ao Senhor...”
Santo
Padre, Veneráveis Padres, irmãos e irmãs: Feliz Natal e Feliz Ano da
misericórdia!
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