Luis Javier Fernández Frontela
Teresa
de Jesus vive na Espanha do século XVI, concretamente em Castela, onde passa
toda a sua vida, exceto os três anos da fundação de Sevilha. Toca-lhe uma época
que ela qualifica de “tempos difíceis”, de câmbios profundos. O homem, e já não
Deus, começa a ser a medida de todas as coisas, passa a ser o centro do mundo e
toma consciência da sua interioridade.
Manifesta-se
uma grande ânsia de reforma da vida cristã, entendida como experiência do Deus
misterioso que se busca pelos caminhos da vida interior, e que se fez rosto e
palavra humana, (livro vivo, em expressão da Madre Teresa) em Jesus Cristo.
Anela-se uma vida cristã liberta das mediações externas que a asfixiam, e a fé
redescobre-se como ato de confiança radical no Deus encarnado, o Deus da
misericórdia, que “não se espanta das fraquezas dos homens, que entende a nossa
miserável compostura” (V 37, 6), como diz Santa Teresa, que falará da amizade
com Deus através de Cristo.
No
meio desse mundo, Teresa de Jesus afirma que Deus existe, que ela o
experimentou e que é um Deus vivo que transformou a sua vida. Mesmo que, por
uma parte, transcende as nossas ideias e conceitos, por outra é um Deus
próximo, entranhável, que quis fazer do nosso interior morada, casa e lar; um
Deus com quem se pode dialogar, e esse diálogo é a oração.
Nesse
tempo não é fácil ser mulher, espiritual e leitora. E Teresa era tudo isso. Ela
reclama a presença ativa da mulher na Igreja pedindo o direito à vida
espiritual. Por outra parte, Teresa assiste à ruptura dolorosa da unidade da
Igreja; e apesar de não ter sido compreendida por muitos eclesiásticos do
tempo, pôde exclamar: “ao fim, Senhor, sou filha da Igreja”.
Síntese
biográfica
Teresa
de Ahumada, Teresa de Jesus, nasce em Ávila a 28 de março de 1515 e morre em
Alba de Tormes a 5 de outubro de 1582. É filha de Alonso Sanchez de Cepeda,
descendente de judeus conversos, e de Beatriz de Ahumada, de família fidalga. O
Livro da Vida menciona alguns detalhes da sua família, que podemos qualificar
como numerosa, com nove irmãos e três irmãs, junto a uns pais “virtuosos e
tementes a Deus”.
Ao
cumprir os 14 anos, morre a sua mãe. Nesse momento reza diante da Virgem da
Caridade: “Como eu comecei a entender o que tinha perdido, aflita, fui diante
de uma imagem de Nossa Senhora e supliquei-lhe, com muitas lágrimas, que fosse
minha mãe” (V 7, 1). Em 1531, seu pai manda-a como interna para o convento das
freiras agostinianas de Santa Maria de Graça, mas no ano seguinte por motivo de
doença tem que regressar a casa.
Determinada
a vestir o hábito carmelita contra a vontade de seu pai, em 1535 foge de sua
casa para dirigir-se ao convento da Encarnação. Veste o hábito em novembro de
1536.
Um
ano depois da sua profissão, em finais de 1538, devido a uma grave doença, sai
do convento para restabelecer-se; e estando em casa de um tio seu, em Hortigosa
do rio Almar, lê o Terceiro Abecedário de Francisco de Osuna, que lhe descobre
o mundo da oração mental, através da meditação da vida de Cristo e o conhecimento
próprio.
Após
um agravamento que quase a leva à morte, em 1539 regressa, ainda convalescente
e paralítica, à Encarnação, onde lentamente vai recuperando o movimento. Ela
atribui isso a uma intervenção de São José, a quem, desenganada dos médicos, se
tinha encomendado. E a sua devoção a São José aumenta e se converte em amizade
com este Santo a quem sente e chama familiarmente meu Pai e Senhor São José (V
6, 6).
Uma
vez recomposta das suas dores, começa a instruir na oração a outros, freiras e
leigos, entre eles o seu próprio pai, embora ela se vá afastando da mesma.
Durante anos luta entre a dedicação à vida espiritual e os passatempos
superficiais, até que em 1554, com 39 anos, dois acontecimentos marcam a sua
vida. O primeiro é o encontro com uma imagem de Cristo muito chagado, que a
determina a entregar-se por completo nas suas mãos, fazendo sempre e em tudo a
vontade de Deus. O segundo acontecimento é a leitura das Confissões de Santo
Agostinho: “Quando cheguei à sua conversão e li como ele ouviu aquela voz no
jardim, não me parecia senão que o Senhor me falava a mim, segundo sentiu o meu
coração; estive por largo tempo desfazendo-me toda em lágrimas… Começou a
crescer em mim a disposição de estar mais tempo com Ele” (V 9, 8-9).
A
partir desse momento, começou a ter fortes vivências interiores, que os seus
confessores, a princípio qualificavam como imaginárias ou como obra do demônio.
Ela confia que são de Deus pelo efeito de paz e do reforço de virtudes que
deixam na sua alma e o anelo de servir a Deus. Propõe-se estabelecer um novo
estilo de vida carmelitana mais fiel às suas origens. Este ideal torna-se
realidade a 24 de agosto de 1562 com a fundação do convento de São José. A
partir de então, a dedicação à contemplação e à oração se compaginará com uma atividade
extraordinária como fundadora, que desde 1567 funda outros 16 conventos de
Carmelitas Descalças: Medina del Campo, Malagón, Valladolid, Toledo, Pastrana,
Salamanca, Alba de Tormes, Segóvia, Beas de Segura, Sevilha, Caravaca de la
Cruz, Villanueva de la Jara, Palencia, Sória e Burgos. Neles estabelece um
estilo de vida religiosa orante, fraterna, alegre, com sentido de pertença à
Igreja. E em 1568, em Duruelo, com a colaboração de São João da Cruz, funda os
frades Carmelitas Descalços, e quer que sejam fraternos, orantes, cultos e
apostólicos, que trabalhem ao serviço da Igreja através do ministério
sacerdotal e missionário.
Escritora
Teresa
de Jesus é uma leitora empedernida desde a sua infância, quando ouve e lê as
histórias de santos no Flos sanctorum, e desde a sua adolescência aficionada
aos livros de cavalaria, com os quais gasta “muitas horas do dia e da noite” (V
2, 1). Ao longo da sua vida é uma “voraz leitora dos doutos livros religiosos”
(Menéndez Pidal).
Começa
a escrever sendo adulta, por mandato dos seus confessores e porque sente a
necessidade de transmitir a sua experiência às suas filhas, as monjas
descalças, e por extensão aos leitores que estudem a sua obra. Os seus escritos
são reflexo da sua rica personalidade, da cultura que adquiriu nas suas
leituras, da sua experiência de Deus e do seu carisma de Madre. Por outra
parte, muitos dos seus textos estão autocensurados, porque a Inquisição vigia
os seus escritos, nos quais Teresa transmite a sua experiência pessoal e as suas
experiências místicas. Tem consciência também das suas limitações, e como às
vezes resulta difícil agarrar a verdade, mas quer sobretudo ser sincera: “Agora
e outrora posso errar em tudo, mas não mentir que, pela misericórdia de Deus,
nem por coisa do mundo diria uma coisa por outra” (V 28,4).
Os seus
escritos
LIVRO DA VIDA, escrito na sua redação atual em
1565. Nele quer abrir-nos a sua alma e contar-nos “mui por miúdo e com clareza
meus grandes pecados e ruim vida, mas os meus confessores não quiseram, antes
atando-me muito neste caso” (V prol. 1). Teresa relata o seu modo de oração e
os favores que Deus lhe fez (V 10-22) neste livro ao qual chamará Minha alma
(Ct. 23-6-68).
CAMINHO DE PERFEIÇÃO, meu livrinho, como lhe chama a
Madre Teresa (CC 4,3), foi redigido duas vezes (autógrafos de El Escorial e
Valladolid). Nele, Teresa expõe o seu projeto de Reforma: formar pequenas
comunidades de “bons amigos”, que, com a sua vida de fidelidade ao Evangelho
possam ajudar a Igreja. O meio para isso é a oração, entendida como exercício
de amor a Deus que se contrasta no amor ao próximo, e que implica uma atitude
de desprendimento necessária para entregar-se aos demais e de menosprezo da
honra, como segredo da verdadeira humildade (capítulos 5-23). Finaliza a obra
com um comentário do Pai Nosso.
AS FUNDAÇÕES, é o livro histórico por excelência da Madre Teresa, e assim se pode entender como continuação do Livro da Vida. Começa a escrevê-lo em 1573 e vai continuando na medida em que vai fundando cada convento.
AS FUNDAÇÕES, é o livro histórico por excelência da Madre Teresa, e assim se pode entender como continuação do Livro da Vida. Começa a escrevê-lo em 1573 e vai continuando na medida em que vai fundando cada convento.
CASTELO INTERIOR ou as Moradas, escrito em 1577, em
apenas dois meses e no meio de conflitos e perseguições, é a obra da maturidade
de Teresa. É um compêndio da sua doutrina: o mistério da graça e o mistério do
pecado nos subúrbios do Castelo (M I), o ingresso na interioridade (M II), a
vida de oração com todos os seus elementos: vida sacramental, litúrgica,
virtudes, etc. (M III); a escalada da alma para Deus (M IV, V e VI), e o
encontro definitivo com Ele, o Amado (M VII).
CONTAS DE CONSCIÊNCIA, publicadas também com os títulos
de Livro das Relações; Relações e Mercês; Relações espirituais e Mercês.
Constituem uma boa introdução aos escritos teresianos, pois oferecem uma
síntese de “os tesouros de Deus depositados na alma de Teresa, em situações e
momentos muito concretos da sua vida”.
MEDITAÇÕES SOBRE OS CANTARES, também chamadas Conceitos do Amor
de Deus. Nelas Teresa interpreta cinco textos do Cântico dos Cânticos, reflete
sobre a verdadeira paz que oferece o estado religioso e a falsa paz do mundo,
descreve a oração de quietude e de união e os seus efeitos, fala dos desejos de
sofrer por Deus e pelo próximo, e dos frutos abundantes que dão na Igreja “as
almas favorecidas da união divina e desprendidas do próprio interesse”.
EXCLAMAÇÕES, são 17 meditações ou orações em
voz alta.
AS CONSTITUIÇÕES e a Visita de Descalças são
redigidas para regular a vida das carmelitas.
AS CARTAS são os escritos em que Teresa se
expressa com mais espontaneidade. Conservam-se umas 500 dos vários milhares de
cartas que escreveu.
Como era
Teresa?
Foi
dito acerca de Teresa de Jesus que era bela, inteligente e santa, ainda que ela
se descreva como “… enfim, mulher, e não boa, mas ruim” (V 18,4).
Era
uma pessoa nobre, íntegra, que recusava toda a falsidade e hipocrisia: “Posso
errar em tudo, mas não mentir, que, pela misericórdia de Deus, antes passaria
mil mortes” (M 4 2, 7). Inclinada à amizade, extrovertida e graciosa na sua
conversação, era delicada, generosa e sensível aos favores. Ela mesma afirma
que “isto que tenho de ser agradecida, deve ser natural, que com uma sardinha
que me deem me subornarão” (Carta a Maria de São José, 1578). Dotada de um
especial dom para atrair os melhores colaboradores, dizia dela o P. Graciano
que era “tão aprazível e agradável, que a todos os que tratavam com ela, atraía
atrás de si, e amavam-na e queriam”.
Era
profundamente religiosa e, ao mesmo tempo, prática, enérgica, tenaz,
trabalhadora e sacrificada. Dizia o bispo Mendoza que “se compromete de tal
modo, que consegue o que começa”.
Foi
amiga das letras e dos bons livros e buscava o conselho dos bons letrados. Era
habilidosa nas tarefas caseiras, e até entre panelas capta também a presença de
Deus. Foi uma mulher alegre; para ela “um santo triste é um triste santo”.
Foi
uma pessoa de contrastes: contemplativa e activa, simples e sábia, enferma e
forte, solitária e sempre acompanhada, perseguida e ditosa, pobre e esplêndida,
pecadora e santa, e, sobretudo, muito humana. Quando passou pelo convento dos
Anjos das franciscanas em Madrid, as monjas comentaram: “Bendito seja o Senhor,
que nos deixou ver uma santa a quem todas podemos imitar, que dorme e fala como
nós e anda sem cerimônias... e é grande a sua lhaneza!”.
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