Maria Clara Bingemer
Em outras circunstancias, não havendo
o retrato, era a veste do rei que o representava e que era objeto de preito e
deferência. Tudo que lembrasse o rei e o
que sua pessoa simbolizava: o cetro, a coroa, o manto, o trono, podia remeter a
seu poder e autoridade e invocar respeito e submissão dos súditos.
Desde muito tempo, a humanidade
encontrou no rei, no monarca – princípio único que a tudo ordenava – a
personificação da ordem e da harmonia que sonhava viver e experimentar. Indivíduos e comunidade esperavam do rei o
direcionamento, a lei a cumprir, a justiça enquanto parâmetro a nortear o
comportamento e a organização da vida.
Não foi diferente com o povo da Bíblia.
Uma vez que se encontrou maduro em
seu processo identitário como povo da Aliança, o desejo de ter um rei começou a
pulsar no coração do povo. Em clara consciência e consonância com a
experiência de libertação dada por Deus e o dom da terra para habitar e viver,
o povo necessitava um líder instituído e sagrado. Alguém que liderasse com justiça e equidade e
que fosse o intendente do próprio Deus.
Não foi uma tarefa fácil a escolha do
rei. Pois se este devia na terra
visibilizar o próprio Deus, teria que ser, como o Santo de Israel, o porta-voz
e defensor do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro. Mais do que qualquer outro membro do povo,
deveria o rei estar junto aos mais pobres e oprimidos, fazendo-lhes justiça e
por eles falando, a eles defendendo.
Logo os reis se revelaram humanos e
tristemente pecadores. Participavam da
ambiguidade inerente à condição humana, feitos de pó e barro como nós. Presa
das paixões, deixaram-se dominar pela ambição, pela luxúria, pela
crueldade. E o ideal da realeza,
golpeado e enfraquecido, passou a ser dilatado para os tempos messiânicos,
coração da esperança do povo.
Quando viesse o Messias, esse seria
um rei segundo o coração de Deus. Filho
do Altíssimo, ele faria reinar a justiça e o direito e seu comportamento
resgataria a todas as ovelhas perdidas da casa de Israel. Os tempos de sua vinda seriam de festa e
alegria, pois Deus teria então feito uma visita definitiva ao povo, que
conheceria enfim a plenitude da vida.
A primeira comunidade cristã
reconheceu em Jesus de Nazaré encarnado, vivo, morto e ressuscitado esse
messias esperado. Proclamou-o a tempo e
contratempo Senhor e Cristo. E anunciou
aos quatro ventos que por ele e nele Deus havia cumprido todas as suas
promessas. Ele era o Messias esperado e
encarnaria então a verdadeira realeza que só pertencia a Deus.
No entanto, a realeza encarnada,
vivida e anunciada por Jesus que seria reconhecido por seus seguidores como
Messias parecia bem diferente daquilo que normalmente se espera de um soberano
ou de um rei. Sua autoridade vinha do
amor e da humildade; seu poder se expressava no serviço mais simples ao menor
de todos os seus semelhantes a quem chamava não de súditos, mas de irmãos; seu
trono era a poeira dos caminhos, seu cetro suas mãos calosas de carpinteiro,
despidas de adereços, que abençoavam e curavam a quantos encontravam; sua coroa
era sua cabeça ungida pela água do Jordão e pelo perfume de Maria de Betânia e
finalmente o círculo de espinhos que lhe apertou cruelmente o crânio até que
exalasse o último suspiro.
Com sua Ressurreição, seus discípulos
perceberam que ali estava verdadeiramente o Rei esperado. Jesus com sua vida, suas palavras, sua
prática, resgatava o Deus que sempre na história do povo se identificava com os
mais pobres e desvalidos, até o ponto de padecer a mesma sorte e o mesmo
destino de todos eles. Celebrar a festa
de Cristo Rei, que fecha com chave de ouro o ano litúrgico e abre as portas
para o Advento do Natal é pisar nas pegadas desse Rei que só se encontra no
despojamento e no serviço. Hoje como ontem ele liberta o povo de todas as
opressões pelo mistério de seu poder feito impotência pelo amor apaixonado pela
humanidade.
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