Evangelho
(Lc 6,27-38): Naquele tempo, disse Jesus
a seus discípulos: «A vós, porém, que me escutais, eu digo: amai os vossos
inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Falai bem dos que falam mal de vós e
orai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te bater numa face, oferece também
a outra. E se alguém tomar o teu manto, deixa levar também a túnica. Dá a quem
te pedir e, se alguém tirar do que é teu, não peças de volta. Assim como
desejais que os outros vos tratem, tratai-os do mesmo modo. Se amais somente
aqueles que vos amam, que generosidade é essa? Até os pecadores amam aqueles
que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que
generosidade é essa? Os pecadores também agem assim. E se prestais ajuda
somente àqueles de quem esperais receber, que generosidade é essa? Até os
pecadores prestam ajuda aos pecadores, para receberem o equivalente. Amai os
vossos inimigos, fazei o bem e prestai ajuda sem esperar coisa alguma em troca.
Então, a vossa recompensa será grande. Sereis filhos do Altíssimo, porque ele é
bondoso também para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos como vosso Pai
é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não
sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e vos será dado. Uma medida
boa, socada, sacudida e transbordante será colocada na dobra da vossa veste,
pois a medida que usardes para os outros, servirá também para vós».
Comentário: Rev. D. Jaume AYMAR i Ragolta (Badalona,
Barcelona, Espanha)
Sede misericordiosos
como vosso Pai é misericordioso
Hoje,
no Evangelho, o Senhor pede-nos duas vezes que amemos os nossos inimigos. E
oferece, seguidamente, três situações concretas e positivas deste mandamento:
fazei o bem aos que vos odeiam, benzei aos que vos maldizem e orai por aqueles
que vos caluniam. É um mandamento que parece difícil de cumprir: como podemos
amar os que não nos amam? Mais ainda, como podemos amar aqueles que temos a
certeza de que nos querem mal? Chegar a amar desta maneira é um dom de Deus,
mas é preciso que estejamos abertos a Ele. Bem pensado, amar os inimigos é
humanamente falando, a coisa mais sábia que podemos fazer: o inimigo amado
sente-se desarmado; amá-lo pode ser condição da possibilidade de deixar de ser
inimigo. Jesus continua nesta mesma linha, dizendo: «Se alguém te bater numa
face, oferece também a outra» (Lc, 6,29). Poderia parecer um excesso de
mansidão. Mas, que fez Jesus quando foi esbofeteado na sua Paixão? Certamente
não contra-atacou, mas respondeu com tal firmeza, cheia de caridade, que deve
ter surpreendido aquele servo irado: «Se falei mal, mostra em que falei mal; e
se falei certo, por que me bates?» (Jo 18,22-23).
Todas
as religiões têm uma máxima de ouro: «Não faças aos outros o que não queres que
te façam a ti». Jesus é o único que a formula de modo positivo: «Assim como
desejais que os outros vos tratem, tratai-os do mesmo modo» (Lc 6,31). Esta
regra de ouro constitui o fundamento de toda a moral. São João Crisóstomo,
comentando este versículo, ensina-nos: «Ainda há mais, porque Jesus não disse
somente: desejai todo o bem para os outros, mas fazei o bem aos outros»; logo,
a máxima de ouro proposta por Jesus não pode reduzir-se a um mero desejo, mas
tem que se traduzir em obras.
Reflexões de Frei
Carlos Mesters, O.Carm.
*
O evangelho de hoje traz a segunda parte do “Sermão da Planície”. Na primeira
parte (Lc 6,20-26), Jesus se dirigia aos discípulos (Lc 6,20). Na segunda parte
(Lc 6,27-49), ele se dirige “a vocês que me escutam”, isto é, àquela multidão
imensa de pobres e doentes, vinda de todos os lados (Lc 6,17-19).
*
Lucas 6,27-30: Amar os inimigos!
As palavras que Jesus dirige a este povo são exigentes e difíceis: amar os
inimigos, não amaldiçoar, oferecer a outra face a quem bate no rosto, não
reclamar quando alguém toma o que é nosso. Tomadas ao pé da letra, estas frases
parecem favorecer os ricos que roubam. Mas nem o próprio Jesus as observou ao
pé da letra. Quando o soldado lhe bateu no rosto, não ofereceu a outra face,
mas reagiu com firmeza. “Se falei errado, prove! Se falei certo, porque me
bates?” (Jo 18,22-23). Então, como entender estas palavras? Os versículos
seguintes ajudam a entender o que Jesus quer ensinar.
*
Lucas 6,31-36: A Regra de Ouro! Imitar Deus
Duas
frases de Jesus ajudam a entender o que ele quis ensinar. A primeira frase é a
assim chamada Regra de Ouro: "O que vocês desejam que os outros lhes
façam, façam vocês a eles!” (Lc 6,31). A segunda frase é: "Procurem ser
misericordiosos como o Pai do céu é misericordioso!" (Lc 6,36). Estas duas
frases mostram que Jesus não quer simplesmente virar a mesa ou inverter a
situação, pois aí nada mudaria. Ele quer mudar o sistema. O Novo que ele quer
construir vem da nova experiência de Deus como Pai cheio de ternura que acolhe
a todos! As palavras de ameaça contra os ricos não podem ser ocasião para os
pobres se vingarem. Jesus manda ter a atitude contrária: "Amai os vossos
inimigos!" O amor não pode depender do que eu recebo do outro. O amor
verdadeiro deve querer o bem do outro independentemente do que ele ou ela faz
por mim. O amor deve ser criativo, pois assim é o amor de Deus por nós:
"Procurem ser misericordiosos como o Pai do céu é
misericordioso!". Mateus diz a
mesma coisa com outras palavras: “Sede perfeitos como vosso Pai do céu é
perfeito” (Mt 5,48). Nunca ninguém poderá chegar a dizer: Hoje fui perfeito
como o Pai do céu é perfeito! “Fui misericordioso como o Pai do céu é
misericordioso”. Estaremos sempre abaixo da medida que Jesus colocou diante de
nós.
*
No evangelho de Lucas, a Regra de Ouro diz: "O que vocês desejam que os
outros lhes façam, façam vocês a eles!” (Lc 6,31) O evangelho de Mateus traz
uma formulação um pouco diferente: "Tudo o que vocês desejam que os outros
façam a vocês, façam vocês também a eles” e acrescenta: “Pois nisso consistem a
Lei e os Profetas" (Mt 7,12). Praticamente todas as religiões do mundo
inteiro tem a mesma Regra de ouro com formulações diversas. Sinal de que aqui
se expressa uma intuição ou um desejo universal que nasce do fundo do coração
humano.
*
Lucas 6,37-38: A medida que vocês usarem para os outros, será usada para vocês.
"Não
julguem, e vocês não serão julgados; não condenem, e não serão condenados;
perdoem, e serão perdoados. Deem, e será dado a vocês; colocarão nos braços de
vocês uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante. Porque a mesma medida
que vocês usarem para os outros, será usada para vocês”. São quatro conselhos:
dois na forma negativa: não julgar, não condenar; e dois na forma positiva:
perdoar e doar com medida abundante. Quando diz “e será dado a vocês”, Jesus
alude ao tratamento que Deus quer ter para conosco. Mas quando a nossa maneira
de tratar os outros é mesquinha, Deus não pode usar para conosco a medida
abundante e transbordante que Ele gostaria de usar.
*
Celebrar a visita de Deus
O
Sermão da Planície ou Sermão da Montanha, desde o seu começo, leva os ouvintes
a fazer uma escolha, uma opção, a favor dos pobres. No Antigo Testamento,
várias vezes, Deus colocou o povo diante da mesma escolha de bênção ou de
maldição. Ao povo era concedida a liberdade para escolher: "Eu lhes propus
a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolha, portanto, a vida, para que
você e seus descendentes possam viver" (Dt 30,19). Não é Deus quem
condena, mas é o próprio povo de acordo com a escolha que fará entre a vida e a
morte, entre o bem e o mal. Estes momentos de escolha são os momentos da visita
de Deus ao seu povo (Gn 21,1; 50,24-25; Ex 3,16; 32,34; Jr 29,10; Sl 59,6; Sl
65,10; Sl 80,15, Sl 106,4). Lucas é o único evangelista a empregar esta imagem
da visita de Deus (Lc 1,68. 78; 7,16; 19,44; At 15,16). Para Lucas Jesus é a
visita de Deus que coloca o povo diante da escolha da bênção ou da maldição:
"Felizes vocês, pobres!" e "Ai de vocês, ricos!" Mas o povo
não reconheceu a visita de Deus (Lc 19,44).
Para um confronto
pessoal
1) Será que nós olhamos a vida e as
pessoas com o mesmo olhar de Jesus?
2) O que quer dizer hoje "ser
misericordioso como o Pai do céu é misericordioso"?
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