A CRUZ EM SANTA
TERESA DE JESUS
Frei
Tomas Álvares, OCD.
Senhor Bom Jesus dos Passos Patrono do nosso Sodalício |
Nos
escritos de Teresa, como na tradição espiritual cristã, a cruz é realidade e
símbolo.
Realidade
histórica: a cruz na qual Jesus morreu (“morte de cruz”- Fl 2,8).
Realidade
objetiva materializada nas cruzes que recordam aquela e ao mesmo tempo a
simbolizam: a cruz como sinal do cristão.
Por
sua vez, prolongamento e símbolo retrospectivo da cruz de Cristo são os
sofrimentos que selam e acrisolam a vida do crente, enquanto aceitos em mística
simbiose com o crucificado.
As
duas coisas, realidade e símbolo, foram celebradas por Teresa em seus poemas.
Seguiremos esse esquema na seguinte exposição.
1. A cruz na base
da experiência mística de Teresa
Na
liturgia anual carmelita do tempo da Santa, eram revestidas de um caráter
especial a celebração da Sexta-Feira Santa e a festa da Exaltação da Santa Cruz
(14 de setembro). A primeira, porque a liturgia carmelita seguia rito
jerosolimitano (Rito do Santo Sepulcro ou da Paixão: cf. MHCT,3, doc. 295), e
porque a própria Teresa vivia com especial intensidade o final da Semana Santa
(Cf. R 15). A festa da Exaltação da Santa Cruz, porque nela começava para a
comunidade carmelita a preparação penitencial para a Páscoa do Senhor. Quando
ela fomentar o novo estilo festivo de vida em seus Carmelos, festejará com
alegria e poemas celebrativos da cruz a chegada dessa festa.
Porém,
já antes, a Cruz do Senhor havia entrado na vida de Teresa não só porque em seu
tempo ocupava um lugar de destaque nos altares, nas casas ou nas estradas (como
o Cruzeiro dos “Quatro Postes”, à saída de Ávila, por onde ela empreenderia,
quando criança, a fuga para a terra dos mouros (V. 1,4); mas porque, de fato,
impregnava o mais profundo da religiosidade popular e, no caso de Teresa, a
piedade familiar. Uma das recordações da presença da cruz de Jesus na sua vida
é a devoção de seu pai, dom Alonso: em sua última enfermidade, “algumas
vezes era tão intensa (a dor das costas), que o afligia muito. Disse-lhe que,
visto ser tão devoto de quando o Senhor levava a cruz às costas, pensasse que
Sua Majestade lhe queria dar a sentir alguma coisa do que Ele tinha” (V
7,16). Ideia que reaparece mais tarde, com toda força na pedagogia da Santa.
Em
nível muito mais profundo, o mistério da cruz de Jesus penetra a experiência
mística de Teresa. No começo de sua experiência, foi determinante o drama
provocado pelos teólogos assessores, maus conselheiros, que a obrigaram a
rechaçar as visões cristológicas
desprezando-as: “Mandaram-me, visto não me ser possível
resistir, que me benzesse quando visse alguma visão, e fizesse figas…”
(V 29,5). Quando a repugnância dela chega ao cúmulo, Teresa opta por substituir
as figas pela cruz. “Dava-me grandíssima pena ter de fazer figas (…) e, para não me andar
tanto a benzer, tomava uma cruz na mão..” (Ibidem 6). É o momento em que lhe sobrevém o inesperado:
“Uma vez, tendo eu a cruz na mão, que a trazia num rosário, pegou nela o Senhor
com a Sua e quando ma tornou a dar tinha quatro pedras grandes, muito mais
preciosas que diamantes, e isto sem comparação, pois quase não se pode comparar
o visível com o sobrenatural; (…) Tinha as cinco chagas de muito linda feitura.
Disse-me o Senhor que assim a veria de aí em diante, e assim foi que não via a
madeira de que era feita, senão estas pedras; mas isto a ninguém acontecia
senão a mim (V 29,7 – Comenta o primeiro biógrafo de Teresa padre Ribera:
“Assim aconteceu a Santa Catarina de Sena, como contam frei Raimundo e São
Antonino, que o Senhor colocou em seu dedo um anel de ouro e pérolas, que
permaneceu nele, visto só por ela e por mais ninguém”: Vida de la M. T., 1,c.
13, p.86; cf Glanes, p.19). Místico rito esponsal com o crucificado, que
culminará anos mais tarde com a entrega
do cravo do crucificado, “em sinal que serás minha esposa” (R 35).
A
esse mesmo contexto de experiências místicas pertence a reação de Teresa frente
aos medos de diabolismo, que lhe
inculcaram os teólogos em termos grotescos: “…sendo eu serva deste Senhor e
Rei, que mal me podem eles fazer a mim? Porque não hei de ter fortaleza para
bater-me com todo o inferno? Tomava uma cruz na mão e parecia-me
verdadeiramente dar-me Deus ânimo (…) e não temeria lutar com eles a braços,
parecia-me que facilmente, com aquela cruz, os venceria a todos” ( V
25,19).
Na
realidade, a experiência da cruz introduzia Teresa na experiência do
crucificado ( V 29, 4; 33,14; 38,14), de suas chagas (R 15; V 35,2; 36,1;
39,1), de sua Paixão e sofrimentos (R 26,1; 36,1), de sua humanidade (V 22). Daí
seu ensinamento: “ponde os olhos no Crucificado, e tudo se vos fará pouco” (M
7,4,8; C 2,1).
2. A Cruz do
Crucificado
No
tempo da santa era normal e inevitável a formação à oração e meditação, tendo
como fundamento a Paixão de Jesus. Não parece que ela tenha conhecido a prática
da Via Crucis, que adquirirá sua forma definitiva no século seguinte. Apesar
disso, para Teresa o mistério de Jesus carregando a cruz, caído sob o peso da
cruz, pendurado na cruz, morto na cruz… constituiu parte de seu próprio caminho
espiritual e passou a ser o conteúdo principal de seu itinerário de oração. Os
momentos mais recordados por ela são ao mesmo tempo históricos e simbólicos:
ajuda-lo a levar a cruz com o Cirineu (V 27,13), não deixá-lo cair sob o peso
da cruz (V 11,10; C 26,5); estar ao pé da cruz como São João ( C 25,5), ou como
a Virgem (CAD 3,11); ceder ao assombro ante o silêncio de Jesus que cravado não
se queixa nem sequer à sua mãe, a Virgem Maria: “pois com esta mesma razão se
queixaria à sua Mãe (…): e sempre nos consola mais queixar-nos aos que sabemos
que sentem os nossos sofrimentos e nos amam mais”. (CAD 3,11) .E por
fim a morte de Jesus na cruz: “Olhai o que custou ao nosso Esposo o amor
que nos teve: para nos livrar da morte, a padeceu tão penosa como a morte na
Cruz” (M 5,3,12).
Em
sua glosa ao Cântico dos Cânticos, Teresa recolherá a tradicional identificação
da cruz de Jesus com a macieira do epitalâmio bíblico: “Eu entendo que a macieira é a árvore da cruz, porque
está escrito noutra passagem dos Cânticos:
sob a macieira eu te despertei. E isso é, para uma alma rodeada de cruzes de
sofrimentos e perseguições, um grande remédio para não ficar muito amiúde
entregue ao prazer da contemplação” (CAD 7,8). “Como baixa seus ramos essa
divina macieira para que, algumas vezes, a alma colha seus frutos, considerando
suas grandezas e a multiplicidade de suas misericórdias, e veja e saboreie o
fruto que Jesus Cristo, Nosso Senhor, tirou da sua Paixão, regando essa árvore
com seu sangue precioso, com tão admirável amor”. (CAD 5,5)
É
provável que esse simbolismo “macieira-cruz” Teresa o tenha recebido do
primeiro magistério oral de Frei João da Cruz, que, ao comentar no Cântico Espiritual a passagem
dos Cânticos, escreverá: “Debaixo da macieira, entendendo pela macieira
a árvore da cruz onde o Filho de Deus redimiu e… se desposou com a natureza
humana, e consequentemente com cada alma” (CA 28,2: com pequenos
matizes variantes em CB 23,3).
Já
nos primeiros anos de sua experiência mística, quando arrancaram de Teresa, por
decreto, seus livros espirituais, o Senhor lhe havia prometido: “Não tenha
medo, eu te darei livro vivo”. E o livro vivo foi para ela o Crucificado: “Quem
pode ver o Senhor coberto de chagas e aflito por perseguições sem que as abrace e ame e deseje?” (V 26,5).
Livro vivo é uma versão original do bíblico “livro da vida” (Ap 3,5; 20,15…).
Outras passagens bíblicas das quais se alimenta a piedade de Teresa são: a
palavra de Jesus “toma tua cruz e segue-me” (V 15,13); ou o texto de São Paulo:
não gloriar-se senão na cruz (carta 279), ou a experiência da qual diz São
Paulo. ‘que está crucificado para o mundo’…” (V 20,11).
Porém,
Teresa leu e meditou inúmeras vezes a Paixão de Jesus: desde os anos em que “era
tão duro meu coração que, se lesse toda a Paixão, não chorava uma lágrima; isto
causava-me pena” (V 3,1), até os anos de sua conversão em que “se
começava a chorar pela Paixão, não sabia acabar” (M 4,1,6).
3. O sinal da Cruz
Teresa
também é humilde testemunha da religiosidade popular no afeto e veneração da
cruz e das cruzes que materializavam –
mas que agora – a cruz histórica de Jesus. É fácil documentar em seus escritos
várias dessas práticas populares, adotadas sem exageros por uma mística como
ela:
Teresa
leva sempre em seu rosário uma cruz, que utiliza, como vimos, em seus pseudos
exorcismos antidiabólicos (V 29,7). Está convencida, como a gente simples de
seu tempo, do poder da cruz contra as insídias do demônio (V 25,10; 31, 4.10…).
Teresa
é amiga de persignar-se (fazer o sinal da cruz sobre si mesma). Recorda que o
fazia desde criança antes de dormir (V 9,4). Aconselha fazê-lo ao começar a
oração (C 26,1). Persignar-se é, para ela, gesto de invocação ou de simples assombro
(V 37,9). Porém, tanto para ela quanto para a religiosidade popular, o ato de
benzer-se era um reconhecimento do poder salvador da cruz de Jesus. “Todos
os males desterra”; sob seu amparo “o mais fraco será mais forte”,
cantará ela em seus poemas.
Na
primeira visita ao convento de Duruelo, “portalzinho de Belém”, segundo ela,
lhe encanta a pobre e desnuda cruz que adornava “a ermidazinha”: “nunca
vou esquecer de uma cruzinha de madeira que estava perto da água benta. Tinha
pregada uma representação de Cristo em papel. Ela me parecia produzir mais
devoção do que se fosse uma peça bem lavrada” (F 14,7). Também ela
faria colocar uma cruz de madeira, desnuda de todo ornamento, em cada cela de
seus carmelos.
Ainda
que não tenha viajado a Caravaca, venerou e levou consigo uma pequena cópia da
famosa “Cruz de Caravaca”. Fez chegar outra cópia da mesma à sua amiga Dona
Luisa de la Cerda (Carta 158,6).
Teresa
também compartilhou da simples devoção popular em sua última viagem de
fundadora, ao chegar a Burgos. Em toda Castela era famoso o Santo Cristo de
Burgos. Já ao planejar a viagem de Palência à capital de Castela, tinha
incluído em sua agenda a visita ao crucifixo desse lugar (Carta 430,3). E ao
chegar a cidade, ainda que estivesse encharcada de água e com frio, foi “primeiramente
ver o Santo Crucifixo, para encomendar-lhe a empresa” da fundação (F
31,18).
4. Como levar a
cruz de Cristo na própria vida
Além
de realidade e mistério, a cruz é para Teresa uma lição de vida. “Na
cruz está a vida”, é o primeiro verso de um dos seus poemas. Lição
plena, de alcance universal, de ascese e de mística.
No
plano ascético, é fundamental a aceitação das cruzes que não podem faltar na
vida. Jesus também as aceitou. Ela inculca isso aos principiantes nos capítulos
dedicados ao primeiro grau de oração (V 11-13). Porém a instrução vale para
todo o caminho: “…primeiros, medianos e últimos (=principiantes, aproveitados e
perfeitos), todos levem suas cruzes embora diferentes. Por este caminho, por
onde foi Cristo, hão de ir os que O seguem” (V 11,5). Condição
indispensável para que o principiante se coloque a caminho é a determinada
determinação de levar com Ele a cruz e segui-lO “até à morte de cruz,
determinado a ajudar a levá-la e a não deixá-lO só com ela. Quem vir em si esta
determinação, de modo algum deve temer! (V 11,12). Insistirá: “importa
começarem as almas a terem oração indo se desapegando de todo o gênero de
contentamentos e entrarem nela, determinadas única e somente a ajudarem Cristo
a levar a cruz, como bons cavaleiros que, sem soldo algum, querem servir a seu
Rei…”(V 15,11). Isso é cofirmado às jovens leitoras do Caminho ao fazê-las confrontarem-se com a cruz de
Jesus, de modo que “a que não quiser carregar a cruz, a não ser aquela que muito se
fundamente em razões, não sei para que está no mosteiro” ( C 13,1; cf.
10,11).
É
revelador o episódio acontecido no final de sua vida (maio de 1582). No Carmelo
de Soria havia ingressado uma jovem da alta nobreza navarra, após levar a cabo
um gesto realmente heroico. No noviciado surpreende-a um período de secura e de
novas provas familiares. A noviça comunica tudo à Santa. E esta lhe responde: “Não
se aflija com isto. É necessário ajudar Cristo a carregar a cruz. Não tenha
pressa em receber regalos, como costumam fazer os soldados civis, que querem
receber logo o soldo. Sirva gratuitamente como fazem os grandes ao rei”
(Carta 446,4). A dita pessoa era Leonor de Ayanz e Beamonte.
O
lema fundamental da ascese teresiana é: determinada determinação em ajudar
Cristo a carregar sua cruz, abraçando as que surgem na própria vida. “Ajudar
Cristo a levar a cruz” é célula germinal da mística da cruz, presente
simultaneamente na experiência e no magistério da Santa. Já ao propor essa
instrução ao principiante, lhe adverte que será válida para todo o caminho
espiritual: “Ajude-O a levar a cruz e pense que toda a vida nela viveu . Não queira
aqui seu reino (…) ; e assim determine-se – embora esta aridez lhe dure toda a
vida – a não deixar Cristo cair sob o peso da cruz” (V 11,10).
Porém
tanto ela como seus leitores terão que penetrar no profundo mistério da cruz,
cume do processo de abaixamento do Verbo Encarnado e consumação de sua obra
redentora. Morte por amor e dor. Dor e amor que se compenetram; porém, de sorte
que o amor seja a medida da capacidade da dor: não só na Paixão de Jesus mas na
capacidade de compartilhar sua cruz por parte de seus seguidores: “São
estes os Seus dons (os de Deus) neste mundo. Dá conforme ao amor que nos tem:
aos que mais ama, dá mais destes dons; àqueles que menos ama, dá menos, e
conforme ao ânimo que vê em cada um e o amor que têm à Sua Majestade. A quem O
amar muito, verá que pode padecer muito por Ele; ao que O amar pouco, pouco.
Tenho para mim que a medida de se poder levar cruz grande ou pequena, é a do
amor” (C 32,7; cf. M 4,2,9).
A
partir dessa experiência do mistério da cruz, na dor por amor, sobrevieram a
Teresa duas grandes surpresas. A primeira, que o crucificado pudesse dar-lhe
sofrimentos: dar-lhos, como próprio, para que os apresentasse ao Pai. A
segunda, que nela surgisse e crescesse até ao extremo do possível o “desejo de
padecer” por e com Cristo. Basta documentar um e outro aspecto:
O
primeiro fato Teresa o refere em um de seus apontamentos íntimos, Relação 51.
Ela escuta esta palavra interior: “… o que Eu tenho é teu, e assim te dou
todos os sofrimentos e dores que passei; com isso, podes pedir a Meu Pai como
se fossem coisas próprias tuas. (…) Desde então olho de modo muito diferente o
que o Senhor padeceu – como coisa própria – , o que me dá grande alívio.”
Quando, dois anos mais tarde, ela vai redatar o Castelo Interior recordará esse
acontecimento místico na altura das sextas moradas, emoldurando-o na
experiência da própria pobreza: “estava muito aflita neste ponto diante de um
crucifixo, considerando que nunca tinha tido nada que dar a Deus… Disse-lhe o
mesmo Crucificado consolando-a, que Ele lhe dava todas as dores e trabalhos que
tinha passado em Sua Paixão, que os tivesse por próprios para os oferecer a Seu
Pai” (M 6,5,6) .
A
segunda surpresa foi o irreprimível desejo de padecer – algo talvez mais
surpreendente e paradoxal para nós que para o místico. Para este – e para
Teresa – o normal no caminho de “ajuda ao Senhor com a cruz”, é que surja o
desejo de compartilhá-la com Ele e por Ele, na alternância crescente de amor e
dor. Teresa o documentará pela última vez no final do Castelo Interior ao
descrever a situação de quem chegou à última morada: Ela vive já “com
um grande desejo de padecer, mas não de modo a inquietá-la, como costumava…”
(M 7,3,4). Muito em contraste com a conclusão do relato da Vida, onde uma de
suas orações culminantes era: “Senhor, ou morrer ou padecer: não vos peço
outra coisa” (V 40,20)
Nesse
processo de imersão no mistério da cruz, os dois últimos significados serão: a
necessidade absoluta de configurar-se ao Servo de Javé ( M 7,4,8); e a
segurança do valor e dignidade acrescentados aos mínimos atos humanos pela
incorporação à cruz de Jesus (M 7,4,15, já na conclusão do livro). “Sabeis
o que é ser espiritual deveras? É fazer-se escravos de Deus, para que, marcados
com o Seu selo que é a cruz, possa vendê-los por escravos de todo o mundo, como
Ele próprio foi; e não lhes faz nenhum agravo nem pequena mercê” (M
7,4,8).
5. Poemas à cruz de
Jesus
No
exíguo florilégio de poemas teresianos que chegaram até nós, há ao menos três
dedicados à cruz de Jesus, ambos literalmente primorosos e de profundo conteúdo
espiritual e teológico. Além deles, a cruz está presente em vários outros
poemas a Santa.
Provavelmente,
os três primeiros (18,19 e 29) foram compostos por ela para celebrar a festa da
Exaltação da Santa da Cruz nas recreações que aconteciam em preparação ao subsequente
tempo de jejum, que começava nessa data. Poemas festivos, portanto, porém de
intensa vibração poética e com clara referência autobiográfica.
O
poema primeiro (n. 18) começa com o estribilho: “Cruz, descanso saboroso de minha
vida, sede bem vinda” . A imagem central, cruz-bandeira, com a qual
celebra o “triunfo” de Jesus é eco prolongado do hino litúrgico: “Vexilla Regis
prodeunt fulget crucis mysterium”. Os versos da santa retêm o tom desse hino
marcial, porém com matizes intimistas, que permitem a autora dialogar com a
cruz: “Foste vós a liberdade de nosso grande cativeiro”.
O
segundo poema (n. 9) é talvez o mais original dos poemas teresianos. “Canto de
cisne” da autora, segundo seu editor crítico Angel C. Vega. Quase todas as suas
estrofes são inspiradas no Cântico dos Cânticos. Começam com a expressão: “na
cruz está a vida”; segue cada uma das estrofes inspiradas em um motivo
bíblico: “na cruz está o Senhor do céu e da terra” (primeira estrofe); a cruz é “a palma preciosa” dos Cânticos
(segunda); ela é “a oliveira preciosa” (terceira), também do Cântico dos
Cânticos, que segue inspirando a estrofe quarta: a cruz é “a árvore preciosa e desejada”.
Há um eco do Apocalipse ou do Gênesis na seguinte: a cruz é “a
árvore da vida”. E por fim, a última estrofe contém um eco do
pensamento paulino: “Na cruz está a glória e a honra”… Toda uma série de motivos
bíblicos poeticamente encadeados.
O
terceiro poema é um canto de vitória ao triunfo da cruz à maneira de hino
triunfal místico. Grito de guerra e paz. A parte inicial fala de militância,
bandeiras, paz e terra. A bandeira é a cruz. Capitão forte é o crucificado.
Militantes são as destinatárias do poema: carmelitas e a autora. “Não
haja entre nós covarde! Aventuremos a vida”. O triunfo da cruz é a morte do crucificado,
que “se
oferece para morrer na cruz para dar-nos a todos a luz”. As duas
primeiras estrofes cantam a gesta da cruz. As outras duas são o grito do
chamado a seguir o crucificado: “Sigamos estas bandeiras pois Cristo
vai à dianteira”.
A santa
introduziu o tema da cruz em vários outros poemas: números 20,22,26,30 e 31.
Porém dedicou todo o poema 21 ao apóstolo André, que morreu enamorado da cruz
de Jesus. A última estrofe põe na boca do apóstolo um imitação do hino
litúrgico: “Salve crux pretiosa“. Assim diz:
“Ó
cruz! madeiro precioso,
De
sublime majestade,
pois
jazendo na humildade,
tomaste
a Deus por esposo!
Sem
merecer tanto gozo,
venho
a ti, cheio de amor
Ao
ver-te, ó cruz, do Senhor!”
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