«Sede
perfeitos,
como o vosso Pai celeste é perfeito»
A passagem bíblica proposta para este Domingo
coloca em contraposição alguns imperativos da Lei antiga que podemos encontrar
no livro do Êxodo e do Levítico com o magistério de Jesus narrado nos
Evangelhos.
O ensinamento que o Mestre quer transmitir coloca
em realce e valoriza o mandamento do Amor. Às duas fortes expressões
veterotestamentárias “Ouvistes o que foi dito…”, Jesus contrapõe com uma
expressão igualmente forte “Eu, porém, digo-vos…”. Com isto não pretende anular
as prescrições judaicas mas apresenta uma proposta de vida mais elevada:
trata-se de obedecer a outros imperativos que não se limitam a um fiel
cumprimento formal de normas que fazem parte de uma tradição religiosa mas
dilata para um empenho activo que faz com que o cristão seja semelhante ao seu
Deus – amar com todo o coração, com toda a inteligência, com toda a alma, com
todas as suas forças e ao próximo com a si mesmo.
Jesus não nos convida a sermos legalistas mas
“perfeitos”: a caminhar na estrada do amor para alcançar a santidade. Não nos
convida simplesmente a sermos observadores de leis e normas, mas que sejamos e
nos sintamos filhos. Filho é aquele que faz o que agrada ao pai. Em nome desta
filiação divina todos somos chamados a imitar o modo de amar de Deus,
autentico, profundo, sem descriminação, aberto a todos.
Anabela Tavares da Silva, fma
Evangelho Mt
5, 38-48 - Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Ouvistes o que foi
dito aos antigos: “Olho por olho e dente por dente.” Eu, porém, digo-vos: Não
resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe
também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua
túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante
uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas
a quem te pede emprestado. Ouvistes o que foi dito: “Amarás o teu próximo e
odiarás o teu inimigo.” Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por
aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus;
pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos.
Se amardes aqueles que vos amam que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa
os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de
extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o
vosso Pai celeste é perfeito.»
REFLEXÃO
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Ouvistes o que foi dito aos antigos: “Olho por olho e dente por dente.” Eu,
porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau.
Jesus continua a ensinar os seus discípulos. Em
continuação com os domingos passados apresenta as suas interpretações relativas
aos escritos da Torá de Israel.A lei citada por Jesus de fato era permitida
nas sociedades antigas (a lei da retaliação) segundo a qual a vingança e as
represálias eram permitidas. Mas perante esta lei Jesus, com a autoridade que
lhe é dada do céu, contradiz: Não resistais ao homem mau. O convite é não
exercer violência sobre as pessoas que muitas vezes usam a vingança como arma
poderosa e destruidora. Parece algo fora da lógica humana que possivelmente
entende que se deve agir segundo a lei dos antigos.
O agir de Jesus está muito longe do modo de fazer
dos antigos. Ele decreta que responder às provocações não é justo e isto não
para pensarmos que o Mal é coisa boa, mas porque é necessário parar com a
cadeia de causa - efeito. As palavras de Jesus: Eu, porém, digo-vos, sublinham
que é Ele a pedir que assim seja, é Ele a falar, a Palavra de Deus feita carne,
origem da Lei, Aquele que tem a plena autoridade.
Ele fala a “vós”: fala para todos os seus
discípulos, os seus contemporâneos e os futuros. Fala para os que O escutam e
desejam viver segundo o seu estilo. Jesus é muito claro: os verdadeiros
discípulos devem desfazer a espiral da violência e recusar responder ao mal com
o mal. E uma das formas de interromper o ciclo é o perdão. Será um gesto
absolutamente novo e desconcertará muitos. E o convite é também para nós, hoje.
Basta olharmos à nossa volta: parece que a violência está a um clic na TV, na
Internet… afinal de que justiça estamos nós à procura? Qual justiça esperamos?
Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe
também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua
túnica, deixa-lhe também o manto.
Como sempre fez, e fê-lo bem, Jesus exemplifica o
seu pensar e ensinamento através de 4 situações que fazem parte do seu
quotidiano. Parece algo paradoxal e humilhante: apresentar as duas faces numa
cultura em que a bofetada é entendida como ofensiva assim como deixar-se levar
a tribunal para lhe tirar o que lhe resta, a túnica.
Com estes dois exemplos, Jesus explica qual o
comportamento que deseja para os seus discípulos: a bondade, a disponibilidade,
a prontidão. Pessoas que não respondem com discussões e contendas. O autêntico
discípulo de Jesus sabe responder ao mal com o bem, distingue-se pelos outros
porque não se deixa levar por sentimentos de represália, de maldade, ódio mas
permanece firme na resolução determinante em amar, em dar com generosidade sem
calcular oportunidades e conveniências. Não usa violência física nem vive
apegado às coisas. Afasta-se dos conflitos mesmo que o privem de algo valioso e
imprescindível, como uma túnica. Na sua capacidade de amar ainda dá o que lhe
resta, o manto.
Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma
milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a
quem te pede emprestado.
Jesus continua com mais dois exemplos. Primeiro a
referência a um certo abuso do poder por parte de pessoas com autoridade para
com os pobres, a gente simples do povo. Obrigar a fazer o que se pede como
recrutar alguém para servir de guia ou simplesmente para acompanhar ou carregar
algo. E no segundo exemplo, a questão de não se voltar as costas a quem pede
emprestado, não passar indiferente perante situações que requerem a nossa
generosidade e solidariedade.
Mais uma vez, Jesus tenta fazer entender que a
lógica evangélica não é uma modalidade absurda em que se deve renunciar a uma
desejável justiça ou que é preciso fechar os olhos e fingir que não se vê
abusos ou pedidos interesseiros e que tolera a violência nas suas variadas
formas. Apela-se a que não deixemos de lado a generosidade, que não se passe
indiferente, que não se faça de conta que não se entende, que não procuremos
desculpas. Se se conseguir deitar a mão a quem pede, mesmo por interesse ou
descaradamente, que nunca falte da nossa parte o gesto da caridade. O que
sentimos que devemos fazer, façamo-lo em nome da caridade.
Ouvistes o que foi dito: “Amarás o teu próximo e
odiarás o teu inimigo.” Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por
aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus
Finalmente Jesus faz referência a um duplo mandamento.
Possivelmente, mais do que estar escrito na Torá, era um mandamento fruto de
uma mentalidade. A primeira parte ainda se encontra nos textos do Antigo
Testamento (Lv 19, 18) mas a segunda parte parece ser alguma ideia que estaria
a ser criada em Israel. Alguns textos de Qumran completavam dizendo: é preciso
amar os filhos da luz e odiar os filhos das trevas.
Dentro de todo o contexto, o duplo mandamento de
Jesus é paradoxal. Mas Ele sabe quem tem à sua frente: hebreus que conhecem bem
a lei antiga. Quando lança o seu duplo mandamento sabe que vem completar algo
que precisa de ser pleno. A vinda e a presença de Jesus mudou algo. Os seus
ensinamentos e sobretudo o seu testemunho de vida, continuamente, mostram que
no coração de quem ama não existe distinções entre amigo e inimigo; que vale a
pena dar a vida, sempre, e não só quando o gesto é reconhecido e apreciado; que
é possível fazer morrer o mal em nós mesmos, não lhe dando tréguas,
combatendo-o com um extraplus de bem. E tudo isto leva, por sua vez, a rezar
por quem nos persegue, por quem nos torna a vida impossível.
Tudo isto para que nos mostremos como filhos de
Deus. Esta é a ética cristã: a exigência do amor gratuito que não espera nada
em troca.
…pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover
sobre justos e injustos.
Deus não faz distinção entre justos e injustos,
bons e maus. Na sua infinita bondade e misericórdia concede os mesmos
benefícios a uns e a outros.
Quem segue as indicações de Jesus transparece a
natureza de Deus Pai. Quem assim procede está seguro de ser filho de Deus, de
Deus que é Pai e que não priva ninguém dos seus benefícios ou graças. É péssimo
quando, em nome de Deus, os seres humanos fazem distinção entre bons e maus e
lutam entre si. Se ousam fazê-lo em nome de Deus, é uma ofensa.
Amar e rezar torna-nos filhos de Deus, permite-nos
viver como familiares de Deus e olhar para o mundo de hoje com os seus olhos. A
oração, para nós cristãos, é o meio para amarmos cada vez mais e melhor, como
Deus.
Se amardes aqueles que vos amam que recompensa
tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos
irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto,
sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito.
Jesus coloca algumas interrogações para mostrar
como o caminho indicado tem sentido e é coerente com o agir de Deus.
Interrogações que nos levam a fazer um exame de consciência, pois, nos coloca
em confronto com os que tantas vezes denunciamos e vemos que triunfam. Mas a
nossa meta está bem definida: sede perfeitos como o vosso Pai celeste que está
nos céus. Perfeitos no amor.
A nossa meta é amar sem medida, como faz Deus
connosco. Amar quem já sabemos que nos ama, saudar apenas as pessoas que já nos
conhecem e saber que delas recebemos todo o carinho… o que tem de
extraordinário? Se apenas amo estes, vivo uma perfeição egoísta que acabará por
morrer.
Como filhos de Deus temos de ser superiores a isso: ser perfeitos no amor sem limites, com um coração disponível para abraçar a todos sem excluir ninguém. Há uma recompensa a receber, a vida eterna. Regressa aqui a lógica das Bem-aventuranças… Ser perfeito como o Pai celeste é ser perfeito no amor que se dá sem medida. Este é o nosso caminho, esta é a nossa meta para a eternidade, a vida em Deus. E só isto nos basta.
Como filhos de Deus temos de ser superiores a isso: ser perfeitos no amor sem limites, com um coração disponível para abraçar a todos sem excluir ninguém. Há uma recompensa a receber, a vida eterna. Regressa aqui a lógica das Bem-aventuranças… Ser perfeito como o Pai celeste é ser perfeito no amor que se dá sem medida. Este é o nosso caminho, esta é a nossa meta para a eternidade, a vida em Deus. E só isto nos basta.
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