1. A nossa vocação é o Cristo total
No
roteiro anterior afirmamos que a nossa vocação é Jesus Cristo. “Nossa”, i.e.,
de cada cristão, Terceiro, família, Sodalício ou comunidade cristã. A vocação
cristã não é apenas pessoal, mas também comunitária, eclesial. Porque Cristo
não é só o indivíduo Jesus de Nazaré; mas é o Senhor, morto e ressuscitado,
que, no mistério pascal, nos uniu a si e consigo nos introduziu nos céus, como
membros do Corpo de que Ele é a Cabeça. A nossa vocação é Jesus Cristo,
Cabeça e Corpo, ou seja: o Cristo total.
Por
isso, S. Paulo quando falava da Igreja dizia “Cristo”: «como o corpo é um só e
tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos,
constituem um só corpo, assim também Cristo» (1Cor 12,12; cf. 1,13). “Cristo”:
entenda-se “a Igreja, unida a Cristo”, com a qual Jesus se identificou quando
chamou Paulo às portas de Damasco: «Quem és tu, Senhor?” “Eu sou Jesus, a Quem
tu persegues» (At 9,4s; 22,7s).
É
nesta linha que a ROTC afirma que o chamamento do Terceiro a viver em obséquio
de Jesus Cristo se traduz na plena inserção na Igreja: «O chamamento do Pai
para o seguimento de Cristo pela obra vivificante do Espírito Santo, realiza-se
na plena pertença à Igreja» (n. 20).
2. A Igreja, Corpo de Cristo, sacramento de salvação universal
O
tema “Igreja” por si só comportaria todo um tratado de teologia1. A Igreja é o
Corpo do qual nós somos os membros, é na medida em que nos inserimos nela, que
nos incorporamos em Cristo e participamos da plenitude da sua graça (cf. Ef
1,23; Cl 2,9) a fim de vivermos a nossa vocação cristã. Não é possível ser de
Cristo a não ser formando Igreja.
A
Igreja, de fato, faz parte do desígnio salvífico de Deus, pois é nela que ele
se concretiza, como nos recorda o Vaticano II na Lumen gentium: «a
Igreja é como que o sacramento, ou o sinal e o instrumento da íntima união com
Deus e da unidade de todo o gênero humano em Cristo» (LG 1).
Entende-se
aqui por “Igreja”, a Igreja concreta, real, ao mesmo tempo santa e pecadora,
formada por todos aqueles que são de Cristo, membros do Seu Corpo. Essa
Igreja, da qual fazemos parte, é que é o Corpo de Cristo. Foi por
ela que Cristo deu a sua vida: «Cristo amou a Igreja e entregou-se por ela,
para santificá-la, purificando-a, no banho da água, pela Palavra, a fim de apresentá-la
a si mesmo toda bela, sem mancha nem ruga ou qualquer outro defeito, mas santa
e imaculada» (Ef 5,27ss).
É
este mistério de amor total de Cristo à sua Igreja e de consumação da união
esponsal de Cristo com a sua Igreja na santidade perfeita, que todos os
carmelitas, ao longo dos tempos, contemplaram, celebraram e viveram no seio da
própria comunidade concreta de que faziam parte (comunidade local, Província, sodalício,
família, paróquia, Diocese, etc.) entregando-se também por ela, intimamente
unidos a Cristo, fazendo-se tudo para todos, a fim de ganhar alguns para Cristo
e participar da Sua plenitude (cf. 1Cor 9,22s). Basta pensar em S. Maria
Madalena de’ Pazzi, que ofereceu a sua vida pela renovação e dilatação da
Igreja; em S. Teresa de Ávila, que fundou Carmelos em favor da santidade da
Igreja e morreu, dizendo: “Enfim, Senhor, sou filha da Igreja”; em S. Teresinha
do Menino Jesus, que descobriu que a vocação do Carmelo é, no coração da
Igreja, ser o Amor, tendo-se oferecido a si mesma como vítima de holocausto ao
Amor misericordioso de Deus, para bem da Igreja, continuando no céu a fazer o
bem sobre a terra; no B. Francisco Palau, que se apaixonou pela beleza da
Igreja, etc. Todos eles viveram a sua vocação cristã em plenitude porque
viveram animados do mais profundo sentido (sentimento/amor) eclesial, pois
sabiam que não se pode amar a Cristo nem amar como Cristo amou sem amar a
Igreja concreta, sua Esposa, do mesmo modo que Ele a amou!
3. Não basta «estar na Igreja», é
preciso «ser Igreja»
«Igreja»
vem de ekklesia, termo grego que significa uma “assembleia” de cidadãos, com
direito à palavra, que são convocados para se pronunciarem sobre os assuntos
que dizem respeito à vida e interesses da comunidade a que pertencem.
Analogamente, embora a Igreja seja composta por todos os batizados, nem todos
têm disso consciência: estão na Igreja, mas não se dizem Igreja, não querem ser
Igreja Pelo contrário, os que são células da Igreja, os que «são Igreja»,
sabem-se membros de Cristo, interessando-se e sentindo-se responsáveis pelo seu
bem: a) o bem de todo o Corpo, que querem que cresça e se desenvolva em toda a
parte em plena fidelidade à vontade do Senhor; e b) o bem dos seus membros
concretos, em particular daqueles com quem convivem, porque sentem que «somos
membros uns dos outros» (Ef 4,25; cf. Rm 12,5).
A
Igreja, Corpo místico de Cristo e sua Esposa, Templo do Espírito Santo, Povo de
Deus que caminha rumo à pátria celeste (cf. 2Pd 3,13), é, porém, um mistério,
cuja beleza só se pode ver à luz do Espírito Santo:
Este povo messiânico tem por cabeça, Cristo; por
condição, a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o
Espírito Santo habita como num templo; por Lei, o mandamento novo, o de amar
assim como o próprio Cristo nos amou; e por fim o Reino de Deus, o qual,
começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser também por ele
consumado no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer (cf. Cl 3,4)
[...] Por isso é que este povo messiânico, embora de fato não abranja todos os
homens […] é, contudo, para todo o gênero humano, o mais firme gérmen de
unidade, de esperança e de salvação. Estabelecido por Cristo como comunhão de vida,
de caridade e de verdade, é também por Ele assumido como instrumento de
redenção universal e enviado a toda a parte como luz do mundo e sal da terra
(LG 9).
É na
Igreja que Deus dá aos homens a salvação, pois ninguém se salva sozinho. De fato,
o plano de Deus é a salvação universal, que consiste na participação do homem
na própria vida divina (cf. 2Pd 1,4). Este projeto de Deus teria fracassado
pelo pecado de Adão, se, na plenitude dos tempos, não tivesse enviado o seu
Filho que por nós morreu na cruz, derramando o seu Sangue para nos libertar do
pecado, o obstáculo que nos separava de Deus e uns dos outros. Tendo
ressuscitado, Ele subiu aos céus e introduziu-nos na comunhão plena com Deus,
fazendo-nos participar da vida divina: «Deus, que é rico em misericórdia, pelo
grande amor com que nos amou, a nós que estávamos mortos pelas nossas faltas,
deu-nos a vida com Cristo – é pela graça que fostes salvos – com Ele nos
ressuscitou e nos sentou no alto dos Céus, em Cristo. Pelo amor que tem para conosco,
em Cristo Jesus, quis assim mostrar, nos tempos futuros, a extraordinária
riqueza da sua graça» (Ef 2,4-7). A missão de Cristo foi restaurar tudo o que
se tinha perdido pelo pecado, reconciliando a criatura com o Criador e a
comunhão dos homens uns com os outros, fazendo-nos participar da vida divina,
instaurando o Reino dos céus, «reino de verdade e de vida, de santidade e de
graça, de justiça, de amor e de paz» (Prefácio de Cristo-Rei).
Por
isso S. Cipriano, aludindo à comunhão eclesial, pela qual estamos em comunhão
com Cristo, dizia que «fora da Igreja não há salvação».
4. O Batismo, dom e missão
A
participação na vida divina é-nos concedida por Cristo no Batismo mediante o
dom do Espírito Santo, que nos insere na Igreja, distribuindo a cada um os seus
dons, conforme a sua vontade, em ordem ao bem comum, para continuarmos a obra
de Cristo e prosseguirmos a Sua missão:
O Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de
Deus por meio dos sacramentos e dos ministérios e o adorna com virtudes, mas «repartindo
os seus dons como lhe apraz» (1Cor 12,11), distribui também carismas entre os
fiéis de todas as classes, os quais os tornam aptos e dispostos a tomar
diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla
edificação da Igreja, segundo as palavras: «a cada um se concede a manifestação
do Espírito para o bem comum» (1Cor 12,7) (LG 12).
Na
mesma linha se pronuncia a ROTC 20, por outras palavras:
O Terceiro recebe o chamamento à santidade pelo
sacramento do Batismo que incorpora as pessoas no Corpo Místico de Cristo. A
sua maior dignidade consiste exatamente na fruição da própria vida divina e do
amor de Deus derramado no seu coração pelo Espírito (Rm 5,5). Deste modo, em companhia
dos demais, segundo a vocação e os dons de cada um, pode contribuir para a […]
edificação do único Corpo de Cristo (cf. Rm 2,3-8; LG 32).
O
batismo, não é, pois, só um estado, mas também dom e missão: a de testemunhar
Jesus Cristo e edificar o seu Corpo, que é a Igreja, segundo o mandamento novo
do amor. Isto é «ser Igreja». E, para nós, sermos carmelitas é o nosso modo de
sermos Igreja. Como?
5. «Ser Igreja» segundo o modelo da
Igreja primitiva de Jerusalém
Os
primeiros carmelitas tinham ido para a Palestina animados pelo «espírito da […]
peregrinação à Terra Santa e da comunidade primitiva de Jerusalém. Impelidos
"pelo amor à Terra Santa, nela consagraram-se Àquele que a tinha
conquistado com a efusão do seu sangue, para servi-lo… permanecendo "em
santa penitência" e formando uma comunidade fraterna» (Const. N.O. 8). O
ideal da peregrinação a Jerusalém realizava--se para eles na vivência de uma
comunhão fraterna, animada pela fé, alimentada pela Palavra, vivificada pela
oração, nutrida pela Eucaristia e expressa na partilha fraterna, segundo o modelo
da comunidade primitiva de Jerusalém: «Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à
comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Todos os dias frequentavam o
Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade
de coração, louvando a Deus e gozando da simpatia do povo… Tinham um só coração
e uma só alma. Tudo entre eles era comum. Os Apóstolos davam testemunho da
ressurreição do Senhor Jesus com grande poder» (At 2,42. 46s; 4,32s).
É
esta Igreja que vive segundo o desígnio de Deus, aberta ao Senhor e aos irmãos,
assistida pelos dons do Espírito, que todos queremos construir. É a Igreja que
cresce e que, apesar de ser bimilenária, permanece uma e sempre a mesma. De fato,
não há diferença entre a Igreja primitiva e a Igreja de hoje: os Sodalícios,
como na Igreja de Jerusalém, vivem no meio de um mundo pluralista, pagão e
paganizante, descrente de Deus, correndo atrás de valores terrenos, que não dão
a felicidade plena ao coração do homem. Nele, nós, Terceiros carmelitas, reunidos
em pequenos grupos, vivemos aqui e acolá, testemunhando a presença de Deus no
mundo, esforçando-nos por amá-lo e servir bem, fascinados pelo que Deus é em si
mesmo: amor que se dá, que nos une a Ele e uns aos outros e que transborda,
para chegar aos irmãos. A isso é que o Terceiro foi chamado pelo batismo: para
viver em comunidade, no sodalício, segundo o modelo da Igreja de Jerusalém, ao
jeito de Jesus e de Maria com os Apóstolos, para nele se empenhar a amar bem a
Deus e aos irmãos, vivendo em fraternidade. A vocação universal à santidade que
recebemos no batismo, é reavivada quando, como Terceiros, nos reunimos para
rezar, escutar a Palavra, participar da Eucaristia, crescer na fé e tratar dos
interesses do sodalício. Estas reuniões ajudam-nos a «ser Igreja», uma
comunidade de irmãos que se amam e sentem uma só família, dando testemunho ao
mundo de hoje de que é no amor de Cristo e pela fé n’Ele que se encontra a
salvação, que nos faz sentir e ser a sua Igreja
1 A
ROTC refere-se à Igreja como sendo o âmbito em que se insere a vocação do
Terceiro (art. 1-4, 37, 42, 52, 57, 76), porque é nela que se prolonga a missão
de Cristo (24, 26), que levamos a cabo, segundo o exemplo de Maria (34, 40),
contribuindo assim para o bem da Igreja (43, 46, 50, 91). Para mais noções
sobre a Igreja, ver Catecismo da Igreja Católica, 748-975 ou o Compêndio (do
mesmo), 147-199.
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