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sábado, 7 de setembro de 2013

XXIII Domingo do Tempo Comum

Evangelho: Lc 14, 25–33

…se não renunciar a tudo, não poder ser meu discípulo!

Ângelo Vitório Zambon

A grande viagem de Jesus a Jerusalém. O trecho de hoje faz parte da grande viagem de Jesus a Jerusalém (9,51-19,27), onde consumará sua missão. É nesse caminho que as pessoas tomam posição a favor ou contra Jesus: os que o seguem conformando-se à sua prática, se tornam seus discípulos; os que o rejeitam armam-lhe ciladas, levando-o à morte.
Seguir Jesus = comprometer-se. Nosso texto faz questão de ressaltar que para seguir Jesus é necessário sair do anonimato da multidão, e comprometer-se em primeira pessoa. Com muita probabilidade, é uma resposta ao afrouxamento de pessoas das comunidades da segunda geração cristã, crentes de que bastaria pertencer ao grupo dos cristãos para se identificar com o projeto de Jesus, sem que isso exigisse uma prática correspondente.
Veremos:
a. o que é prioritário no seguimento de Jesus? – vv. 25-27
b. enfrentar os riscos – vv. 28-33

O QUE É PRIORITÁRIO NO SEGUIMENTO DE JESUS? – vv. 25-27
Ele voltou-se para as multidões. O texto inicia salientando que grandes multidões seguiam Jesus na viagem para Jerusalém (v.25). Com quais disposições? Não sabemos. Certo é que Lucas dá importância ao detalhe: só pode seguir a Jesus e identificar-se com ele quem estiver disposto a assumir o seu projeto.

O momento é solene.
Lucas o demonstra no gesto de Jesus: ele voltou-se para as multidões (v.25). Este verbo, em Lucas, está sempre associado a declarações decisivas de Jesus (comparar as passagens: 7,9. 44; 22,61; 23,28; cf. especial 9,55; 10,22-23, que são declarações importantes durante a caminhada para Jerusalém).

Quais as condições para seguir a Jesus?
Em primeiro lugar, o desapego afetivo, completo e imediato: pai, mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs passam para segundo plano. SÓ JESUS É PRIORITÁRIO! (v.26). O desapego exige algo mais: não só as pessoas mais íntimas e caras devem ser consideradas secundárias, mas até a própria vida. Em outras palavras o desapego pressupõe o risco (cf. Ap 12,11: “diante da morte desprezaram a própria vida”).

Disponível para carregar a cruz.
Quem deseja seguir a Jesus deve armar-se de disponibilidade para a cruz (v.27), ou seja, tornar próprias as disposições DAQUELE que o precede, identificando seu projeto com o do Mestre. Jesus não temeu ser considerado um fora da lei pela sociedade estabelecida. E SEUS SEGUIDORES: O QUE TEMEM?

A renúncia a tudo.
Finalmente, o seguimento de Jesus pressupõe a renúncia a tudo (v.33). Note-se que o texto fala da renúncia de todos os bens materiais como condição única para ser discípulo. Nota-se aqui, mais uma vez, que o Jesus de Lucas põe como condição para ser discípulo são aquelas relações de partilha e fraternidade existentes nas aldeias. Nelas todos se ajudavam como podiam, não priorizando unicamente os próprios interesses (cf. em 8,1-3 como as mulheres que seguem a Jesus põem à disposição dele e de seus discípulos todos os bens que possuem).

ENFRENTAR OS RISCOS – vv. 28-33
Duas pequenas parábolas ilustram a importância do momento. Seguir o Mestre é fruto de decisão ponderada, amadurecida e coerente até o fim. Mais uma vez o texto reflete as crises de fé de tantos que aderiram a Jesus, mas desanimaram no caminho (essa imagem é importante, porque, como dissemos, Jesus está a caminho).

A PRIMEIRA PARÁBOLA (vv.28-30) se inspira nos grandes projetos de engenharia: a construção de uma torre (em grego, párgon = torre de vigia dentro da vinha, conforme Mc e Mt). É um projeto que requer sério planejamento e recursos econômicos. Assim é o seguimento de Jesus. O fracasso na construção da torre traz a gozação dos passantes (v.30) que ridicularizam o arquiteto sem verbas para acabar a obra.

A SEGUNDA PARÁBOLA se inspira nas estratégias militares (vv.31-21): o rei prudente, que dispõe de dez mil soldados, prefere negociar a paz com o que vem ao seu encontro com vinte mil, a fim de evitar a humilhação da derrota com suas consequências desastrosas para ele e seu povo.

Realista como o arquiteto e prudente como o rei.
Assim, diz Jesus, deve ser aquele que decide pôr-se a caminho com ele: realista como o arquiteto e prudente como o rei: por um lado, evitar as ilusões fáceis, crendo que baste a boa vontade para ser cristão; por outro, ser suficientemente sábio e criativo, a ponto de apostar tudo e enfrentar os riscos que tal compromisso comporta.

Ser cristão comporta decisões e riscos.
Diante de tais exigências alguém poderia ser tentado a afirmar que o texto de Lucas 14, 25-33 desaconselha mais do que anima as pessoas, – na sua fragilidade e inconstância, – a seguir o Cristo. Isso poderia ser deduzido também dos inúmeros “nãos” que o trecho apresenta. Não é aqui que Lucas responde a tais objeções. Ele frisa que o ser cristão comporta decisões e riscos que determinam toda a vida de quem fez essa opção.

Refletindo. . .

A sabedoria do Evangelho x a sabedoria do mundo.
O tema de hoje é a ”sabedoria evangélica”. Esta não deve ser confundida com a “sabedoria do mundo”.  A sabedoria do evangelho é ponderar o nosso empenho pelo Reino de Deus. Não é uma posse segura e definitiva, mas deve ser conquistada dia a dia. Até o sábio rei Salomão teve de pedi-la a Deus, mas ele a via em função do seu reino. A nós cabe procurá-la em vista do reinado de Deus.

Ponderar e dar a cada coisa seu lugar.
A sabedoria ensina a dar a tudo seu devido lugar, a ponderar o que é mais e o que é menos importante. Isso pode conduzir a conclusões que, – aos olhos de pessoas superficiais, – parecem loucura. As exigências do seguimento de Jesus parecem loucura: “odiar (= não preferir) pai e mãe, mulher, filhos, irmãos e irmãs” (Lc14, 26), por causa de Cristo e de seu evangelho, não é isso uma loucura? NÃO, diz Lucas.

Sabedoria – ponderação – investimento no Reino.
É a consequência da sabedoria cristã, da ponderação a respeito do investimento necessário para o Reino de Deus. Começar a construir a torre sem o necessário capital é que é loucura, pois todo mundo ficará gozando da gente porque não conseguiu concluir a obra! A alusão à torre de Babel, – símbolo da vaidade e confusão humana, – é evidente. O homem sábio faz seu orçamento: decide quanto ele vai investir. No caso do cristão, o único orçamento adequado é o do investimento total, já que se trata do supremo bem, sem o qual os outros bens ficam sem sentido.

Sabedoria cristã = optar radicalmente pelo valor fundamental.
A sabedoria cristã consiste em ousar OPTAR RADICALMENTE pelo valor fundamental, mesmo se isso exige uma escolha dolorosa contra pessoas muito queridas, realidade que se repetia diariamente na Igreja do tempo de Lucas. Observemos que estas palavras foram dirigidas às “grandes multidões” que seguiam Jesus e não somente a monges e ascetas. Além disso, formam a sequência de exortação ao convite gratuito e à parábola do grande banquete, em que Jesus ensina a dar a preferência às pessoas “não gratificantes” em vez dos familiares e amigos (cf. dom. passado).
Assim “não preferir” seus familiares se pode referir, concretamente, a duas realidades:
1. Num primeiro sentido, muito atual no tempo de Lucas: a perseguição, que obriga o cristão a preferir o Cristo acima dos laços de parentesco e até acima da própria vida (sentido primeiro).
2. Num sentido mais geral, atual também hoje: a preferência, – por causa do Evangelho, – por categorias de pessoas pouco estimadas, excluídas, mesmo se isso nos custa o afastamento de nossos círculos sociais preferidos.

Radicalidade x bom senso!
Ouve-se, em nosso ambiente, muitas vezes, a observação de que é preciso ter “bom senso” em questões de justiça e direito, mas esse “bom senso”, geralmente, não significa outra coisa senão medo ou até covardia. Quando é claro que o amor de Cristo está em jogo, a sabedoria cristã exige um investimento radical e estratégias para lhe abrir espaço.
Porém, radicalidade não é imprudência. É liberdade frente àquilo que nos pode desviar do que é importante e prioritário. A sabedoria cristã nos ajuda a estabelecer as opções preferenciais certas. E depois, para não perder tudo, é preciso realizar na prática essas opções sabiamente feitas.
Quem acha que seguir Cristo é fundamental, deve fazê-lo custe o que custar. Portanto, o sábio cristão não é o sofista brilhante, que explica tudo, sem jamais se comprometer. É o homem que, ao mesmo tempo lúcido e convicto, investe tudo no que julga ser o sentido último da vida e da História, à luz da fé em Cristo Jesus. … O sábio não é aquele que hesita, quando se trata de saltar, mas aquele que salta; o que hesita é o que cai…

Jesus Cristo – valores do evangelho – sabedoria humana!
Voltamos a insistir que nosso mundo carece de sabedoria. Sem nenhum constrangimento é capaz de sacrificar as mais puras fontes de subsistência, para sustentar suas obscuras buscas de glória, poder e lucro. E faz isso com tanta sagacidade que consegue conquistar a cumplicidade de praticamente toda a sociedade, envolvendo-a num jogo sujo de competição e de consumo…
Salomão pediu o dom da Sabedoria, isto é, o dom do discernimento e da ponderação, e ensina a pedi-lo. Mais do que nunca precisamos pedi-lo com toda a força da alma. Está na hora de perceber que o esforço de nossa inteligência, – por si só, - não é o suficiente. Para sabermos direcionar nossa vida e a vida da humanidade segundo os critérios e os valores evangélicos (= valores da vida!), mister se faz abrirmo-nos às inspirações do Espírito de Deus. Nós que cremos no Deus da Vida, temos certeza de que esses “ventos de Deus” sopram em nossa direção e em direção da vida para todos.

Tudo isso na vida do discípulo.
O evangelho nos coloca numa nova realidade de vida, que tem – como marco zero – a cruz de Cristo. Essa realidade nova exige também uma sabedoria nova. Muitos pretendem seguir Jesus Cristo, mas será que sabem que seu caminho conduz ao Gólgota? Que seu caminho passa pela cruz e não pela glória? Daí as duras exigências formuladas por Jesus: abandonar a família, o sucesso, o poder e até a própria vida e ponderar sobriamente sua força e disponibilidade. Em resumo: o discípulo deve largar tudo. Como isso acontece ou vai acontecer na vida de cada um não é dito aqui. Porém, uma coisa é certa: Jesus não pede o impossível, contudo devemos preparar-nos para tudo o que for possível.

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