EVANGELHO – Lc 13,22-30 - Naquele tempo, Jesus dirigia-Se para Jerusalém e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava. Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que se salvam?» Ele respondeu: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa do reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».
Pe. Manuel Gonçalves
1 – “Quem se exalta será humilhado e
quem se humilha será exaltado”. Excelente conselho de Jesus, não apenas para a
vida religiosa, em sentido estrito, mas para o dia-a-dia, no relacionamento com
os outros, na interação social, na relação afetiva e profissional.
São nossos
conhecidos alguns ditados populares semelhantes: “gaba-te cesto que amanhã vais
para a vindima”, “presunção e água benta cada um toma a que quer”, “já que
ninguém te gaba, gabas-te tu”, “ninguém é bom juiz em causa própria”. A
sabedoria popular, como a intervenção de Jesus, diz-nos algo evidente: o bem
que fazemos não precisa de ser badalado, por si só produz fruto. Quando uma
pessoa tem valor, não precisa de apregoar as suas qualidades aos quatro ventos,
a não ser em questões de defesa de honra.
Não se
trata aqui de desvalorizar a autoestima, essencial à saúde psíquica. A pessoa
deve estimar-se, sentir-se digna de ser amada pelo que é. Não esqueçamos, num
contexto mais cristão, somos amados, somos filhos de Deus e para Deus valemos
tudo, cuja valoração devemos exigir aos outros. Não somos dispensáveis, não
somos lixo para deixar fora ou calcar aos pés. É benéfica uma dose suficiente
de otimismo e autoconfiança.
A humildade
não conflitua com a autoestima. Pelo contrário, quem se valoriza como pessoa,
facilmente aceita as suas limitações e insuficiências, não como defeitos de
fabrico, mas como contingência inevitável da respetiva humanidade. No plano da
fé, a humildade faz-nos reconhecer que não somos deuses, impecáveis, não somos
melhores que os outros, somos o que somos, precisamos de amar e de nos sentir
amados, de reconhecer os outros como pessoas e de sermos reconhecidos pelo que
somos (e pelo que fazemos de bem).
A
prepotência vai noutro sentido: acharmos que somos tão bons que não temos defeitos,
somos melhores que os outros, não precisamos de ninguém, e quando precisarmos
não é por necessidade nossa mas por obrigação alheia.
Por outro
lado, humildade não é, em meu entender, fazer-se coitadinho, para que os outros
tenham pena de mim e me deem mais atenção. Nesse caso seria uma outra forma de
imposição, de falsa modéstia, que também não é saudável. Daí que por vezes seja
estranho ouvir: ai, eu não tenho qualidades, não sei fazer nada de bom, tudo me
corre mal, não presto, não sirvo para nada... quase à espera, em jogo
emocional, que o outro diga o contrário, ou que insista ou me peça de joelhos e
me convença que eu sou a melhor pessoa do mundo... Por mais desfocada que
esteja a nossa vida, continuámos a ser fruto do amor de Deus, por mais desfigurada
que seja a nossa história continuamos a ser ROSTO de Jesus Cristo.
2 – “Quem se exalta será humilhado e
quem se humilha será exaltado”, ou como escutámos no domingo passado, “há
últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos”. Não nos
iludamos. Querermos parecer mais que os outros pode não nos trazer felicidade.
Pelo contrário, fazermos depender a nossa vida daquilo que os outros dizem pode
ser muito confrangedor. Os outros sempre nos hão de desiludir, ou por que não
nos dão a atenção devida, ou por que não valorizaram o suficiente o nosso
esforço, o nosso talento. Não é culpa dos outros. As nossas elevadas
expectativas podem não encontrar o acolhimento devido. Diversamente por que não
fizemos mais do que aquilo que outros esperavam de nós, ou simplesmente os
outros não sabem como mostrar-se agradecidos da forma como merecemos. É
saudável trabalhar pela certeza do bem que fazemos e não tanto pelo que os
outros vão opinar. Mesmo sabendo que a todos faz bem o reconhecimento alheio!
A imagem
utilizada por Jesus é muito simples e facilmente experiencial, apesar de hoje,
quando há banquetes, bodas, jantares, os lugares já estarem definidos,
evitando, assim, que aconteça que alguém tenha de ceder o seu lugar a outro.
Uma vez
mais, Jesus nos desafia a sermos pró-ativos, agindo, lutando, caminhando, sem
nos julgarmos mais que os outros e valorizando a nossa atenção sobre os mais
necessitados. O que é mais importante, a imagem que os outros fazem de mim ou o
que faço para tornar mais fácil e agradável a vida dos que me rodeiam?
A lógica de
Jesus Cristo: para Deus os últimos são os primeiros. É-nos mais fácil valorizar
aqueles com quem nos identificamos mais, as pessoas com mais elevado estatuto
social. Para Jesus e, consequentemente, para os cristãos, o maior cuidado
deverá ser dado aos que valem menos aos olhos deste mundo, precisamente para
incluir, para valorizar, para “igualar”. Trata-se de uma descriminação
positiva. Não excluímos os primeiros, promovemos os segundos. Desta forma
sabemos que agimos ao jeito de Cristo: “Quando ofereceres um banquete, convida
os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem
com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos”.
3 – “Quem se exalta será humilhado e
quem se humilha será exaltado”.
Tenho para mim que a grandeza de uma pessoa também se
avaliza pela postura humilde no momento da vitória. Quando estamos por cima,
expressão muito popular, é que mostramos verdadeiramente o que somos. Custa-me
muito ver quando alguém ganha uma disputa política, desportiva, cultural, e que
na proclamação da vitória tenha necessidade de espezinhar, de acentuar “os
podres” dos derrotados, a urgência em denegrir mais os adversários para se
engrandecer perante os seus ouvintes. A vitória já diz o suficiente e não
garante que as ideias do vencedor sejam as mais nobres. Neste caso, as palavras
são desnecessárias a não ser para agradecer, para chamar todos à participação,
pondo de lado as disputas, procurando valorizar o que possa ser benéfico para
todos. Podem, inclusive, ser assumidas propostas dos adversários.
Para quem
perde, não será diferente. Ou a mensagem não passou. Ou não era ainda o tempo
oportuno. Ou os outros têm opiniões divergentes. Mas logo é tempo de trabalhar,
na reflexão e nas atitudes, para o maior bem de todos. Não é fácil. Mas não
adianta passar o tempo a protestar contra os outros. Será o tempo de ajuntar
esforços.
Eis o
conselho sábio de Sirac: “Filho, em todas as tuas obras procede com humildade e
serás mais estimado do que o homem generoso. Quanto mais importante fores, mais
deves humilhar-te e encontrarás graça diante do Senhor. Porque é grande o poder
do Senhor e os humildes cantam a sua glória. A desgraça do soberbo não tem
cura, porque a árvore da maldade criou nele raízes. O coração do sábio
compreende as máximas do sábio e o ouvido atento alegra-se com a sabedoria”.
Um
conselho, lido algures: lembra-te de respeitar aqueles que encontrares quando
fores a subir, pois serão os mesmos que encontrarás quando vieres a descer.
4 – Aos discípulos de ontem e de hoje,
daquele e deste tempo, Jesus desafia ao serviço: quem entre vós quiser ser o
maior seja o servo de todos; se Eu sou Mestre e Senhor e vos lavei os pés… como
Eu vos fiz fazei vós também uns aos outros; nisto conhecerão que sóis meus
discípulos, se vos amardes uns aos outros como Eu vos amei; o que fizerdes ao
mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis… Eu vim não para ser servido
mas para servir e dar a vida por todos… o discípulo não é mais que o Mestre!
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