Evangelho (Mt 17,1-9): Naquele tempo, Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João e os fez subir a
um lugar retirado, no alto de uma montanha, a sós. Lá, ele foi transfigurado
diante deles. Sua roupa ficou muito brilhante, tão branca como nenhuma
lavadeira na terra conseguiria torná-la assim. Apareceram-lhes Elias e Moisés,
conversando com Jesus. Pedro então tomou a palavra e disse a Jesus: «Rabi, é
bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e
outra para Elias». Na realidade, não sabia o que devia falar, pois eles estavam
tomados de medo. Desceu, então, uma nuvem, cobrindo-os com sua sombra. E da
nuvem saiu uma voz: «Este é o meu Filho amado. Escutai-o!». E, de repente,
olhando em volta, não viram mais ninguém: só Jesus estava com eles. Ao descerem
da montanha, Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto,
até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos. Eles ficaram pensando nesta
palavra e discutiam entre si o que significaria esse «ressuscitar dos mortos».
ou Marcos 9, 2-10 ou Lucas 9, 28b-36
Comentário: +
Rev. D. Joan SERRA i Fontanet (Barcelona, Espanha)
Este é o meu Filho amado
Hoje o Evangelho nos fala da Transfiguração de Jesus
Cristo no monte Tabor. Jesus, depois da confissão de Pedro, começou a mostrar a
necessidade de que o Filho do homem fosse condenado à morte e anunciou também a
sua ressurreição ao terceiro dia. É neste contexto que devemos situar o
episódio da Transfiguração de Jesus. Anastácio, o Sinaíta escreve que «Ele
tinha se revestido com nossa miserável túnica de pele, hoje se colocou a veste
divina, e a luz o envolveu como um manto». A mensagem que Jesus transfigurado
nos traz são as palavras do Pai: «Este é o meu Filho amado. Escutai-o!».(Mc
9,7). Escutar significa fazer sua vontade, contemplar sua pessoa, imitá-lo, por
em prática seus conselhos, tomar nossa cruz e segui-lo.
Com o propósito de evitar equívocos e más interpretações,
Jesus «ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o
Filho do Homem ressuscitasse dos mortos». (Mc 9,9). Os três apóstolos
contemplam a Jesus transfigurado, sinal de sua divindade, mas o Salvador não
quer que se divulgue até depois de sua Ressurreição, quando se poderá
compreender a dimensão deste episódio. Cristo nos fala no Evangelho e em nossa
oração; então poderemos repetir as palavras de Pedro: «Rabi, que bem estamos
aqui» (Mc 9,5), sobretudo depois de ir a comungar.
O prefácio da Missa de hoje nos oferece um belo resumo da
Transfiguração de Jesus. Diz assim: «Porque Cristo, Senhor, tendo anunciado sua
morte aos discípulos, revelou sua glória na montanha sagrada e, tendo também a
Lei e os profetas como testemunhas, os fez compreender que a paixão é
necessária para chegar à gloria da ressurreição». Lição que cristãos não devem
esquecer nunca.
Oito dias depois destas palavras.
Mt e Mc falam de «seis dias». São Lucas fala de «oito». E
acrescenta «depois destas palavras», ou mais literalmente “depois deste
discurso” ou “depois destes acontecimentos”.
Que acontecimentos: Depois da primeira missão e do
regresso dos Doze; depois da multiplicação… Depois de que discurso? Oito dias
depois de Jesus ter falado sobre a necessidade de o Filho do Homem sofrer, ser
entregue e morrer, para ressuscitar (Lc.9,21-22) e depois de ter enunciado umas
cinco máximas sobre o seguimento dos discípulos (Lc.9,23-27).
Em todos os evangelhos, a Transfiguração situa-se depois
do primeiro anúncio da Paixão. Em Lc., na frase anterior ao relato da
transfiguração falava-se de «ver o Reino de Deus», isto é, de reconhecer a
realeza do Senhor Ressuscitado. É o que de certo modo vai acontecer por
antecipação, em visão.
A expressão «oito dias depois» pode sugerir-nos as
aparições do Ressuscitado.
Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago
Repare-se na ordem dos três íntimos de Jesus, que é
diversa da de Mt e Mc: Pedro, Tiago e João…
e subiu ao monte, para orar.
Já sabemos do valor simbólico do monte, como lugar de
revelação… Lucas precisa a finalidade da subida: «para orar». Aliás é muito
comum em São Lucas o acento na Oração. A própria transfiguração acontece,
«enquanto orava».
Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de
uma brancura refulgente.
Lucas não fala, como Mt e Mc, de «transfiguração» ou de
«metamorfose». Diz apenas que o seu “rosto” se tornou outro, se tornou
distinto do que tinha. Evoca a experiência de Moisé (Ex.34,29) que, quando saía
da tenda, tinha o rosto resplandecente, iluminado pela glória de Deus. O
que os discípulos vêem no seu rosto é a «glória de Deus».
Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias.
A referência a Moisés e Elias, que aparecem «em glória»,
prepara para o acolhimento de Jesus, como Palavra definitiva do Pai. Moisés e
Elias representam a Lei e os Profetas, todo o Antigo Testamento e acenam para Jesus, que deverá agora
ser o «escutado». No caminho de Emaús, Jesus retoma os textos da Lei e dos profetas
para iluminar o sentido dos acontecimentos da sua morte e ressurreição
(Lc. 24,27.32).
que, tendo aparecido em glória, falavam da «partida» de Jesus, que ia consumar-se
em Jerusalém.
Lucas é o único que revela o conteúdo da conversa.
Literalmente, falam do «êxodo», da «partida», da «passagem» de Jesus para o
Pai. Falam afinal da sua morte, ressurreição e ascensão Jerusalém é o lugar
para onde tudo se encaminha.
Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a
glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam
afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três
tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que
estava a dizer
Temos aqui as reacções dos discípulos, que vão do «sono
pesado», ao «despertar» (da morte à vida) até ao desejo de permanecer ali. É
uma reação de sentimentos opostos e confusos, mas que denota a experiência real
de quem segue Jesus entre o cansaço, a ilusão e o desejo de segui-lo. Só Lucas
diz que eles «viram a glória de Jesus», (cf. II Pe 1,17-18) fizeram a experiência
da sua Luz. Tratam Jesus não por «Rabi», mas por «Mestre». Como Mc, Lc refere
que Pedro não sabia o que estava a dizer. Era impossível deter a beleza da
experiência que ali fizeram.
Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles
ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia:
«Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».
A cena é muito semelhante à do Batismo (Lc.3,22).
Trata-se de uma teofania. Deus manifesta-se. A nuvem, a sombra, aponta, para o
cenário das grandes revelações. Até então Jesus perguntara: «Quem dizem os
homens que Eu sou» (v.18). Agora é o próprio Pai que, como na Baptismo, o
declara Filho seu, mas agora seu “Eleito”. O versículo 35 é o versículo chave
desta revelação. Repare-se que não se diz «Filho muito amado» ou «Filho
querido», mas «Eleito». E diz-se que é «Este» e não outro. E é a este Filho e
não a Moisés ou a Elias que devemos escutar: “A Ele escutai», diz
literalmente. O foco de luz, de certo modo, passa de Moisés e Elias para se
fixar unicamente em Jesus.
Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho.
Jesus fica «isolado», só sobre Ele é que a luz «deste
cenário» incide. Ele é a Palavra definitiva do Pai. Moisés e Elias ficam em
contra-luz.
Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada
do que tinham visto.
O «segredo» é típico do Evangelho de Marcos e aparece
aqui, de novo, «naqueles dias» ou mais literalmente «por
O MISTÉRIO DA
TRANSFIGURAÇÃO
Raniero Cantalamessa
No mistério
da Transfiguração, a Igreja não celebra apenas a transfiguração de Cristo, mas
também a sua própria. São Paulo usa duas vezes o verbo transfigurar-se (em
grego, transfigurar-se e transformar-se são termos equivalentes) com referência
aos cristãos, e nas duas vezes indica algo que tem lugar aqui e agora:
“transformai-vos pela renovação de vosso espírito” (Rm 12, 2).
O verbo,
que é traduzido por “refletir como em um espelho”, pode ter por si mesmo dois
significados. O primeiro, adotado pelos antigos, é “contemplar como em um
espelho”; o segundo, preferido pelos modernos, é “refletir como um espelho”. No
primeiro caso, Cristo é o espelho no qual contemplamos a glória divina, no
segundo, nós somos o espelho que, contemplando Cristo refletimos a glória
divina.
A
interpretação antiga é às vezes criticada pelo fato de levar a pensar que,
desse modo, Cristo seria equiparado ao restante do mundo criado, o qual é
também definido como espelho (cf. 1 Cor 13,12), mas nada obriga a pensar que o
Apóstolo use o termo no mesmo sentido nos dois textos.
Também o
homem é imagem de Deus, e, no entanto, isso não impede o Apóstolo de definir
também Cristo como "Imagem de Deus", em um sentido diferente e mais
forte. Ambas as nuances mantêm-se, portanto, unidas, como procede uma
autorizada tradução moderna da Bíblia que sugere entender a expressão no
sentido de que "nós contemplamos e refletimos", isto é,
"refletimos o que contemplamos".
Segundo o
Apóstolo, é preciso ir além. O homem não só reflete o que contempla, mas
transforma-se naquilo que contempla. Contemplando, somos transfigurados na
imagem que contemplamos. Trata-se de um pensamento cuja profunda verdade talvez
tenhamos hoje melhor aptidão para apreender.
Se em
determinada época, nos inícios do materialismo científico, afirmava-se: "O
homem é aquilo que come", hoje, numa civilização totalmente dominada pela
imagem e pela comunicação visual, deve-se dizer: "O homem é aquilo que
vê".
A imagem
tem o poder de penetrar não só no corpo, mas na própria alma por meio da
fantasia. O olho é "a lâmpada da alma" (cf. Mt 6,22); e é também a
porta da alma. Contemplando Cristo, diz, portanto, o Apóstolo, nós nos tornamos
semelhantes a ele, conformamo-nos a ele, consentimos que seu mundo, seus
propósitos e seus sentimentos se imprimam em nós, que substituam nossos
pensamentos, propósitos e sentimentos, que nos façam semelhantes a ele.
Ocorre na contemplação o mesmo que na
fotografia, e é curioso descobrir que o próprio termo "fotografar"
aparece pela primeira vez em um autor bizantino do século XII, precisamente
para indicar o que acontece quando a alma contempla o Cristo.
"Preservemos" - afirma ele - "com toda a atenção o espelho da alma,
no qual usualmente imprime-se e fotografa-se (photeinographein) Jesus Cristo,
sabedoria e potência de Deus." Mas não é exatamente o que constatamos por
nós mesmos? Certas imagens têm o poder de ficar gravadas em nossa mente e nela
permanecer como grafites em muros de cimento.
O Tabor foi
o alicerce instituidor e continua a ser o apelo mais forte a essa contemplação
de Cristo que transforma. Ele é, por excelência, o mistério da contemplação de
Jesus. No "monte santo", como o chama São Pedro, os apóstolos foram
contempladores, espectadores, testemunhas oculares da grandeza de Jesus (cf.
2Pd 1,16-18). Em outros mistérios, prevalece a atualização sacramental ou
litúrgica; na Transfiguração, prevalece a direção intencional que é a
contemplação.
Com efeito,
não existe um sacramento para celebrar a Transfiguração, como há para o batismo
de Cristo e para a sua morte e Ressurreição.Todavia, não pretendemos
contentar-nos em fazer uma simples reflexão sobre o tema da contemplação de
Cristo, mas também, tanto quanto possível por meio das páginas de um livro,
uma experiência de contemplação. Nesse caso, queremos igualmente chegar ao
"âmago do assunto", sem nos limitar à idéia do fato.
Assim, as
meditações que reunimos neste livro foram concebidas como outras tantas subidas
matutinas ao monte Tabor, com o propósito de passar meia hora "de olhos
fitos naquele que é o iniciador da fé e a conduz à realização" (Hb 12,1),
retornando depois, revigorados, ao trabalho quotidiano. O propósito da contemplação
consiste precisamente em ir além da letra e reviver dentro de si os
sentimentos e os estados de espírito: de Jesus, dos apóstolos, do próprio Pai
celeste quando proclama: "Este é o meu Filho bem-amado".
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