Dos Sermões de Sto. Antonio, V Domingo depois da Páscoa.
“Eu roguei ao Pai por vocês: o próprio Pai os ama, porque vocês me amaram
e acreditaram que eu saí do Pai” (Jo 16,26).
Cristo, sacerdote segundo a ordem
de Melquisedeque, mediador entre Deus e os homens, roga por nós ao Pai. Lemos no
livro do Levítico: “O sacerdote rogará por eles e o Senhor lhes será propício”
(4,20); e novamente: “o sacerdote rogará por ele e pelo seu pecado e este lhe
será perdoado” (4,26).
Estão muito bem de acordo com tudo isso as palavras do
livro dos Números: “Moisés disse a Aarão: “pega o turíbulo, acende-o com o fogo
do altar coloca incenso e dirige-te ao povo para orar por ele: porque a ira do
Senhor se acendeu e o flagelo já começou. Aarão cumpriu a ordem: foi ao meio do
povo já golpeado pelo flagelo, ofereceu o incenso; e permanecendo entre os
mortos e os vivos, orou em favor do povo e o flagelo cessou” (Num 16,46-48).
“Disse Moisés a Aarão”, isto é, disse o Pai ao Filho: “Pega o turíbulo” da
humanidade que foi feito por obra de Beseleel (Nm 31,1) que quer dizer “sombra
divina”, sombra do Espírito Santo no seio da Virgem gloriosa que justamente
pelo Espírito Santo foi “sombreada” levando-lhe assim o refrigério e
extinguindo nela de maneira total a fome do pecado. “Enche” com o fogo da
divindade o turíbulo da humanidade em que morou corporalmente a plenitude da
divindade.E justamente diz: “do altar”, porque “eu saí do Pai e vim ao mundo”
(Jo 16,28) “E coloca incenso” da tua paixão, e assim, qual mediador rogarás em
favor do povo que o incêndio do diabo está devastando atrozmente.
E Jesus,
obediente à vontade de quem mandara, pegou o turíbulo, correu “à morte e morte
de cruz”. E estando “na cruz com os braços abertos, entre os mortos e os
vivos”, isto é, entre os dois ladrões, dos quais um foi salvo e o outro condenado
– ou também “entre os mortos e os vivos”, isto é, entre aqueles que estavam
presos no cárcere do inferno e aqueles que viviam na miséria deste exílio –
livrou-os todos do incêndio da perseguição diabólica, oferecendo-se a si mesmo
como sacrifício de suave odor. E justamente de si mesmo ele diz: “Eu rogarei ao
Pai por vocês”.
E João, em sua carta canônica, escreve: “Nós temos um advogado
junto ao Pai, Jesus Cristo justo: ele é propiciação – isto é, expiação – pelos
nossos pecados” (1Jo 2,1). Por isso é que todos os dias nós O oferecemos ao Pai
no sacramento do altar afim de que sempre de novo se ofereça por nossos
pecados. Com efeito, nós fazemos como a mulher que tem uma criança pequenina
quando o marido nervoso quer agredi-la: segurando a criança nos braços,
coloca-a diante do homem, falando: “Bate nela! Bate nela!” A criança, com
lágrimas nos olhos, sofre junto com a mãe.
O pai, comovendo-se diante das
lágrimas do filho a quem ama intensamente, perdoa a esposa, por causa do filho.
Assim também nós: a Deus Pai nervoso com os nossos pecados oferecemos o seu
filho Jesus Cristo no sacramento do altar como aliança da nossa reconciliação.
E Deus Pai, se não for por nós, pelo menos em consideração a seu Filho amado,
afaste de nós os merecidos flagelos e nos perdoe lembrando-se de suas lágrimas,
sofrimentos e paixão.
O próprio Filho diz por boca do profeta Isaías: “Eu o
criei e eu o conduzirei, eu o levarei e o salvarei”(46,4). Observem-se bem os
quatro verbos: eu “criei” o homem e o “conduzirei” em meus ombros como uma
ovelha perdida e cansada; eu o “levarei” como a mãe carrega a criança nos
braços. E que é que pode fazer o Pai senão responder: “Eu o salvarei”? Por isso
é que Cristo diz com muita propriedade: “Eu rogarei ao Pai por vocês; o próprio
Pai os ama porque vocês me amaram e acreditaram que eu saí do Pai”. Pai e Filho
são uma coisa só. O próprio Filho o afirmou: “Eu e o Pai somos uma coisa só”
(Jo 10,30).
Quem ama o Pai, ama também o Filho, e o Pai e o Filho o amam. No
Evangelho de João, com efeito, o Filho diz: “Quem me ama será amado pelo meu
Pai e eu também o amarei e me manifestarei a ele (14,21). Por tudo quanto diz
respeito a este amor, estão de acordo também as palavras da carta de São Tiago:
“Quem fixa o olhar sobre a lei da perfeita liberdade e lhe permanecer fiel, não
como quem escuta e se esquece, mas como quem que a coloca em prática, este sim,
será feliz em praticá-la” (1,25).
A lei da perfeita liberdade é o amor de Deus
que torna o homem perfeito em tudo e livre de toda escravidão. Diz o Salmo
(36,31), sobre o justo: “A lei do seu Deus está em seu coração”. Com efeito, no
coração do justo está a lei do amor de Deus e por isso diz Deus: “Filho, dê-me
seu coração!” (Pv 23,26). Como o falcão tira dos pássaros que apanha, antes o
coração e o come, assim também Deus nada procura e nada ama no homem mais do
que o coração no qual está a lei do amor e por isso “seus passos não vacilarão”
(Sl 36,31).
Os passos dos justos são as suas obras ou mesmo os afetos do
coração que nunca vacilarão, isto é, nunca cairão no laço da sugestão diabólica
nem escorregarão na praça da vaidade mundana. Sobre o laço fala Jó: “Seu pé
será preso pelo laço e a sede se lançará contra ele” (18,9). O pé do inimigo
está preso no laço da má sugestão e assim lança-se contra ele a sede da cobiça.
Sobre a escorregada fala Jeremias: “Nossos pés escorregaram no caminho rumo às
nossas praças” (Lm 4,18). Praça vem da palavra grega platós, que significa
largura. Nossos pés – ditos aqui em latim “vestigia”, porque por meio deles se
investiga, isto é, descobre-se o percurso de quem passou – estão indicando as
obras em base às quais alguém é reconhecido.
Na imensidão suja do prazer
mundano escorregam as obras dos pecadores, porque caem de pecado em pecado e
por fim se arruinam no inferno. Diz o salmo: “Seus caminhos tornem-se escuros e
escorregadios e o anjo do Senhor”, isto é, o anjo mau (ele também é criatura de
Deus!) “os persiga” (34,6) até que os precipite no abismo do inferno. Ao invés,
os passos do justo não vacilam, porque em seu coração está a lei do amor e quem
lhe é fiel “encontrará a felicidade em observá-la”. O amor de Deus infunde a
graça na vida presente e a felicidade da glória na vida futura. A ela nos
conduza Aquele que é bendito nos séculos dos séculos. Amém.
“Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso
Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas em suas necessidades e conservar-se
puros neste mundo” (Tg 1,26). A religião é chamada assim porque por meio dela
nós “ligamos” a nossa alma ao único Deus para render-lhe o culto divino.
Escutem as pessoas religiosas o que é que diz o Senhor no Apocalipse: “Eu não
imporei sobre vocês outros pesos: segurem aqueles que vocês já têm”(2,24), isto
é, o Evangelho! E a verdadeira religião consiste nessas duas coisas: na
misericórdia e na inocência. Com efeito, ordenando visitar os órfãos e as
viúvas, ela sugere tudo o que devemos fazer pelo próximo; e mandando
preservar-nos sem mancha neste mundo, mostra-nos tudo aquilo em que nós devemos
ser castos. Peçamos, portanto, irmãos caríssimos, a nosso Senhor Jesus Cristo
que nos infunda a sua graça com que possamos inclinar-nos e chegar à plenitude
da verdadeira felicidade, rogue por nós junto ao Pai, nos conceda a verdadeira
religião a fim de que possamos alcançar o reino da vida eterna. No-lo conceda
Aquele que é digno de louvor, princípio e fim, admirável e inefável nos séculos
eternos. E toda religião pura e sem mancha diga: Amém, aleluia!
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