ESPÍRITO
DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO
ROTEIRO DE FORMAÇÃO DA OTC DE FARO, PORTUGAL.
1. A Ordem Terceira do Carmo (ou Ordem Carmelita Secular) constitui um
verdadeiro chamamento e uma vocação especial
No
Corpo místico de Cristo, que é a Igreja, um único e mesmo Espírito foi
suscitando, ao longo dos tempos, uma variedade de dons e carismas. S. Paulo, em
1Cor 12, deixou-nos uma página admirável sobre os dons carismáticos
distribuídos pelo Espírito Santo entre os fiéis, que, em comunhão uns com os
outros e em perfeita sintonia com a Hierarquia, formam a Igreja.
A
Igreja participa da história, que percorre no decurso do tempo e no espaço. E
assim como novas situações trazem consigo novas exigências na história da
humanidade, assim também na história da comunidade crente.
A
Igreja, portadora e mensageira da Boa Nova da salvação, não pode prescindir do
Evangelho como luz que informa toda a sua vida. Ora Cristo ressaltou nos
Evangelhos, em diversas ocasiões, a excelência dos conselhos evangélicos de
pobreza, obediência e castidade (cf. ROTC 14)1. A fim de segui-lo de maneira
mais radical, foram surgindo, através dos tempos, pessoas que, fascinadas pelo
Evangelho, se constituíram em grupos, com o ideal de se estimularem no
compromisso de seguir a Cristo mais de perto, adotando o seu estilo de vida por
meio dos votos. A formação de tais grupos — chamados Ordens, Congregações ou
Institutos Religiosos — constitui uma resposta às circunstâncias e exigências
dos tempos. A Igreja não só amparou e discerniu o seu nascimento, como até os
estruturou como formas estáveis de vida.
Tais
Ordens e Congregações são verdadeiras famílias perfeitamente integradas na vida
e na missão da Igreja, exercendo uma atração muito forte sobre a vida e a ação
apostólica dos leigos, a ponto de influir na sua vida, despertando neles o
desejo de se agruparem em volta delas e de se comprometerem a viver de forma
mais radical a vida cristã, informados pela prática dos conselhos evangélicos
nos diversos estados de vida a que pertencem (solteiros, casados, consagrados,
sacerdócio, viúvos, etc.).
Foi
assim que nasceram as Ordens Terceiras Seculares, contando-se, entre elas, a
Ordem Terceira Carmelita. São ao todo dezessete as Ordens Terceiras Seculares.
Embora difiram entre si, pois cada uma procura viver segundo o carisma e
espiritualidade próprios da Ordem ou Congregação a que se filiou, no seu
interior têm muito em comum, pois todas vão buscar ao seu tronco de origem os
meios de graça de que necessitam para seguir os conselhos evangélicos com
segurança e ardor na prática da caridade fraterna, tendo como objetivo chegar
àquela santidade de vida que tanto contribui para a edificação e difusão do
Reino de Deus entre os homens.
Desta
forma, a Ordem Terceira do Carmo constitui, como as outras OT’s:
a)
uma vocação especial e um verdadeiro chamamento à vida cristã;
b)
este chamamento vincula fundamentalmente os membros da OCS através da profissão
dos votos de obediência e de castidade;
c)
pelo vínculo da obediência, o Carmelita Secular submete-se à jurisdição da
Ordem, vivendo a vida cristã num contexto de vida fraterna;
d)
este compromisso através dos votos dá-lhe estímulo e segurança na consecução do
seu ideal de santidade na Igreja segundo o Evangelho.
A
vocação à Ordem Carmelita Secular, embora não exclua ninguém, porque faz parte
do patrimônio comum do Povo de Deus, é um chamamento especial à santidade,
atingindo na realidade apenas alguns leigos, segundo os dons e a generosidade
do seu próprio chamamento. Para eles, a OCS é fonte de energia, pois a simples
pertença à Ordem já os faz participantes dos dons espirituais da mesma, que os
predispõe e encoraja a tomar aquelas decisões firmes, tão necessárias à
consecução da santidade de vida a que são chamados.
A
OCS é, pois, uma verdadeira escola de vida cristã, com estilo de vida e com
métodos próprios que orientam os seus membros na busca de Deus como o único
Absoluto, seu primeiro e único ideal, capaz de orientá-los com segurança em
tudo o que é relativo e secundário, porque não é Deus.
O
Carmelita Secular, repleto do Espírito de Cristo, consegue discernir o
verdadeiro valor das coisas e das pessoas que o rodeiam e abraça os valores do
Reino, segundo a índole do Carmelo, a fim de chegar à união com Deus.
Ao
tornar-se membro da Ordem do Carmo, fica assim muito mais habilitado a
discernir e avaliar o justo valor das coisas temporais, que não são para ele um
fim em si mesmo, mas apenas meios que o ajudam a crescer no amor de Cristo,
unindo-o mais estreitamente a Deus e à Igreja e aos irmãos.
Desta
forma, o Carmelita Secular contrasta com o relativismo e o secularismo
reinantes, que, paradoxalmente, dão um valor quase absoluto ao subjetivo, ao
instantâneo e ao material. A maioria das pessoas vive e age como se Deus não
existisse, numa espécie de ateísmo prático; hoje, a grande responsabilidade do
Carmelita Secular consiste em viver e anunciar que a vocação do homem só se
realiza na perfeita união com Deus e com os irmãos no amor de Cristo.
2. Vinculação dos membros do sodalício à
Ordem do Carmo através dos votos de obediência e de castidade segundo o próprio
estado
O
que vincula o Carmelita Secular à Ordem do Carmo é a profissão no sodalício
(cf. ROTC 12), profissão esta que emite depois de a ela ser admitido após um
tempo de preparação e formação de, pelo menos, um ano (noviciado).
Quando
um candidato ou candidata ingressa no Sodalício é confiado a um formador que o
introduz num cuidadoso processo formativo, onde é informado sobre todas as
riquezas e vantagens espirituais de se filiar à Ordem do Carmo: conhecimento da
Ordem, vinculação a ela pelos votos; meios para concretizar na sua vida os
compromissos assumidos em fidelidade aos mesmos; ajuda fraterna; comunhão
eclesial; testemunho do Evangelho; serviço ao homem.
Os
votos de obediência e de castidade segundo o próprio estado que o Carmelita
Secular faz no dia da sua profissão são os elementos mais fortes e eficazes
nesta consagração profunda a Deus, a Quem, pelos mesmos votos, presta um culto
maior, digno do próprio Deus, o seu único Absoluto.
3. Os votos, meios que nos ajudam a não
ter dois senhores, mas um só: Deus
Para
o Carmelita Secular, Deus é o único Senhor, não havendo no seu coração lugar
para dois senhores; todo o espaço é ocupado pelo Absoluto de Deus. Pelos votos,
ele vive a sua vocação cristã como Carmelita Secular, renovando, de forma
esclarecida e consciente, as promessas do Batismo e Confirmação. Compromete-se
assim na prática do amor a Deus e aos irmãos segundo a índole própria do
Carmelo, assumindo livre e responsavelmente o primado do amor de Deus sobre
tudo, de forma que o amor ao próximo e a si mesmo só tem sentido enquanto e na
medida em que o ajuda a intensificar o seu amor e união a Deus, libertando-o de
toda a divisão e ambiguidade.
Pelos
votos de obediência e de castidade, o Carmelita Secular consegue um domínio
sobre todos os impulsos desordenados do pecado, enraizado nele, impulsos que
obstaculizam sempre a fonte de energia que existe dentro de nós, pois dividem e
fragmentam interiormente o coração.
Pelo
voto de obediência o Carmelita Secular despoja-se de si mesmo, reconhecendo
Deus como o único Senhor a Quem deve obedecer. Para ele, a vontade de Deus
prevalece sobre tudo, sabendo quando ela se manifesta, reconhecendo a sua
soberania e aceitando-a livremente. Vontade de Deus que encontra nos
Evangelhos, na Regra e nos Superiores do sodalício!
Pelo
voto de castidade, o Carmelita Secular subjuga e domina os impulsos das suas
paixões e afetividade. Se está casado, vive casto e puro, comportando-se, no
próprio uso dos direitos que lhe são concedidos pelo matrimonio, como pessoa
espiritual, servindo-lhe o sacramento do matrimonio para a santificação própria
e do cônjuge. Se solteiro, comporta-se perante si mesmo e os demais como pessoa
espiritual, casta e pura, tornando-se até mais livre para se dedicar a Deus; e,
se chegar à renúncia total e livre do matrimônio, é porque vislumbrou o valor,
excelência e fecundidade do celibato pelo Reino de Deus.
Com
a prática destes votos, o Carmelita Secular atinge também no seu sentido mais
profundo o conselho evangélico da pobreza, pois não sentirá nenhuma dificuldade
em se despojar dos seus impulsos de ambição e ganância. Satisfeito com aquilo
que tem, é desprendido e está sumamente grato a Deus pelo que dele recebeu,
sabendo que só Deus basta!
Se
isto fizer, o Carmelita Secular não corre o risco de servir a dois senhores,
pois tem um só Amor: Deus, e, em Deus, como consequência lógica e natural, o
amor ao próximo, como dupla vertente de um só e mesmo amor: o de Cristo.
Antes
de concluir, uma explicação sobre a obediência aos superiores da Ordem do
Carmo. Todas as Ordens Seculares estão sujeitas aos Superiores Maiores da Ordem
a que pertencem, sendo este vínculo da obediência imprescindível para que os
sodalícios possam caminhar com fidelidade e segurança.
Na
Ordem do Carmo temos também o nosso Superior Geral com sede em Roma. O Prior
Geral exerce a sua autoridade suprema através dos Provinciais ou Comissários.
Como o Provincial ou o Comissário não podem dar uma assistência espiritual
diuturna aos sodalícios, nomeiam um Delegado para o Laicado Carmelita, a quem
delegam os seus poderes, associando-lhe eventualmente assistentes espirituais
que, em união com o Delegado e o Superior Maior, agem mais de perto junto dos
membros do sodalício (cf. ROTC 53.57). É a este assistente espiritual que
compete mais diretamente a formação e orientação ordinária dos membros do
sodalício, sendo a ele que os carmelitas Seculares devem obedecer com respeito,
humildade, afeto fraterno e simplicidade de coração — numa palavra, com
fraternidade — sabendo que daqui que dependem o crescimento e a vida do
sodalício.
4. Conclusão
Esforcem-se
os Carmelitas Seculares por conhecer bem a nossa Ordem do Carmo. Tenham muito
apreço pelos votos que professam, porque neles está a segurança de uma firme e
estreita vinculação à Ordem. A observância dos votos é o compromisso mais
certo, seguro e sério com os conselhos evangélicos que nos une mais de perto a
Cristo, fonte, modelo e exemplo da união entre Deus — nós — e os Irmãos! É
nesta íntima e plena união que reside a grandeza de nossa vocação especial de
Carmelitas Seculares: ser, a exemplo da Virgem Maria, um só em Cristo Jesus no
Pai por meio do Espírito Santo, segundo o modelo da comunidade primitiva de
Jerusalém, dando testemunho do Senhor, morto e ressuscitado por nós para a
salvação do mundo inteiro, como instrumentos de reconciliação, com o mesmo zelo
e ardor do profeta Elias, vivendo a nossa dimensão profética e contemplativa em
comunhão fraterna ao serviço do povo de Deus, cooperando na edificação da
Igreja e na instauração do Reino de Deus entre os homens, informando todas as
realidades seculares onde se inserem com a luz do Evangelho.
1 No
NT aparecem os três conselhos evangélicos fundamentais: obediência (de Cristo:
Lc 2,49-52; Jo 4,34; 5,30; Mt 26,42; Fil 2, 1-15; Heb 10,7-10; do cristão: Mt
12,20; 6,38; Rm 15,14; 2 Cor 8,5; Ef 6,7); pobreza (Mt 19,21; Lc 14,26-33; 2
Cor 6,10; At 2,42-45; 4,32-37; Fil 4,12); e castidade (consagrada: Mt 19,12; Lc
18,29; 20,35-36; segundo o próprio estado: Mt 5,27-30; Rm 6,19-23; 1 Ts 4,2-8;
ambas: 1 Cor 7,1-20). Os três conselhos são uma defesa contra a tríplice
concupiscência do homem, deixada pelo pecado (1 Jo 2,16; cf. Lc 4,1-13; Col
3,5; Tt 3,3; Tg 1,15-16). O Catecismo da Igreja Católica (CIC) explica no n.
1973 o porquê desta designação: «Além dos preceitos, a Nova Lei comporta também
os conselhos evangélicos. A distinção tradicional entre os mandamentos de Deus
e os conselhos evangélicos estabelece-se em relação à caridade, que é a
perfeição da vida cristã. Os preceitos destinam-se a afastar tudo o que é
incompatível com a caridade; os conselhos têm como meta afastar o que, mesmo
sem lhe ser contrário, pode constituir um obstáculo para o desenvolvimento da
caridade». E continua no n. 1974: «Os conselhos evangélicos manifestam a
plenitude viva da caridade que jamais se julga satisfeita por não poder dar
mais. Atestam o seu dinamismo e solicitam a nossa prontidão espiritual. A
perfeição da Nova Lei consiste essencialmente nos preceitos do amor a Deus e ao
próximo. Os conselhos indicam caminhos mais diretos, meios mais fáceis e devem
ser praticados conforme a vocação de cada um». Cf. ainda a LG 43: «Os conselhos
evangélicos de castidade consagrada a Deus, de pobreza e de obediência, visto
que fundados sobre a palavra e o exemplo de Cristo e recomendados pelos
Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores da Igreja, são um dom divino, que
a mesma Igreja recebeu do seu Senhor e com a Sua graça sempre conserva. A
autoridade da Igreja, sob a direção do Espírito Santo, cuidou de regular a sua
prática e também de constituir, à base deles, formas estáveis de vida. E assim
sucedeu que, como em árvore plantada por Deus e maravilhosa e variamente
ramificada no campo do Senhor, surgiram diversas formas de vida, quer solitária
quer comum, e várias famílias religiosas, que vêm aumentar as riquezas
espirituais, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o
Corpo de Cristo. Com efeito, essas famílias dão aos seus membros os auxílios
duma estabilidade mais firme no modo de vida, duma doutrina segura em ordem a
alcançar a perfeição, duma comunhão fraterna na milícia de Cristo, duma
liberdade robustecida pela obediência, para assim poderem cumprir com segurança
e guardar fielmente a profissão religiosa e avançar jubilosos no caminho da
caridade».
Leia, abaixo a lectio divina do Sábado da II Semana do Tempo Comum.
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