Queridos irmãos
terceiros carmelitas.
Para muitos
teólogos e santos, este é o mais belo comentário do Mistério da Encarnação do
Senhor.
Nestes dias santos do
Natal, vamos meditar sobre tão grande dom de Deus com a leitura deste poema de
São João da Cruz.
Sobre o Evangelho
“In Principio Erat Verbum”
Dos "Romances
Trinitários e Cristológicos"
do Santo Padre João
da Cruz,
compostos no
Advento de 1577, no cárcere de Toledo.
ROMANCE 1º
No
princípio morava
O
Verbo, e em Deus vivia,
Nele
sua felicidade
Infinita
possuía.
O
mesmo Verbo Deus era,
E
o princípio se dizia.
Ele
morava no princípio,
E
princípio não havia.
Ele
era o mesmo princípio;
Por
isso dele carecia.
O
Verbo se chama Filho,
Pois
do princípio nascia.
Ele
sempre o concebeu,
E
sempre o conceberia
Dá-lhe
sempre sua substância
E
sempre a conservaria.
E
assim, a glória do Filho
É
a que no Pai havia;
E
toda a glória do Pai
No
seu filho a possuía.
Como
amado no amante
Um
no outro residia,
E
esse amor que os une,
No
mesmo coincidia
Com
o de um e com o de outro
Em
igualdade e valia
Três
pessoas e um amado
Entre
todos três havia;
E
um amor em todas elas
E
um só amante as fazia,
E
o amante é o amado
Em
que cada qual vivia;
Que
o ser que os três possuem,
Cada
qual o possuía,
E
cada qual deles ama
À
que este ser recebia.
Este
ser é cada uma,
E
este só as unia,
Porque
o mesmo amor três têm,
E
sua essência se dizia:
Que
o amor quanto mais uno,
Tanto
mais amor fazia.
ROMANCE 2º
E
naquele amor imenso
Que
de ambos procedia,
Palavras
de grande gozo
O
Pai do Filho dizia,
De
tão profundo deleite,
Que
ninguém as entendia;
Somente
o Filho as gozava,
Pois
a ele pertencia.
Mas
naquilo que se entende,
Desta
maneira dizia:
-
Nada me contenta, Filho,
Fora
da tua companhia.
E
se algo me contenta
Em
ti mesmo o quereria.
O
que a ti mais se parece,
A
mim mais satisfazia;
E
o que em nada te assemelha,
Em
mim nada encontraria.
Só
de ti eu me agradei,
Ó
vida da minha vida!
És
a luz da minha luz!
És
minha sabedoria;
Figura
da minha substância,
Em
quem bem me comprazia.
Ao
que a ti te amar, meu Filho,
A
mim mesmo me daria,
E
o amor que eu em ti tenho,
Nele
mesmo eu o poria,
Por
razão de o ter amado
Aquele
a quem tanto queria.
ROMANCE 3º
Uma
esposa que te ame,
Meu
Filho, dar-te queria,
Que
por teu valor mereça
Estar
em nossa companhia,
E
comer pão numa mesa
Do
mesmo que eu comia,
Para
que conheça os bens
Que
em tal Filho eu possuía.
E
se congrace comigo
Por
tua graça e louçania
-
Muito te agradeço, Pai,
-
O Filho lhe respondia –
À
esposa que me deres,
Minha
claridade eu daria,
Para
que por ela veja
Quanto
meu Pai valia,
E
como o ser que possuo
Do
seu ser o recebia.
A
encostarei ao meu braço,
E
em teu amor se abrasaria,
E
com eterno deleite
Tua
bondade exaltaria.
ROMANCE 4º
-Faça-se,
pois – disse o Pai –
Que
o teu amor o merecia.
E
neste dito que disse,
O
mundo criado havia;
Um
palácio para a esposa,
Feito
em gran sabedoria;
O
qual em dois aposentos,
Alto
e baixo dividia.
O
baixo que diferenças
Infinitas
possuía;
Mas
o alto requintava
De
admirável pedraria,
Para
que conheça a esposa
O
Esposo que possuía.
No
mais alto colocava
A
angélica hierarquia;
Mas
a natureza humana
No
inferior a poria,
Por
ser sua compleição
Algo
de menor valia.
E
embora o ser e os lugares
Desta
sorte os repartia;
Eram
todos um só corpo
Da
esposa que dizia,
Que
o amor dum mesmo Esposo
Uma
esposa os fazia,
Os
de cima possuíam
O
Esposo na alegria,
Os
de baixo em esperança
Da
fé que lhes infundia,
Dizendo-lhes
que a seu tempo
Ele
os engrandeceria,
E
que aquela sua baixeza
Ele
lha levantaria,
De
maneira que ninguém
Jamais
a insultaria;
Porque
em tudo semelhante
Ele
a eles se faria
E
viria ter com eles,
E
com eles moraria;
E
que Deus seria homem,
E
que o homem Deus seria,
E
trataria com eles,
Comeria
e beberia;
E
para sempre com eles
O
mesmo se ficaria
Até
que se consumasse
Este
tempo que corria,
E
que juntos se gozassem
Em
eterna melodia;
Porque
ele era a cabeça
Da
esposa que possuía,
À
qual todos os membros
Dos
justos ajuntaria,
Porque
são corpo da esposa,
A
quem ele tomaria
Em
seus braços ternamente,
E
ali seu amor lhe daria;
E
que assim juntos num só
Ao
Pai a levaria,
Donde
do mesmo deleite
Que
Deus goza, gozaria;
Que,
como o Pai e o Filho,
E
o que deles procedia
Como
um vive no outro,
Assim
a esposa seria,
Que
dentro de Deus, absorta,
Vida
de Deus viveria.
ROMANCE 5º
Com
esta bendita esperança
Que
de cima lhes viria,
O
peso dos seus trabalhos
Mais
leve se lhes fazia;
Mas
a prolongada espera
E
o desejo que crescia
De
gozar-se com o Esposo
De
contínuo os afligia.
Por
isso com orações,
Com
suspiros e agonia,
Com
lágrimas e com gemidos
Lhe
rogavam noite e dia
Que
já se determinasse
A
fazer-lhes companhia.
Uns
diziam: Oh! Se fosse
No
meu tempo essa alegria!
Outros:
Acaba, Senhor,
Ao
que hás de enviar, envia;
Outros:
Oh! Se já rompesses
Esses
céus, eu já veria
Com
meus olhos que descesses,
E
meu pranto cessaria!
Rogai,
ó nuvens do alto,
Porque
a terra to pedia,
E
abra-se já a terra
Que
espinhos nos produzia,
E
produza aquela flor
Com
que ele floresceria.
Outros
diziam: Oh! Ditoso
Quem
em tal tempo vivia,
Que
mereça ver a Deus
Com
os olhos que possuía,
Tratá-lo
com suas mãos,
Estar
em sua companhia,
E
desfrutar os mistérios
Que
ele então ordenaria!
ROMANCE 6º
Em
estes e outros rogos
Muito
tempo passaria;
Porém
nos últimos anos
O
fervor muito crescia,
Quando
o velho Simeão
Em
desejos se acendia,
Rogando
a Deus que quisesse
Deixá-lo
ver esse dia.
E
assim o Espírito Santo
Ao
bom velho respondia
Dando-lhe
sua palavra
De
que a morte não veria
Até
que chegasse a vida
Que
do alto desceria,
E
que ele em suas mãos
Ao
mesmo Deus tomaria,
E
o teria nos seus braços
E
consigo o abraçaria.
ROMANCE 7º
Já
que o tempo era chegado
Em
que fazer-se devia
O
resgate da esposa
Que
em duro jugo servia,
Debaixo
daquela lei
Que
Moisés dado lhe havia,
O
Pai com amor terno
Desta
maneira dizia:
-
Já vês, Filho, que tua esposa
À
tua imagem feito havia,
E
no que a ti parece
Contigo
coincidia;
Mas
é diferente na carne,
Que
em teu simples ser não havia.
Pois
nos amores perfeitos
Esta
lei se requeria,
Que
se torne semelhante
O
amante a quem queria,
Porque
a maior semelhança
Mais
deleite caberia;
O
qual, por certo, em tua esposa
Grandemente
cresceria
Se
te visse semelhante
Na
carne que possuía.
-
Minha vontade é a tua
-
O Filho lhe respondia –
E
a glória que eu tenho
É
tua vontade ser a minha;
E
a mim me agrada, Pai,
O
que tua Alteza dizia,
Porque
por esta maneira
Tua
bondade se veria;
Ver-se-á
teu gran poder;
Justiça
e sabedoria;
Irei
a dizê-lo ao mundo
E
notícia lhe daria
De
tua beleza e doçura,
De
tua soberania.
Irei
buscar minha esposa
E
sobre mim tomaria
Suas
fadigas e dores
Em
que tanto padecia;
E
para que tenha vida,
Eu
por ela morreria,
E
tirando-a das profundas,
A
ti a devolveria.
ROMANCE 8º
Então
chamou-se um arcanjo
Que
S. Gabriel se dizia,
Enviou-o
a uma donzela
Que
se chamava Maria,
De
cujo consentimento
O
mistério dependia;
Na
qual a santa Trindade
De
carne ao Verbo vestia;
E
embora dos três a obra
Somente
num se fazia;
Ficou
o Verbo encarnado
Nas
entranhas de Maria.
E
o que então só tinha Pai,
Já
Mãe também teria,
Embora
não como outra
Que
de varão concebia,
Porque
das entranhas dela
Sua
carne recebia;
Pelo
qual Filho de Deus
E
do Homem se dizia.
ROMANCE 9º
Quando
foi chegado o tempo
Em
que de nascer havia,
Assim
como o desposado,
Do
seu tálamo saía
Abraçado
à sua esposa,
Que
em seus braços a trazia;
Ao
qual a bendita Mãe
Em
um presépio poria
Entre
pobres animais
Que
então por ali havia.
Os
homens davam cantares,
Os
anjos a melodia,
Festejando
o desposório
Que
entre aqueles dois havia.
Deus,
porém, no presépio
Ali
chorava e gemia;
Eram
jóias que a esposa
Ao
desposório trazia;
E
a Mãe se assombrava
Da
troca que ali se via:
O
pranto do homem em Deus,
E
no homem a alegria;
Coisas
que num e no outro
Tão
diferente ser era.
Finis
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