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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

PREPARANDO O NATAL COM JOÃO BATISTA E MARIA,
MODELOS DE QUEM ESPERA O SENHOR QUE VEM
Joaquim Manuel Garrido Mendes, scj

          Em si, a palavra “advento” significa “vinda”. Para os cristãos, esta “vinda” refere-se à chegada d’Aquele que lhes traz a salvação, a libertação, a esperança: Jesus Cristo, o Deus que veio ao nosso encontro com uma proposta de vida plena e eterna.
          No entanto, a palavra “advento” começou a designar, no contexto litúrgico, um tempo de preparação, durante o qual os crentes são convidados a preparar o seu coração para acolher o Senhor que vem.
          Mas o Senhor não veio já? Não celebramos neste Natal os dois mil e onze anos do seu nascimento? Por que, então, preparar-nos como se ele estivesse para nascer outra vez, no presépio de Belém?
          Na realidade, o Senhor veio, vem e virá sempre ao nosso encontro. Mas a sua “vinda” só se tornará efetiva e só terá um real impacto no mundo e na vida dos homens, se O soubermos acolher.
          Não chega que Ele tenha nascido em Belém, há cerca de dois mil anos; é preciso que Ele continue a nascer, a encontrar todos os dias lugar no nosso coração, a ser acolhido e a ter impacto na nossa vida.
          O “advento” é precisamente o tempo em que somos convidados a equacionar esta realidade, a preparar o nosso coração e a nossa vida para reconhecer e acolher o Senhor que vem.
          Que significa, exatamente, prepararmo-nos para acolher o Senhor que vem? Significa “convertermo-nos”. Falar em “conversão” não significa fazer a lista dos nossos pecados e escolher uma ou outra coisa que vamos evitar fazer, a partir de agora; mas significa uma transformação profunda da nossa vida, dos nossos valores, das nossas prioridades, de forma a que Deus ocupe, na nossa existência, o lugar que merece.
          Só eliminando esses pequenos interesses egoístas que ocupam, tantas vezes, o centro da nossa existência, só saindo desse comodismo que nos aliena, só mudando os nossos esquemas de vida centrados em nós próprios, só percebendo o que é que é secundário e o que é importante, teremos espaço e disponibilidade para acolher a proposta renovadora, libertadora e salvadora que Deus nos faz, continuamente, em Jesus.
          Para nos ajudar nesta caminhada de conversão e de preparação para acolher o Senhor, a liturgia deste tempo de “advento” propõe-nos duas figuras bíblicas: João Batista e Maria de Nazaré.
          São, possivelmente, as figuras que mais se distinguem (além de Jesus) no chamado “Evangelho da Infância”. Quer uma, quer outra, aparecem em contextos de preparação para a “vinda” de Jesus.
          João Batista é o profeta que prega no deserto, que acorda os corações dos homens para o acolhimento do Senhor e que convida os homens à conversão.
          Maria de Nazaré é a mulher do “sim” a Deus, cuja disponibilidade tornou possível a encarnação de Jesus; e é a mulher do “sim” aos irmãos, que é capaz de se deixar desafiar pelo Senhor e partir ao encontro das necessidades, das angústias, dos sofrimentos dos outros e dar a mão a quem necessita.
          São figuras – cada uma a seu modo – interpelativas, que nos desafiam a estar atentos ao Senhor que vem e que nos fazem pensar no modo como O devemos acolher.

Ó Jesus, que viveis em Maria,
vinde viver em vossos servos,
no espírito de vossa santidade;
na plenitude de vossa força,
na perfeição de vossos caminhos,
na verdade de vossas virtudes,
na comunhão de vossos mistérios,
dominai sobre todo o poder inimigo,
em vosso Espírito e para a glória do Pai.
Amém.

1º DOMINGO DO ADVENTO:

JOÃO, O PROFETA

          João Batista é uma autêntica figura profética, que DEUS ESCOLHEU, que DEUS CHAMOU e que DEUS ENVIOU aos homens com uma missão. Essa missão passa, concretamente, pelo anúncio da vinda iminente do Messias e por preparar os homens para esse acontecimento fundamental.
          A vocação profética dirá, apenas, respeito a alguns iluminados? Ou será algo que Deus quererá de todos os homens e mulheres?
          Pelo fato de sermos cristãos – seguidores de Cristo – fomos escolhidos por Deus para ser “profetas” (isto é, “chamados” por Deus e enviados a apresentar ao mundo as propostas de Deus). No dia do nosso batismo, fomos ungidos com o óleo do “crisma”, que nos constituiu “profetas” à imagem de Jesus…
          A vocação profética é, portanto, algo que faz parte da nossa vida e que não pode ser eliminado do “disco rígido” do nosso compromisso cristão.
          Não vale a pena estar com meias palavras: quem se recusa a ser profeta, está a recusar ser um “sinal” vivo de Deus, uma testemunha de Jesus e dos seus valores; e está fora da dinâmica do “Reino”.
          Para um cristão, a questão não pode ser: apetece-me ou não, tenho ou não disponibilidade, tenho ou não jeito para ser profeta? Esse problema de base já foi resolvido no dia do nosso Batismo...
          A questão que podemos pôr (e que talvez devamos pôr) é antes esta: como é que eu posso viver, com fidelidade, a minha vocação profética?
          É aqui que a figura profética de João – o profeta que veio preparar a vinda do Senhor – nos pode ajudar.

A NOSSA LIGAÇÃO A DEUS

          Em primeiro lugar, interpela-nos a ligação “umbilical” de João a Deus, desde o primeiro instante da sua existência.
          João era um “homem de Deus”, de COMUNHÃO COM DEUS, que viveu uma vida de INTIMIDADE COM DEUS, que foi descobrindo e confirmando, dia a dia, num DIÁLOGO ÍNTIMO, que Deus o chamava e que tinha uma proposta de missão para ele.
          De entre as pretensões da modernidade, está a de fazer aparecer o homem plena e totalmente livre; e, para os homens dos nossos dias, falar de um homem livre é falar de um homem que se basta a si próprio, que não depende de Deus e que não precisa de Deus. O homem do século XXI não é o homem que perde tempo a negar a existência de Deus; mas é o homem que não precisa de Deus para nada e vive preocupado com outras coisas mais importantes e decisivas.
          O que acontece, então? Acontece que o homem não encontra ninguém a quem confiar a sua fragilidade e em quem confiar; fica, cada dia, mais só e perdido, sem referências, sem segurança, sem “salvação”. Em lugar de ser livre, o homem torna-se escravo, coloca a sua segurança e a sua esperança em certos valores e propostas que substituem Deus, mas com muita desvantagem.
          Em João, encontramos o testemunho de um homem que está consagrado a Deus desde o primeiro instante da sua existência, que vive em contínuo diálogo com Deus, que vive apenas para Deus e que oferece a Deus cada pedaço da sua existência. Ele não tem medo de perder a liberdade, ou de viver uma vida sem sentido: Deus está presente na sua vida desde o primeiro instante; e ele sabe que só de mãos dadas com Deus, a sua vida fará pleno sentido.
          É esta centralidade que Deus assume na vida de João que nos interpela e questiona.
          Correspondermos à nossa missão profética significa, em primeiro lugar, colocarmos Deus no centro da nossa vida. Deus não é um concorrente, que nos mantém prisioneiros; mas é a nossa esperança e a nossa segurança, aquele que dá sentido à nossa existência.
          O profeta João desafia-nos a ter consciência de que foi Deus quem nos chamou à existência, nos elegeu, nos consagrou para o seu serviço e nos confiou uma missão no mundo; desafia-nos a ver Deus como a origem e o centro da nossa vocação e da nossa missão; desafia-nos a fazer de Deus a nossa prioridade fundamental.
          Isso significa mantermos, em todos os instantes, uma comunhão muito estreita e muito íntima com Deus, desenvolvida num diálogo muito próximo com Deus.
          É impensável, para um “profeta”, viver à margem de Deus, ou manter uma vida de alheamento em relação a Deus. O profeta tem de ser alguém que reza, que escuta e reflete a Palavra de Deus, que está atento a Deus e aos seus “sinais”, que procura discernir as propostas de Deus e concretizá-las na vida. E tem de ser também alguém com o coração disponível para aceitar os desafios de Deus e para ser porta-voz desses desafios no meio dos homens.

O NOSSO COMPROMISSO COM A MISSÃO

          Em segundo lugar, questiona-nos a forma como João assume a sua missão de testemunha e se dirige aos homens… Sobretudo, questiona-nos a sua coragem, o seu empenho, a sua coerência – que vai até ao dom da vida para defender a verdade e a justiça.
          O profeta não é um homem acomodado, que se enterra no seu cômodo sofá com o copo de whisky numa mão e o jornal na outra, a assistir comodamente às misérias do mundo pela televisão; mas o profeta é o porta-voz de um Deus que quer um mundo melhor e luta ativamente por ele.
          Ser profeta significa testemunhar, com desassombro e sem medo, a verdade, mesmo quando ela incomoda os poderosos e os donos do mundo. É o que faz João ao dizer a Herodes Antipas que ele não tem o direito de roubar a mulher do seu irmão…
          O profeta não pode calar-se diante dos poderosos, que fazem as suas próprias leis e zombam dos direitos e da dignidade dos outros.
          O profeta não pode pactuar com as arbitrariedades, nem encolher com indiferença os ombros diante das violações dos direitos humanos.
          O profeta não pode virar a cara para outro lado a fingir que não vê quando algum irmão é maltratado e privado dos seus direitos.
          O profeta não pode fingir que tudo está bem quando, em nome de princípios políticos ou interesses econômicos, as crianças são exploradas, obrigadas a deixar a escola para trabalhar, espoliadas do seu direito à segurança, ao pão, à instrução, ao futuro.
          O profeta não pode calar-se quando os idosos são obrigados a viver com pensões de miséria, que mal dão para pagar os medicamentos, enquanto que a classe dirigente borboleteia de festa em festa, à custa dos pobres.
          O profeta não pode fingir que está de acordo com aqueles que, em nome de Deus, alimentam a espiral de violência e despejam toneladas de bombas sobre populações inocentes.
          O profeta não pode pactuar com aqueles que alimentam o racismo, a intolerância, a xenofobia, a divisão, o ódio.
          O profeta não pode ignorar quando os esquemas de concorrência e o bem-estar da economia atiram com milhares de famílias para o desemprego e para a miséria.
          O profeta não pode concordar com aqueles que fingem defender os direitos do homem, a sua liberdade e a sua dignidade, mas potenciam estruturas que geram morte, miséria, sofrimento, escravidão – seja na sociedade, seja na Igreja, seja na empresa, seja no próprio contexto da família.

PARA UM QUESTIONAMENTO PESSOAL OU EM GRUPO:
          • Já descobri que Deus me chama e me destina a missão de anunciar e proclamar um mundo novo, com palavras, com comportamentos, com atitudes?
          • Como é que me situo face a essa exigência, que resulta da minha adesão a Cristo?
          • Já encontrei a sua interpelação nesses fatos banais da vida, nesses “sinais” que, de forma mais ou menos discreta, Deus coloca na minha vida para me mostrar o que quer de mim?
          • Tenho tempo para Deus, de forma a viver em comunhão com Ele e a aperceber-me das suas propostas e dos seus planos para mim e para o mundo?
          • Ele é ou não uma prioridade na minha vida?
          • O que conta mais: Deus ou certos “bens” que, na minha vida, ocupam o lugar de Deus?
          • Tenho conseguido “desinstalar-me”, sair do meu cantinho, para levar a cabo a missão que Deus me confia?
          • Sou capaz de me esquecer de mim, dos meus interesses, das minhas prioridades, para enfrentar o desafio de construir um mundo melhor?
          • Quem manda: o meu comodismo, o meu egoísmo, a minha ambição, os meus medos, ou as propostas de Deus?
          • Tenho procurado estar atento àquilo que me rodeia e ser uma voz crítica, questionante, preocupada em construir um mundo mais justo e mais fraterno?
          • Tenho sido um “profeta” que não pactua com a opressão, com a injustiça, com a exploração, quer a que reside no meu coração, quer a que reside no mundo que me rodeia?

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