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segunda-feira, 31 de julho de 2023

Quarta-feira da 17ª semana do Tempo Comum

Santa Maria, Rainha dos Anjos
Santo Eusébio, bispo
São Pedro Julião Eymard, presbítero

1ª Leitura (Ex 34,29-35):
Quando Moisés descia do monte Sinai, trazendo nas mãos as duas tábuas da Lei, não sabia que o seu rosto irradiava luz, depois de se encontrar com o Senhor. Aarão e todos os filhos de Israel, ao olharem para Moisés, viram que o seu rosto irradiava luz e temeram aproximar-se dele. Então Moisés chamou-os. Aarão e todos os chefes da comunidade aproximaram-se e Moisés falou com eles. Depois todos os filhos de Israel se aproximaram e ele transmitiu-lhes todas as ordens que tinha recebido do Senhor no monte Sinai. Quando Moisés acabou de lhes falar, cobriu o rosto com um véu. Sempre que Moisés comparecia na presença do Senhor para falar com Ele, tirava o véu até sair de lá. Então comunicava aos filhos de Israel as ordens que recebera. Mas como os filhos de Israel viam que o rosto de Moisés irradiava luz, ele voltava a cobrir o rosto com o véu, até voltar a entrar de novo na Tenda para falar com o Senhor.
 
Salmo Responsorial: 98
R. Vós sois santo, Senhor, nosso Deus.
 
Aclamai o Senhor, nosso Deus, prostrai-vos a seus pés: Ele é santo.
 
Moisés e Aarão estão entre os seus sacerdotes e Samuel entre os que invocam o seu nome; invocavam o Senhor e Ele os atendia.
 
Falava-lhes da coluna de nuvem; eles observavam os seus mandamentos e os preceitos que lhes dera.
 
Aclamai o Senhor, nosso Deus e prostrai-vos diante da sua montanha santa: é santo o Senhor, nosso Deus.
 
Aleluia. Eu chamo-vos amigos, diz o Senhor, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 13,44-46): Naquele tempo, Jesus disse às pessoas: «O Reino dos Céus é como um tesouro escondido num campo. Alguém o encontra, deixa-o lá bem escondido e, cheio de alegria, vai vender todos os seus bens e compra aquele campo. O Reino dos Céus é também como um negociante que procura pérolas preciosas. Ao encontrar uma de grande valor, ele vai, vende todos os bens e compra aquela pérola».
 
«Vai vender todos os seus bens e compra aquele campo»
 
Rev. D. Enric CASES i Martín (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, Mateus põe à nossa consideração duas parábolas sobre o Reino dos Céus. O anúncio do Reino é essencial na prédica de Jesus e na esperança do povo eleito. Mas é notório que a natureza desse Reino não era entendida pela maioria. Não a entendia o sinédrio que o condenaram à morte, não a entendiam Pilatos, nem Herodes, também não a entenderam de início os próprios discípulos. Só se encontra uma compreensão como a que Jesus pede ao bom ladrão, cravado junto dele na Cruz, quando lhe diz: «Jesus, Lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino» (Lc 23,42). Ambos tinham sido acusados como malfeitores e estavam quase a morrer; mas, por um motivo que desconhecemos, o bom ladrão reconhece Jesus como Rei de um Reino que virá depois daquela terrível morte. Só podia ser um Reino espiritual.
 
Jesus, na sua primeira prédica, fala do Reino como um tesouro escondido cuja descoberta causa alegria e estimula à compra do campo para poder gozar dele para sempre: «cheio de alegria, vai vender todos os seus bens e compra aquele campo» (Mt 13,44). Mas, ao mesmo tempo, alcançar o Reino requer procurá-lo com interesse e esforço, ao ponto de vender tudo o que se possui: «Ao encontrar uma de grande valor, ele vai, vende todos os bens, e compra aquela pérola» (Mt 13,46). «A propósito de que se diz buscai e quem busca. Encontra? Arrisco a ideia de que se trata das pérolas e a pérola, pérola que adquire o que deu tudo e aceitou perder tudo» (Orígenes).
 
O Reino é de paz, amor justiça e liberdade. Alcançá-lo é, por um lado, dom de Deus e por outro lado, responsabilidade humana. Diante da grandeza do dom divino constatamos a imperfeição e instabilidade dos nossos esforços, que às vezes ficam destruídos pelo pecado, as guerras e a malicia que parecem insuperáveis. Não obstante, devemos ter confiança, pois o que parece impossível para o homem é possível para Deus.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Nesta santa Igreja Católica, instruídos com esclarecidos preceitos e ensinamentos, alcançaremos o reino dos céus e herdaremos a vida eterna, pela qual tudo toleramos, para que possamos obtê-la do Senhor» (São Cirilo de Jerusalém)
 
«Vale a pena deixar tudo por este Reino. É o tesouro enterrado no campo: quem o encontra o enterra novamente e vende tudo o que tem para comprar o campo e assim ficar com o tesouro» (Bento XVI)
 
«(…) Este tesouro [a Boa Nova], recebido dos Apóstolos, foi fielmente guardado pelos seus sucessores. Todos os fiéis de Cristo são chamados a transmiti-lo de geração em geração, anunciando a fé, vivendo-a em partilha fraterna e celebrando-a na liturgia e na oração» (Catecismo da Igreja Católica, nº 3)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* O evangelho de hoje traz mais duas pequenas parábolas do Sermão das Parábolas.
As duas são semelhantes entre si, mas com diferenças significativas para esclarecer melhor determinados aspectos do Mistério do Reino que está sendo revelado através destas parábolas.
 
* Mateus 13,44: A parábola do tesouro escondido no campo. Jesus conta uma história bem simples e bem curta que poderia acontecer na vida de qualquer um de nós. Ele diz: “O Reino do Céu é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra, e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens, e compra esse campo”. Jesus não explica. Ele só diz: O Reino do Céu é como um tesouro escondido no campo”. Assim, ele provoca os ouvintes a partilhar com os outros o que esta história nele suscitou. Partilho alguns pontos que descobri: (1) O tesouro, o Reino, já está no campo, já está na vida. Está escondida. Passamos e pisamos por cima sem nos dar conta. (2) O homem encontrou o tesouro. Foi puro acaso. Ele não esperava encontrá-lo, pois não estava procurando. (3) Ao descobrir que se trata de um tesouro muito importante, o que ele faz? Faz o que todo mundo faria para ter o direito de poder apropriar-se do tesouro. Ele vai, vende tudo que tem e compra o campo. Assim, junto com o campo adquiriu o tesouro, o Reino. A condição é vender tudo! (4) Se o tesouro, o Reino, já estava na vida, então é um aspecto importante da vida que começa a ter um novo valor. (5) Nesta história, o que predomina é a gratuidade. O tesouro é encontrado por acaso, para além das programações nossas. O Reino acontece! E se acontece, você ou eu temos que tirar as consequências e não permitir que este momento de graça passe sem dar fruto.
 
*  Mateus 13,45-46: A parábola do comprador de pedras preciosas.
A segunda parábola é semelhante à primeira, mas tem uma diferença importante. Tente descobri-la. A história é a seguinte: “O Reino do Céu é também como um comprador que procura pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens, e compra essa pérola”.  Partilho alguns pontos que descobri: (1) Trata-se de um comerciante de pérolas. A profissão dele é buscar pérolas. Ele só faz isso na vida: buscar e encontrar pérolas. Buscando, ele encontra uma pérola de grande valor. Aqui a descoberta do Reino não é puro acaso, mas fruto de longa busca. (2) Comerciante de pérola entende do valor das pérolas, pois muitas pessoas querem vender para ele as pérolas que encontraram. Mas o comerciante não se deixar enganar. Ele conhece o valor da sua mercadoria. (3) Quando ele encontra uma pérola de grande valor, ele vai e vende tudo que tem e compra essa pérola. O Reino é o valor maior.
 
* Resumindo o ensinamento das duas parábolas. As duas tem o mesmo objetivo: revelar a presença do Reino, mas cada uma revela uma maneira diferente de o Reino mostrar a sua presença: através de descoberta da gratuidade da ação de Deus em nós, e através do esforço e da busca que todo ser humano faz para ir descobrindo cada vez melhor o sentido da sua vida.
 
Para um confronto pessoal
1) Tesouro escondido: já encontrou alguma vez? Já vendeu tudo para poder adquiri-la?
2) Buscar pérolas: qual a pérola que você busca e ainda não encontrou?

3 de agosto.

 Beato Pedro de Cesis (ou de Casa)
Bispo e 14º Prior General da nossa Ordem (1330 – 1342)
 

Nasceu em Limoges, França, na nobre família dos Cesis. Antes dos 20 anos tomou o hábito carmelita em Limoges, onde se destacou por ser um noviço fervoroso. Sendo professo, foi o enviado à Universidade de Paris, e ali se doutorou em Teologia. Em 1324 participou no Capítulo Geral de Barcelona, onde foi eleito Provincial de Aquitânia (1324-1330), zelando pela extensão e observância da Ordem. Foi Geral durante 11 anos (1330-1341), nos quais promoveu a disciplina, o culto mariano e a formação reta dos noviços. Foi o Geral sob o qual viveram São Pedro Tomás e Santo André Corsini. Em 1341, apenas deixou o Generalato, o papa Bento XII o nomeou bispo de Vasion. Clemente VI o nomeou Patriarca Latino de Jerusalém, ao mesmo tempo que administrava sua sede de Vasion. Faleceu em 3 de agosto de 1348.
 
Salmodia, Leitura, Responsório breve e preces do dia corrente.
 
Oração
Senhor, que destes ao Beato Pedro de Cesis, a graça de imitar fielmente a Cristo pobre e humilde, e o fizestes resplandecer pela sua caridade ardente e pela fé que vence o mundo, concedei, por sua intercessão, que também nós, perseverando na fé e na caridade e vivendo plenamente a nossa vocação, caminhemos para a santidade perfeita, à imagem de Jesus Cristo, vosso Filho, Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

domingo, 30 de julho de 2023

Terça-feira da 17ª semana do Tempo Comum

Santo Afonso Mª de Ligório, bispo e doutor da Igreja
 
1ª Leitura (Ex 33,7-11; 34,5b-9.28):
Naqueles dias, Moisés pegou na tenda e armou-a fora do acampamento, a certa distância. Chamava-lhe a ‘Tenda da Reunião’. Quem desejasse consultar o Senhor devia ir à Tenda da Reunião, que estava fora do acampamento. Sempre que Moisés se dirigia para a Tenda, todo o povo se levantava; cada um ficava à entrada da sua própria tenda e seguia Moisés com o olhar até ele entrar na Tenda da Reunião. Quando Moisés entrava na Tenda, a coluna de nuvem descia e ficava à entrada e o Senhor falava com Moisés. E quando o povo via a coluna de nuvem deter-se à entrada da Tenda, toda a gente se levantava e se prostrava à porta da sua tenda. O Senhor falava com Moisés face a face, como quem fala com um amigo. Por fim, Moisés regressava ao acampamento, mas o seu jovem ajudante, Josué, filho de Nun, não deixava o interior da Tenda. Moisés invocou o nome do Senhor. O Senhor passou diante dele e exclamou: «O Senhor, o Senhor é um Deus clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia e fidelidade. Mantém a sua misericórdia até à milésima geração, perdoa a iniquidade, a transgressão e o pecado, mas não deixa nada impune e castiga a iniquidade dos pais nos filhos e nos netos, até à terceira e quarta geração». Moisés caiu de joelhos e prostrou-se em adoração. Depois disse: «Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos, digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós. É um povo de cerviz dura, mas Vós perdoareis os nossos pecados e iniquidades e fareis de nós a vossa herança». Moisés ficou ali com o Senhor durante quarenta dias e quarenta noites, sem comer nem beber. E escreveu nas tábuas as palavras da aliança: os dez mandamentos.
 
Salmo Responsorial: 102
R. O Senhor é clemente e cheio de compaixão.
 
O Senhor faz justiça e defende o direito de todos os oprimidos. Revelou a Moisés os seus caminhos e aos filhos de Israel os seus prodígios.
 
O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. Não está sempre a repreender, nem guarda ressentimento.
 
Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas. Como a distância da terra ao céu, assim é grande a sua misericórdia para os que O temem.
 
Aleluia. A semente é a palavra de Deus e o semeador é Cristo: quem O encontra permanece para sempre. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 13,36-43): Naquele tempo, Jesus deixou as multidões e foi para casa. Seus discípulos aproximaram-se dele e disseram: «Explica-nos a parábola do joio». Ele respondeu: «Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem. O campo é o mundo. A boa semente são os que pertencem ao Reino. O joio são os que pertencem ao Maligno. O inimigo que semeou o joio é o diabo. A colheita é o fim dos tempos. Os que cortam o trigo são os anjos. Como o joio é retirado e queimado no fogo, assim também acontecerá no fim dos tempos: o Filho do Homem enviará seus anjos e eles retirarão do seu Reino toda causa de pecado e os que praticam o mal; depois, serão jogados na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça».
 
«Explica-nos a parábola do joio»
 
Rev. D. Iñaki BALLBÉ i Turu (Terrassa, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, com a parábola do joio e do trigo, a Igreja nos convida a meditar sobre a convivência do bem e do mal. O bem e o mal dentro do nosso coração; o bem e o mal que vemos em outros, que vemos existir neste mundo.
 
«Explica-nos a parábola» (Mt 13,36), pedem os discípulos a Jesus. E nós, hoje, podemos fazer o propósito de ter mais cuidado com a nossa oração pessoal, com o nosso trato cotidiano com Deus. Senhor, podemos dizer-lhe, explique-me por que não avanço suficientemente em minha vida interior. Explique-me como posso lhe ser mais fiel, como posso buscar-lhe em meu trabalho, ou através dessa circunstância que não entendo, ou não quero. Como posso ser um apóstolo qualificado. A oração é isso, pedir explicações a Deus. Como é minha oração? É sincera? É constante? É confiante?
 
Jesus Cristo nos convida a ter os olhos fixos no céu, nossa morada eterna. Frequentemente, vivemos enlouquecidos pela pressa, e quase nunca nos detemos para pensar que um dia próximo ou não, não o sabemos deveremos prestar contas a Deus de nossa vida, de como temos feito frutificar as qualidades que Ele nos tem dado. E o Senhor nos diz que no fim dos tempos haverá uma triagem. Devemos ganhar o Céu na terra, no dia a dia, sem esperar situações que possivelmente nunca virão. Devemos viver heroicamente o que é ordinário, o que aparentemente não possui nenhuma transcendência. Viver pensando na eternidade e ajudar os outros a pensar nela! paradoxalmente, «esforça-se para não morrer o homem que há de morrer; e não se esforça para não pecar o homem que há de viver eternamente» (São João de Toledo).
 
Colheremos o que houvermos semeado. Devemos lutar para dar 100% hoje. Para que quando Deus nos chame a sua presença Lhe apresentemos as mãos cheias: de atos de fé, de esperança, de amor. Que se concretizam em coisas muito pequenas e em pequenos vencimentos que, vividos diariamente, nos fazem mais cristãos, mais santos, mais humanos.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Esforça-se por não morrer o homem que morrerá; e não se esforça por não pecar, o homem que viverá eternamente» (São Julião de Toledo)
 
«Devemos estar preparados para protegermos a graça recebida no dia do nosso Baptismo, alimentando a fé em Nosso Senhor impedindo assim que o mal lance as suas raízes» (Benedito XVI)
 
«(...) Jesus fala muitas vezes da «gehena» do «fogo que não se apaga» reservada aos que recusam, até ao fim da vida, acreditar e converter-se, e na qual podem perder-se, ao mesmo tempo, a alma e o corpo. Jesus anuncia, em termos muitos severos, que «enviará os seus anjos que tirarão do seu Reino [...] todos os que praticaram a iniquidade, e hão de lançá-los na fornalha ardente» (Mt 13, 41-42), e sobre eles pronunciará a sentença: «afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno» (Mt 25, 41)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1034)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* O evangelho de hoje traz a explicação que Jesus, a pedido dos discípulos, deu da parábola do joio e do trigo.
Alguns estudiosos acham que esta explicação, dada por Jesus aos discípulos, não seja de Jesus, mas sim da comunidade. É possível e provável, pois uma parábola, por sua própria natureza, pede o envolvimento e a participação das pessoas na descoberta do sentido. Assim como a planta já está dentro da sua semente, assim, de certo modo, a explicação da comunidade já está dentro da parábola. É exatamente este o objetivo que Jesus queria e ainda quer alcançar com a parábola. O sentido que nós hoje vamos descobrindo na parábola que Jesus contou dois mil anos atrás já estava implicado na história que Jesus contou, como a flor já está dentro da sua semente.
 
*  Mateus 13,36: O pedido dos discípulos para explicar a parábola do joio e do trigo. Os discípulos, em casa conversam com Jesus e pedem uma explicação da parábola do joio e do trigo (Mt 13,24-30). Várias vezes se informa que Jesus, em casa, continuava o seu ensinamento aos discípulos (Mc 7,17; 9,28.33; 10,10). Naquele tempo não havia televisão e nas longas horas das noites do inverno o povo reunia para conversar e tratar dos assuntos da vida. Jesus fazia o mesmo. Era nestas ocasiões que ele completava o ensinamento e a formação dos discípulos.
 
*  Mateus 13,38-39: O significado de cada um dos elementos da parábola. Jesus responde retomando cada um dos seis elementos da parábola e lhes dá um sentido: o campo é o mundo; a boa semente são os membros do Reino; o joio são os membros do adversário (maligno); o inimigo é o diabo; a colheita é o fim dos tempos; os ceifadores são os anjos. Experimente você agora ler de novo a parábola (Mt 13,24-30) colocando o sentido certo em cada um dos seis elementos: campo, boa semente, joio, inimigo, colheita e ceifadores. Aí, a história toma um sentido totalmente diferente e você alcança o objetivo que Jesus tinha em mente ao contar esta história do joio e do trigo ao povo. Alguns acham que esta parábola que deve ser entendida como uma alegoria e não como uma parábola propriamente dita.
 
*  Mateus 13,40-43: A aplicação da parábola ou da alegoria. Com estas informações dadas por Jesus você entenderá a aplicação que ele dá: Assim como o joio é recolhido e queimado no fogo, o mesmo também acontecerá no fim dos tempos: o Filho do Homem enviará os seus anjos, e eles recolherão todos os que levam os outros a pecar e os que praticam o mal, e depois os lançarão na fornalha de fogo. Aí eles vão chorar e ranger os dentes. Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai”. O destino do joio é a fornalha, o destino do trigo bom é o brilho do sol no Reino do Pai. Por de trás destas duas imagens está a experiência das pessoas. Depois que elas escutaram Jesus e o aceitaram em suas vidas, tudo mudou para elas. O fim chegou. Ou seja, em Jesus chegou aquilo que, no fundo, todos esperavam: a realização das promessas. A vida agora se divide em antes e depois que escutaram e aceitaram Jesus em suas vidas. A nova vida começou como o brilho do sol. Se tivessem continuado a viver como antes, seriam como o joio jogado na fornalha, vida sem sentido e sem serventia para nada.
*  Parábola e Alegoria. Existe a parábola. Existe a alegoria. Existe a mistura das duas que é a forma mais comum. Geralmente tudo é chamado de parábola. No evangelho de hoje temos o exemplo de uma alegoria. Uma alegoria é uma história que a pessoa conta, mas enquanto conta, ela não pensa nos elementos da história, mas sim no assunto que deve ser esclarecido. Ao ler uma alegoria não é necessário olhar primeiro a história como um todo, pois numa alegoria a história não se constrói em torno de um ponto central que depois serve como meio de comparação, mas cada elementos tem a sua função independente a partir do sentido que recebe. Trata-se de descobrir o que cada elemento das duas histórias nos tem a dizer sobre o Reino como fez a explicação que Jesus deu da parábola: campo, boa semente, joio, inimigo, colheita e ceifadores. Geralmente, as parábolas são alegorizantes. Mistura das duas.
 
Para um confronto pessoal
1) No campo existe tudo misturado: joio e trigo. No campo da minha vida, o que prevalece: o joio ou o trigo?
2) Você já tentou conversar com outras pessoas para descobrir o sentido de alguma parábola?

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Segunda-feira da 17ª semana do Tempo Comum

Santo Inácio de Loyola, presbítero
 
1ª Leitura (Ex 32,15-24.30-34):
Naqueles dias, Moisés desceu do monte Sinai, trazendo na mão as duas tábuas da Lei, escritas de ambos os lados, em uma e outra face. As tábuas eram obra de Deus; a escritura era letra de Deus gravada nas tábuas. Josué ouviu a vozearia do povo e disse a Moisés: «Há gritos de guerra no acampamento». Moisés respondeu-lhe: «Não são gritos de vitória, nem lamentos de derrota; o que eu ouço são vozes de gente a cantar». Ao aproximar-se do acampamento, viu o bezerro e as danças. Então Moisés, inflamado em cólera, arremessou as tábuas e fê-las em pedaços no sopé do monte. Pegou no bezerro que eles tinham fabricado, queimou-o e triturou-o até o reduzir a pó; espalhou-o na água e deu-a a beber aos filhos de Israel. Moisés perguntou a Aarão: «Que te fez este povo, para o induzires a pecado tão grave?». Aarão respondeu-lhe: «Não se acenda a cólera do meu senhor. Bem sabes como este povo é inclinado para o mal. Foram eles que me disseram: ‘Faz-nos um deus que vá à nossa frente, porque a esse Moisés, o homem que nos fez sair da terra do Egipto, não sabemos o que lhe aconteceu’. Então eu disse-lhes: ‘Quem tem ouro?’ Eles desfizeram-se do ouro que tinham e deram-me. Depois eu lancei-o ao fogo e saiu este bezerro». No dia seguinte, Moisés disse ao povo: «Vós cometestes um grande pecado. Mas agora vou subir à presença do Senhor, para ver se posso obter o perdão do vosso pecado». Moisés voltou à presença do Senhor e disse-Lhe: «Este povo cometeu um grande pecado, fabricando um deus de ouro. Se quisésseis ainda perdoar-lhe este pecado... Se não, peço que me risqueis do livro que escrevestes». O Senhor respondeu a Moisés: «Riscarei do meu livro aquele que pecou contra Mim. Agora vai e conduz o povo para onde Eu te disse, que o meu Anjo irá à tua frente. Mas no dia em que Eu tiver de intervir, castigarei o seu pecado».
 
Salmo Responsorial: 105
R. Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom.
 
Fizeram um bezerro no Horeb e adoraram um ídolo de metal fundido. Trocaram a sua glória pela figura de um boi que come feno.
 
Esqueceram a Deus que os salvara, que realizara prodígios no Egipto, maravilhas na terra de Cam, feitos gloriosos no Mar Vermelho.
 
E pensava já em exterminá-los, se Moisés, o seu eleito, não intercedesse junto d’Ele e aplacasse a sua ira para os não destruir.
 
Aleluia. Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade, para sermos as primícias das suas criaturas. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 13,31-35): Naquele tempo Jesus apresentou-lhes outra parábola ainda: «O Reino dos Céus é como um grão de mostarda que alguém pegou e semeou no seu campo. Embora seja a menor de todas as sementes, quando cresce, fica maior que as outras hortaliças e torna-se um arbusto, a tal ponto que os pássaros do céu vêm fazer ninhos em seus ramos». E contou-lhes mais uma parábola: «O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pegou e escondeu em três porções de farinha, até que tudo ficasse fermentado». Jesus falava tudo isso em parábolas às multidões. Nada lhes falava sem usar de parábolas, para se cumprir o que foi dito pelo profeta: «Abrirei a boca para falar em parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo».
 
«Nada lhes falava sem usar de parábolas»
 
Rev. D. Josep Mª MANRESA Lamarca (Valldoreix, Barcelona, Espanha)

Hoje, o Evangelho apresenta-nos Jesus predicando aos seus discípulos. E o faz do jeito que nele é habitual, através das parábolas, quer dizer, empregando imagens simples e comuns para explicar os grandes mistérios escondidos do Reino. Assim todo mundo podia entender, desde as pessoas com maior formação até as menos formadas.
 
«O Reino dos Céus é como um grão de mostarda...» (Mt 13,31). Os grãos de mostarda não se veem, são muito pequenos, mas se temos cuidado deles e os regamos... Acabam se tornando em grandes árvores. «O Reino dos Céus é como o fermento que uma mulher pegou e escondeu em três porções de farinha...» (Mt 13,33). O fermento não se vê, mas se não estivesse aí, a massa não subiria. Assim também é a vida cristã, a vida da graça: não se percebe no exterior, não faz barulho, mas... Se você deixa que se introduza no seu coração, a graça divina vai fazendo frutificar a semente e transformando assim às pessoas pecadoras em santas.
 
Esta graça divina dá-se nos pela fé, pela oração, pelos sacramentos, pela caridade. Mas a vida da graça é, sobretudo, um dom que devemos esperar e desejar com humildade. Um dom que sábios e eruditos deste mundo não sabem valorar, mas que Deus Nosso Senhor quer fazer chegar aos humildes e simples.
 
Tomara que quando nos procure, encontre-nos não no grupo dos orgulhosos, mas naquele dos humildes, que se reconhecem fracos e pecadores, mas muito agradecidos e confiando na bondade do Senhor. Assim, o grão de mostarda chegará a ser uma grande árvore; assim o fermento da Palavra de Deus dará em nós frutos de vida eterna. Porque, «quanto mais se abaixa o coração pela humildade, mais se levanta até a perfeição» (São Agostinho).
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* Estamos meditando o Sermão das Parábolas, cujo objetivo é revelar, por meio de comparações, o mistério do Reino de Deus presente na vida do povo.
O evangelho de hoje traz duas pequenas parábolas, da semente de mostarda e do fermento. Nelas Jesus conta duas histórias tiradas da vida de cada dia que vão servir como meio de comparação para ajudar o povo a descobrir o mistério do Reino. Ao meditar estas duas histórias não se deve logo querer descobrir o que cada elemento das histórias nos tem a dizer sobre o Reino. Antes disso, se deve olhar, primeiro, a história em si mesma como um todo e procurar descobrir qual o ponto central em torno do qual a história foi construída, pois é este ponto central que servirá como meio de comparação para revelar o Reino de Deus. Vamos ver qual o ponto central das duas parábolas.
 
* Mateus 13,31-32: A parábola da semente de mostarda. Jesus diz: "O Reino do Céu é como uma semente de mostarda“ e, em seguida, ele conta a história: uma semente bem pequena é lançada no campo; mesmo sendo pequena, ela cresce, fica maior que as outras plantas e chega a atrair os passarinhos para fazer nela seus ninhos. Jesus não explica a história. Aqui vale o que ele disse em outra ocasião: “Quem tem ouvidos para ouvir ouça!” Ou seja: “É isso. Vocês ouviram e agora tratem de entender!” Compete a nós descobrir o que esta história nos revela sobre o Reino de Deus presente em nossas vidas. Assim, por meio desta história da semente de mostarda Jesus provoca nossa fantasia, pois cada um de nós entende algo de semente. Jesus espera que as pessoas, nós todos, comecemos a partilhar o que cada um descobriu. Partilho aqui três pontos que descobri sobre o Reino a partir desta parábola: (1) Jesus diz: "O Reino do Céu é como uma semente de mostarda“. O Reino não é algo abstrato, não é uma ideia. É uma presença no meio de nós (Lc 17,21). Como é esta presença? Ela é como a semente de mostarda: presença bem pequena, humilde, que quase não se vê. Trata-se do próprio Jesus, um pobre camponês carpinteiro, andando pela Galileia, falando do Reino ao povo das aldeias. O Reino de Deus não segue os critérios dos grandes do mundo. Tem outro modo de pensar e de proceder. (2) A parábola evoca uma profecia de Ezequiel, onde se diz que Deus vai pegar um pequeno broto de cedro e plantá-lo nas alturas da montanha de Israel. Este pequeno broto de cedro ”vai soltar ramos e produzir frutos, e se transformará num cedro gigante. Os passarinhos farão nele seus ninhos, e os pássaros se abrigarão à sombra de seus ramos E todas as árvores do campo saberão que sou eu, Javé, que rebaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa, seco a árvore verde e faço brotar a árvore seca. Eu, Javé, falo e faço". (Ez 17,22-23). (3) A semente de mostarda, mesmo sendo pequena, cresce e suscita esperança. Como a semente de mostarda, assim o Reino tem uma força interior e cresce. Cresce como? Cresce através da pregação de Jesus e dos discípulos e discípulas nos povoados da Galileia. Cresce, até hoje, através do testemunho das comunidades e se torna uma boa notícia de Deus que irradia e atrai o povo. A pessoa que chega perto da comunidade, se sente acolhida, em casa, e faz nela seu ninho, a sua morada. No fim, a parábola deixa uma pergunta no ar: quem são os passarinhos? A pergunta vai ter resposta mais adiante no evangelho. O texto sugere que se trata dos pagãos que vão poder entrar no Reino (Mt 15,21-28).
 
* Mateus 13,33: A parábola do fermento. A história da segunda parábola é esta: uma mulher pega um pouco de fermento e o mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado. Novamente, Jesus não explica. Só diz: "O Reino do Céu é como o fermento...”. Como na primeira parábola, fica por nossa conta de descobrir o significado para nós hoje. Partilho alguns pontos que descobri e me fizeram pensar: (1) O que cresce não é o fermento, mas sim a massa. (2) Trata-se de uma coisa bem caseira, do trabalho da mulher em casa. (3) Fermento tem algo de podre que é misturado na massa pura da farinha. (4) O objetivo é fazer levedar a massa toda e não apenas uma parte. (5) Fermento não tem finalidade em si mesma, mas serve apenas para fazer crescer a massa.
 
* Mateus 13,34-35: Porque Jesus fala em parábolas. Aqui, no fim do Sermão das Parábolas, Mateus traz um esclarecimento sobre o motivo que levava Jesus a ensinar o povo em forma de parábolas. Ele diz que era para se cumprir a profecia que dizia: "Abrirei a boca para usar parábolas; vou proclamar coisas escondidas desde a criação do mundo". Na realidade, o texto citado não é de um profeta, mas de um salmo (Sl 78,2). É que para os primeiros cristãos todo o Antigo Testamento era uma grande profecia a anunciar veladamente a vinda do Messias e a realização das promessas de Deus. Em Marcos 4,34-34, o motivo que levava Jesus a ensinar o povo por meio de parábolas era para adaptar a mensagem à capacidade do povo. Por serem exemplos tirados da vida do povo, Jesus ajudava as pessoas a descobrir as coisas de Deus no quotidiano. Tornava a vida transparente. Fazia perceber que o extraordinário de Deus se esconde nas coisas ordinárias e comuns da vida de cada dia. O povo entendia da vida. Nas parábolas recebia a chave para abri-la e encontrar dentro dela os sinais de Deus. No fim do Sermão das Parábolas, em Mateus 13,52, como ainda veremos, vai ser dado outro motivo que levava Jesus a ensinar por meio de parábolas.
 
Para um confronto pessoal
1. Qual o ponto destas duas parábolas de que você mais gostou ou que mais chamou a sua atenção? Por quê?
2. Qual a semente que, sem você se dar conta, cresceu em você e na sua comunidade?

quarta-feira, 26 de julho de 2023

XVII Domingo do Tempo Comum

São Pedro Crisólogo, bispo e doutor da Igreja
 
1ª Leitura (1Re 3,5.7-12):
Naqueles dias, o Senhor apareceu em sonhos a Salomão durante a noite e disse-lhe: «Pede o que quiseres». Salomão respondeu: «Senhor, meu Deus, Vós fizestes reinar o vosso servo em lugar do meu pai David e eu sou muito novo e não sei como proceder. Este vosso servo está no meio do povo escolhido, um povo imenso, inumerável, que não se pode contar nem calcular. Dai, portanto, ao vosso servo um coração inteligente, para governar o vosso povo, para saber distinguir o bem do mal; pois, quem poderia governar este vosso povo tão numeroso?». Agradou ao Senhor esta súplica de Salomão e disse-lhe: «Porque foi este o teu pedido, e já que não pediste longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu desejo. Dou-te um coração sábio e esclarecido, como nunca houve antes de ti nem haverá depois de ti».
 
Salmo Responsorial: 118
R. Quanto amo, Senhor, a vossa lei!
 
Senhor, eu disse: A minha herança é cumprir as vossas palavras. Para mim vale mais a lei da vossa boca do que milhões em ouro e prata.
 
Console-me a vossa bondade, segundo a promessa feita ao vosso servo. Desçam sobre mim as vossas misericórdias e viverei, porque a vossa lei faz as minhas delícias.
 
Por isso, eu amo os vossos mandamentos, mais que o ouro, o ouro mais fino. Por isso, eu sigo todos os vossos preceitos e detesto todo o caminho da mentira.
 
São admiráveis as vossas ordens, por isso, a minha alma as observa. A manifestação das vossas palavras ilumina e dá inteligência aos simples.
 
2ª Leitura (Rom 8,28-30): Irmãos: Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam, dos que são chamados, segundo o seu desígnio. Porque os que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que Ele seja o Primogénito de muitos irmãos. E àqueles que predestinou, também os chamou; àqueles que chamou, também os justificou; e àqueles que justificou, também os glorificou.
 
Aleluia. Bendito sejais, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque revelastes aos pequeninos os mistérios do reino. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 13,44-52): «O Reino dos Céus é como um tesouro escondido num campo. Alguém o encontra, deixa-o lá bem escondido e, cheio de alegria, vai vender todos os seus bens e compra aquele campo». O Reino dos Céus é também como um negociante que procura pérolas preciosas. Ao encontrar uma de grande valor, ele vai, vende todos os bens e compra aquela pérola. O Reino dos Céus é ainda como uma rede lançada ao mar e que pegou peixes de todo tipo. Quando ficou cheia, os pescadores puxaram a rede para a praia, sentaram-se, recolheram os peixes bons em cestos e jogaram fora os que não prestavam. Assim acontecerá no fim do mundo: os anjos virão para separar os maus dos justos, e lançarão os maus na fornalha de fogo. Aí haverá choro e ranger de dentes. Entendestes tudo isso?». —«Sim», responderam eles. Então ele acrescentou: «Assim, pois, todo escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus é como um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas».

«Um tesouro escondido num campo um negociante que procura pérolas preciosas»
 
Rev. D. Enric PRAT i Jordana (Sort, Lleida, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho quer ajudar-nos a olhar para dentro, a encontrar algo escondido: «O Reino dos Céus é como um tesouro escondido num campo» (Mt 13,44). Quando falamos de tesouro referimo-nos a algo de valor excepcional, de apreciação máxima, não a coisas ou situações que, ainda que amadas, não deixam de ser fugazes e bijuteria barata, como as satisfações e prazeres temporais: aquilo com que tanta gente se extenua procurando no exterior, e com o que se desencanta uma vez encontrado e experimentado.
 
O tesouro que Jesus propõe está enterrado no mais profundo da nossa alma, no próprio núcleo da nossa alma. É o Reino de Deus. Consiste em encontrar-nos amorosamente, de maneira misteriosa, com a Fonte da vida, da beleza, da verdade e do bem, e em permanecer unidos à mesma Fonte até que, cumprido o tempo da nossa peregrinação, e livres de toda a bijuteria inútil, o Reino do céu que procuramos no nosso coração e que cultivamos na fé e no amor, se abra como uma flor e apareça o brilho do tesouro escondido.
 
Alguns, como São Paulo ou o próprio bom ladrão, encontraram-se subitamente com o Reino de Deus ou de maneira inesperada, porque os caminhos do senhor são infinitos, mas normalmente, para chegar a descobrir o tesouro, há que procurá-lo intencionalmente: «O Reino dos Céus é também como um negociante que procura pérolas preciosas» (Mt 13,45). Talvez este tesouro só seja encontrado por aqueles que não se dão por satisfeitos facilmente, pelos que não se contentam com pouca coisa, pelos idealistas, pelos aventureiros.
 
Na ordem temporal, dos inquietos e inconformados dizemos que são pessoas ambiciosas, e no mundo do espírito, são os santos. Eles estão dispostos a vender tudo para comprar o campo, como diz São João da Cruz: «Para chegar a possuir tudo, não queiras possuir algo em nada»
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Considerem, meus filhos: o tesouro do homem cristão não está na terra, mas no céu. Portanto, o nosso pensamento deve estar sempre orientado para onde está o nosso tesouro» (São João Mª Vianney)
 
«A pessoa de Jesus é o tesouro escondido, é a pérola de grande valor. Ele é a descoberta fundamental, que pode dar um rumo decisivo à nossa vida, enchendo-a de sentido» (Francisco)
 
«(…) A fé dos fiéis é a fé da Igreja recebida dos Apóstolos, tesouro de vida que se enriquece na medida em que é partilhada» (Catecismo da Igreja Católica, nº 949)
 
O TESOURO
 
Teresa Power
 
*
Hoje, Jesus continua a falar-nos do Reino dos Céus, com imagens belíssimas. Mas será que o Reino dos Céus suscita em nós este entusiasmo ardente, este desejo de deixar tudo para o alcançar?
 
* “O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo.” O Reino dos Céus é, naturalmente, um tesouro. Mas onde está o campo? Porque o tesouro só será nosso se, primeiro, vendermos tudo quanto possuímos para comprar o campo. Reconhecemo-lo? O campo da família, do matrimónio, de cada uma das nossas vocações… Ter-nos-emos dado conta de que comprávamos um campo de valor inestimável, naquele dia sagrado em que prometemos fidelidade até à morte um ao outro, ou em que nos consagrámos inteiros ao Senhor? Seremos capazes de descobrir o tesouro escondido no campo pouco vistoso do nosso cônjuge, daquele filho problemático, da paróquia onde vivemos, do nosso trabalho? Quando o campo do vizinho parece mais bonito que o nosso, a tentação é a de abandonarmos ou deixarmos devassar o único campo que esconde o tesouro que procurávamos: o nosso. Mas tudo o que precisamos é, de mãos calejadas, sem medo ao trabalho, escavar até encontrar… Se já “vendemos tudo”, não voltemos atrás!
 
* No fundo, não há nenhum campo, por mais desprezível que pareça, que não esconda um tesouro, desde que estejamos dispostos a vender tudo por ele. “Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam”, diz S. Paulo. “Em tudo”… Nenhuma circunstância da nossa vida está fora do alcance deste “tudo”, como S. Paulo explicará no próximo domingo: nem a morte, nem a vida, nem o sofrimento, nem a desilusão, nem o fracasso, nem uma vocação falhada, nem sequer o pecado passado, que ainda nos fere, mas que já foi sobejamente perdoado e redimido. Tudo, absolutamente tudo na nossa vida concorre para o nosso bem, se – e este “se” é a resposta livre que nos é pedida – de facto amamos a Deus e estamos dispostos a “comprar” – vendendo tudo – o campo que Ele nos quiser oferecer.
 
* Talvez por isso mesmo, Jesus tenha contado a parábola da pérola. Apenas mais uma comparação? A Palavra de Deus é minuciosa. As pérolas não são um tesouro qualquer: as pérolas formam-se nas ostras que se deixam ferir. Quando um pequeno grão de areia penetra a casca e a fere, a ostra reage produzindo camadas e mais camadas daquilo que virá a ser uma pérola, cicatrizando, assim, a ferida. Seremos capazes de fazer o mesmo? Quando a dor nos atinge, seremos capazes de a envolver em camadas sucessivas de amor, perdão, paciência, misericórdia? Assim fez Jesus na Cruz, e das Suas feridas, jorrou a nossa salvação. Façamo-lo nós também, chamados a ser conformes à imagem de Jesus, como nos diz S. Paulo. E um dia, todas as nossas feridas serão transformadas em pérolas preciosas – “pois àqueles que justificou, também os glorificou”. Nesse dia, teremos encontrado o Reino dos Céus.
 
* Descobrir tesouros nos campos que habitamos, permitir que se formem pérolas a partir de cada uma das nossas feridas, eis a verdadeira sabedoria do coração, que Salomão pediu a Deus como o maior dos dons. Na verdade, de que nos serve a riqueza, a longa vida, o sucesso, a glória, se não tivermos essa inteligência divina – a inteligência dos simples, diz o salmista – que nos habilita a descobrir o Reino, lá onde ele se esconde?
 
* “Entendestes tudo isto?”
Pergunta Jesus aos discípulos. “Entendemos”, respondem. Naquele momento, entenderam com a cabeça. Mais tarde, entenderão com o coração. Por causa do Reino dos Céus, todos eles irão, de facto, vender tudo, escavar a terra do seu campo com as mãos, transformar perseguições, dores e trabalhos em pérolas e, por fim, entregar a própria vida. E como valeu a pena!
 
* “Por isso, todo o escriba instruído sobre o reino dos Céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e coisas velhas”. Todos somos chamados à paternidade ou maternidade, se não biológica, certamente espiritual. Quando, ao fim do dia, reúno a minha família para rezar, lembro-me muitas vezes deste versículo do Evangelho. É preciso que os pais distribuam o tesouro das Escrituras pelos filhos, que não os privem das Palavras Novas e Velhas, do Antigo e do Novo Testamentos. E é preciso que estejam dispostos a vasculhar o tesouro da Tradição da Igreja, construindo a novidade da sua cultura familiar sobre os alicerces antigos: os sacramentos, o Terço, as vidas dos santos… Equipemos os filhos ou os que nos são confiados espiritualmente, para que também eles descubram o verdadeiro Tesouro e rezem, como o salmista: “A minha herança é cumprir as vossas palavras.”
 
* Hora da missa. Poucos sabem, Senhor, que nesta hora nos é dado realmente vislumbrar, tocar, penetrar no Reino dos Céus! Tu, único Tesouro que vale a pena procurar, Tu, única Pérola que vale a pena encontrar, Tu dás-Te todo de graça sobre este altar, e tão poucos capazes de Te receber! Dá-nos, Senhor, um coração verdadeiramente sábio, para que nem nos passe pela cabeça hesitar na hora de deixar tudo e vir aqui. Amém!

29 de julho: SS. Marta, Maria e Lázaro

1ª Leitura (Ex 32,15-24.30-34):
Naqueles dias, Moisés desceu do monte Sinai, trazendo na mão as duas tábuas da Lei, escritas de ambos os lados, em uma e outra face. As tábuas eram obra de Deus; a escritura era letra de Deus gravada nas tábuas. Josué ouviu a vozearia do povo e disse a Moisés: «Há gritos de guerra no acampamento». Moisés respondeu-lhe: «Não são gritos de vitória, nem lamentos de derrota; o que eu ouço são vozes de gente a cantar». Ao aproximar-se do acampamento, viu o bezerro e as danças. Então Moisés, inflamado em cólera, arremessou as tábuas e fê-las em pedaços no sopé do monte. Pegou no bezerro que eles tinham fabricado, queimou-o e triturou-o até o reduzir a pó; espalhou-o na água e deu-a a beber aos filhos de Israel. Moisés perguntou a Aarão: «Que te fez este povo, para o induzires a pecado tão grave?». Aarão respondeu-lhe: «Não se acenda a cólera do meu senhor. Bem sabes como este povo é inclinado para o mal. Foram eles que me disseram: ‘Faz-nos um deus que vá à nossa frente, porque a esse Moisés, o homem que nos fez sair da terra do Egipto, não sabemos o que lhe aconteceu’. Então eu disse-lhes: ‘Quem tem ouro?’ Eles desfizeram-se do ouro que tinham e deram-mo. Depois eu lancei-o ao fogo e saiu este bezerro». No dia seguinte, Moisés disse ao povo: «Vós cometestes um grande pecado. Mas agora vou subir à presença do Senhor, para ver se posso obter o perdão do vosso pecado». Moisés voltou à presença do Senhor e disse-Lhe: «Este povo cometeu um grande pecado, fabricando um deus de ouro. Se quisésseis ainda perdoar-lhe este pecado... Se não, peço que me risqueis do livro que escrevestes». O Senhor respondeu a Moisés: «Riscarei do meu livro aquele que pecou contra Mim. Agora vai e conduz o povo para onde Eu te disse, que o meu Anjo irá à tua frente. Mas no dia em que Eu tiver de intervir, castigarei o seu pecado».
 
Salmo Responsorial: 105
R. Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom.
 
Fizeram um bezerro no Horeb e adoraram um ídolo de metal fundido. Trocaram a sua glória pela figura de um boi que come feno.
 
Esqueceram a Deus que os salvara, que realizara prodígios no Egipto, maravilhas na terra de Cam, feitos gloriosos no Mar Vermelho.
 
E pensava já em exterminá-los, se Moisés, o seu eleito, não intercedesse junto d’Ele e aplacasse a sua ira para os não destruir.
 
Aleluia. Deus Pai nos gerou pela palavra da verdade, para sermos as primícias das suas criaturas. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 10,38-42): Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e uma mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. Ela tinha uma irmã, Maria, a qual se sentou aos pés do Senhor e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com os muitos afazeres da casa. Ela aproximou-se e disse: «Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois, que ela venha me ajudar!». O Senhor, porém, lhe respondeu: «Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada».
 
«Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária»
 
Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, também nós que estamos ocupados com muitas coisas devemos ouvir o que o Senhor nos recorda: «No entanto, uma só é necessária» (Lc 10,42): o amor, a santidade. Este é o objetivo, o horizonte que não podemos perder nunca de vista no meio de nossas ocupações cotidianas.
 
Porque ocupados estaremos sempre se obedecermos à indicação do Criador: «Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a!» (Gn 1,28). A Terra! O mundo: é aqui o nosso lugar de encontro com o Senhor. «Eu não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno» (Jo 17,15). Sim, o mundo é o altar para nós e para nossa entrega a Deus e aos outros.
 
Somos do mundo, mas não podemos ser mundanos. Muito pelo contrário, somos chamados a ser como a bela expressão de João Paulo II sacerdotes da criação, sacerdotes do nosso mundo, de um mundo que amamos apaixonadamente.
 
Eis aqui a questão: o mundo e a santidade, o trabalho diário e a única coisa necessária. Não são duas realidades opostas: temos que procurar a confluência de ambas. E essa confluência se produz em primeiro lugar e sobretudo em nosso coração, que é onde se pode unir o céu e a terra. Porque no coração humano é onde pode nascer o diálogo entre o Criador e a criatura.
 
É necessário, portanto, a oração. «O nosso tempo é um tempo em constante movimento, que frequentemente desemboca no ativismo, com o risco fácil de acabar fazendo por fazer. Temos que resistir a essa tentação, procurando ser antes de fazer. Recordamos a este respeito a reprovação de Jesus a Marta: «Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária (Lc 10,41-42)» (João Paulo II).
 
Não há oposição entre o ser e o fazer, mas sim há uma ordem de prioridade, de precedência: «Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada» (Lc 10,42).
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A vida de Marta, é nosso mundo; a vida de Maria é o mundo que esperamos. Vivamos a de aqui com retitude para obter plenamente a outra» (Santo Agostinho)
 
«A palavra de Cristo é muito clara: não desprecia a vida ativa, e muito menos a generosa hospitalidade; mas lembra o fato de que a única coisa verdadeiramente necessária é outra: escutar a Palavra do Senhor» (Bento XVI)
 
«É tão grande a força e a virtude de Palavra de Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e, para os filhos da Igreja, solidez da fé, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual» (Catecismo da Igreja Católica, n° 131)
 
Maria escolheu a parte boa e esta não lhe será tirada
 
Pe. Francisco Cornélio F. Rodrigues
 
O texto proposto para hoje é exclusivo de Lucas (Lc 10,38-42). Trata-se do relato da visita de Jesus às irmãs Marta e Maria. Embora simples do ponto de vista narrativo, esse texto é altamente rico e revolucionário, no qual diversos paradigmas são quebrados. Como já estamos bastante familiarizados com o contexto do caminho, ao invés de contextualizar o texto, recordaremos inicialmente alguns aspectos relacionados à sua interpretação ao longo da história.
 
Por muito tempo, esse texto foi usado simplesmente para fundamentar a distinção entre duas formas de vida caras ao cristianismo: a vida ativa e a contemplativa, com uma clara superioridade da vida contemplativa, reservada a pessoas criteriosamente escolhidas por Deus para viver separadas do mundo, preservadas em mosteiros e conventos. Nessa linha, a personagem Marta representa a vida ativa, enquanto Maria é o ícone da vida contemplativa. Manter o texto nesta perspectiva é aprisioná-lo e deixar de perceber a sua riqueza ímpar no conjunto da obra de Lucas, o autor do Novo Testamento que mais valoriza a participação das mulheres na vida de Jesus e das comunidades cristãs. Por sinal, uma outra recomendação importante para uma compreensão adequada deste relato é mantê-lo separado da passagem do Evangelho segundo João (cf. Jo 11,1-43) em que Jesus também aparece em relação com as mesmas irmãs Marta e Maria, por ocasião da morte e reanimação de Lázaro, também irmão das duas. Há uma tendência quase automática de relacionar os dois relatos, o que prejudica a compreensão da perspectiva de Lucas que, para evidenciar a importância do encontro de Jesus com as duas mulheres, faz de conta que Lázaro não existe. É nessa linha que devemos fazer a leitura.
 
Olhemos, portanto, atentamente para o texto, para perceber as novidades que Lucas apresenta nele: “Jesus entrou num povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa” (v. 38). Naquele contexto, a mulher não tinha autonomia para receber um homem em casa. Esse era papel do homem. Enquanto o homem dava atenção ao hóspede, as mulheres da casa permaneciam na cozinha, preparando o alimento e não ousavam, sequer, saudar o hóspede. Por isso, trata-se de algo novo. A atitude de Marta foi revolucionária. Ao acolher Jesus, ela rompeu barreiras. Revolucionária também foi a atitude de Jesus: no seu tempo, não era conveniente para um homem aceitar a acolhida de mulheres. Temos logo no primeiro versículo, portanto, uma dupla transgressão: de Marta e de Jesus; ambos fizeram o que era proibido. Com isso, o evangelista ensina que homem e mulher possuem a mesma dignidade e, consequentemente, os mesmos direitos. Por onde Jesus passa, Ele quebra barreiras, rompe condicionamentos e promove libertação.
 
Na sequência, o evangelista introduz mais uma personagem, e com uma atitude ainda mais revolucionária que a de Marta: “Sua irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra” (v. 39). A posição de Maria é muito importante e significativa, pois é a posição do discípulo, de acordo com o método rabínico de ensinamento. O gesto de sentar-se aos pés não quer dizer adoração nem devoção, como muitas interpretações afirmavam. Sentar-se aos pés para escutar quer dizer ser discípulo ou discípula; é aceitar o outro como mestre, como recordou Paulo em relação a Gamaliel, o seu mestre, ao defender-se dos judeus de Jerusalém: “Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade. Fui educado aos pés de Gamaliel” (At 22,3). Portanto, Maria se torna discípula com essa atitude. Assim, também ela rompe muitas barreiras. Esse papel não era permitido às mulheres. Temos aqui, novamente, uma dupla transgressão: a de Maria, que exerce um papel inconcebível para uma mulher da sua época, e a de Jesus que, ao aceitar mulheres no seu discipulado, põe cada vez mais em xeque a sua condição de mestre. Inclusive, na época circulava o seguinte ditado: “é melhor queimar a Torá do que colocá-la nas mãos de uma mulher”. Com isso, Jesus rompe com todos os padrões de mestre da sua época. Rabino algum do seu tempo aceitava mulheres no discipulado.
 
Apesar de ter recebido um homem em casa, atitude revolucionária para uma mulher da sua época, Marta ainda estava condicionada, pelo menos em partes, aos padrões e normas do seu tempo, imaginando que a mulher não poderia fazer outra além dos cuidados do lar: “Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse: ‘Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” (v. 40). Temos aqui a descrição de uma situação normal para uma dona de casa, principalmente tendo que preparar refeição para uma visita importante. É a imagem da dona de casa disciplinada que não perde tempo para manter a casa em ordem e servir da melhor maneira possível aos hóspedes. Por isso, ela pede que Jesus intervenha, pois, fazendo tudo sozinha, talvez, não conseguisse preparar a refeição a tempo. Embora normal para uma dona de casa, o pedido de Marta é absurdo para Jesus: tirar Maria dos seus pés seria fazê-la renunciar à condição de discípula e privá-la de um direito conquistado, um ato de emancipação feminina.
 
Com serenidade, Jesus responde à solicitação de Marta, sem, no entanto, atender ao seu pleito, ou seja, sem tirar Maria dos seus pés: “O Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas” (v. 41). Antes de tudo, é necessário recordar que Jesus não está repreendendo Marta, como tem sido interpretado esse versículo. De fato, ver essa passagem como uma repreensão é um dos maiores equívocos das interpretações tradicionais. É inegável que Jesus vê o ativismo desenfreado, no qual Marta estava envolvida, como um empecilho à escuta da sua Palavra. Diante disso Ele não repreende, mas dá uma oportunidade, faz um convite ao discipulado. Na linguagem bíblica, a dupla invocação de um nome por Deus ou por um mensageiro seu, como aqui – “Marta, Marta!” – é sinal de um chamado vocacional; recordemos alguns casos: “E Deus o chamou do meio da sarça, dizendo: ‘Moisés, Moisés!’ Este respondeu: ‘Eis-me aqui!” (Ex 3,4); “Veio o Senhor e chamou como das outras vezes: ‘Samuel, Samuel!’ e Samuel respondeu: “Fala, pois teu servo te escuta” (1Sm 3,10); “Saulo, Saulo, porque me persegues?” (At 9,4b). Como Maria já tinha abraçado o discipulado, o que foi demonstrado pelo gesto de sentar-se aos seus pés, Jesus chama também Marta a essa condição, ao invés de repreendê-la pelas suas preocupações. Esse chamado pode ser visto também como uma maneira de equilibrar a comunidade, pois já havia duas duplas de irmãos entre os discípulos: Simão e André, João e Tiago (cf. Lc 5,1-11; 6,14); é chegado também o momento de ter uma dupla de irmãs: Marta e Maria.
 
Assim como os discípulos pescadores foram chamados a deixar as redes para segui-lo, Marta é chamada a deixar certas preocupações e, assim como sua irmã, optar pela “parte boa”: “Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (v. 42). Embora a tradução litúrgica use a expressão “a melhor parte”, o correto é “a parte boa” (em grego: τήν άγαθήν μερίδα), pois é a única que realmente importa, e é incomparável. Essa “parte boa” é o Evangelho, o conjunto do ensinamento de Jesus e a sua própria pessoa. É escolhendo a “parte boa” que o ser humano encontra vida em plenitude e, por isso, se torna uma pessoa livre.
 
Ser discípulo ou discípula de Jesus é optar pela liberdade, abrir mão de todas as formas de prisão existentes. Esse chamado é aberto a todos e todas. Foi compreendido por Maria e Jesus o estende também à sua irmã. A própria Marta já tinha dado um grande passo de emancipação ao atrever-se a acolher um homem em sua casa. Faltava mais um, sentar-se aos pés do mestre para ouvi-lo. Fazendo isso, ela estaria escolhendo a “parte boa” e, logo, conquistando a liberdade plena. Esse chamado é dirigido a todas as pessoas, de todos os tempos e lugares. Com isso, Jesus declara que mulher não foi criada simplesmente para os cuidados do lar, mas para ser o que ela quiser ser, e estar onde quiser, inclusive discípula de um nazareno pobre e mal afamado, um mestre ao revés, como era Ele.

Sexta-feira da 16ª semana do Tempo Comum

S. Pedro Poveda Castroverde, presbítero e mártir
 
1ª Leitura (Ex 20,1-17):
Naqueles dias, Deus pronunciou todas estas palavras: «Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, dessa casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de Mim. Não farás para ti qualquer imagem esculpida, nem figura do que existe lá no alto dos céus ou cá embaixo na terra ou nas águas debaixo da terra. Não adorarás outros deuses nem lhes prestarás culto. Eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus cioso: castigo a ofensa dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que Me ofendem; mas uso de misericórdia até à milésima geração para com aqueles que Me amam e guardam os meus mandamentos. Não invocarás em vão o nome do Senhor teu Deus, porque o Senhor não deixa sem castigo aquele que invoca o seu nome em vão. Lembrar-te-ás do dia de sábado, para o santificares. Durante seis dias trabalharás e levarás a cabo todas as tuas tarefas. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo nem a tua serva, nem os teus animais domésticos, nem o estrangeiro que vive na tua cidade. Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm; mas no sétimo dia descansou. Por isso, o Senhor abençoou e consagrou o dia de sábado. Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar. Não matarás. Não cometerás adultério. Não furtarás. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo. Não cobiçarás a casa do teu próximo; não desejarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi ou o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença».
 
Salmo Responsorial: 18
R. Senhor, Vós tendes palavras de vida eterna.
 
A lei do Senhor é perfeita, ela reconforta a alma; as ordens do Senhor são firmes, dão sabedoria aos simples.
 
Os preceitos do Senhor são retos e alegram o coração; os mandamentos do Senhor são claros e iluminam os olhos.
 
O temor do Senhor é puro e permanece para sempre; os juízos do Senhor são verdadeiros, todos eles são retos.
 
São mais preciosos que o ouro, o ouro mais fino; são mais doces que o mel, o puro mel dos favos.
 
Aleluia. Felizes os que recebem a palavra de Deus de coração sincero e generoso e produzem fruto pela perseverança. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 13,18-23): Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: «Vós, portanto, ouvi o significado da parábola do semeador. A todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração; esse é o grão que foi semeado à beira do caminho. O que foi semeado nas pedras é quem ouve a palavra e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando chega tribulação ou perseguição por causa da palavra, ele desiste logo. O que foi semeado no meio dos espinhos é quem ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele fica sem fruto. O que foi semeado em terra boa é quem ouve a palavra e a entende; este produz fruto: um cem, outro sessenta e outro trinta».
 
«Vós, portanto, ouvi o significado da parábola do semeador»
 
P. Josep LAPLANA OSB Monje de Montserrat (Montserrat, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, contemplamos a Deus como um lavrador bom e magnânimo, que semeia com as mãos cheias. Não poupou nada para a redenção do homem, mas gastou tudo em seu próprio Filho, Jesus Cristo, que como grão enterrado (morte e sepultamento) converteu-se em nossa vida e ressurreição graças à sua santa Ressurreição.
 
Deus é um agricultor paciente. Os tempos pertencem o Pai, porque só Ele sabe o dia e a hora (cf. Mc 13,32) de ceifar e de separar os grãos da palha. Deus espera. Também nós temos de esperar, sincronizando o relógio da nossa esperança com o desígnio salvador de Deus. Diz São Tiago «Olhai o agricultor: ele espera com paciência o precioso fruto da terra, até cair a chuva do outono ou da primavera» (Tg 5,7). Deus espera a colheita fazendo-a crescer com a sua graça. Nós tampouco não podemos dormir, mas devemos colaborar com a graça de Deus prestando a nossa cooperação, sem pôr obstáculos a esta ação transformadora de Deus.
 
O cultivo de Deus que nasce e cresce assim na terra é um fato visível em seus efeitos; podemos vê-los nos milagres autênticos e nos exemplos clamorosos de santidade de vida. Há muita gente que depois de haver escutado todas as palavras e o ruído deste mundo, tem fome e sede de ouvir a autêntica Palavra de Deus, ali onde ela se encontra viva e encarnada. Há milhões de pessoas que vivem a sua pertença a Jesus Cristo e à Igreja com o mesmo entusiasmo inicial do Evangelho, pois a palavra divina «encontra a terra onde germinar e dar fruto» (São Agostinho); o que temos que fazer é levantar a nossa moral e olhar o futuro com olhos de fé.
 
O êxito da colheita não se encontra nas nossas estratégias humanas nem no marketing, mas na iniciativa salvadora de Deus “rico em misericórdia” e na eficácia do Espírito Santo, que pode transformar as nossas vidas para que demos frutos saborosos de caridade e de contagiosa alegria.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«As obras boas que fazemos não são nada se não somos capazes de suportar também pacientemente os males. Quanto mais ascende alguém na perfeição, tanto mais cresce contra ele a adversidade do mundo» (São Gregório Magno)
 
«A palavra de Deus faz um caminho dentro de nós, A escutamos com os ouvidos e passa ao coração; não permanece nos ouvidos, deve ir ao coração; e do coração passa às mãos, às boas obras» (Francisco)
 
«Mas esta “relação íntima e vital que une a homem a Deus” pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosa, as preocupações do mundo e das riquezas, o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus e foge quando Ele o chama» (Catecismo da Igreja Católica, n° 29)
 
Reflexão
 
* Contexto.
A partir do capítulo 12, aparece uma oposição entre os líderes religiosos de Israel, os escribas e fariseus, de um lado, enquanto por outro lado, entre as multidões que ouvem Jesus maravilhadas com suas ações prodigiosas, vai-se formando pouco a pouco um grupo de discípulos de características ainda não definidas, mas que segue a Jesus com perseverança. A doze destes discípulos Jesus dá o dom da sua autoridade e de seus poderes; envia-os como mensageiros do reino e lhes dá instruções exigentes e radicais (10,5-39). No momento da controvérsia com seus adversários, Jesus reconhece a sua verdadeira parentela não vinha da carne (mãe, irmãos), mas sim nos que o seguem, ouvem e fazem a vontade do Pai (12,46 -50). Este último relato nos permite imaginar que o público a quem Jesus dirige a palavra é duplo: de um lado, os discípulos aos quais lhes concede conhecer os mistérios do reino (13,11) e que são capazes de compreendê-los (13,50 ) e, por outro lado, a multidão que parece estar privada desta compreensão profunda (13,11.34-36). Às grandes multidões que se reúnem para ouvir Jesus é apresentada em primeiro lugar a parábola do semeador. Jesus fala de uma semente que cai na terra ou não. O seu crescimento depende do lugar onde ela cai, é possível que seja impedida até o ponto de não dar frutos, como acontece nas três primeiras categorias de terra: "o caminho" (lugar duro por causa da passagem de homens e animais), "o terreno rochoso" (formada por rochas), "cardos" (terra coberta de espinhos). No entanto, aquela que cai na "boa terra" dá um fruto excelente ainda que em quantidades diferentes. O leitor é orientado a prestar mais atenção ao fruto do grão que à ação do semeador. Além disso, Mateus focaliza a atenção do público sobre a boa terra e sobre fruto que ela é capaz de produzir excepcionalmente. A primeira parte da parábola termina com uma advertência: “Aquele que tem ouvidos, ouça." (v. 9), é uma chamada para a liberdade de ouvir. A palavra de Jesus pode permanecer uma simples "parábola" para uma multidão incapaz de entender, mas para aquele que se deixa conduzir por sua força pode revelar "os mistérios do reino dos céus." O acolher a palavra de Jesus é o que distingue os discípulos e a multidão anônima, a fé dos primeiros revela a cegueira dos segundos e os empurra a buscar para além da parábola.
 
* Ouvir e compreender. É sempre Jesus quem conduz os discípulos no caminho certo para a compreensão da parábola. No futuro, será a Igreja a ser guiada através dos discípulos para a compreensão da Palavra de Jesus. Na explicação da parábola, os dois verbos "ouvir" e "entender" aparecem em 13,23: “A terra boa semeada é aquele que ouve a palavra e a compreende." É na compreensão onde o discípulo que ouve cada dia a Palavra de Jesus se distingue das multidões que só a escutam ocasionalmente.
 
* Impedimentos à compreensão. Jesus refere-se, principalmente, à resposta negativa que seus contemporâneos dão à sua pregação do reino dos céus. Esta resposta negativa está ligada a impedimentos de vários tipos. O terreno da beira do caminho é aquele que os pedestres tornaram endurecido e aparece totalmente negativo: "Todo mundo sabe que não serve para nada lançar a semente no caminho: não há as condições necessárias para o crescimento. Depois as pessoas passam, pisoteiam e destroem a semente. A semente não se lança em qualquer parte” (Carlos Mesters). Antes de tudo está a responsabilidade pessoal do indivíduo: acolher a Palavra de Deus no próprio coração; se ao contrário cai em um coração "endurecido", teimoso em suas convicções e na indiferença, se oferece campo ao maligno que acaba completar por completar esta atitude persistente de fechamento à Palavra de Deus.
 
* O solo pedregoso. Se o primeiro obstáculo é um coração insensível e indiferente, a imagem da semente que cai sobre pedras, sobre rochas e entre os espinhos, indica o coração imerso em uma vida superficial e mundana. Estes estilos de vida são a energia que impedem que a Palavra dê frutos. Ele dá um vislumbre de ouvir, mas logo se torna bloqueado, não só pelas provações e tribulações inevitáveis, mas também para o envolvimento do coração nas preocupações e riqueza. A vida não profunda e superficial provoca a instabilidade.
 
* A boa terra é o coração que ouve e compreende a palavra; esta dá frutos. Esse desempenho é o trabalho da Palavra em um coração acolhedor. Trata-se de uma compreensão dinâmica, que se deixa envolver pela ação de Deus presente na Palavra de Jesus. A compreensão da sua Palavra permanecerá inacessível se negligenciarmos o encontro com ele e não o deixamos que dialogue conosco.
 
Para um confronto pessoal
1. A escuta da Palavra de Deus, te leva à compreensão profunda ou permanece apenas como um exercício intelectual?
2. És coração acolhedor e disponível, dócil para chegar a uma compreensão plena da Palavra?